Contribuições do Programa Etnomatemática e da Cultura Surda para o Processo de Ensino e Aprendizagem de Estatística para um aluno Surdo
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- Cecília Imperial Peralta
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1 Contribuições do Programa Etnomatemática e da Cultura Surda para o Processo de Ensino e Aprendizagem de Estatística para um aluno Surdo Pablo Ricardo Cardoso 1 GD16 Etnomatemática Resumo do trabalho. Este trabalho pretende apresentar uma pesquisa em desenvolvimento no Mestrado Profissional em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto. O principal objetivo desse projeto é a construção de um produto educacional destinado ao ensino e aprendizagem do conteúdo de Estatística para um aluno Surdo do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública inclusiva. Para atingir esse objetivo pretende-se utilizar o estudo de caso e a pesquisa-ação como recursos metodológicos. A pesquisa será realizada em uma escola pública na qual o professor-pesquisador é docente. Como referencial teóricometodológico serão utilizadas a Etnomatemática e a Cultura Surda, através dos Estudos Surdos em Educação, pois, acredita-se que a aprendizagem deve estar associada à cultura do indivíduo. O indivíduo Surdo tem características específicas relacionadas à Cultura Surda, como por exemplo a sua língua, a Libras. A expectativa é que o produto educacional seja um recurso inovador no processo de ensino e aprendizagem de Estatística, contribuindo para uma formação crítica do cidadão. Além disso, espera-se que esse estudo seja capaz de promover discussões relevantes a respeito da Educação de Surdos. Palavras-chave: Etnomatemática; Cultura Surda; Estudos Surdos; Estatística. Uma trajetória rumo a Educação Matemática de alunos Surdos O presente projeto que será desenvolvido no Mestrado Profissional em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), justifica-se por buscar contribuições para o campo de pesquisas relacionadas à Educação de Surdos. O interesse pela Educação de Surdos surgiu a partir da constatação de que durante o curso de licenciatura em Matemática não houve disciplina ou ementa de disciplinas que abordassem a temática da Educação de Surdos ou mesmo da Educação Especial. Além disso, esse professor-pesquisador tem grande interesse no estudo de línguas, sendo a Libras uma delas. As avaliações padronizadas de diferentes países mostram que o desempenho de alunos Surdos é inferior ao de alunos ouvintes em Matemática, porém, existem estudos que comprovam que os alunos Surdos não possuem deficiências cognitivas (NUNES, 2004). Pesquisadores têm se dedicado a investigar quais fatores afetam a aprendizagem desses alunos e como contribuir para o processo de ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos para essa população escolar. Dessa maneira, pretende-se utilizar a perspectiva Etnomatemática para construir um produto educacional que contribua para o processo de 1 Universidade Federal de Ouro Preto, pablorcardoso@gmail.com, orientador: Dr. Milton Rosa.
2 ensino e aprendizagem de Estatística para alunos Surdos. A Educação Etnomatemática é capaz de promover uma argumentação política que contribui para minimizar ou erradicar a marginalização de povos, sociedades e culturas (BARTON, 2002 apud ESQUINCALHA, 2004). Sendo assim, justifica-se a adoção da Etnomatemática para conduzir o processo de ensino e aprendizagem para alunos Surdos inseridos em uma sala de aula ouvinte. Esses alunos pertencem à Cultura Surda, algumas vezes bilíngues em LIBRAS/Português e que, geralmente, tem os seus direitos comprometidos devido à dominação hegemônica dos ouvintes sobre as identidades surdas, a língua de sinais, a surdez e os Surdos (SKLIAR, 2011). A Cultura Surda pode ser considerada como a maneira pela qual os Surdos se relacionam com o mundo através de sua língua, de suas ideias, de suas crenças e de seus costumes e hábitos (SCHIMITT; LUCHI, 2014). Nessa cultura, os Surdos desenvolvem meios para que possam entender e compreender o mundo, modificando-o, para torná-lo acessível por meio de ajustes às suas percepções visuais, que contribuem para a definição da identidade Surda (STROBEL, 2008). De acordo com esse contexto, é importante enfatizar que as: (...) identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o indivíduo representa a si mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos valia social (PERLIN, 2004, p ). Nesse sentido, as pessoas consideradas biculturais participam, em graus variados na vida de duas ou mais culturas, pois adaptam as suas atitudes, os seus comportamentos, os seus valores e a sua linguagem, pelo menos, em parte, a essas culturas, ao combinarem e misturarem aspectos das culturas envolvidas nesse processo (GROSJEAN, 2008). Uma das vertentes da Educação Matemática que valoriza as particularidades culturais dos indivíduos durante o processo de ensino e aprendizagem é o Programa Etnomatemática. Assim, é possível estabelecer uma relação entre a Etnomatemática e os Estudos Surdos, que são: (...) um programa de pesquisa em educação, onde as identidades, as línguas, os projetos educacionais, a história, a arte, as comunidades e as culturas surdas são focalizados e entendidos a partir da diferença, a partir do seu reconhecimento político (SKLIAR, 2011, p. 5).
