Ricardo Morais SCATENA
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- Samuel Costa Benevides
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1 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O sol do Brasil: Nicolas-Antoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de D. João. São Paulo: Companhia das Letras, Ricardo Morais SCATENA Professora titular do Departamento de Antropologia da USP e autora de diversos livros, Lilia M. Schwarcz aborda nesta obra recém publicada as causas da vinda ao Brasil em 1816 de um grupo de artistas franceses que a tradição historiográfica convencionou chamar missão francesa. O livro, dividido em 11 capítulos mais introdução e epílogo além de uma cronologia e dois cadernos de imagens, compostos por quadros do período.quadros e gravuras são espaçados ao longo de toda obra. O texto objetiva mostrar como a vinda dos artistas franceses deveu-se antes, a um interesse destes que da coroa portuguesa no Brasil. O próprio subtítulo já evoca algo que a autora acredita ser um lapso da historiografia: atribuir importância maior a Jean-Baptiste Debret e não a Nicolas-Antoine Taunay, artista mais renomado no período, membro da academia de belas-artes e que chegou a pertencer ao círculo de artistas próximos a Napoleão Bonaparte e sua esposa Josefine. Jean-Baptiste Debret, primo de Jacques-Louis David, 2 teria ficado famoso apenas após a sua volta para França e com a publicação de Voyage pittoresque et histórique au Brésil em 1834 e 1839, e mesmo assim sua fama ainda é maior no Brasil que propriamente na França. Licenciado e Bacharel em História, doutorando em História Econômica pela USP. Docente do Centro Universitário Barão de Mauá e da E.M.E.F. Prof. Paulo Freire, Ribeirão Preto. 1 Agradeço à prof a Maria Bernadete Bredarioli pela correção gramatical atenta. 2 O pintor Jacques-Louis David ( ) dominou a academia francesa durante o seu tempo, sendo muito invejado e temido. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1,
2 A autora analisa, nos capítulos iniciais, o universo cultural dos artistas que viriam ao Brasil. Mostra que no final do século XVIII e início do XIX já existia uma imagem do Brasil na Europa, e em particular na França, de sua natureza maravilhosa que contrastava com o povo natural e a sociedade luso-brasileira. Algo que pode ser apreendido na obra de Prévost e de Jean- Fraçois de la Harpe ambos da segunda metade do século XVIII. Os textos dos franceses serviam como guias de viagem, existindo um verdadeiro mercado para as obras a respeito das colônias. A partir disto, Schwarcz discorre sobre o panorama artístico francês da segunda metade do século XVIII e início do XIX, o uso da pintura como uma forma de propaganda do Estado e o modelo de racionalidade e universalidade proposto pela arte neoclássica. Para os neoclássicos o belo era algo imutável, daí ser possível apreender os modelos de beleza greco-romanos e renascentistas, vistos como civilizadores, ordenadores e ancestrais culturais do império francês. A criação da Academia Real de Pintura e Escultura 3, patrocinada pelo Estado, transformou as relações artísticas. A academia se consagrou por ensinar este novo estilo artístico e impôs uma nova relação de trabalho entre os artistas, pois, a partir daquele momento, o aluno deixou de ser o aprendiz de um mestre, membro da guilda, para fazer parte de uma instituição de ensino, não recebendo apenas um conjunto de instruções técnicas deste, mas também, um conhecimento abrangente de literatura, religião e história. A arte devia ser lógica, moralmente elevada e distante da suposta irracionalidade dos momentos anteriores (barroco, por exemplo), pertencente ao aparelho estatal. Não é de se estranhar que os principais 3 Fundada em 1663 por Jean-Baptiste Colbert, ministro de Luís XIV, com o nome de Académie royale des Inscriptions et Médailles, teve seu nome mudado diversas vezes até 1816, para adequar-se as instabilidades políticas francesas, mas grosso modo, manteve a estrutura hierarquizada, e durante todo o período predominou o modelo artístico neoclássico. A respeito disto veja o site oficial da instituição: DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1,
