Fatores relacionados com a ocorrência de iatrogenia em idosos internados em enfermaria geriátrica: estudo prospectivo
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1 artigo Original Fatores relacionados com a ocorrência de iatrogenia em idosos internados em enfermaria geriátrica: estudo prospectivo Factors related to the occurrence of iatrogenesis in elderly patients hospitalized in a geriatric ward: a prospective study Claudia Szlejf 1, José Marcelo Farfel 2, Luís Alberto Saporetti 3, Wilson Jacob-Filho 4, José Antonio Curiati 5 RESUMO Objetivo: A proliferação de drogas, procedimentos terapêuticos, e diagnósticos na prática moderna de saúde elevam a incidência de iatrogenia, principalmente na população idosa. O objetivo do estudo foi determinar os principais fatores relacionados com a ocorrência de iatrogenia em idosos internados numa enfermaria de geriatria. Métodos: Neste estudo prospectivo foram incluídos idosos admitidos na enfermaria de Geriatria de um hospital universitário brasileiro entre 2004 e As características dos pacientes avaliados na admissão foram: sexo, idade, comorbidades, número de drogas utilizadas, funcionalidade (atividades de vida diária) e presença de síndromes geriátricas (deficit cognitivo, incontinência esfincteriana, imobilidade e instabilidade postural). Durante a internação avaliaram-se: presença de delirium, ocorrência de infecção e mortalidade. As iatrogenias ocorridas foram relatadas pela equipe multiprofissional da enfermaria. Resultados: Avaliaram-se 467 idosos com idade de 78,59 ± 8,24 anos, sendo 185 do sexo masculino. Foram relatadas 171 iatrogenias em 121 pacientes (1,41 iatrogenias por paciente), com incidência de 25,9%. Na análise multivariada, os fatores independentemente relacionados à iatrogenia encontrados foram: tempo de internação (razão de chances [OR] = 1,06; intervalo de confiança [IC] de 95% = 1,04-1,08); número de drogas utilizadas na admissão (OR = 1,12; IC = 1,03-1,21); presença de instabilidade postural (OR = 2,26; IC = 1,27-4,01); e presença de delirium (OR = 2,09; IC = 1,26-3,47). O risco relativo de óbito em pacientes com iatrogenia foi 1,71 (IC = 1,14-2,55). Conclusões: Os principais fatores relacionados à iatrogenia em idosos internados em uma enfermaria geriátrica são tempo de internação, número de drogas, presença de instabilidade postural e de delirium. A ocorrência de iatrogenia aumentou em 71% o risco de óbito na internação. Descritores: Doença iatrogênica; Idoso; Internação hospitalar; Fatores de risco ABSTRACT Objective: The proliferation of drugs, therapeutic and diagnostic procedures in the modern medical practice leads to an increased incidence of iatrogenesis especially among the elderly population. The objective of this study was to determine the major factors related to the occurrence of iatrogenesis in elderly patients hospitalized in a geriatric ward. Methods: This is a prospective study including elderly patients admitted to a geriatric ward of a Brazilian university hospital between 2004 and The patient characteristics assessed at admission were: gender, age, comorbidities, number of drugs used, functional status (activities of daily living), and presence of geriatric syndromes (cognitive deficit, sphincter incontinence, immobility and postural instability). The following parameters were analyzed during hospitalization: presence of delirium, occurrence of infection, and mortality. The iatrogenic events observed were reported by the multidisciplinary health team of the geriatric ward. Results: four hundred sixty-seven elderly with mean age of ± 8.24 years were evaluated; 185 were males. A total of 171 iatrogenic events were observed in 121 patients (25.9%) with 1.41 events per patient. In the multivariate analysis, the independent factors related to the iatrogenic events were: length of hospital stay (Odds Ratio [OR] = 1.06; 95% confidence interval [CI] = ); number of drugs used at admission (OR = 1.12; CI = ); presence of postural instability (OR = 2.26, CI = ); and presence of delirium (OR = 2.09; CI = ). The relative risk of death in patients suffering iatrogenic events was 1.71 (CI = ). Conclusions: The major factors related to iatrogenesis in elderly patients hospitalized in a geriatric ward are length of hospital stay, number of drugs used, presence of postural instability and delirium. Iatrogenic events increased the risk of death during hospitalization by 71%. Keywords: Iatrogenic disease; Aged; Hospitalization; Risk factors Estudo realizado no Departamento de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HC-FMUSP, São Paulo (SP), Brasil. 