3 Os Estudos Surdos investigam as comunidades surdas que são formadas pelas pessoas Surdos e pelos ouvintes, como, por exemplo, os familiares, os intérpretes, os professores e os amigos, que participam e compartilham os mesmos interesses em comum dessas comunidades (STROBEL, 2008). Esse contexto possibilitou que o professor-pesquisador, a partir dessas experiências e contextos, desenvolvesse a seguinte questão de investigação: Quais são as contribuições do Programa Etnomatemática e da Cultura Surda no processo de ensino e aprendizagem de Estatística para um aluno Surdo do terceiro ano do ensino médio em uma escola inclusiva? O objetivo geral deste projeto é investigar e criar estratégias didáticas e pedagógicas para o processo de ensino e aprendizagem do conteúdo de Estatística do Bloco de Tratamento da Informação para um aluno Surdo do terceiro ano do ensino médio em uma escola inclusiva. Os objetivos específicos são: a) mapear as estratégias didático-pedagógicas para o ensino e aprendizagem de Estatística do Bloco de Tratamento da Informação através de uma revisão bibliográfica, b) identificar as principais dificuldades dos alunos Surdos com o aprendizado da Matemática, e c) elaborar um produto educacional que auxilie os alunos e professores no processo de ensino e aprendizagem do conteúdo de Estatística do Bloco de Tratamento da Informação em uma escola inclusiva. A escolha da Estatística como conteúdo matemático a ser estudado se deve à sua importância no exercício da cidadania. O indivíduo surdo, assim como o ouvinte, está constantemente sendo exposto a informações que apresentam dados estatísticos. Assim, acredita-se que o desenvolvimento do raciocínio estatístico e de conceitos matemáticos correlatos contribuem para a formação de um estudante e um cidadão mais crítico. O Programa Etnomatemática Embora o termo Etnomatemática tenha sido empregado há menos de quatro décadas atrás, os estudos conduzidos por alguns autores mostram que a Etnomatemática sempre esteve presente em toda história da humanidade (D AMBROSIO, 2001; ROSA e OREY, 2014a). Rosa e Orey (2014a) destacam vários eventos na história que foram importantes na constituição do Programa Etnomatemática. Por exemplo, o momento em que o australopiteco escolheu e lascou um pedaço de pedra, com o objetivo de descarnar um
4 osso, a sua mente matemática se revelou (D AMBROSIO, p. 33) é um exemplo etnomatemático, pois para atingir esse objetivo foi necessário avaliar e comparar dimensões, que é uma das manifestações mais elementares do pensamento matemático (D AMBROSIO, 2001, p. 33). Rose e Orey (2014a) também destacam seis fatos que foram fundamentais para o desenvolvimento do Programa Etnomatemática: 1) a publicação do livro Africa Counts: Number and Patterns in African Culture, de Zaslavsky, em 1973, que discute a história e a prática da Matemática dos povos da África saariana; 2) o terceiro International Congress of Mathematics Education (ICME-3), em 1976, em Karlsruhe, na Alemanha, onde D Ambrosio promoveu uma discussão sobre as raízes culturais da matemática; 3) uma palestra, em 1977, na qual D Ambrosio utilizou o termo Etnomatemática pela primeira vez no Annual Meeting of the American Association for the Advancement of Science, em Denver, nos Estados Unidos; 4) a palestra de abertura Sociocultural Bases of Mathematics Educacion do ICME-5, na Austrália, em 1984, onde D Ambrosio institui a Etnomatemática como campo de pesquisa; 5) a publicação do artigo Ethnomathematics and its Place in the History and Pedagogy of Mathematics escrito por D Ambrosio em 1985 e 6) a criação do International Study Group on Ethnomathematics (ISGEm) em Em 1990, D Ambrosio definiu o Programa Etnomatemática como o: (...) estudo das ideias e