O trabalho que segue trata-se de um projeto de monografia PAISAGEM EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS : POR UMA GEOGRAFIA DA EXISTÊNCIA
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- Sílvia Braga Pinto
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1 O trabalho que segue trata-se de um projeto de monografia Joubert Antônio dos Santos Universidade Federal de Viçosa PAISAGEM EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS : POR UMA GEOGRAFIA DA EXISTÊNCIA INTRODUÇÃO As problemáticas acerca da existência humana é temática que há muito nos interessa, mais especificamente a relação entre espaço e existência. A nossa inquietação vem de querer saber se através da análise espacial é possível fazer interpretações acerca da existência humana e vice-versa. Para tanto, fomos buscar na literatura uma possibilidade de exercício de tal reflexão. Através da análise da relação simbiótica estabelecida entre personagem e paisagem em Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa, identificamos uma forma de refletir sobre a relação do homem com o mundo, ou melhor, com o espaço da sua existência. A escolha por essa obra está relacionada ao nosso apreço pela beleza poética de sua narrativa e pela potencialidade de discussão de problemas existenciais universais que oferece, apesar de sua estória versar sobre o sertão mineiro. Pois como o próprio narrador-personagem diz: O Sertão é do tamanho do mundo A necessidade de significar a sua existência é um dos grandes dilemas do homem na sociedade contemporânea. Dilema porque apesar da riqueza material proporcionada pelo avanço tecnológico, o homem, de modo geral, parece cada vez mais desprovido de um sentido para a sua vida, sua existência. Entendendo a paisagem enquanto camadas onde se imprime experiências da existência humana e o espaço enquanto o agente que vivifica a relação homem/paisagem, pretendemos no presente trabalho, apresentar o espaço como um elo possível a ser estabelecido entre o homem e o sentido que procura para a sua existência. Estamos aqui requerendo, portanto, uma geografia da existência, que ancorada nos conceitos de paisagem e espaço, possam ajudar o homem a se situar no mundo e dentro de sua própria vida, pois acreditamos que a geografia deve ser uma ciência voltada para o homem, que reflita não só 1
2 sobre suas condições materiais de sobrevivência, mas também sobre as suas angústias, medos, etc, advindos do se saber existente no mundo. PROBLEMA Há ainda atualmente uma geografia baseada em concepções geométricas do espaço, que se preocupa numa constante renovação do seu controle racional. Esse tipo de geografia está presente na base das forças econômicas e científicas que, contemporaneamente, estão realizando a globalização. Seja na formulação de espaços de pontos, de verticalidades ou de redes, essa geografia a serviço do capital, parece carregar consigo a idéia de que o mundo só pode ser entendido e explicado pela razão, sob o argumento de que ela poderia diminuir as distâncias espaciais, e assim, promover a inclusão social. Porém, o período histórico que ora atravessamos, mostra que essa concepção fracassou. Apesar do avanço da tecnologia dos transportes e das telecomunicações ter diminuído as distâncias, esse processo não foi inclusivo. E a geografia, sob pena de se tornar uma disciplina com um papel menor, não deve enveredar por distorções dessa natureza. Apesar da razão e os seus resultados ser o que confere à ciência a superioridade em relação às outras formas de conhecimento, a Geografia, se quiser ganhar em potencial explicativo do mundo, deve se enriquecer de outras formas de conhecê-lo. Daí ela não pode ter como ponto de partida somente a análise dos resultados, como sugere o modelo racional, mas deve integrar a averiguação dos processos de atualização do mundo, em sua formas materiais e imateriais. O esforço em racionalizar o espaço, matematizando-o, enfraqueceu a geografia teoricamente, de modo que ela não consegue explicar alguns problemas do homem na atualidade, como é o problema da existência. Preocupada em