1 Pós-graduanda no Departamento de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HC-FMUSP, São Paulo (SP), Brasil. 2 Médico do Departamento de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HC-FMUSP, São Paulo (SP), Brasil. 3 Médico do Departamento de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HC-FMUSP, São Paulo (SP), Brasil. 4 Livre-docente; Professor titular do Departamento de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HC-FMUSP, São Paulo (SP), Brasil. 5 Doutor; Médico assistente do Departamento de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HC-FMUSP, São Paulo (SP), Brasil. Autor correspondente: Claudia Szlejf Rua Brasília, 99 apto. 114 Itaim Bibi CEP São Paulo (SP), Brasil Tel.: clausz@terra.com.br Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse pertinentes ao estudo ou aos autores, inclusive no que diz respeito a interesses financeiros e institucionais relevantes aos sujeitos e material da pesquisa. Data de submissão: 14/2/2008 Data de aceite: 29/6/2008
2 338 Szlejf C, Farfel JM, Saporetti LA, Jacob-Filho W, Curiati JA INTRODUÇÃO A iatrogenia pode ser definida como um evento ou doença não-intencional causada por uma intervenção, justificada ou não, por parte da equipe multiprofissional de saúde, que resulte em dano à saúde do paciente. A iatrogenia também pode ser decorrente da omissão direta de uma intervenção bem estabelecida esperada ou de um procedimento de monitoramento (1-4). A proliferação de drogas e procedimentos diagnósticos e de monitoramento levam a um aumento na incidência de iatrogenia, especialmente entre idosos, que acabam sofrendo um maior impacto (1-5). A literatura mostra uma grande variação de 6 a 65% na incidência de iatrogenia entre a população de pacientes idosos hospitalizados (1,6-10). Estudos recentes mostraram que pacientes com 65 anos de idade ou mais apresentaram um risco duas vezes maior de sofrer iatrogenia durante a internação, do que pacientes entre 16 e 44 anos de idade (9). Além disso, 9 a 23% dos idosos internados que sofreram iatrogenia apresentaram comprometimento funcional importante e 5 a 13% evoluíram para óbito durante a internação (1,4,6). Os fatores de risco relacionados à ocorrência de iatrogenia durante a internação são: idade (11), número de comorbidades (8,11), complexidade das patologias (6,12), uso de múltiplos medicamentos (4,8,11,13), tempo de internação (4,8,11,13-14), gravidade da doença no momento da internação (1,4,11) e funcionalidade (1,7,11). Esses fatores foram demonstrados por poucos estudos, em sua maioria retrospectivos, sendo que apenas alguns deles avaliaram especificamente a população idosa. Mais da metade dos eventos iatrogênicos em idosos hospitalizados podem ser prevenidos (1,6), o que reforça a necessidade de um conhecimento sólido sobre as causas de iatrogenia nessa população. O objetivo deste estudo foi determinar os principais fatores de risco associados à ocorrência de iatrogenia em pacientes idosos internados em uma enfermaria geriátrica. MÉTODOS Neste estudo observacional prospectivo foram avaliados 467 pacientes com 60 anos de idade ou mais, internados na enfermaria geriátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC- FMUSP) entre janeiro de 2004 e outubro de Trata-se de um hospital universitário quaternário com leitos localizado em São Paulo, que é conhecida como a maior cidade brasileira. A enfermaria geriátrica do hospital possui 17 leitos para