OS FENÔMENOS PSICOSSOMÁTICOS: UM SUBSTITUTO PARA A NEUROSE?
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- Luciana Taveira de Lacerda
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1 1 OS FENÔMENOS PSICOSSOMÁTICOS: UM SUBSTITUTO PARA A NEUROSE? Jamile Luz Morais 1 Roseane Freitas Nicolau 2 Ana Carla Silva Pereira 3 Vivian Anijar Fragoso Rei 4 Um doente psicossomático é muito complicado... (Lacan, 1975) INTRODUÇÃO Este trabalho, fruto de interrogações surgidas no Grupo de Pesquisa O Sintoma do Corpo, propõe uma discussão acerca dos mecanismos psíquicos envolvidos em lesões ou doenças não explicadas por causas orgânicas gerais. Referimo-nos às doenças psicossomáticas. Pessoas afetadas por essas doenças muitas vezes rotuladas como doentes sem causa, chegam ao psicanalista à procura de uma explicação para a lesão que lhes acomete, geralmente acompanhados do discurso: Minha doença é de fundo emocional. Existem ainda aqueles pacientes já incorporados do discurso social sobre as doenças psicossomáticas que se dirigem ao analista de forma incisiva: Estou aqui porque tenho uma gastrite psicossomática!. Tão falada no meio leigo e acadêmico 5, as doenças classificadas pela medicina como de caráter psicossomático, intrigam não só os médicos e Psis como também os pacientes acometidos por essas afecções. Na 10ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde (CID-10/ 1995) e no texto revisado da 4ª revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico 1 Psicóloga, mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Social da UFPA. 2 Psicóloga, Psicanalista e Professora Do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Social da Universidade Federal do Pará. 3 Psicóloga, membro do Grupo de Pesquisa O Sintoma do Corpo desenvolvido na Clínica de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Social (UFPA). 4 Psicóloga, membro do Grupo de Pesquisa O Sintoma do Corpo desenvolvido na Clínica de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Pesquisadora do Laboratório de Psicanálise e Psicopatologia Fundamental da UFPA. 5 No ano passado, em 5 de dezembro de 2007 foi publicada a seguinte matéria na revista Veja (n. 48, ano 40, edição 2037): Emoções e Saúde referindo aos fenômenos psicossomáticos.
2 2 dos Transtornos Mentais (DSM IV/ 1995) são descritos diferentes tipos de transtornos psicossomáticos. Nestas referências, é possível encontrar um verdadeiro catálogo dessas doenças. Entre elas destacam-se: a síndrome do intestino irritável, a fibromialgia, a fadiga crônica, o lúpus, a hipertensão, a dermatite, entre outras. A constatação é que, apesar do catálogo criado pela medicina para identificar essas doenças, fica ainda uma lacuna a preencher no sentido de sua etiologia, pois esta foge à competência da medicina devido à ausência de causas orgânicas. O que se observa são tratamentos voltados, não para a doença em si, mas para o quê supostamente está causando a doença; o resultado: são receitados anisolíticos que acabam por calar o sujeito. De fato, é provável que esses doentes queixosos demorem a retornar ao médico com as mesmas queixas, mas fica a pergunta: Até que ponto isso contribui para a melhora do sujeito? Como se vê, ao receitar tais medicamentos, a medicina, de certa forma, contribui para a alienação deste sujeito na medida em que, anestesiado pela medicação, acomoda-se e não se implica com seu conflito neurótico. Ao ficar preso no significante sou doente, o sujeito não vê outras possibilidades de significar a sua doença, ficando preso num discurso vazio, onde sua fala se dirige apenas ao órgão lesado ou à doença. É como esta não dissesse nada sobre si, como se estivesse fora desse sujeito, fosse estranha a ele mesmo. É preciso ressaltar que qualquer pessoa pode ser afetada por uma doença ou resposta psicossomática. O que pretendemos enfocar são os casos de cronicidade e persistência da doença, a ponto desta servir como uma defesa para o sujeito. A psicanálise, diferentemente da medicina, vem propor uma outra forma de conceber o psicossomático 6, ao ir além dos sinais físicos da doença. Para a psicanálise, especialmente para o psicanalista francês Paul-Laurent Assoun (1997), o sujeito que sofre constantemente de surtos do tipo psicossomático, encontra na doença um substituto para sua própria neurose. Por esta razão, apontaremos aos fenômenos e não aos sintomas psicossomáticos, pois falar de um sintoma, em psicanálise, significa apontar para uma neurose, para um sintoma neurótico, resultado de um trabalho do psiquismo; o que não acontece nos fenômenos psicossomáticos. Como a expressão já diz, é um fenômeno que surge no corpo do sujeito sem quê nem porquê, sem uma causa justificada. 6 A expressão é colocada em aspas, pois não se trata de uma estrutura psíquica e sim de um modo de ser do sujeito.
