Acúmulo de esgotos domésticos em sedimentos da Enseada de Botafogo: uma abordagem usando coprostanol

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1 Acúmulo de esgotos domésticos em sedimentos da Enseada de Botafogo: uma abordagem usando coprostanol Aluna: Carolina De Simone Teixeira Lott Orientador: Renato Carreira Introdução O projeto inicial era análise de black carbon (BC) em um testemunho coletado na plataforma continental do RJ, utilizando o método CT0355. Os resultados de BC foram muito baixos, de forma que os objetivos iniciais não puderam ser atingidos. Como alternativa, a proposta foi considerar um outro testemunho coletado na enseada da Botafogo, e estudar o acúmulo de esgotos através de coprostanol e outros esterois. Isso abriu a possibilidade de complementar as atividades do estágio e trabalhar com as técnicas de extração e análises por cromatografia em fase gasosa e espectrometria de massas. A ação antropogênica sobre o meio marinho resulta em uma acentuada degradação ambiental. Entre essas ações, o aporte de esgoto doméstico no mar pode levar a alterações nas condições ideais dos ambientes marinhos e ocasionar prejuízos aos organismos aquáticos e a saúde humana. O método convencional para avaliar a contaminação fecal é usar indicadores biológicos (bactérias do grupo coliformes). No entanto, essa abordagem tem suas limitações, pois só permite analisar contaminações de curto prazo, devido à baixa sobrevivência dessas bactérias sob condições ambientais [1]. Para avaliar o acúmulo do esgoto doméstico em escalas temporais mais amplas, como em sedimentos, a melhor abordagem é o uso de marcadores moleculares antropogênicos [2]. Por definição, marcadores moleculares antropogênicos são compostos cuja origem e presença no ambiente aquático pode ser atribuída a uma atividade ou fonte humana [2]. Um dos marcadores mais usados para avaliar a contaminação fecal é o coprostanol, por ser um esterol formado no intestino de animais de sangue quente devido à redução bacteriana do colesterol [3]. Em muitos casos, a avaliação da contaminação envolve a avaliação de índices diagnósticos entre coprostanol e outros esteróis associados direta ou indiretamente com o esgoto [4] O coprostanol é usado como marcador fecal desde os anos 1960, e no Brasil ele tem sido utilizado com a mesma finalidade nas duas últimas décadas [5; 6; 7; 8; 9; 10]. Um dos pontos centrais que se tem observado em ambientes tropicais é que elevada atividade bacteriana em locais de temperatura mais elevada pode afetar a persistência do coprostanol. Isso pode levar a sub-estimativas da contaminação fecal [10] e afetar a eficácia dos índices diagnósticos de contaminação fecal, que são propostos para climas temperados [5]. No presente trabalho foram utilizadas amostras de um testemunho de sedimento coletado na enseada de Botafogo para análise do acúmulo de esgoto doméstico na região ao longo das últimas décadas. Não somente marcadores moleculares antropogênicos foram utilizados, mas também marcadores de origem planctônica e de vegetação terrestre, buscando caracterizar de forma mais ampla o aporte de matéria orgânica autóctona e alóctona na região de estudo. Objetivos O objetivo principal do trabalho foi usar marcadores moleculares para caracterizar a matéria orgânica, identificando o aporte de esgoto e de matéria orgânica de origem marinha e

2 terrestre na enseada de Botafogo ao longo dos anos. O enfoque da pesquisa foi o coprostanol, marcador molecular amplamente usado para o aporte de esgoto. O testemunho utilizado já fora datado e compreende o período entre 1965 a Metodologia A. Área de estudo e amostragem A enseada de Botafogo está localizada na parte sudoeste da Baía de Guanabara (Figura 1). Essa enseada abrange as praias de Botafogo e Urca, que estão entre as com piores condições de balneabilidade do município do Rio de Janeiro, isso devido a vários aterros realizada desde o século 19 e, por conta das atividades náuticas e descarga de esgoto doméstico (a maioria ilegal) [11]. Foram coletados dois testemunhos em abril de 2013 entre as praias da Urca e Botafogo ( S; W). Um dos testemunhos foi destinado à datação do sedimento através de 210 Pb e o outro foi dividido em camadas de 2cm para as demais análises. Figura 1. Localização do testemunho de sedimento coletado na enseada de Botafogo, na porção sul da Baía de Guanabara. B. Determinação de esteróis As amostras de sedimento seco (~1g) foram extraídas no ASE200 (Accelerated Solvent Extraction - Dionex ) com diclorometano. Foram adicionados 2500 ng de 5αandrostan-3β-ol antes da extração como padrão de recuperação. O extrato bruto foi separado em coluna contendo sílica e alumina, utilizando 10 ml de diclorometano: metanol (9:1) como eluente. Antes da quantificação, as amostras foram derivadas com BSTFA (85 C/30 min). A identificação dos esteróis e n-alcóois individuais foi realizada por cromatografia em fase gasosa acoplada à espectrometria de massas acoplada (CG/EM Thermo Finnigan Trace/ISQ. Foi usada uma coluna capilar, tipo J&W DB-5MSD (30 m, 0,25 mm de DI e 0,25 μm de