pacientes com idade de 60 anos ou mais, portadores de patologias que não necessitem de tratamento cirúrgico ou internação em unidade de terapia intensiva. Os cuidados dos pacientes ficam a cargo de uma equipe multiprofissional que inclui médicos geriatras e residentes, enfermeiras, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais, todos com treinamento na área de Gerontologia. Os pacientes procederam diretamente do pronto-socorro (34.5%) ou da unidade de terapia intensiva (10.5%), ou foram encaminhados do ambulatório de geriatria (44.5%) ou de outras unidades do hospital (9,9%), tais como enfermarias de outras especialidades ou unidades de tratamento domiciliar. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Projetos de Pesquisas Clínicas do HC-FMUSP. A equipe de saúde multiprofissional registrou os dados dos pacientes participantes através de questionários prédefinidos. No momento da internação foram registrados dados relativos ao sexo, idade, número de diagnósticos e número de medicamentos em uso. A capacidade funcional foi avaliada conforme o número de atividades de vida diária básicas preservadas, de acordo com a Escala de Atividades Diárias de Katz (15). Foi avaliada a ocorrência de quatro das síndromes geriátricas mais comuns: demência, de acordo com critérios do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais, 4ª edição (DSM-IV) (16) ; incontinência esfincteriana, definida como a perda involuntária de urina ou fezes em quantidade e freqüência suficientes para caracterização de problema social e/ou de saúde (17) ; imobilidade, definida como a incapacidade de mudança de decúbito sem auxílio (18) ; e instabilidade postural, definida como a ocorrência de duas ou mais quedas no ano anterior (19). Durante a internação, os pacientes foram avaliados diariamente pela equipe de saúde multiprofissional. Foram observados infecções e delirium. A avaliação de delirium foi feita de acordo com o Método de Avaliação da Confusão (20-21). Foram realizados exames laboratoriais para observação clínica e acompanhamento de cada paciente. Não houve coleta de amostras específicas para a realização deste estudo. Ao final da internação, foram registrados o tempo de internação e mortalidade hospitalar. Os dados foram obtidos diretamente dos pacientes, quando possível, ou de familiares. Foi considerado iatrogênico qualquer evento ou ocorrência durante a internação, resultante de conduta médica (e, não do processo patológico em si), mensurável por sintomas clínicos ou exames laboratoriais e que tenha tido conseqüências deletérias ao paciente. Não foram considerados iatrogênicos os eventos que não apresentaram uma relação clara de causa e efeito com a conduta médica e quadro clínico adverso subseqüente. Da mesma forma, uma intervenção, ainda que tenha tido vários resultados adversos, foi considerada um único evento iatrogênico. Foi estabelecida uma classificação para auxiliar na descrição e análise dos eventos iatrogênicos mais freqüentemente registrados: categoria diagnóstica, quando o evento foi atribuído a problemas relacionados ao diagnóstico (omissão de diagnóstico ou diagnóstico inadequado); categoria terapêutica, quando o evento
3 Fatores relacionados com a ocorrência de iatrogenia em idosos internados em enfermaria geriátrica: estudo prospectivo 339 foi decorrente do uso de medicamento, procedimento terapêutico ou omissão de procedimento médico amplamente aceito; categoria ocorrência, quando o evento foi causado por queda, úlcera de decúbito ou outros fatores não incluídos nas duas primeiras categorias. Os eventos iatrogênicos foram relatados e descritos sucintamente pelo profissional que primeiro os observou. Não foram considerados os eventos iatrogênicos ocorridos antes da internação na enfermaria geriátrica, ainda que o paciente continuasse sofrendo suas conseqüências. A equipe de saúde multiprofissional da enfermaria geriátrica foi treinada para reconhecer e classificar os eventos iatrogênicos. Foram agendadas reuniões mensais com membros da equipe