3 3 PODEMOS FALAR DE UM SUJEITO PSICOSSOMÁTICO? Levantar este questionamento é o ponto chave para entendermos o funcionamento do psicossomático. Para isso, precisamos distinguir sucintamente um fenômeno psicossomático (FPS 7 ) de um sintoma neurótico. Comecemos salientando que, para Freud ( ) o sintoma remete ao sujeito, pois é resultado de um trabalho de substituição, é um sinal e um substituto de uma satisfação pulsional, produto do processo de recalque. Os FPS, diferentemente, não passaram por um processo de substituição. Podemos dizer que nestes fenômenos ocorreu uma falha no recalque. Aquilo que era para ser barrado e substituído, não foi, e disso resulta um fenômeno puro, uma espécie de matéria bruta, que não foi lapidada, não foi transformada em sintoma. A falha no recalque produz a lesão, inscrita no corpo orgânico. Partindo dessa lógica, perguntamo-nos: Podemos falar de um sujeito psicossomático? Ora, se o sintoma remete a um sujeito, então não podemos apontar para um sujeito, pelo o menos quando estiver afetado pelos FPS. Vale lembrar que quando falamos de sujeito, em psicanálise, falamos de um indivíduo distinto tal como o percebemos freqüentemente. Para a psicanálise, o sujeito remete ao sujeito do desejo, que está imerso à linguagem do inconsciente, distinto tanto do indivíduo biológico quanto do indivíduo da consciência. O sujeito não é o Eu. O sujeito emerge no momento em que se confronta com a falta simbólica, instituída pela metáfora paterna, que o tira da relação imaginária com seu primeiro grande Outro (a mãe) e o coloca na posição de TER o falo. Esta falta inaugura o sujeito desejante, inserido na linguagem. É por esta razão que no Seminário 11, Lacan ( ) salienta que o sujeito ex-siste na linguagem porque na verdade ele, assim como o objeto a (objeto causa de desejo), localiza-se no espaço entre os significantes. Para isso é preciso que haja um deslizamento na cadeia de significantes, onde estes vão se combinar ou se substituir a fim de produzir efeitos de significação. Nos FPS, o sujeito não aparece. Lacan ( /1985), no Seminário 2, refere-se aos FPS pela primeira vez ao afirmar que estes se encontram fora do registro simbólico, estando localizados no registro do real, da ordem do irrepresentável. Posteriormente, no Seminário 11, Lacan (1964/1998) volta a falar nos FPS ao colocá-los no mesmo patamar das psicoses, julgando a falha simbólica como determinante para o adoecimento somático. Lacan usa o 7 Doravante utilizaremos esta sigla para nos referirmos ao fenômeno psicossomático.