práticas matemáticas que foram desenvolvidas pelos membros de culturas específicas no decorrer da história. Esse programa estuda e investiga os procedimentos e as técnicas matemáticas que são apropriadas para a resolução de situações-problema enfrentadas em cada contexto cultural, que auxiliam os membros desses grupos a lidar com o ambiente sociocultural, por meio do trabalho desenvolvido com as medidas, os cálculos, as inferências, as comparações, as classificações e a modelagem (ROSA e OREY, 2014b, p. 82). De acordo com essa asserção, o conhecimento matemático pode ser considerado como o conjunto de conhecimentos científicos e acadêmicos (saberes) e conhecimentos locais (fazeres) acumulados por diferentes grupos culturais e que estão em constante evolução (ROSA e OREY, 2014b). Nesse sentido, a compreensão desse saber/fazer matemático ao longo da História da Humanidade, contextualizado em diferentes grupos de interesse, comunidades, povos e nações (D AMBROSIO apud ESQUINCALHA, 2004, p. 03) também impulsionou a criação do programa Etnomatemática. O programa Etnomatemática é muito amplo e para compreender o seu caráter holístico é necessário discutir as suas seis dimensões: conceitual, histórica, cognitiva, epistemológica,
5 política e educacional. Possivelmente, as dimensões conceitual, cognitiva, política e educacional terão maior ênfase nessa pesquisa. A dimensão conceitual está relacionada com a capacidade inerente ao ser humano enquanto espécie de superar desafios para sobreviver. Os problemas relacionados com o aqui e o agora, que proporcionam a produção de conhecimentos e são ampliados no tempo e no espaço proporcionam as respostas para questões do tipo onde e quando, embasadas em atos de transcendência. Nesse contexto, o ser humano age em função de sua capacidade sensorial, que responde ao material [artefatos], e de sua imaginação, muitas vezes chamada criatividade, que responde ao abstrato [mentefatos] (D AMBROSIO, 2001, p. 28). A dimensão cognitiva envolve a característica dos indivíduos que pertencem a um determinado grupo e desenvolvem técnicas para se apropriarem das ideias matemáticas, como, por exemplo, comparar, medir, classificar, inferir, generalizar, avaliar e modelar por meio da comunicação. O conhecimento construído por um indivíduo é compartilhado com o grupo e o seu comportamento é modificado pela presença do outro, assim o comportamento do grupo é compatibilizado. Para D Ambrosio (2001), a cultura é o conjunto de conhecimentos compartilhados e comportamentos compatibilizados (p. 32). A dimensão política é a mais importante do Programa Etnomatemática (D AMBROSIO, 2001) e está presente nas relações de poder entre os indivíduos, os grupos e os povos. Durante a história, diferentes povos estiveram no poder e impuseram o seu conhecimento e comportamento aos povos subjugados. Para conquistar, os dominadores inferiorizam e destroem a cultura dos dominados. Na escola, essas relações de poder também acontecem, pois, as raízes dos alunos são ignoradas durante o processo de ensino e aprendizagem do conhecimento matemático acadêmico (ROSA, 2010). Consequentemente, a (...) dinâmica escolar poderia também ter resultados positivos e criativos, que se manifestam na criação do novo. Mas geralmente, se notam resultados negativos e perversos, que se manifestam sobretudo no exercício de poder e na eliminação ou exclusão do dominado (D AMBROSIO, 2001, p. 41). Para esse autor, existe a necessidade de que na sociedade e na educação as raízes dos indivíduos sejam respeitadas para que a sua dignidade seja restaurada num processo de transição da subordinação para a autonomia (D AMBROSIO, 1990). A dimensão educacional não pretende ignorar a matemática acadêmica, que é essencial para viver no mundo moderno, mas sim incorporar nesse conhecimento os valores de humanidade, sintetizados numa ética de respeito, solidariedade e cooperação