não-envolvidos com a coleta de dados sob a supervisão de dois geriatras experientes, com o propósito de validar os relatórios e diagnósticos de iatrogenia. Análise estatística Foi usado o teste t de Student para variáveis quantitativas e o teste exato de Fischer ou teste do χ 2 para variáveis categóricas, dependendo do tamanho da amostra. As análises foram realizadas pelo programa estatístico MI- NITAB, versão 14 (Minitab, Inc., State College, Pensilvânia). Foi admitido um erro alfa de 5%. Foi usado o modelo de regressão logística do programa estatístico SSP, versão 11 (SPSS, Inc., Chicago, Illinois) para determinar os fatores relacionados à iatrogenia. Foram retidas as variáveis com valores de p < 0,10 à análise univariada. Para estimar a associação de iatrogenia com as variáveis do estudo, utilizou-se análise multivariada através de razão das chances (OR) com intervalo de confiança de 95% (IC 95%). Foi determinado um ponto de corte com 80% de sensibilidade na curva ROC para as variáveis quantitativas selecionadas pela análise multivariada. A relação entre iatrogenia e ocorrência de óbito foi representada como risco relativo (RR) com IC 95%. RESULTADOS Tabela 1. Variáveis demográficas e clínicas da população avaliada (n = 467) Variáveis Valores Idade, anos, média ± dp 78,59 ± 8,24 Sexo masculino, n (%) 185 (39,6) Tempo de internação, dias, média ± dp 15,4 ± 14,4 Número de diagnósticos, média ± dp 5,44 ± 2,06 Número de drogas utilizadas à admissão, média ± dp 5,18 ± 2,88 Atividades de vida diária preservadas, média ± dp 3,06 ± 2,68 Infecção, n (%) 226 (49%) Delirium, n (%) 136 (29,5%) Demência, n (%) 124 (26,9%) Incontinência esfincteriana, n (%) 168 (36,4%) Instabilidade postural, n (%) 80 (17,4%) Imobilidade, n (%) 152 (33%) Número de síndromes geriátricas, média ± dp 1,49 ± 1,17 Óbitos, n (%) 80 (17%) dp = desvio padrão A Tabela 1 mostra as características dos participantes do estudo. A incidência de iatrogenia na enfermaria geriátrica durante o período do estudo foi de 25,9% (121 pacientes), sendo que 26,4% dos pacientes apresentaram mais de um evento iatrogênico durante a internação. Foram relatados 171 eventos iatrogênicos, com uma média de 1,41 eventos por paciente. A maioria dos eventos iatrogênicos foi classificado na categoria terapêutica, com 53% (n = 53) relacionados à utilização de medicamentos. A segunda maior incidência de eventos iatrogênicos correspondeu à categoria ocorrência (27,5%, n = 51), com 34% (n = 18), atribuídos a quedas e 32% (n = 16) a úlceras de decúbito. A menor incidência de eventos relacionou-se a problemas diagnósticos (11,7%, n = 20). A Tabela 2 mostra exemplos dos eventos iatrogênicos mais freqüentes neste estudo, de acordo com sua classificação. Tabela 2. Iatrogenias freqüentes conforme sua classificação Iatrogenia n = 121 (pacientes) 1. Diagnóstica a) Procedimentos diagnósticos Demora na realização de exames diagnósticos, com 5 (4%) internação prolongada Insuficiência renal aguda por uso de contraste iodado 3 (2%) Desidratação durante preparo para colonoscopia 3 (2%) b) Erro diagnóstico Demora em identificar um estado de delirium 1 (0,8%) Colonoscopia desnecessária 1 (0,8%) 2. Terapêutica a) Procedimentos terapêuticos Flebite em acesso venoso periférico 14 (11%) Atraso na realização de cirurgia, com internação 7 (5,7%) prolongada Complicações devido ao uso de sonda nasogástrica 7 (5,7%) (aspiração de alimentos, sonda colocada no trato respiratório, sinusite) Complicações relacionadas ao acesso venoso central 6 (5%) (infecção, acidente relacionado à punção, pneumotórax) Infecção urinária devido ao uso de sonda vesical de demora 5 (4%) Complicações cirúrgicas (hemorragia, deiscência 4 (3,3%) anastomótica, hematoma na ferida cirúrgica) b) Reações adversas a drogas Insuficiência renal aguda por inibidores da ECA* 6 (5%) Hipoglicemia por insulina 4 (3,3%) Hipotensão por drogas anti-hipertensivas 4 (3,3%) Hipoglicemia por hipoglicemiantes orais 3 (2%) Insuficiência renal aguda por diuréticos 3 (2%) Ocorrência a) Úlcera de decúbito 14 (11%) b) Quedas Sem repercussão 13 (10,7%) Queda com fratura 1 (0,8%) Queda com lacerações ou equimoses 1 (0,8%) c) Infecção hospitalar não-relacionada a procedimento 2 (1,6%) diagnóstico ou terapêutico * ECA: enzima conversora de angiotensina