4 4 termo emprestado da lingüística Holófrase 8, para se referir à condensação do primeiro par de significantes (S1--S2) que fica gelificado, impedindo o deslizamento da cadeia e, portanto, o aparecimento do sujeito. Com o surgimento da holófrase, acontece a suspensão da função significante como tal (a de representar o sujeito), causando prejuízo ao registro simbólico. O prejuízo neste registro leva à impossibilidade de ler e saber o que está escrito no corpo. Na Conferência de Genebra em 1975, Lacan considerou o corpo do psicossomático como um verdadeiro hieróglifo egípcio 9. Os FPS seriam uma escrita, feitos para não serem lidos. Assim como os hieróglifos, os FPS seriam inscrições que estão fora do deslizamento simbólico, como se fosse um enigma inscrito no real do corpo do sujeito. Para Nasio (1993) as manifestações psicossomáticas são decorrentes de uma foraclusão local do Nome-do-Pai, considerando-as como uma formação do objeto a, estando no mesmo patamar das alucinações e das passagens ao ato. Jean Guir (1988) posiciona-se de modo semelhante ao afirmar que nos FPS a metáfora paterna funciona em certos sítios do discurso e não em outros" (p.48). Guir ressalta que acontece algo que faz com que não exista censura entre S1 e S2, emergindo daí um objeto a, objeto causa de desejo. Onde a metáfora não funciona, as afecções aparecem. Essa quebra na cadeia de significantes, provoca uma descontinuidade no discurso, o que pode causar a morte do sujeito, diferentemente do sintoma neurótico que, segundo Lacan, permite o sujeito viver. No entanto, quando ouvimos a expressão foraclusão ou falha na metáfora paterna, lembramos logo da psicose. Mas não podemos confundir os fenômenos somáticos com a psicose, uma vez que esta estrutura psíquica não encontra mecanismos de substituição devido à ausência do significante mestre, Nome-do-pai. Este significante está fora-cluído do inconsciente, sendo este o motivo pelo qual o sujeito não consegue metaforizar, simbolizar o seu desejo. Nos fenômenos somáticos, no caso dos neuróticos, este significante não está foracluído. O que acontece é que o registro simbólico (até então existente) não foi capaz de metaforizar o afeto (a angústia). Em Inibição, Sintoma e Ansiedade, Freud (1926/1996) define angústia como um afeto que sinaliza a reação ao perigo de castração, na qual o Eu sujeito tenta evitar a agressividade do Supereu. Vimos que o psicossomático, ao adoecer do corpo, não quer se haver com a castração, mas ele sabe que ela existe. Assim, a angústia sem representação vivida no corpo significa justamente a evitação da neurose. Assoun (1997) considera os FPS uma saída do sujeito para a sua neurose, uma vez que tais fenômenos põem a neurose em suspensão; como 8 Refere-se a um enunciado que condensa uma sentença que carrega um sentido ou uma intenção do emissor. 9 Os hieróglifos eram um tipo de escrita característica do povo egípcio, cujo código lingüístico é ilegível. Tratase de um registro que não se dirige a ninguém, que não sabemos ler.
5 5 se o sujeito substituísse sua neurose por um FPS, fugindo do seu fantasma 10, do seu próprio desejo. Ao mesmo tempo, a afecção somática surge como se fosse um despertador, um chamado para a cadeia de significantes que está parada, gelificada, carente de simbolização. Seria a chamada para a eclosão de um sintoma neurótico. Do mesmo modo que o delírio seria uma forma de reconstituição do Eu, as afecções somáticas também seriam uma forma de aviso dirigido ao sujeito, ao sinalizar (através da lesão) que este deve deixar a neurose entrar. É o verdadeiro encontro entre as pulsões de vida e de morte. Enquanto a pulsão de morte lança o sujeito para a morte, destruindo os órgãos e causando prejuízo ao sujeito; a pulsão de vida, através de uma castração pelo real, convida o sujeito a voltar a sua condição. Enquanto o neurótico assumido se utiliza do seu sintoma em nome de uma formação de compromisso, o psicossomático se utiliza de sua doença para fugir deste compromisso, na medida em que assumir este compromisso requer submeter-se às leis do inconsciente e assumir sua neurose. O GOZO DO PSICOSSOMÁTICO : UMA FUGA MORTÍFERA DA NEUROSE, O AUTO-EROTISMO EM AÇÃO. Vimos que o sujeito acometido de afecções psicossomáticas substitui tais afecções pela sua neurose. Ao fazer isso, o sujeito substitui um tipo de gozo por outro, ou seja, ao invés do sujeito estar submetido ao Gozo Fálico 11, ele fica assujeitado ao Gozo do Outro 12. Este gozo, por sua vez, chega a ser mortífero, pois busca uma satisfação total, mítica. Sabemos que este tipo de satisfação, para Freud, só pode ser satisfeita com a morte. Em Pulsão e destinos da Pulsão, Freud (1915/ 2004) salienta que a pulsão está localizada na fronteira entre o psíquico e o somático. De fato, sabemos que a pulsão se origina de uma fonte endógena, do corpo orgânico e que chega ao psiquismo na medida em que demanda uma representação psíquica para isso, para essas excitações. O sujeito se constitui pelo que é corpo. Enquanto estiver vivo, o sujeito nunca escapará da pulsão. A pressão da pulsão movimenta o psiquismo e faz com que ele encontre objetos para a satisfação dessas demandas e assim, garanta a sua sobrevivência. A pulsão de vida estaria ligada à sobrevivência da espécie e do indivíduo. Esta busca uma satisfação suficiente para 10 Sinônimo de fantasia em Freud, é representado pela matema lacaniano $ a (lê-se: S barrado punção de a). Indica a relação particular do sujeito do inconsciente barrado e dividido por sua entrada no universo simbólico. O fantasma aponta para a neurose do sujeito (CHEMAMA &VANDERMERSCH, 2007). 11 Refere-se ao gozo permitido pela lei simbólica, norteado pelo falo, pelo recalcamento, é o gozo parcialmente satisfeito. 12 Diferentemente do Gozo Fálico, é o gozo mítico, não barrado.
