PRINCÍPIO DA BOA-FÉ: DA INTENÇÃO À CONDUTA EXIGÍVEL NO NOVO CÓDIGO CIVIL
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1 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ: DA INTENÇÃO À CONDUTA EXIGÍVEL NO NOVO CÓDIGO CIVIL Mônica A. R. L. Gonzaga O princípio da boa-fé inspira e norteia todo o direito privado, e, de forma particular, as obrigações. Princípio arquimilenar, essencialmente ético e originado do direito romano. A boa-fé se biparte em subjetiva e objetiva, podendo, então, sob estes dois enfoques serem respectivamente conceituadas: "É uma expressão que denota um estado de consciência individual de não estar lesando o direito de outrem, ou de não estar provocando dano injusto. Diz-se subjetiva justamente porque, para sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção". (COSTA, 1999:411). "É um modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar sua própria conduta de acordo com aquilo que um modelo de ser humano ideal, certo, honesto e probo faria no caos concreto". (COSTA, 1999:411). O valor dado à boa-fé não foi uma constante ao longo da história. Inicialmente, não havia distinção entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva. No direito romano correspondia ao estado íntimo das pessoas, pode-se dizer, a boa-fé romântica, eminentemente subjetiva. Havia a exigência do agir com probidade, com cautela, de forma que em uma relação obrigacional, as partes não causassem danos a terceiros. Se não houvesse provocação de dano, portanto, bastava. Caracterizava-se pela absoluta ignorância da realidade fática. Os alemães, por herança dos romanos, em seu Código Civil, o BGB de 1896 que entrou em vigor em 1900, com quatro anos de vacatio legis, transformou este princípio em cláusula geral dos contratos, configurando, em verdade, a primeira grande conquista do direito positivado sobre a boa-fé. Aluna do 3º Período do curso de Direito das Faculdades Integradas Vianna Júnior. Orientadora Profª Marize Saraiva.
2 2 Neste momento, faz-se a distinção de duas naturezas atinentes à boa-fé: subjetiva e objetiva. Nosso Código Civil de 1916, de cunho essencialmente patrimonial e individualista, dispunha a boa-fé no plano da intenção. Não havia uma definição expressa, estava presente de forma implícita, uma vez que foi baseado no anteprojeto escrito por Clóvis Beviláqua que considerava a boa-fé um conceito eminentemente ético, de modo que teria que estar guardado no coração dos contratantes e não no direito positivo. Apesar de não haver uma definição expressa no Código Civil de 1916, pode-se encontrar em seu texto inúmeros dispositivos relacionando a boa-fé como regra de conduta. Convém ressaltar alguns exemplos relativos ao direito das coisas e família como o artigo 221 que faz referência ao casamento putativo em que se os cônjuges agiram com boafé, seus efeitos serão preservados inclusive em relação aos seus descendentes; artigo 225 parágrafo único; artigo 490 onde define a posse de boa-fé; artigo 510 que dispõe sobre os frutos percebidos pelo possuidor de boa-fé; artigo 514 que faz referência ao possuidor de boa-fé; artigo 516 dispondo sobre benfeitorias feitas pelo possuidor de boa ou má-fé; artigo 551; inadequado seria esquecer, também, artigos exemplificativos de direitos obrigacionais como o 935; 1062; 1318; Este último, apesar de fazer da boa-fé seu alicerce, peca ao tentar conceituar boa-fé, uma vez que este conceito é monolítico, ou seja, ou se está de boa-fé ou não se está de boa-fé. Exemplos de boa-fé estão presentes em todo nosso ordenamento jurídico. O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não é mera exortação ética, mas regra de conduta, o artigo 51, inciso IV do CDC, dispõe que são nulas de pleno direito as cláusulas que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade", cláusula esta que representa um norte e um paradigma para o aplicador do direito, pois se acha em consonância como os valores consagrados pela Constituição, em busca de tão almejada Justiça Contratual. O CDC, por conseguinte, impõe uma conduta proba em toda a relação de consumo entre os contratantes. Foi uma janela que se abriu no Brasil com nova dimensão ética. Nosso novo Código Civil ( CC/02 ) instituído pela Lei nº de 10 de janeiro de 2002, com um ano de vacatio legis, surge não como papel