3 filme). A injeça o foi feita sem divisa o do fluxo (splitless), com va lvula aberta apo s 1 min e com injetor a 300 C. No cromatografo o programa de temperatura foi: inićio a 60 C, incrementos de 20 C min -1 até 220 C, de 2 C min -1 ate 280 C e de 20 C min -1 ate 300 C, permanecendo nesta temperatura por 5 min. He foi usado como ga s carreador, mantido em fluxo constante a 1 ml min -1. O modo de aquisição foi full scan amu. A quantificaça o foi realizada atrave s de fator de resposta relativo ao colestano (padra o interno) e curva de calibração contendo 7 esterois e 3 alcoois. Resultados e Discussão Os resultados completos de esteróis e n-alcoois são apresentados em anexo. Foram identificados e quantificados 11 esterois (coprostanol, epicoprostanol, etilcoprostanol, colesterol, diatomesterol, campesterol, estigmasterol, sitostanol, sitosterol e dinosterol), incluindo compostos indicativos de fontes marinhas de matéria orgânica e de esgoto. Entre os álcoois lineares, foram quantificados compostos contendo entre 14 e 32 átomos de C (apenas compostos com número par de carbono). A.Coprostanol e outros esteróis fecais A concentração média de coprostanol (5β-colestan-3β-ol) foi 0,61 ± 0,18 µg g -1. A maior concentração de coprostanol foi medida na camada superficial (0-2 cm) do testemunho, com 1,16 µg g -1, e houve uma tendência de queda de concentração com a profundidade, variando entre 0,80 e 0,40 µg g -1. No entanto, essa tendência não foi uniforme, e em camadas mais profundas houve períodos de maior concentração de coprostanol, mostrando que houve variabilidade temporal no aporte de esgotos para a enseada de Botafogo (Figura 2). Deve-se observar que o local do testemunho coletado para o presente trabalho é um dos locais com menor contaminação fecal na enseada de Botafogo, provavelmente por estar relativamente longe das fontes de esgotos, como em locais próximos à praia, que chegam a ter concentrações de coprostanol até duas ordens de grandeza superiores às encontradas aqui [11]. Figura 2. Variação de concentração de esteróis (coprostanol, colesterol, sitosterol e dinosterol) e LCOH (long-chain alcohols álcoois de cadeia longa) ao longo de testemunho de sedimento coletado na enseada de Botafogo Há relatos da produção in situ de coprostanol em determinadas situações, particularmente em sedimentos com elevada anoxia, e geralmente além das concentrações de

