Palavras-chave: norma padrão, ideologias, preconceito linguístico, linguagem falada.
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- Ana Vitória Espírito Santo de Figueiredo
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1 IDEOLOGIAS PRESENTES NA FORMAÇÃO E NA MANUTENÇÃO DA DICOTOMIA ENTRE A NORMA PADRÃO E A LINGUAGEM FALADA 1 Priscila Teixeira da Silva Jamille Pereira Pimentel UNEB campus XII Comunicação oral Resumo: Este texto reflete sobre os elos ideológicos presentes na criação e oficialização da língua de um país, baseado principalmente no estudo das obras de Marcos Bagno, que afirma ser a norma padrão excludente e repressora. Excludente por em seu processo de formação, desconsiderar a realidade linguística dos povos e repressora, por estar permeada por uma visão de superioridade de determinada classe que a utiliza (a norma padrão) para fundamentar preconceitos linguísticos que na verdade não passam de reflexos do preconceito social e econômico sobre os sujeitos que não a utilizam. No entanto, pela supervalorização do latim, foram tantas as modificações e substituições, como no caso do Brasil, que se criou uma norma padrão que não passa de um discurso, uma idealização já que, como alega Bagno (2007), não pode ser considerada língua, dialeto ou variedade, pois não possui falantes. Quanto mais o tempo passa, maior é o distanciamento entre o que é pregado na norma padrão e como realmente as pessoas se comunicam, contudo, o preconceito e a dominação continuam, já que a sociedade supervaloriza a norma culta, que é a que mais se assemelha à norma padrão. E quando expandimos essa discussão para a ideia de cultura de Bourdieu, currículo de Silva e avaliações de certo e errado de Soares, percebemos a influência da escola na manutenção desse preconceito linguístico, e que pode acabar com a principal função do ensino da língua, que é ampliar a capacidade comunicativa, já que muitos podem se sentir falantes de uma linguagem errada, ou pior, incapazes de falar. Palavras-chave: norma padrão, ideologias, preconceito linguístico, linguagem falada. INTRODUÇÃO: Quando o aluno se insere no sistema educacional, este já se depara com um currículo pronto, previamente estabelecido onde percorrerá até ao final da sua escolarização. No entanto, faz-se oportuno o seguinte questionamento: quando o seu contexto, seja ele local, linguístico ou cultural será valorizado? Na escola cobra-se o uso da norma padrão desde antes da democratização do ensino. A linguagem do aluno das camadas populares que ele já adquiriu antes de adentrar pela
2 escola não é valorizada e a todo o tempo é tachada de errada e imprópria. Já os grupos privilegiados, familiarizados com a norma padrão conseguem absorver os conteúdos com mais facilidade e encontram nesse sistema escolar, uma arma poderosa que contribuirá para os seus êxitos. A supervalorização da norma padrão em detrimento do dialeto popular causa um enorme distanciamento entre os grupos populares e os grupos privilegiados, pois isso demarca ainda mais as disparidades existentes em nossa sociedade, transformando essas diferenças em desigualdades. Desmistificar a ideia de cultura ou conhecimento superior é uma dos grandes obstáculos da nossa sociedade, pois a igualdade é um pressuposto que perpassa por todas as esferas, até mesmo nas questões de linguagem, e isso não pode ser ignorado. 2 OBJETIVOS: Perceber através de uma análise histórica as ideologias presentes na construção de uma norma padrão; Refletir acerca da disparidade entre o que é pregado na norma padrão e o que é utilizado pelos brasileiros; Desmistificar a idéia de que a norma padrão faz parte da língua. Refletir sobre a permanência do preconceito linguístico presente não só na sociedade como também na escola. METODOLOGIA: Este trabalho é fruto de um estudo focado numa análise de uma das principais obras de Marcos Bagno: Nada na língua é por acaso (2007), atrelado as discussões sobre linguagem de Magda Soares e Luiz Carlos Cagliari, e sobre cultura e o papel da escola a partir das ideias de Bourdieu. DESENVOLVIMENTO/REFERENCIAL TEÓRICO:
3 3 Na história da humanidade percebemos que a partir do momento em que se forma uma comunidade e esta se centraliza em torno de uma mesma cultura e território criando assim um Estado centralizado, surge à necessidade de se instituir uma linguagem padrão para unificar e identificar a comunidade. Diante da grande variedade linguística existente, era necessário fazer uma seleção de qual língua seria oficial, para tanto criou se todo um processo de idealização de uma cultura superior refinada, que teria por mérito o direito de ser a escolhida, provocando assim a exclusão de uma grande variedade de dialetos falados pelas comunidades marginalizadas. Esse processo de idealização é fruto de influências da classe dominante submersa no conceito errôneo de linguagem superior e inferior. Nenhuma dessas línguas ou variedades foi escolhida por ser mais bonita, mais lógica, mais exata, mais elegante, mais refinada que as outras. A escolha se fez por critérios exclusivamente políticos e ideológicos: quem está no poder vai querer impor o seu modo de falar a todo o resto da população. (BAGNO, 2007: 89) Nesse processo o que estava em jogo não era a linguagem e nem a maneira de falar, mas sim, que classe social que a utilizava. E nesse jogo de interesses, nada mais natural e esperado do que se utilizar a linguagem da civilização mais reconhecida a grega - e a gramática utilizada pela instituição mais poderosa - a Igreja Católica - a gramática latina. Na criação desse idioma oficial além de se escolher uma linguagem falada pela minoria da população ainda a modificou para se aproximar dessas gramáticas idealizadas citadas acima. Então se teve assim o início do processo conhecido como latinismos, que são os empréstimos feitos diretamente ao latim clássico e, o processo de recondução, que pauta-se na modificação de uma palavra para torná-la mais próxima do étimo latino, linhagem que também se estendeu para o Brasil. Percebemos assim o início da construção da distância entre norma padrão e linguagem falada. E com o passar do tempo esta disparidade só ia aumentando, já que a norma padrão não conseguiu impedir as transformações na linguagem realmente utilizada, fato esse perceptível no pensamento de Cagliari (2000:36) quando ele afirma que o português,
4 como qualquer língua, é um fenômeno dinâmico, não estático, isto é, evolui com o passar do tempo pelos usos diferentes no tempo e nos mais diversos agrupamentos sociais. Na nossa gramática ainda temos problemas decorrentes da colonização, o qual nos foi imposta uma gramática e uma linguagem proveniente de Portugal que não foi capaz de abarcar toda a miscigenação linguística dos povos que aqui viviam e os que vieram viver. Dessa forma ainda hoje persiste esse distanciamento entre norma padrão e linguagem falada, causando nos brasileiros um sentimento de que o português é absurdamente difícil, e que só se fala certo quem fala de acordo com a norma padrão. No entanto se formos fazer uma análise aprofundada, perceberemos que ninguém no nosso país fala a norma padrão, nem sequer as escolas, as provas de concursos e os diversos textos literários a utilizam. Então é correto considerar uma norma que é um produto sociocultural e político, como fazendo parte da língua se ela não tem falantes? Segundo Bagno, não. Ele afirma que a norma padrão não pode ser considerada língua, nem dialeto e nem variedade linguística, já que não há falantes dessa norma. 4 Para usar os termos variedade, dialeto ou língua, é necessário que exista um conjunto de pessoas que realmente falem essa variedade, esse dialeto, essa língua. Ora, ninguém fala, efetivamente, o padrão, nem mesmo as pessoas altamente escolarizadas em situações de interação verbal extremamente formais. (BAGNO, 2007: 95) Sendo assim, temos três portugueses: o da norma padrão, o da norma culta e o falado pelas camadas populares. No entanto ainda percebemos que os processos ideológicos de exclusão persistem mesmo a norma padrão não tendo falantes, já que a sociedade mantém a discriminação e o preconceito linguístico quando privilegia a norma culta por esta ser a que mais se assemelha à norma padrão. Assim percebemos que o preconceito linguístico vai muito mais além da língua, ele esta atrelado ao preconceito social e cultural a que as classes menos favorecidas estão submetidas. Segundo o autor Edward Taylor(1993) citado por Pinto (2005) Cultura é todo complexo que inclui crenças, arte, moral leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Dessa forma a linguagem ou dialeto de uma comunidade, é uma das características do seu saber local, da sua cultura.