6 (D AMBROSIO, 2001, p. 43). Para D Ambrosio (2001), a educação matemática precisa agregar ao ambiente escolar o multiculturalismo do mundo atual, que tende a crescer através da globalização. O multiculturalismo e a tecnologia através da ética podem contribuir para que se alcance a paz mundial. Assim, a escola deve oferecer aos alunos os instrumentos comunicativos, analíticos e materiais para que elas possam viver, com capacidade crítica, numa sociedade multicultural e impregnada de tecnologia (D AMBROSIO, 2001, p. 41). Esses instrumentos compõem o Currículo Trivium para a Matemática, que é constituído pela Literacia, Materacia e Tecnoracia. Nesse currículo, D Ambrosio (2011) afirma que a Literacia é composta por instrumentos comunicativos, ou seja, pela capacidade que os indivíduos têm de processar as informações que são apresentadas na forma de textos orais ou escritos, incluindo atividades, como, por exemplo, leitura, escrita, cálculos, conversas, utilização de mídias e dispositivos móveis. A Materacia se compõe de instrumentos analíticos que possibilitam que os indivíduos analisem e interpretem os códigos e sinais, utilizem os modelos e as simulações para entender e resolver os problemas cotidianos a partir da elaboração de representações abstratas da realidade. A Tecnoracia compõe-se de instrumentos tecnológicos, simples ou complexos, que têm as suas possibilidades e limitações avaliadas pelos indivíduos para aplicação em atividades diversas. A Etnomatemática é também uma vertente da Educação Matemática que está estritamente relacionada com a Antropologia e as Ciências da Cognição, pois é a: (...) matemática praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianças de uma certa faixa etária, sociedades indígenas, e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns aos grupos (D AMBROSIO, 2011, p. 09). Dessa maneira, a partir do momento que se reconhecem os Surdos como membros integrantes de um grupo cultural específico, que utilizam uma língua própria e desenvolvem comportamentos específicos, é possível, por meio do Programa Etnomatemática, valorizar a matemática praticada pelos membros desse grupo. Dessa maneira, Rosa e Orey (2006) argumentam que esse programa possibilita o processo de socialização dos membros de grupos minoritários ou marginalizados, pois o conhecimento matemático funciona como um instrumento que contribui para melhorar a qualidade de vida desses membros e a dignidade nas relações humanas.
7 Nesse contexto, ressalta-se que os Surdos pertencem a um grupo cultural específico, que é parte integrante da Cultura Surda, pois possuem uma língua própria e uma visão de mundo diferenciada daquela praticada pelos ouvintes (SANTANA e BERGAMO, 2005). Através de seu caráter político, a Etnomatemática combate a exclusão social que violenta a dignidade dos indivíduos através de barreiras discriminatórias que existem na sociedade e, inclusive, na própria escola (D AMBROSIO, 2011). Nesse sentido, os Surdos têm sido submetidos à essa forma de discriminação no decorrer da história e em seu desenvolvimento educacional. Como principal forma de violação dos direitos desses indivíduos, como, por exemplo, a proibição da utilização da linguagem natural dos Surdos em suas relações sociais e na sua escolarização. Por exemplo, após o Congresso de Milão, que aconteceu em 1880, o oralismo foi escolhido como política pedagógica por questões de racionalidade, de acordo com os padrões da época. No entanto, essa decisão negligenciava completamente os aspectos sociais, culturais e emocionais dos Surdos (PICOLI, 2010). Dessa