4 coprostanol são também considerados índices diagnósticos entre esteróis selecionados [2]. Uma razão comumente utilizada é a 5β/(5β+5α)estanol (coprostanol/ coprostanol + colestanol), formulada para confirmar a origem fecal do coprostanol [12]: valores entre 0,7 e 1 são característicos de contaminação urbana, enquanto que valores entre 0,1 e 0,3 são característicos de áreas sem contaminação urbana. No presente trabalho, os valores da razão 5β/(5β+5α)estanol variaram entre 0,27 e 0,45. A princípio, esse resultado pode indicar que não há contaminação fecal na enseada de Botafogo. Mas, já foi discutido que o valor de 0,7 proposto originalmente para a razão 5β/(5β+5α)estanol não diretamente aplicável para ambientes tropicais e eutrofizados [5], e que um valor de 0,5 seria mais apropriado para sistemas como a Baía de Guanabara. Isso ocorre devido à grande conversão de colesterol para colestanol devido à elevada atividade bacteriana em ambientes de elevada temperatura adiante a grande taxa de redução dos esteróis será discutida. Outra razão diagnóstico comumente usada é a razão coprostanol/colesterol, cujos valores maiores que 1 são representativos de ambientes altamente contaminado por esgoto, e valores acima de 0,2 são de áreas com contaminação fecal [2]. No presente estudo o valor para essa razão na camada superficial foi 1,09, caracterizando um ambiente altamente contaminado por esgoto. Nas demais camadas de testemunho, foram encontrados valores inferiores a 1, a razão média foi 0,71 ± 0,17, ainda sendo característico de contaminação fecal. O epicoprostanol (5β-colestan-3α-ol) pode ser produzido através do colesterol durante o tratamento de esgoto ou produzido em situ sob condições anaeróbicas extremas. A concentração encontrada neste trabalho foi 0,19 ± 0,03 µg g -1. A razão epicoprostanol/coprostanol vem sendo usada para indicar o nível de tratamento do esgoto [13]. A correlação entre os dois esteróis (R² = 0,90) confirma a mesma fonte para os compostos. Os valores desta razão apresentaram média de 0,32 ± 0,04, este baixo valor pode ser explicado devido à contaminação por esgoto nesta região ser majoritariamente de esgoto não tratado [14]. B. Influência de processos diagenéticos sobre o acúmulo de esgoto Razões podem ser usadas para avaliar o grau da transformação bacteriana dos esteróis em ambientes sedimentares, visto que é amplamente conhecido que a ação bacteriana transforma estenol em estanol [4]. A razão colestanol/colesterol entre 0,1 e 0,5 é característica de matéria orgânica recentemente produzida por processos autotróficos [15]. Os altos valores encontrados neste trabalho, com valores superiores a 1, para a razão colestanol/colesterol, indicam a elevada ação diagenética sobre a transformação na área de estudo. Contudo a baixa variação destes valores ao longo dos anos aponta que a degradação dos esteróis ocorre antes da deposição, mantendo-se a relação entre os esteróis após o soterramento. Isso indica que após o soterramento não houve alterações na qualidade da matéria orgânica, o que possibilita o uso destes marcadores para avaliação temporal da contaminação por esgoto. A razão sitostanol/sitosterol também foi empregada e teve média superior a 1 e sem grandes variações ao longo do testemunho, o que corrobora a alta ação bacteriana na coluna d`água e a não degradação após a sedimentação. C. Indicadores de matéria orgânica autóctona O dinosterol (4α,23,24-trimetil-colest-22-en3β-ol) é derivado de dinoflagelados e de alguns grupos de diatomáceas, sendo assim um marcador específico de origem algal [16]. O dinosterol apresentou um forte aumento de concentração em direção às camadas superiores do testemunho (Figura 2), passando de cerca de 3-4 µg g -1 no fundo para acima de 10 µg g -1 já a partir da década de Isso reflete a maior presença de dinoflagelados e, portanto, é um sinal de eutrofização da região.

5 O estigmasterol (24-etilcolestan-5,22E-dien-3β-ol), o sitosterol (24-etil-colest-5en-3βol) e o campesterol (24-metil-colest-5en-3β-ol) tem origem tanto em algas quanto em vegetais superiores [4]. Os 3 esterois apresentam correlação fraca, mas significativa tanto com outros esteróis algais, como o dinosterol, como os álcoois, que são marcadores de matéria orgânica de origem continental [16]. Portanto, esses 3 esterois não podem ser usados para caracterizar a origem da matéria orgânica. D. Indicadores de matéria orgânica alóctona Entre os álcoois de cadeia longa, indicadores de matéria orgânica continental, não houve grande variação ao longo do testemunho, sendo os mais abundantes os compostos com 28 a 32 átomos de C. Esses marcadores são mais abundantes que os esteróis derivados de matéria orgânica autóctona. Esse resultado não é observado na porção interna da baía [17]. Não houve variação significa na concentrações dos álcoois de cadeia longa (LCOH; Fig. 2) ao longo do testemunho, o que sugere que não houve mudanças no aporte desse tipo de matéria orgânica no local estudado ao longo do tempo. O grande aporte de matéria orgânica alóctona na enseada de Botafogo é ocasionada pela vegetação de floresta no entorno do bairro da Urca. Conclusões O presente estudo avaliou a aplicação do coprostanol como indicador da evolução histórica de contaminação fecal em um local na enseada de Botafogo. Foi observado que a acentuada degradação bacteriana, causada pelo clima tropical, possivelmente levou a uma diminuição dos valores absolutos de coprostanol e que, após a deposição e soterramento da matéria orgânica não ocorreu mais transformações diagenéticas. Isso permitiu analisar o processo histórico de acúmulo de esgotos domésticos para o sistema considerado. O local estudado na enseada de Botafogo reflete que há acúmulo de esgotos domésticos desde os anos 1960 na região, sem grandes variações com o tempo, mas com uma tendência a um maior aporte na camada mais superficial. A eutrofização na enseada parece ter tido um incremento nos anos 1980, como revelado pelo maior aporte de esterol derivado de dinoflagelado. Outros esteróis algais, como os derivados de diatomáceas, ou mesmo o coprostanol, geralmente o esterol mais abundante, não apresentaram variação expressiva ao longo do testemunho. Já o aporte de material terrestre se mostrou significativo, sem apresentar variações importantes ao longo do período representado pelo testemunho. Referências