3 temas eram os históricos e a academia real caracterizava-se pela hierarquia e a busca de supostas verdades eternas. A arte tornou-se mais pública, pois era patrocinada pelo Estado e porque, se antes, artistas se preocupavam com o gosto de seus clientes; a partir deste momento competiam entre si em grandes concursos abertos ao público e disputavam prêmios que lhes dariam renome e por conseqüência mais clientes. Neste sentido, segundo a autora, Jacques-Louis David foi um arquétipo de seu tempo, apesar de ter tentado o suicídio pelo fracasso nos concursos da academia real francesa. David tornar-se-ia, logo em seguida, um grande nome da pintura, e sua trajetória política foi de um jacobinismo obstinado antes (mesmo que recebesse salário real) e durante a revolução francesa para posterior idealização do Imperador Bonaparte. A pintura de David encarnava o modelo de grande elevação moral defendido pelo estilo neoclássico, e por isso, tornou-se rapidamente o pintor da revolução francesa e de todos os seus ideais. Assim, assume o posto como chefe da propaganda da revolução e depois de Napoleão Bonaparte. Conduziu com mão-de-ferro a academia francesa, que apesar de mudar diversas vezes de nome manteve os mesmos ideais e estrutura hierarquizada. Nicolas-Antoine Taunay fazia parte deste grupo, oriundo de uma família de artistas, estudou pintura desde cedo, passando por diversos ateliês, conseguiu, depois, ir por indicação para Roma aprimorar-se na prestigiosa filial romana da academia francesa. 4 Com o passar do tempo e o andar da Revolução Francesa, Taunay acaba por se aproximar do círculo de Jean-Louis David, de Napoleão Bonaparte e sua esposa Josefine, chegando a ocupar o influente cargo de presidente da classe de belas-artes no Instituto de França (outro nome para a mesma instituição). 4 Este era um ideal da época, o artista deveria conhecer as obras clássicas romanas e renascentistas que estavam na Itália, por isto, academias reais de diversos países mantinham instituições em Roma, para onde enviavam seus artistas. Taunay consegue ir devido a relações pessoais com a nobreza. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1,
4 Entretanto, quando Bonaparte perde o poder e vem a Restauração, Nicolas-Antoine se viu envolvido em grandes problemas, por isso, tanto interesse em viajar para o Brasil, local fora das reviravoltas políticas da Europa de Segundo Lilia Schwarcz, partiu do grupo de artistas franceses a iniciativa de vir ao Brasil, e não do rei D. João VI, que apenas acabou aproveitando a estadia destes. Além disso, ao contrário do que pareceria depois, o grupo não veio junto e nem atuava de forma coesa, havendo muitos desentendimentos e rixas internas. Com efeito, a autora faz uma detalhada revisão historiográfica, mostrando como surgiu o título Missão Francesa e depois contesta esta visão através de um amplo levantamento documental. Para ela, a versão surgiu com Debret que em sua obra a respeito do Brasil afirma ter sido convidado pela Coroa portuguesa, depois isto é reforçado por Araújo Porto Alegre, ex-aluno de Debret, num artigo na revista Guanabara e por Gonzaga Duque na obra A arte Brasileira de 1888, onde ressalta o episódio como colônia de artistas franceses e de colônia Lebreton. Apenas em 1912 o neto de Taunay, Afonso d Escragnolle Taunay publica na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro o artigo com título A missão artística de 1816, denominando assim de missão francesa o que até então era a colônia francesa. No entanto, não há, segundo Lilia Schwarcz, fundamentação documental para tais afirmações, pois, o que as correspondências da época mostram é que coube a Joachim Lebreton iniciar um diálogo com as autoridades portuguesas e que não havia nenhum convite formal do governo português. O monarca no Rio de Janeiro acabou por aceitar os artistas e ampará-los economicamente, no entanto, estes se depararam com a quase total inexistência de um mercado para a arte que produziam, visto DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1,
5 que seguindo uma tradição portuguesa, a pintura era considerada um gênero artístico menor no Brasil. Sendo a pintura uma atividade manual era muito menosprezada como atividade intelectual por uma sociedade escravista. Taunay e seus colegas tiveram ainda que lidar com oposição do cônsul-geral da França -Maler- que os taxava de bonapartistas e regicidas, isto somado a lenta burocracia portuguesa fez com que a Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil fosse fundada apenas em 1820, depois da morte de Lebreton e com um diretor português de nome Henrique José da Silva. Isto veio frustrar totalmente os franceses, em especial Taunay que via sua possível indicação como diretor da ntrefrancesa;aoli pela correacademia escapulir-lhe mais uma vez, já que a havia perdido para Joachim Lebreton. Finalmente, em 1821, Nicolas-Antoine de Taunay retornou à França levando em sua bagagem muitos quadros produzidos no Brasil, inundados pelo sol tropical, o que causaria estranheza na academia francesa. Acostumados a outros tons de luz e cores muitos de seus colegas iriam entender a luminosidade daquelas obras como uma deformidade do modelo artístico ainda em voga e não uma diferença entre Novo e o Velho Mundo. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1,
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