3 3 revolucionário, mas sim como um estabilizador das relações jurídicas. Dedicouse, essencialmente, às disciplinas e assuntos já consolidados, de maneira que obteve um maior avanço somente em relação a alguns setores que se encontravam defasados. Apresenta princípios norteadores em atenção ao Estado Social como a eticidade, socialidade e economicidade. Muito embora não podendo ser referido como uma nova Constituição dos Direitos Privados, o CC/02 apresentou o relevante papel de transformar a boa-fé em regra de conduta. Princípio presente em nosso CC/02 no direito de família, sucessões, entre tantos outros, porém seu leito natural é nas relações obrigacionais. Pois, são nas relações recíprocas que este princípio é mais exigido. Incluído, portanto, nos princípios fundamentais dos contratos, como se fosse síntese dos demais contratos: autonomia da vontade, relatividade, economicidade, consensualidade e o super-princípio boa-fé como seu alicerce ético. Posta assim a questão, é de se dizer que nosso Código Civil, acertadamente, legitima a boa-fé como norma que condiciona toda experiência jurídica, princípio norteador de nossa sociedade, oxigênio do Direito. Temos que ter real intenção de agir corretamente, eticamente, com probidade. Mas, só intenção não é suficiente, veio a globalização e com isso a proliferação dos contratos de consumo (consumo, produção, contrato em massa e com isso, lesão em massa). Verifica-se em nossa realidade atual, assustadoramente, que as lesões ocorrem de forma veloz e macificada. É praticamente inevitável que o proponente massacre a parte mais vulnerável. Imprescindível, portanto, fortalecer o princípio da boa-fé, pois senão os conglomerados econômicos escravizarão a massa. É através da boa-fé objetiva que se conseguirá um mínimo de equilíbrio e justiça. O CC/02 ao abrir o livro dos contratos diz no artigo 422: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Em relação aos negócios jurídicos, o artigo 113 estatui: Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. O artigo 478 que dispõe sobre resolução dos contratos por onerosidade excessiva, incluindo a lesão, o dolo de aproveitamento que é a falta total de boa-fé, mostra de forma clara que a boa-fé não se situa unicamente no campo da intenção, mas é um agir, é uma conduta, é um dever. Impende observar, segundo destaca Venosa
4 4 (2002:380), que a boa-fé subjetiva não deve ser desprezada, independentemente da situação, e o seu exame será vinculado, sempre, na sensibilidade do juiz. Em consonância com o acatado, o autor acima mencionado, disserta: A idéia primordial é no sentido de que, em princípio, contratante algum ingressa em um conteúdo contratual sem a necessária boa-fé. (VENOSA, 2002, v.2:379). (...) no caso concreto, o juiz deve repelir a intenção dos declarantes de vontade, em qualquer negócio jurídico, que se desvie da boa-fé objetiva, qual seja, a conduta normal e correta para as circunstâncias, seguindo o critério do razoável. (VENOSA, 2006, v.1:394). É sobremodo importante distinguir as funções inerentes à boa-fé objetiva presentes em nossa lei civil que de forma muito expressiva disserta o tão conceituado doutrinador Venosa (2002:379), quais sejam, função interpretativa, presente no artigo 113, pela qual o magistrado deve interpretar os contratos segundo a boa-fé, como se os contratantes tivessem agindo segundo bonus partem familae; função controladora, em que se reporta o artigo 187 disciplinando o abuso de direito, de forma a ver até que ponto está se exercendo legitimamente o Direito; função integradora, disposta no artigo 422, onde o magistrado, no caso de uma omissão ou de uma lacuna, deva supri-la com base na boa-fé. Vale ratificar que a maior contribuição de nosso CC/02, sem dúvida alguma, foi a reconquista da boa-fé, a tão importante e necessária transformação da boa-fé subjetiva em boa-fé objetiva. A conseqüência prática do princípio da boa-fé consoante Judith Martins Costa (2000:517) é a maior segurança ao julgador e ao sistema. A boa-fé atua como forma de definição do contrato bem como forma de definição dos contratantes. Em assonância com a lição sempre precisa de Venosa (...) podemos afirmar que esse princípio se estampa pelo dever das partes de agir de forma correta, antes, durante e depois do contrato, isso porque, mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais. Os magistrados, principalmente, não serão mais um Pôncio Pilatos, os princípios
5 5 pacta sunt servanda e autonomia da vontade serão permitidos de forma condicionada à situação dos contratantes, uma vez que o Estado tem que interferir para evitar desigualdades. O contrato, obrigatoriamente, deve conter uma equação econômica equilibrada, harmonizando a um só tempo a autonomia privada e a solidariedade social. Não se admitirá que o enriquecimento de um leve o outro à ruína. Os contratos necessariamente têm que construir a paz social. Os contratantes, portanto, deverão agir com boa-fé e o judiciário mais fortalecido, em virtude de ser cada vez menos, o juiz, a boca da lei, mas sim um juiz moderno, equilibrador ético das relações contratuais, deverá corajosa e prudentemente analisar a boa-fé como conditio sine qua non para a realização da sempre ansiada justiça social.
6 6 BIBLIOGRAFIA COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral.v.1, 6 ed. São Paulo: Atlas, VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos.v.2, 2 ed. São Paulo: Atlas, CONGRESSO REALIZADO NO AUDITÓRIO DA EMERJ. Princípio da boa-fé no direito das obrigações à luz do novo Código Civil. Palestra proferida pelo Dr. Sylvio Capanema de Souza.
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