entender o espaço geográfico enquanto cenário onde a vida se desenvolve, a Geografia ocupou-se mais no estudo do cenário do que com a vida propriamente. Pensar formas de refletir sobre a existência a partir do espaço e, por outro lado, verificar as percepções espaciais decorrentes da experienciação do mundo, contidas em uma existência específica, é portanto, o desafio que propomos, pois entendemos que a existência deve ser o ponto de partida da construção do espaço pelo homem e para o homem. Mas como? A tarefa de todo modo não é simplória, até porque há uma resistência muito grande dentro do corpo científico em aceitar a subjetividade como possível elemento explicativo do 2
3 mundo. De todo modo, pretendemos enveredar por esse exercício através da obra literária Grande Sertão: Veredas. E a questão que se coloca então é: se a literatura é uma das formas mais ricas e significativas de representação da realidade sócio-espacial e da existência humana, pode ela subsidiar a Geografia no seu objetivo de aprofundar os estudos sobre a relação espaço e existência? A obra Grande Sertão: Veredas através da simbiose revelada entre paisagem e personagem possibilita esse exercício? OBJETIVO GERAL Baseado na filosofia Fenomenológica Existencialista, refletir, através de Grande Sertão: Veredas, a relação entre existência e espaço. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1) Propor o entendimento do espaço enquanto espaço vivido, a partir de quem o experienciou; 2) Propor à Geografia Humanista uma recorrência maior ao conceito de paisagem enquanto tradutor do espaço afetivo e extensão da existência; 3) Aprofundar a interdisciplinaridade entre Geografia, Filosofia e Literatura através da categoria espaço; 4) Contribuir para o estudo do espaço nas obras literárias; MARCO TEÓRICO No último quartel do século XX os estudos sobre paisagem são retomados. Primeiramente mais próximos à geografia física, com forte caráter naturalista e ecológico (destaque para a escola de Besançon), depois a sua abordagem pela geografia humana, em que a paisagem passa a ser vista numa perspectiva subjetiva. De modo que o enfoque passa a ser o indivíduo, com as sua práticas e representações que elabora do mundo exterior. Este tipo de abordagem faz a Geografia, através da Geografia da Representações e, principalmente através da Geografia Humanista, aproximar-se das tendências existencialistas e fenomenológicas. Os aspectos invisíveis da paisagem, como a cultura, a economia, etc, vão progressivamente ganhando relevância na ordem explicativa do conceito de paisagem e as paisagens culturais vão se individualizando em relação às paisagens naturais, mas sem perder 3
4 de vista as interelações mútuas. Aliás, o caráter integrador entre os aspectos físicos e humanos que a paisagem proporcionava, era a principal razão para que os geógrafos do início do século XX tivessem tanto apreço por ela. Há, portanto, na recente literatura geográfica uma transição de enfoque do objetivável (físico/ecológico) para o fenomenal (o modo de ver, a relação sujeito/objeto) (BARATA, 2001). Nessa perspectiva a paisagem apresenta-se como realização e materialização de idéias dentro de determinados sistemas de significação, sendo humanizada não apenas pela ação humana, mas igualmente pelo pensar. Cria-se dessa forma, a paisagem como uma representação cultural (SCHIER, 2003), mediação entre o mundo das coisas e o mundo da subjetividade (MELO, 2006). A aproximação entre geografia e literatura está no bojo de um movimento recente de procura pela interdisciplinaridade entre os saberes. Reflexo da incapacidade das ciências em explicar a complexidade dos seus objetos de estudo, a interdisciplinaridade, corresponde à necessidade que as disciplinas tem em compartilhar entre si os seus conhecimentos com vistas ao enfrentamento de diversas questões da sociedade contemporânea (MELO, 2006). A Geografia, por ter no estudo de um objeto complexo como é o espaço, sempre se arvorou como sendo uma ciência de síntese, sendo capaz de utilizar o saber científico de diversas áreas do conhecimento, desde as