4 340 Szlejf C, Farfel JM, Saporetti LA, Jacob-Filho W, Curiati JA A análise univariada mostrou que a incidência de iatrogenia correlacionou-se significativamente com maior tempo de internação, maior número de medicamentos usados à admissão, presença de infecção durante a internação, maior número de síndromes geriátricas, incontinência esfincteriana, instabilidade postural, imobilidade e presença de delirium durante a internação (Tabela 3). Não houve correlação significativa entre iatrogenia e sexo, número de diagnósticos, número de atividades de vida diária preservadas e presença de demência. Tabela 3. Comparação das variáveis analisadas em pacientes com e sem iatrogenia Variáveis Com iatrogenia (n = 121) Sem iatrogenia (n = 346) Valor de p Idade, anos, média + dp* 79,83 ± 8,16 78,16 ± 8,24 0,054 Sexo masculino, n (%) 51 (42,2%) 134 (38,7%) 0,974 Tempo de internação, dias, média + dp Número de diagnósticos, média + dp Número de drogas, média ± dp Atividades de vida diária preservadas, média ± dp 24,79 ± 20,57 12,12 ± 9,5 < 0,001 5,67 ± 1,96 5,36 ± 2,09 0,160 5,68 ± 3,02 5,00 ± 2,81 0,033 3,05 ± 2,71 3,07 ± 2,68 0,952 Infecção, n (%) 69 (57,5%) 157 (46,2%) 0,03 Delirium, n (%) 51 (42,5%) 85 (24,9%) < 0,001 Demência, n (%) 35 (29,2%) 89 (26,1%) 0,515 Incontinência esfincteriana, n (%) 54 (45%) 114 (33,4%) 0,024 Instabilidade postural, n (%) 37 (30,8%) 43 (12,6%) < 0,001 Imobilidade, n (%) 53 (44,2%) 99 (29%) 0,002 Número de síndromes geriátricas, média ± dp 1,96 ± 1,18 1,34 ± 1,12 < 0,001 Óbitos 30 (24,8%) 50 (14,3%) 0,008 * dp: desvio padrão A iatrogenia também se correlacionou com óbito dos pacientes. O risco relativo de óbito durante a internação para pacientes que sofreram iatrogenia foi de 1,71 (IC 95% 1,14-2,55), sendo 10,8% dos eventos iatrogênicos diretamente relacionados ao óbito dos pacientes. Foram construídas curvas ROC para variáveis quantitativas, com ponto de corte a 80% de sensibilidade. O ponto de corte para a variável de dias de internação foi de dez dias, e a área sob a curva foi de 0,73. Pacientes internados durante mais de dez dias apresentaram maior incidência de iatrogenia, sendo a OR = 4,13 (IC 95% = 2,55-6,70). A curva ROC construída para o número de medicamentos utilizados na admissão forneceu uma área sobre a curva próxima de 0,5, sendo, portanto, irrelevante a análise do ponto de corte. O número de dias de internação, de medicamentos utilizados à admissão, a presença de instabilidade postural e presença de delirium mostraram-se, independentemente, associados à incidência de iatrogenia quando se utilizou análise multivariada (Tabela 4). A variável óbito não foi incluída na análise, visto que não se trata de um evento iatrogênico em si, mas uma possível conseqüência deste. Tabela 4. Razão de chances (Odds Ratio) de fatores independentemente associados à iatrogenia Fatores associados Razão de chances (Odds Ratio, IC 95%) Valor de p Tempo de internação 1,06 (1,04-1,08) < 0,001 Drogas utilizadas à admissão 1,12 (1,03-1,21) 0,009 Instabilidade postural 2,26 (1,27-4,01) 0,006 Delirium 2,09 (1,26-3,47) 0,004 DISCUSSÃO Os resultados do presente estudo identificaram uma elevada incidência de iatrogenia na população idosa hospitalizada, sendo a iatrogenia independentemente correlacionada com o número de dias de internação e de medicamentos utilizados à admissão, presença de delirium e instabilidade postural. O ponto forte de nosso estudo foi seu principal objetivo em avaliar prospectivamente os determinantes de eventos iatrogênicos durante a internação de pacientes idosos. A maioria dos estudos anteriores foi retrospectiva, o que comprometeu sua confiabilidade, uma vez que a incidência de iatrogenia pode ser superestimada por viés de revisão, ou subestimada devido à falta de dados apropriados nos prontuários