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8 ANEXOS Tabela 1. Concentração de esteróis (µg g -1 ) no perfil sedimentar da Enseada de Botafogo Profundidade Ano de deposição Coprostanol Epicoprostanol Etilcoprostanol Colesterol Diatomesterol Campesterol Colestanol sitostanol Estigmasterol Sitosterol Dinosterol 0-2 cm ,16 0,27 1,43 1,07 0,20 1,00 1,43 2,52 3,53 2,23 13, cm ,66 0,20 1,20 0,83 0,19 0,72 1,13 2,57 2,20 1,82 11, cm ,48 0,16 0,81 0,63 0,12 0,58 1,08 1,34 1,24 1,30 5, cm ,40 0,15 0,89 0,90 0,19 0,73 1,09 2,00 1,82 1,67 17, cm ,58 0,18 0,92 1,04 0,18 1,01 1,13 2,10 1,60 2,08 12, cm ,56 0,19 0,76 1,05 0,22 1,13 1,10 2,23 2,15 2,17 18, cm ,46 0,15 0,69 0,68 0,15 0,92 0,98 1,56 1,38 1,50 10, cm ,55 0,19 1,10 0,83 0,17 0,67 0,96 2,10 2,27 1,53 16, cm ,59 0,20 1,06 1,06 0,15 0,91 1,10 2,12 2,17 2,13 19, cm ,45 0,17 0,79 0,80 0,17 0,72 1,04 1,81 1,71 1,55 11, cm ,59 0,17 0,94 0,97 0,12 0,59 0,98 1,64 1,36 1,47 6, cm ,80 0,21 0,93 1,05 0,17 0,80 1,09 1,47 1,29 1,64 6, cm ,65 0,19 0,72 0,81 0,14 0,53 1,01 1,31 1,12 1,41 4, cm ,77 0,22 0,69 0,85 0,16 0,46 1,00 1,07 1,01 1,19 3, cm ,56 0,18 0,45 0,71 0,14 0,35 0,82 1,09 0,74 1,19 3, cm ,55 0,17 0,45 0,67 0,13 0,39 0,79 0,95 0,79 1,47 3,36

9 Tabela 2. Concentração de álcoois lineares (µg g -1 ) no perfil sedimentar da Enseada de Botafogo Profundidade Ano de deposição C14:OH C16:OH C18:OH C20:OH C22:OH C24:OH C26:OH C28:OH C30:OH C32:OH 0-2 cm ,07 1,28 1,07 0,61 4,34 1,52 1,88 5,33 5,61 4, cm ,33 1,08 0,41 0,45 4,38 1,52 1,93 5,80 6,22 3, cm ,85 1,19 0,69 0,44 4,00 1,36 1,76 4,29 4,19 2, cm ,07 1,71 1,10 0,48 4,09 1,46 1,89 5,33 5,64 3, cm ,42 1,05 0,76 0,49 3,93 1,63 2,09 6,09 6,36 3, cm ,34 1,07 0,67 0,46 4,28 1,52 2,09 6,27 5,77 3, cm ,46 1,03 1,06 0,46 4,08 1,44 2,05 5,36 5,39 2, cm ,61 1,01 0,84 0,45 3,58 1,35 1,93 5,05 5,22 2, cm ,27 0,90 0,49 0,48 4,37 1,54 2,22 6,96 6,20 3, cm ,21 0,67 0,28 0,35 3,87 1,49 2,11 6,10 5,78 2, cm ,17 0,99 0,80 0,80 4,66 1,52 1,90 5,79 5,48 2, cm ,20 0,59 0,23 0,33 3,81 1,50 2,09 5,82 4,97 2, cm ,28 0,67 0,56 0,33 3,09 1,28 1,81 5,30 4,75 2, cm ,20 0,78 0,35 0,34 3,63 1,40 1,95 5,01 4,44 2, cm ,46 1,19 1,09 0,34 3,57 1,78 2,21 5,25 4,40 2, cm ,44 0,94 0,28 0,32 3,99 1,46 2,03 5,97 4,85 2,31