6 6 tal. A pulsão de morte, Freud diz, é a base do princípio primeiro do funcionamento do aparelho psíquico, no sentido em que o sujeito procura reduzir num nível menor possível a tensão do organismo. É a busca da satisfação que leva o organismo a retornar às origens, ao seu estado de não vida, a morte. A pulsão de morte seria aquilo que está para além do princípio do prazer. É aquilo que, na tentativa de descarregar totalmente a tensão, acaba causando prejuízo e dor ao sujeito. Visa a descarga total de energia, sem levar em conta a integridade do Eu e o princípio da realidade. Assoun (1997) sugere que o corpo se coloca no trajeto que vai do Isso à morte. Ressalta ainda que as pulsões direcionam não só a vida psíquica, mas também a vida vegetativa. A pulsão seria o orgânico agindo psiquicamente. Esse orgânico, entretanto, pode tomar conta do psiquismo de tal modo que a tensão passa a ser diretamente descarregada no corpo. É como se a energia pulsional passasse por cima da lei do psiquismo. O autor classifica o fenômeno somático como se fosse um momento místico do corpo, no qual o Isso reina para além do Eu: O Isso sobe a cabeça e se lança em direção à morte, sendo o Eu espectador de tudo Isso. A pulsão de morte, assim como o Gozo do Outro, busca esta intensificação máxima da tensão. Seria o gozo perfeito, pleno, mas impossível. O Gozo, como a pulsão, só existe pelo que é corpo. E esse corpo, sabemos, erotizado e excitado, não é totalmente significado, ou seja, existe uma parte deste corpo que só se apresenta no registro do real. Aquilo que para Lacan, não pode ser explicado pela intervenção do simbólico. Logo, esse Gozo é um lugar vazio de significantes. Ainda com relação ao registro do real, Lacan ressalta que o real é aquilo que sempre volta ao mesmo lugar, lugar este que o sujeito não encontra. Na clínica, o encontro com o real pode ser identificado como o mau encontro feito pelo sujeito. Conforme Chemama (2007), O impossível, é o real [...] Para o sujeito, o lugar do real está sempre faltando, e o impossível, como real, não é mais, como na filosofia aristotélica, como aquilo que não pode ser (p. 326). O corpo, ou melhor, a doença instalada no corpo, ao nível do real, não pode ser significada pelo sujeito, calando o mesmo. O corpo do real é o objeto de satisfação do psicossomático. Ou melhor, o corpo goza às custas do sujeito, porque na verdade neste momento não há um sujeito, há um objeto gozante deste Gozo do Outro. Enquanto o sujeito não aparece, este gozo lesiona os órgãos e aos poucos vai acabando com o sujeito, reduzindo-o à matéria, a um pedaço de carne, a um organismo, da forma como veio ao mundo. É uma satisfação colocada em ato, não
7 7 simbolizada, que aliena o sujeito em meio a esse gozo mortífero, que mata o sujeito do desejo e pode matar também o organismo 13. Ao fugir da lei simbólica, o psicossomático paga o preço com sua própria carne. Se não foi barrado pelo simbólico, é castrado no real do seu corpo. Esta castração, entretanto, é mais dura, pois se continuar a gozar do corpo, este gozo pode ser mortífero na medida em que destrói os órgãos e machuca a matéria. Este gozo que chega a causar dor no sujeito está associado à pulsão de morte. O sujeito é falado por este Gozo do Outro, sem impedimento, que está para além do princípio do prazer. Todo esse sofrimento na carne para ele é mais vantajoso do que sofrer da alma. E tudo isso quando ele tem uma outra saída. Só que essa saída requer assumir que se é um ser faltante, desejante. O Gozo do Outro impõe ao corpo do psicossomático um dever: o de gozar. Este corpo é complacente ao gozo, pois se coloca à disposição deste gozo mórbido, excessivo, tóxico, sobre o corpo ou órgão do corpo. A complacência somática 14 fornece ao sujeito uma