5 É certo que todos nos falamos português, no entanto, este se diversifica quando em contato com a cultura e a situação de cada região. Segundo Marcos Bagno (1999: 16) os falantes da variedade linguística não-padrão são a maioria de nossa população. Contudo, essa linguagem e seus falantes sempre foram e são vitimas de preconceito, lhe é atribuído o estigma de língua errada, e as pessoas que a falam são vistas como pouco desenvolvidas cognitivamente. Quando levamos essa questão para o âmbito da educação, em sua grande maioria, percebemos que não se leva em conta qualquer experiência trazida pelo aluno, ou mesmo às características da comunidade em que estes espaços estão inseridos, como por exemplo, e principalmente, a linguagem. O currículo que segundo Tomaz Tadeu da Silva (2005) é sempre um resultado de uma seleção, de um universo mais amplo de conhecimentos - em sua execução deveria ter como principio o respeito à diversidade étnica e cultural, devendo insistir na análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através das relações de desigualdade; a diferença, mais do que tolerada e respeitada é colocada permanentemente em questão. Bourdieu e Passeron, em sua teoria, deixam claro a questão da violência simbólica que ocorre com os alunos em sala de aula. Sendo eles subordinados a reproduzirem uma cultura distante de suas experiências e saberes locais. O ponto de partida do pensamento de Bourdieu (2002) é quando ele afirma que nenhuma cultura pode ser subjetivamente superior a outra; Assim, a cultura escolar necessita para ser legitimada, se apresentar como uma cultura neutra, ou seja, conferida por uma ação pedagógica aos conteúdos que ela transmite e estes não devem ser vinculados à classe social. O argumento central deste sociólogo é quando ele enfatiza sobre as camadas dominadas, o maior efeito da violência simbólica exercida pela escola, não é a perda da cultura, mas o reconhecimento por parte dessa camada, da superioridade e legitimidade da cultura dominante. (BOURDIEU: 1992:32). Bourdieu (id) procura demonstrar ainda em sua teoria, que a escola valoriza e cobra não apenas o domínio de um conjunto de referências culturais e linguísticas, mas também, um modo especifico de ser e se relacionar com a cultura e o saber; valorizando uma desenvoltura intelectual, uma elegância verbal, uma familiaridade com a língua e com a cultura legítima. Num ensino gramaticalista, nem ao menos se ensina a gramática vigente, obriga-se o aluno a aprender algo que ele nem mesmo sabe para quê. 5
6 É preciso desmistificar a hierarquia existente entre a norma padrão e a língua falada, já que essa ignorância repousa, sobretudo, na premissa de que pode haver línguas ou variedades linguísticas superiores e inferiores, melhores e piores. (SOARES, 2002:38). Dessa forma, não estamos negando a importância do ensino da norma culta, mas propondo que este seja realizado na perspectiva de complementaridade, de instrumentalização, sem atribuir preconceitos a linguagem do educando, o que pode acarretar uma resistência nele à norma padrão; ou ao contrário, um abandono total do seu dialeto, tornando-o um estrangeiro em sua comunidade e impregnando nele o preconceito, referente à linguagem das pessoas que o cercam. Logo, se o objetivo maior do ensino da língua portuguesa culta é o de aumentar a capacidade de comunicação dos alunos na fala e na escrita, esse ensino não pode continuar baseando-se no preconceito referente à linguagem local dos alunos, pois isso acarretará consequências graves, tais como: inibição comunicativa, sufocamento da expressão pessoal, bloqueio da criatividade e medo obsessivo de errar, não permitindo à pessoa que ela se comunique bem, com fluência e naturalidade, pois esta começará a se sentir não como falante de uma língua errada, mas sim incapaz de se comunicar. 6 As avaliações em termos de certo e errado, melhor e pior, em relação a usos da língua, refletem preconceitos que estigmatizam o uso que dela fazem os grupos de baixo prestígio social. O conceito de deficiência linguística é fruto desse preconceito, [...] e tem servido para legitimar a discriminação que na escola se faz dos alunos pertencentes às camadas populares. (SOARES, 2002: 42-43) Percebemos assim, a real necessidade de desmistificar no imaginário social a ideia de que a norma padrão é a certa, já que como vimos, ela não faz parte da nossa realidade linguística, foi algo construído e que nada mais é, do que uma idealização. Como também precisamos repensar a maneira como se ensina o português, sendo que não há sentido em perpetuar esse estereótipo de linguagem superior e inferior, pois assim estaríamos dando continuidade ao preconceito citado acima, onde a norma que é valorizada é a norma culta,
7 por ser a que mais se assemelha à norma padrão, perpetuando dessa forma, as ideologias presentes na construção desta. 7 CONCLUSÕES: Diante dos estudos, questionamentos e percepções que analisamos, fica evidente, como afirma Marcos Bagno, que Nada na língua é por acaso. Campo de ideologias, jogos de poder, espaço de privilégios, instrumento de dominação e de exclusão, é o que permeia a construção e a legitimação da norma padrão de um país. Jogo de influências que permanece na valorização da norma culta por ser a mais próxima da norma padrão. E só através desta percepção será possível construir uma educação e uma sociedade que aceita as variedades linguísticas. Compreender e valorizar as diferentes formas de comunicação é um dos grandes desafios da escola e da sociedade, entender que contextos diferenciados ocasionam comunicações diferenciadas e, mesmo sendo diferentes todas elas fazem parte do português brasileiro, já que todas elas são como afirma Soares (2002: 39) igualmente válidas como instrumento de comunicação social. Não há linguagem errada, o que há, são culturas, contextos e situações que exigem comportamentos e comunicações diferenciadas, sem atribuições de juízo de valor. REFERÊNCIAS: BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, Preconceito linguístico: O que é, como se faz. 23 ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
8 8 BOURDIEU, Pierre. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. 10º ed. São Paulo: Scipione, GERALDI, João Wanderley. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas, SP. Mercado de Letras, PINTO, Heldina. O global e o Local na construção das práticas curriculares. Tese de Doutorado, PUC SP, SILVA, Tomaz Tadeu da Silva. Documento de identidade. Belo Horizonte: MG, 2ª ed. Autêntica, SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 2002.
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