disciplinas exatas e naturais até as disciplinas sociais e humanas, para a interpretação e explicação de fenômenos que ocorrem na superfície terrestre (SANTOS, 2002). Nas últimas décadas, a Geografia vem reforçando a condição de ciência para a qual convergem temas que supostamente não teriam uma natureza geográfica (MELO, 2006). Uma das aproximações que tem se revelado como uma das mais férteis para a Geografia é a realizada com a Literatura, muito embora os estudos sejam ainda muito reduzidos nesse campo. Talvez pelos resquícios da ciência positivista, que criou a dicotomia entre real e fictício e entre sujeito e objeto, ou talvez pelo apego dos geógrafos à necessidade de construção de especificidades na Geografia, ou talvez os dois aspectos em conjunto. O que está claro é que a ciência moderna está em crise por ter sido refratária às subjetividades, à imaginação, à poesia, e por ter negado o valor de representação da realidade sócio espacial pelas artes em geral e pela lliteratura, o que evidentemente não é possível, pois a linguagem, inclusive a científica, está marcada por todos esses elementos (MELO, 2006). A Literatura, enquanto uma das mais ricas formas de representação da realidade espacial, apresenta-se, pois, como uma interessante complementação à geografia. 4
5 Entendendo aqui representação não como mimese do real mas como uma sua leitura (MELO, 2006), uma tradução que fazemos do real sensível através do conceito (MOREIRA, 2007) e que ajuda a processar os conhecimentos e práticas sociais (ROSENFIELD, 2007). E é sob o signo da paisagem que a literatura geralmente realiza as suas representações espaciais, principalmente através da paisagem cultural, aporte de uma rede de símbolos construídos entre o sujeito e o seu meio (ALMEIDA; OLANDA, 2007). Em Grande Sertão: Veredas (GSV) isto é patente. Porém, a exploração da obra pelos que a abordam pelo ofício da Geografia não se reduz ao estudo do cenário e da realidade sertaneja, pois no próprio enredo, na trama romanesca e até na sua clivagem poética, há elementos passíveis de um olhar geográfico, principalmente quando se refere às relações entre espaço e existência (MONTEIRO, 2006). É possível extrair de forma muito direta as experiências espaço temporais através da rede de significações que o imaginário e a linguagem dos personagens evocam (MOREIRA, 2007). Isso supõe uma geograficidade em cada sujeito, que nada mais é do que o saber construído de sua relação concreta com o mundo, o seu modo existencial. E para entendermos essa relação espacial, essa geograficidade, concordamos com Marandola (2004) de que é preciso entender a dinâmica da existência e da experiência humana vinculada à sua referência espacial. Nesse sentido, torna-se oportuno explicitarmos aqui o que estamos entendendo por existência e espaço. Por existência, a idéia que aqui se propõe é de entendê-la enquanto experienciação concreta do indivíduo com o mundo e, por espaço, estamos propondo entendê-lo enquanto espaço vivido, como foi proposto por Dardel, Buttimer e Ponty, ou seja, de entender o espaço através da percepção dos indivíduos e dos significados que eles lhe atribuem. Portanto, é com o objetivo de entender a relação entre existência e espaço é que a Fenomenologia Existencialista se apresenta como o melhor aporte teórico-conceitual, pois enquanto o Existencialismo nos permite entender melhor a existência, a Fenomenologia possibilita o entendimento dos mecanismos perceptivos da concreticidade dessa existência, já que é a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal como ela é (NOGUEIRA, 2004). Pressupostos que se casam com a forma como a narrativa de Grande Sertão: Veredas se desencadeia, pois a mesma é estabelecida a partir das percepções de um personagem: Riobaldo. Este, conta a história a um ouvinte mais letrado que ele, mas que em nenhum momento intervém nas suas reflexões e percepções sobre a vida, o homem, o sertão, 5