saída no corporal, já que não encontra outros meios de realizá-lo. A economia do gozo no corpo se dá pela escrita, por um nome próprio feito não pela metáfora paterna (Nome-do-pai), mas sim pelo gozo, verdadeiro Nome próprio. É o que Lacan (1975), na Conferência de Genebra, considerou um Nome próprio, como um número, uma vez que para ele o corpo do psicossomático escreve alguma coisa da ordem do número. Para Sérgio Becker (2003) o psicossomático carrega em seu corpo o gozo do Outro que não cessa em gozar. Esse gozo desaba sobre o corpo do sujeito que se manifesta sem pedir permissão. Salienta que o Nome próprio é de propriedade do Outro, sendo que na afecção este Nome próprio é tido como coisa, que patrocina a doença. O gozo do Outro atingiu a Letra do Nome, tornando-se prejudicial. Como podemos observar na afirmação: O órgão já não pertence mais ao sujeito, foi usurpado de si e infectado pelo Outro. O sujeito passa a funcionar como um pedaço do corpo do Outro, lugar que não pode penetrar com a sua letra, pois é um lugar irreal, onde não se escreverá jamais e aí permanece cristalizado numa representação mítica, própria do irrealizável (p.104). Este gozo não barrado, por sua vez, remete à nossa fase mais primitiva, onde ainda não existe lei, que é o estado de narcisismo, ou mais precisamente antes, ao estágio de auto- 13 Veja o caso das doenças auto-imunes, como o Lúpus, por exemplo, em que a doença ataca os órgãos do doente de tal maneira que o leva a morte. 14 Por complacência somática, Freud (1905), ao estudar os sintomas histéricos, definiu o termo como uma parte tomada pelo corpo da histérica para designar um significante. Na atualidade, o termo é usado também para remeter a um real do corpo além do significante.
8 8 erotismo. Seria os FPS um retorno a esse estágio? Respondemos a esta pergunta recorrendo o pensamento de Assun (1997) quando afirma que as lesões psicossomáticas podem ser vistas como uma forma regressiva de transformação de uma realidade. Regressiva porque é um retorno a esse estágio de auto-erotismo. Ao mesma tempo, é transformação da realidade na medida em que há um desvio do principio da realidade e a volta do princípio do prazer. No momento em que ocorre esse desvio da realidade ele ativa uma espécie de paródia do prazer sexual. Este auto-erotismo é posto em ação. O psicossomático se permite a uma verdadeira passagem ao ato na ação erótica, na qual o corpo real é o teatro em que se desenrola esta ação. O corpo sofre de uma paixão que se põe em ato. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOUN, Paul-Laurent. Corp set Symptôme Tome 1: Clinique du corps. Paris: Econmica Ed, BECKER, S. O Fenômeno psicossomático além das estruturas. In: Pulsão e Gozo. Letra Freudiana, ano XI, nº 10/11/12, Rio de Janeiro, CHEMAMA, R; VANDERMERSCH, B. Dicionário de Psicanálise. RS: Editora Unisinos, DSM-IV - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, FREUD, S. (1905). Minhas teses sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses. In: ESB. Rio de Janeiro: Imago, (1915). Pulsão e Destinos da Pulsão. In: Obras Psicológicas de Sigmund Freud Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Tradução Luiz Alberto Hanns. Rio de Janeiro: Imago Vol. I, (1926). Inibições, Sintomas e Ansiedade. In: ESB. Rio de Janeiro: Imago, GUIR, Jean. A Psicossomática na Clínica Lacaniana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, LACAN, J. ( ) O Seminário. Livro 2: O Eu na Teoria de Freud e na Técnica da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, (1964) O Seminário. Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, (1975) Conferencia in Ginebra sobre el sintoma. In: Intervenciones y textos. Buenos Aires: Manantial.
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