médicos. Esta foi provavelmente a causa da grande variação na incidência de iatrogenia (6 a 65%) encontrada na literatura (1,6-10). A incidência de iatrogenia encontrada em nosso estudo foi semelhante à de outro estudo prospectivo recente, que, no entanto, considerou uma população de idosos internados em uma enfermaria de clínica geral de um hospital escola, enquanto nossos pacientes eram de uma enfermaria geriátrica. Outros estudos prospectivos que avaliaram a incidência de iatrogenia em pacientes idosos internados apresentaram valores mais altos, quer porque sua amostra era menor (6,10), quer porque a avaliação incluiu pacientes internados em unidade de terapia intensiva e não somente na enfermaria de geriatria (4). Considerando-se os tipos de eventos iatrogênicos, nossos achados corroboram os de outros estudos, mostrando que a intervenções terapêuticas são as principais causas de iatrogenia, seguidas da categoria ocorrência (4,6,8). Esses estudos também mostraram que o principal determinante de iatrogenia terapêutica foi as reações adversas a drogas (4,8) e as quedas foram o evento mais freqüente na categoria ocorrência (4,6). A correlação significativa entre iatrogenia e o número de dias de internação (4,8,11,14) e número de medicamentos utilizados à admissão (4,8,11) encontrada em nosso estudo é condizente com os achados de outros estudos. No entanto, esses estudos anteriores usaram apenas análise univariada e não incluíram essas variáveis
5 Fatores relacionados com a ocorrência de iatrogenia em idosos internados em enfermaria geriátrica: estudo prospectivo 341 no modelo de regressão logística. No presente estudo, ambas as variáveis foram estatisticamente significativas à análise multivariada. Também avaliamos com mais cuidado o impacto da internação mais prolongada de pacientes idosos sobre a ocorrência de iatrogenia e verificamos que o tempo de internação maior que dez dias aumentou em quatro vezes a chance de eventos iatrogênicos. Ainda identificou-se uma correlação significativa entre a presença de instabilidade postural e iatrogenia. Lefevre et al. também demonstraram que a incapacidade de deambular sem ajuda foi um fator independente relacionado à iatrogenia (1). Os achados anteriormente descritos refletem a alta complexidade e fragilidade dos pacientes debilitados, que estão mais sujeitos a apresentar complicações durante a internação. Este estudo difere dos outros por ter demonstrado que a iatrogenia está independentemente associada ao delirium durante a internação. O delirium, juntamente com outros achados clínicos, pode refletir doenças sérias que requerem procedimentos terapêuticos e diagnósticos mais agressivos, levando o paciente a uma evolução indesejada. Um estudo prospectivo delineado para identificar os fatores de risco para a ocorrência de delirium em idosos hospitalizados mostrou que a iatrogenia é um fator independente significativo (22). Não foi possível determinar se o delirium foi a causa ou conseqüência de iatrogenia no presente estudo. Diferentemente de achados anteriores (7), nosso estudo não encontrou nenhuma relação entre uma escala de atividades de vida diária de Katz preservada e a ocorrência de iatrogenia, nem entre iatrogenia e demência. Alguns estudos relacionaram a iatrogenia às más condições clínicas, à admissão e procedência do paciente (1,4,11), porém tais fatores não foram considerados no presente estudo. Encontramos maior incidência de óbito entre pacientes que sofreram iatrogenia, o que corrobora os achados de outros estudos (4). Embora o risco relativo de óbito em idosos que sofreram iatrogenia seja um fator extremamente importante, não foi completamente investigado em estudos anteriores, e foi possível observar um aumento de 71% de óbito dos pacientes durante a internação. Nosso achado de que 10,8% dos eventos iatrogênicos estão diretamente relacionados a óbito durante a internação é semelhante aos dados relatados na literatura (1,4,6). Nosso estudo apresentou as seguintes limitações: a maioria dos eventos