maneira, historicamente, a educação de Surdos foi quase sempre dominada pelos ouvintes, sendo que não houve um desenvolvimento educacional direcionado para essa população escolar (GOLDFELD, 1997). Estudos Surdos em Educação É indispensável ressaltar a importância dos Estudos Surdos como um referencial teóricopolítico na proposição dessa pesquisa, pois esses estudos além de pertencerem a um território de investigação educacional, são compostos de: (...) proposições políticas que, através de um conjunto de concepções linguísticas, culturais, comunitárias e de identidades, definem uma particular aproximação e não uma apropriação com o conhecimento e com os discursos sobre a surdez e sobre o mundo dos surdos (SKLIAR, 2011, p. 30). Dessa maneira, os Estudos Surdos consideram o contexto cultural ao qual os Surdos estão inseridos, pois procuram problematizar a educação ao questionar a inclusão sobre o aspecto da normalização desses estudantes, ou seja, a ideia de permitir que os alunos com deficiências possam usufruir de condições de vida semelhantes às das pessoas consideradas normais. De acordo com Skliar (2011), a surdez pode ser entendida como uma experiência visual, uma diferença a ser politicamente reconhecida, uma identidade múltipla, híbrida e em
8 transição que está inserida no discurso da deficiência. Para esse autor, a Educação Especial é um subproduto da Educação que tem componentes ideológicos, políticos, teóricos, etc. são, no geral, de natureza discriminatória, descontínua e anacrônica, conduzindo a uma prática permanente de exclusão e inclusão (p. 11). Sob essa ótica, se faz necessário uma ruptura da Educação dos Surdos e da Educação Especial por três razões: a Educação Especial não é capaz de promover um debate significativo para a Educação de Surdos; o processo de patologização entende o Surdo como um deficiente tal qual um cego ou deficiente mental e a identidade do Surdo não é reconhecida, mas percebida como um desvio da normalidade (SKLIAR, 2011). Nesse contexto, os Estudos Surdos reconhecem que a surdez é uma experiência visual por meio da qual a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento da Cultura Surda. Desse modo, a surdez perde o status patológico de deficiência (SKLIAR, 2011). Os Estudos Surdos devem gerar quatro níveis de reflexão. A primeira reflexão procura discutir a hegemonia do ouvintismo e do oralismo, que foram maneiras de impor o modelo de educação vigente aos surdos em um processo de colonização do currículo. Nesse processo estiveram presentes representações absurdas, como, por exemplo, utilizar currículos de deficientes mentais ou deficientes da linguagem, aplicar o mesmo currículo dos ouvintes para o dobro ou triplo do tempo planejado para a escola regular e utilizar currículos laborais, que pretendiam formar empregados para os ouvintes (SKLIAR, 2011). É necessário também refletir sobre o fracasso educacional dos Surdos que, frequentemente, é aceito como consequência de uma limitação biológica dos Surdos, que é agravado pelas limitações dos professores ouvintes ou pelos métodos de ensino. Contudo, ressalta-se que não há uma discussão sobre a responsabilidade do Estado, das políticas públicas educacionais e das instituições escolares sobre o fracasso educacional dos alunos Surdos (SKLIAR, 2011). Uma terceira reflexão é essencial para a desconstrução de metanarrativas que se apresentam através de contrastes binários do tipo: normal/anormal, ouvinte/surdo, maioria/minoria e língua oral/língua de sinais que são muito prejudiciais à análise da realidade educacional. De fato, enquanto o primeiro termo da dupla atende à norma cultural, o segundo termo possui uma dependência hierárquica que não existe fora desse contexto (SKLIAR, 2011).