6 advindos de sua experiência como jagunço no sertão mineiro. METODOLOGIA Para alcançarmos os nossos objetivos, primeiro ampliaremos nossas leituras sobre os seguintes temas: Filosofia Fenomenológica existencialista e o conceito de existência; Geografia Humanista; o conceito de paisagem e espaço em toda a história do pensamento geográfico, com enfoque no contexto da Geografia das Representações, Geografia cultural mas, principalmente na Geografia Humanista; a interdisciplinaridade entre Geografia e Literatura; críticas literárias e estudos geográficos sobre Grande Sertão:Veredas ; o conceito de representação pela literatura; dentre outros. Num segundo momento, processaremos a releitura da obra Grande Sertão: Veredas, extraindo trechos da obra que possam ilustrar o nosso objetivo principal que é: refletir a relação entre existência e espaço a partir da fala dos personagens, principalmente a de Riobaldo, baseados na filosofia Fenomenológica Existencialista. A nossa coleta de dados, portanto, obedecerá fundamentalmente a esse propósito, tendo como método de análise o fenomenológico, que entendemos ser o mais apropriado para a verificação que pretendemos, qual seja, a interpretação do espaço através do espaço vivido dos personagens. Pela natureza da abordagem a ser realizada, podemos classificar a nossa pesquisa de qualitativa e o tempo que estimamos para a sua realização é de aproximadamente 4 meses. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARATA, Teresa. Paisagem e geografia. Lisboa: Finisterra, 2001, pp CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Florianópolis: Ed. da UFSC, CHELOTTI, M.C. Região, cultura e gênero de vida: leituras 'geográficas' sobre a obra Sagarana de João Guimarães Rosa. Uberlândia: caminhos de geografia. Disponível em : Acesso em: 15 de novembro de HOLZER, Werther. A Geografia Humanista sua trajetória de 1950 a Dissertação de mestrado. UFRJ. Instituto de geociências. Rj, LIMA, Solange T. A percepção geográfica da paisagem dos Gerais no Grande Sertão: Veredas Dissertação (Mestrado em Geografia) Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro. MARANDOLA, E.J.; GRATÃO, L.H.B. Do sonho à memória: Lívia de Oliveira e a Geografia Humanista no Brasil. Londrina, v.12, n.1, jul/dez Disponível em: 6
7 Acesso: 11 de novembro de MELO, Adriana Ferreira de. O lugar-sertão:grafias e rasuras. Belo Horizonte, Dissertação (Mestrado em geografia) - Programa de Pós-Graduação em geografia, Universidade Federal de Minas Gerais, Disponível em: %A3o+Adriana+Melo.pdf. Acesso em: 28 de setembro de MONTEIRO, Carlos A. de F. O mapa e a trama: ensaios sobre o conteúdo geográfico em criações romanescas. Florianópolis: Ed. UFSC, p O espaço iluminado no tempo volteador (Grande sertão: veredas). Estudos Avançados, 2006, vol.20, n. 58, ISSN Disponível em: ng=es. Acesso em: 26 de setembro de 2008 MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em Geografia: ensaios de história, epistemologia e ontologia do espaço geográfico. São Paulo: Contexto, 2007, P.143. NOGUEIRA, A.R.B. Uma interpretação fenomenológica na geografia in: SILVA, A.A.D; GALENO, A.(Orgs) Geografia- ciência do complexus. Porto Alegre: Sulina, p. OLANDA, D.A.M. ; ALMEIDA, M.G. Uma visão geográfica em O Fiel e a Pedra Sociedade & Natureza, Uberlândia, 19 (1): , jun Disponível em : e natureza.ig.ufu.br/include/getdoc.php?id=333&article=231&mode=pdf. Acesso em 26 de setembro de ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Grande Sertão: Veredas. 1.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, RELPH, Edward C. As bases fenomenológicas da geografia. In: Geografia Capel, Horácio. Filosofia y ciencia em la geografia contemporânea. Barcanova: Barcelona, 1988, p.421 ROSENFIELD, K.H. Guimarães Rosa: arte e pensamento Brasileiro. REDES: Santa Cruz do Sul, v. 12, n.1, p , jan./abr SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Edusp, SCHIER, R. A. Trajetórias do conceito de paisagem na geografia. Ed. UFPR: Curitiba, n. 7, 2003, p , SILVEIRA, M.L. O espaço geográfico: da perspectiva geométrica à perspectiva existencial. São Paulo: GEOUSP- Espaço e tempo, n 19, 2006, p Yi-Fu, Tuan. Topofilia. Trad. Lívia de Oliveira. São Paulo: Difel,
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