iatrogênicos foi relatada por médicos residentes em Geriatria e internos multiprofissionais em Gerontologia, levantando a possibilidade de que profissionais menos experientes e ocupados com os cuidados aos pacientes tenham deixado de relatar algumas ocorrências. Para minimizar este fato, os eventos iatrogênicos relatados foram periodicamente revisados por toda a equipe de saúde multiprofissional sob a supervisão de dois médicos geriatras experientes. Outra limitação de nosso estudo foi a homogeneidade da amostra, cuja média de idade foi de 78 anos. Desta forma, o fator idade não pôde ser devidamente analisado como variável relacionada à iatrogenia, pondo em risco a reprodutibilidade desses dados em uma população geriátrica mais jovem. CONCLUSÕES A compreensão do perfil de idosos com risco aumentado de sofrer iatrogenia durante a internação é de grande importância na literatura. Os eventos iatrogênicos em pacientes idosos estão diretamente associados a taxas de mortalidade hospitalar mais elevadas. O conhecimento dos principais fatores relacionados à iatrogenia em pacientes idosos internados em uma enfermaria geriátrica, como tempo de internação, reações adversas a drogas, instabilidade postural e presença de delirium, pode ser o pilar de estratégias preventivas para pacientes de alto risco, a fim de reduzir a incidência de eventos iatrogênicos, em um esforço de assegurar aos idosos uma internação melhor e mais segura. AGRADECIMENTOS Agradecemos a Maria Carmen Diva pelo auxílio quanto à análise estatística. REFERÊNCIAS 1. Lefevre F, Feinglass J, Potts S, Soglin L, Yarnold P, Martin GJ, et al. Iatrogenic complications in high-risk, elderly patients. Arch Intern Med. 1992;152(10): Carvalho Filho ET, Souza MAR, Vaz CMK, Hojaij NS, Yoshihara LAK. Iatrogenia no idoso. Rev Bras Med. 1996;53(3): Pereira AC, Franken RA, Sprovieri SRS, Golin V. 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6 342 Szlejf C, Farfel JM, Saporetti LA, Jacob-Filho W, Curiati JA 11. Madeira S, Melo M, Porto J, Monteiro S, Pereira de Moura JM, Alexandrino MB, et al. The diseases we cause: iatrogenic illness in a department of internal medicine. Eur J Intern Med. 2007;18(5): Leape LL, Brennan TA, Laird N, Lawthers AG, Localio R, Barnes BA, et al. The nature of adverse events in hospitalized patients. Results of the Harvard Medical Practice Study II. N Engl J Med. 1991;324(6): Passarelli MC, Jacob-Filho W, Figueras A. Adverse drug reactions in an elderly hospitalised population: inappropriate prescription is a leading cause. Drugs Aging. 2005;22(9): Baker GR, Norton PG, Flintoft V, Blais R, Brown A, Cox J, et al. The Canadian Adverse Events Study: the incidence of adverse events among hospital patients in Canada. CMAJ. 2004;170(11): Katz S, Downs TD, Cash HR, Grotz RC. Progress in development of the index of ADL. Gerontologist. 1970;10(1): American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4th ed. Washington, DC: APA; Ouslander JG, Johnson II TM. Incontinence. In: Hazzard WR, Blass JP, editors. Principles of Geriatric Medicine & Gerontology. 5th ed. Columbus, OH: McGraw- Hill; p Studenski S. Mobility. In: Hazzard WR, Blass JP, editors. Principles of Geriatric Medicine & Gerontology. 5th ed. Columbus, OH: McGraw-Hill; p Nevitt MC, Cummings SR, Kidd S, Black D. Risk factors for recurrent nonsyncopal falls. A prospective study. JAMA. 1989;261(18): Inouye SK, van Dyck CH, Alessi CA, Balkin S, Siegal AP, Horwitz RI. Clarifying confusion: the confusion assessment method. A new method for detection of delirium. Ann Intern Med. 1990;113(12): Fabbri RM, Moreira MA, Garrido R, Almeida OP. Validity and reliability of the Portuguese version of the Confusion Assessment Method (CAM) for the detection of delirium in the elderly. Arq Neuropsiquiatr. 2001;59(2-A): Inouye SK, Charpentier PA. Precipitating factors for delirium in hospitalized elderly persons. Predictive model and interrelationship with baseline vulnerability. JAMA. 1996;275(11):852-7.
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