9 Por último, faz-se necessária uma reflexão a respeito das potencialidades educacionais dos surdos, pois existe a necessidade de valorizar e implementar a: (...) potencialidade da aquisição e desenvolvimento da língua de sinais como primeira língua; a potencialidade de identificação das crianças com seus pares e com os adultos surdos; a potencialidade do desenvolvimento de estruturas, formas e funções cognitivas visuais; a potencialidade de uma vida comunitária e de desenvolvimento de processos culturais específicos e, por último, a potencialidade de participação dos surdos no debate linguístico, educacional, escolar, de cidadania, etc. (SKLIAR, 2011, p. 26) De acordo com essa asserção, Skliar (1998) argumenta que os Estudos Surdos em Educação visam valorizar os aspectos da Cultura Surda por meio do reconhecimento sociocultural e político dos direitos de seus membros. Nesse sentido, as identidades, as línguas, os projetos educacionais, a história, a arte as comunidades e as Culturas Surdas são focalizadas e entendidas a partir de sua diferença e de se reconhecimento político. Adicionalmente, nesses estudos, os alunos Surdos são vistos com todas as suas potencialidades individuais e coletivas, bem com aquelas decorrentes do desenvolvimento de sua língua e de sua cultura. Fundamentando Metodologicamente o Estudo Para alcançar os objetivos da pesquisa, pretende-se desenvolver um estudo de caso com um aluno Surdo incluído em uma sala de aula de ouvintes de uma escola estadual da cidade de Belo Horizonte. Este estudo possui um caráter qualitativo, pois o seu foco está no processo e em seu significado por causa de seu caráter descritivo denso. A fase de coleta dos dados será conduzida por meio da realização de entrevistas semiestruturadas, diário de campo do professor-pesquisador e as atividades sobre estatística do registro documental. O design desse estudo qualitativo é a pesquisa-ação, que utilizará, além desses instrumentos, a observação participante como uma técnica importante de coleta de dados. O professor-pesquisador optou pela pesquisa-ação para direcionar as suas discussões teóricas para um plano prático, em sala de aula, para que possa realizar intervenções pedagógicas para auxiliar a realização de mudanças na realidade de um aluno Surdo em sua realidade escolar com relação ao ensino de estatística. Assim, nesse design de pesquisa, é na: (...) reflexão deliberativa e na pesquisa-ação, mediante as quais os professores elaboram suas próprias soluções em relação aos problemas práticos com que se deparam é que os professores se formam. Este modelo de formação, segundo este autor, favorece os professores preencherem ao vazio que existe entre a
10 presquisa e prática, além de permitir que os professores possam desenvolver suas habilidades na tomada de decisões (IMBERNON, 2002, p. 82). A pesquisa-ação tem uma característica participativa, pois os pesquisadores e pesquisados estabelecem uma relação colaborativa visando esclarecer a resolução de uma determinada problemática. Nesse tipo de pesquisa, os pesquisadores se envolvem ativamente com as problemáticas encontradas nas instituições educacionais com o objetivo de investigar as relações sociais e conseguir mudanças em atitudes e comportamentos dos indivíduos (ANDRÉ, 1995, p. 31). No meio educacional, a pesquisa-ação é utilizada principalmente por focalizar suas ações ou transformações específicas que exigem um direcionamento bastante explicitado (THIOLLENT, 2003, p. 74). Considerações Finais Esse projeto de pesquisa, ainda em fase inicial, pretende utilizar como embasamento teórico a Etnomatemática e a Cultura Surda, através dos Estudos Surdos em Educação. O projeto será realizado em uma escola estadual da cidade de Belo Horizonte, que possui um aluno Surdo incluído. De acordo com o cronograma da pesquisa, o trabalho de campo será realizado em meados do primeiro semestre letivo de Alguns tópicos já foram estudados para os primeiros capítulos dessa pesquisa, porém, vários outros necessitam de aprofundamento. O projeto será concluído em breve e enviado ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFOP até o final de outubro. Adicionalmente, o professor-pesquisador está realizando um curso de Libras no Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez. Esse curso irá colaborar para as relações entre professor-pesquisador e aluno participante embora a participação do intérprete também seja de grande importância para o estudo. Acredita-se que o aprendizado da Libras atende às perspectivas preconizadas pelos Estudos Surdos e pela metodologia da pesquisa-ação, uma vez que permite ao professorpesquisador se inserir e se apropriar do universo cultural Surdo. Referências ANDRÉ, M. E. D. A etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, D AMBROSIO, U. A transdisciplinaridade como uma resposta à sustentabilidade. Revista Terceiro Incluído: Transdisciplinaridade & Educação Ambiental, Goiânia, v. 1, n. 1, p. 1-13, 2011.
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