ARTE E INOVAÇÃO. Solange Medina Ketzer * A arte é a estrela da investigação científica. John Eccles
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- Ayrton Mendonça César
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1 ARTE E INOVAÇÃO Solange Medina Ketzer * A arte é a estrela da investigação científica. John Eccles A frase de John Eccles oportuniza uma importante reflexão acerca da relação que se pode estabelecer entre arte e investigação científica, áreas que, historicamente, pelo menos no senso comum, em nada se aproximam; ao contrário, encontram-se separadas por um grande fosso. A arte, atividade que pressupõe a criação de sensações ou de estados de espírito de caráter estético, encontra-se focada em vivências pessoais, subjetivas e profundas do ser humano e de sua intimidade. A ciência baliza-se no empirismo, no ver para crer, na objetividade, na possibilidade de provar algo por um conjunto de ações processuais que podem ser repetidas e universalizadas. Há que se considerar que tal noção já foi revisada pelas novas teorias do conhecimento. Entretanto, essas concepções ainda se mantêm e contribuem sensivelmente para separar arte de ciência, provocando um distanciamento alicerçado pelo racionalismo que forçosamente divide, fragmenta, distancia. Voltemos à afirmação de John Eccles para tentar melhor compreendê-la e para refletir sobre a relação que se pode estabelecer entre arte e inovação, tema deste artigo. A arte prevê uma série de pressupostos que merecem atenção, dentre eles: pensar diferente em relação às formas convencionalmente instituídas; libertar-se de regras, padrões, normas; desautomatizar-se em relação ao real; romper e ampliar o horizonte conhecido; fazer uso da fantasia; * Solange Medina Ketzer possui graduação em Letras Português e Literaturas de Líng. Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1982), graduação em Licenciatura em Letras 1ºgrau Hab. Português Inglês pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1981), mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1991) e doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1997). Atualmente é Pró-Reitora de Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, ensino, literatura, literatura infantil e criança. 48
2 projetar sonhos; combinar, recombinar, modificar, associar; criar algo novo a partir do conhecido; lidar com o improvável; transformar o caos em cosmos; transitar em um mundo diferente do real; construir uma nova realidade; aceitar o desvio; familiarizar-se com metáforas; perceber não apenas o que é, mas o que pode, deve ou parece ser (conceito aristotélico). Exemplo clássico desses pressupostos pode ser observado na obra dos pintores impressionistas, ao romperem com padrões estéticos de uma época e expressarem a natureza e a vida em geral não tentando imitá-las, mas traduzindoas com base em referências subjetivas, cuja preocupação maior é sugerir sem impor. Neste sentido, a obra de Monet exemplifica tal afirmação. O Lago dos Nenúfares 49
3 Train in the snow, the locomotive Meadow With Poplars 50
4 Impressão, Nascer do Sol Luzes, cores e impressões sobre o real retratado obrigam o receptor dos quadros de Monet a desautomatizar-se em relação ao real, trilhando os caminhos do que pode, deve ou parece ser, mas não do que é. A literatura de cunho modernista, de modo especial a poesia, constitui exemplo importante para compreender o fenômeno do estranhamento que se processa acerca do real imediato, utilizando o poder de síntese para expressar muito em poucas palavras. O desvio linguístico exercido pelo poeta, a partir da construção de imagens, sons e ritmos que fogem à gramática da comunicação ordinária, conduzem o leitor a exercitar sua cognição em sentidos diferentes dos habitualmente postos em realização. Mario Quintana, em seu Poeminha do contra, exemplifica esta afirmação. Todos estes que aí estão Atravancando o meu caminho Eles passarão Eu passarinho! 51
5 Dito em outras palavras, a arte, por se constituir fora de normas e por se estabelecer na primazia do desvio em relação ao estabelecido, obriga os neurônios a se mobilizarem em outras direções, evitando condicionamentos e roteiros previamente estabelecidos. A familiarização com a arte, portanto, constitui um excepcional fator de mobilização do processo cognitivo no sentido da ruptura com uma visão preestabelecida sobre as vivências e experiências do mundo. Arte, enfim, é fazer diferente, dizer diferente, expressar diferente. Dentre o enorme espectro de competências exigido ao profissional do século XXI para vencer os grandes desafios que se lhe impõem, podemos elencar: conhecimento profundo da área de atuação; base cultural, científica e humanística