Na região central da capital paulista, o jurista é, para a maioria dos transeuntes, apenas nome de praça; e o desleixo com a memória: placa torta
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- Eugénio Padilha Paixão
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1 INTRODUÇÃO Contraste: na bela praça Paris, com a igreja do Outeiro ao fundo, no bairro da Glória, Rio de Janeiro, o busto de Clóvis Beviláqua, deteriorado e sem identificação
2 CLÓVIS BEVILÁQUA ANTIGO DILEMA ENTRE OS HISTORIADORES é saber se a história deve optar entre mostrar a trajetória dos grupos sociais e também dos indivíduos, especialmente as chamadas personalidades; decidir se o que importa são os feitos épicos ou os lances por vezes comezinhos da vida cotidiana. E mais: se basta relatar ou é preciso também analisar os fatos e as ações humanas nas narrativas históricas. Parece claro, hoje, que o objeto da historiografia é múltiplo a saga particular e a coletiva, de pequenos grupos ou nações inteiras. Interessam os chamados grandes episódios e a vida miúda. Enfim, história social e individual entrelaçam-se para compor as pesquisas e escritos sobre os rumos humanos em variadas épocas e distintos locais. Cai por terra o mito da objetividade exacerbada. Todas as fontes de pesquisa guardam teor subjetivo, porque produzidas por pessoas. Documento oficial, notícia de jornal, discursos parlamentares ou relato de história oral são resultado da interferência humana, implicam tomada de decisão e, portanto, maior ou menor grau de subjetividade. 14
3 Na região central da capital paulista, o jurista é, para a maioria dos transeuntes, apenas nome de praça; e o desleixo com a memória: placa torta
4 CLÓVIS BEVILÁQUA A história não se resume a um aglomerado de fatos, que se possa ir colecionando aleatoriamente. Pesquisar e escrever história são atos que pressupõem posicionamentos claros, tanto no que se refere à escolha do objeto de investigação, quanto na busca de fontes a serem consultadas, como no modo como se pretende narrar com análise e interpretação, ou de maneira anódina. Quando se publicam os relatos, é necessário, também, definir o objetivo: ou se faz uma obra de referência para historiadores, ou o foco são principalmente os leitores não especializados em historiografia. Traçar um perfil biográfico pressupõe, ao mesmo tempo, compreender o indivíduo em suas idiossincrasias, particularidades, e também em meio aos grupos sociais com os quais interage (família, cidade, país), todos inseridos em um determinado tempo histórico. A pessoa biografada é o que fez, falou, escreveu e produziu, como aquilo que se falou dela, a maneira pela qual seus contemporâneos e os seus pósteros a retrataram. Clóvis Beviláqua um senhor brasileiro é fruto de ampla pesquisa histórica, realizada em diversas partes do Brasil (Viçosa do Ceará, Fortaleza, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, São Paulo) e em diferentes fontes (documentos, fotos, relatos de história oral, bibliografia de Clóvis e biografias sobre ele, análises de especialistas em sua vida e obra). Foram consultados acervos diversos, incluindo museus, arquivos históricos, bancos de dados de jornais, bibliotecas etc. Tudo é temperado com laivos de análise e interpretação. Nada foi desprezado nos feitos de nosso personagem os de grande vulto e os gestos quase anônimos. O literato, o historiador, o filósofo, o ativista cultural, o jurisconsulto, o político, o ser humano amorável... quantos Clóvis se foram revelando! E com todos eles, compondo um mesmo ser humano único, foram emergindo instituições (a Faculdade de Direito do Recife, a Academia Brasileira de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Instituto dos Advogados Brasileiros e muito mais). 16
5 INTRODUÇÃO GRITO DE PROTESTO E FILME DE PAPEL Sempre que podemos, nos livros que escrevemos, resultados de nosso esforço de pesquisa histórica, temos alertado, com contundência, para o descaso generalizado com o acervo histórico, na esfera pública e privada, contra bens culturais desmoronando, documentos e livros esbo- Em Fortaleza, escola que leva nome do cearense Clóvis passa por reformas; justa homenagem ao educador por excelência 17
6 CLÓVIS BEVILÁQUA roando. Por vezes, temos a oportunidade de denunciar de viva voz o desdém. Os responsáveis aplaudem nossa grita, comprometem-se a tomar providências e, no mais das vezes, aboletam-se, gostosamente, em seus gabinetes de trabalho, escafedendo-se... Estátuas de Clóvis Beviláqua, documentos, muita coisa, enfim, está se esvaindo, deteriorando-se, indelevelmente. Renovamos nosso grito, ecoando o poeta Manuel Bandeira (amigo de Clóvis), que escreveu, horrorizado, em um poema: Salvemos Ouro Preto!, assistindo, há mais de meio século, à cidade mineira ameaçada ante as vistas grossas das autoridades. Gritar é preciso, viver não é preciso, diria, hoje, talvez, outro magnífico poeta, Fernando Pessoa. Então deixemos nosso brado: SAL- VEMOS CLÓVIS BEVILÁQUA! CUIDEMOS DO ACERVO DE LI- VROS, DOCUMENTOS E ESTÁTUAS DE CLÓVIS BEVILÁQUA! * * * * * Em uma palavra, este livro é um documentário. Não tem a linguagem do cinema, mas os capítulos foram pensados como quadros, que compõem uma narrativa que flui, em sequência, ao sabor das palavras e das imagens. O enredo, os personagens e os planos de fundo históricos se compõem em busca do melhor enquadramento do retratado. Este diretor e roteirista, que rabisca estas linhas históricas, confessa, liberto da isenção do observador frio e imparcial, que se tornou fã do protagonista, que pôde conhecer um pouco melhor na intimidade de sua vida. E espera que o leitor aprecie a obra, sentado confortavelmente numa poltrona ou encostado a uma árvore, seja onde for; que se deleite com cenas de uma vida exemplar, de um notável ser humano, virtuoso e imperfeito, um de nossos grandes juristas um senhor brasileiro. Cássio Schubsky São Paulo, fevereiro de
7 Na praça em frente à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, Clóvis Beviláqua cabisbaixo: mais uma estátua sem identificação, sendo corroída pelo tempo e pelo descaso
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