ampla; familiarização com modernas tecnologias; máxima mutabilidade (aceleração das mudanças) provocada pela velocidade no processamento das informações; trabalho em equipe, colegiado; respeito a hierarquias; incorporação do erro como elemento sistêmico (errar não é feio, é humano); convivência com as incertezas; desvalorização progressiva de projetos autorais (desinflar egos); busca de alteridade nas relações (trabalhar com a diversidade sem eliminar o que é diferente); consciência sobre a importância da educação continuada (reduz riscos de desatualização e de obsolescência). Diferentemente das competências esperadas do profissional do passado, a quem era exigida a execução de tarefas com segurança, previsibilidade, certeza, constância, repetitivamente, ao profissional do século XXI há uma complexidade de competências previstas, considerando velocidade no processamento de informações, mutabilidade constante de visões, parâmetros, referências, que induzem à convivência com incertezas em virtude da rápida obsolescência do conhecimento. 52
6 Para enfrentar o crescente desafio imposto pela velocidade, pela mutabilidade, pela incerteza e pela obsolescência, os indivíduos têm de estar aptos a pensar diferente em relação às formas convencionalmente instituídas, libertando-se dos padrões preestabelecidos. E não é em vão que o cenário contemporâneo, em todas as suas frentes, está a exigir sujeitos aptos à inovação, competência imprescindível ao profissional do presente e, certamente, do futuro. E é neste ponto que arte converge com inovação, pois a familiarização com todas as suas formas de expressão mobiliza nosso processador mental em direções nunca antes experimentadas. Portanto, vale redobrar a atenção em relação a pressupostos inerentes a arte e que favorecem esse movimento, retornando o que foi mencionado no início desta reflexão: pensar diferente em relação às formas convencionalmente instituídas; libertar-se de regras, padrões, normas; desautomatizar-se em relação ao real; romper e ampliar o horizonte conhecido; fazer uso da fantasia; projetar sonhos; combinar, recombinar, modificar, associar; criar algo novo a partir do conhecido; lidar com o improvável; transformar o caos em cosmos; transitar em um mundo diferente do real; construir uma nova realidade; aceitar o desvio; familiarizar-se com metáforas; perceber não apenas o que é, mas o que pode, deve ou parece ser (conceito aristotélico). Todo esse movimento proporcionado pelas manifestações artísticas (pictóricas, literárias, musicais e outras) pode desenvolver habilidades essenciais ao profissional do século XXI, em especial àquele que se dedica à investigação científica, atividade que exige rupturas e, fundamentalmente, saber lançar novos olhares sobre o conhecido. Não se trata de fazer uma apologia sobre a arte, mas de recolocá-la em um espaço de alguma forma esquecido, muitas vezes em nome do avanço acelerado das tecnologias que não prescindem de manifestações culturais que humanizam a partir do uso de quadrantes do cérebro muito explorados, mas ainda misteriosos ao conhecimento. Palavras-chave: Seminário Internacional Educação Superior na CPLP/PUCRS; RIES Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educação Superior; Educação Superior; arte e inovação; Brasil. 53
7 Bibliografia: ARISTÓTELES. Arte poética. São Paulo: Martin Claret, BIRGIT, Zeidler. Claude Monet: Vida e Obra. Colonia: Könemann, c p.:il. (Miniguia de Arte) COVEY, Stephen R.. Em busca da grandeza. HSM Management, São Paulo, DEL NERO, Henrique Schützer. O sítio da mente: pensamento emoção e vontade no cérebro humano. São Paulo: Collegium Cognitivo, ECCLES, John Carew. O conhecimento do Cérebro. São Paulo: Atheneu, GARDNER, Howard. Arte, mente y cerebro: una aproximación cognitiva a la creatividad. Buenos Aires: Paidós, A nova ciência da mente: uma história da revolução cognitiva. São Paulo: EDUSP, LEVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência. Rio de Janeiro: Ed. 34, MORIN, Edgar. O método I: a natureza da natureza. Mira-Sintra: Publicações Europa - América Ltda., Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, MOSQUERA, Juan José Mouriño. Psicologia da arte. Porto Alegre: Sulina, POPPER, Karl R. Em busca de um mundo melhor. São Paulo: Martins Fontes, SALTINI, Cláudio J. P. Afetividade & Inteligência. Rio de Janeiro: DP&A, QUINTANA, Mario. Caderno H. 1. ed. Porto Alegre: Editora Globo, VYGOTSKY, L. S. La imaginación y el arte en la infancia. Madrid: Akal Bolsillo, A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, ZUFFO, João Antônio. A infoera: o imenso desafio do futuro. Taubaté: Saber, Disponível em: Acesso em: 02/6/
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