Investimento e crescimento
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- Célia Caetano de Sousa
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1 conjuntura CONJUNTURA Investimento e crescimento Dando continuidade à discussão de temas atuais, iniciada na edição anterior da Resenha BM&F com o artigo sobre investment grade, aborda-se aqui a relação entre investimento medido como proporção do PIB e crescimento econômico. Ricardo Suganuma Introdução Com a divulgação de que o Brasil cresceu 2,9% em 2006, retornam os debates sobre as causas da reduzida expansão econômica. Argumento recorrente na mídia atribui a tímida taxa de crescimento ao baixo nível de investimentos e, desse modo, defende que, sem o aumento da capacidade produtiva, não haverá condições para o País crescer de forma vigorosa e permanente. Conceitos O investimento que mede o aumento da capacidade produtiva de um país, na prática, é mensurado pelo conceito de formação bruta de capital fixo (FBCF), definido pelo IBGE, órgão responsável pelo cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), como acréscimos ao estoque de bens duráveis destinados ao uso das unidades produtivas, realizados em cada ano, visando o aumento da capacidade produtiva do País. O PIB é a soma das riquezas bens e serviços produzidas em uma nação durante o ano. Uma das maneiras de estimá-lo é pela ótica das despesas, isto é, como essa riqueza foi gasta, ou pelo resultado da agregação do consumo das famílias, do consumo do governo, da formação bruta de capital e das exportações menos importações excluídas por não terem sido geradas no País. Assim, fica claro que o investimento é um dos componentes do PIB e, mantidos os demais itens constantes, quando se eleva o investimento, aumenta-se o PIB. O que a contabilidade social não mostra é se esse crescimento estimula a expansão do investimento ou vice-versa, uma vez que o efeito do crescimento da FBCF sobre o PIB é resultado de uma identidade contábil ou de tautologia. Ademais, mede-se o investimento durante o ano apenas em termos monetários, sem diferenciar seus efeitos, ao longo do tempo, sobre a atividade produtiva de outros setores. Evolução das taxas de investimento no Brasil Analisando o Gráfico 1, pode-se observar que a proporção da formação bruta de capital fixo sobre o PIB apresentou tendência de crescimento de
2 Gráfico 1 Formação bruta de capital Gráfico 2 FBCF/PIB e crescimento do PIB real ao final da década de 1980, quando passou por período de oscilação. Desde os anos de 1990, tem se situado próximo aos 20% do PIB. Para referência, incluiuse a série de formação bruta de capital (FBC), que difere de FBCF por englobar a variação de estoques. Os Gráficos 2 e 3 trazem a evolução da FBCF/PIB e da taxa de crescimento anual do PIB real, e o diagrama de dispersão entre essas duas variáveis, mostrando que não há relação clara, ao menos para o mesmo ano, entre a taxa de investimento e o crescimento econômico 1. A importância da administração pública no investimento (FBCF) 2 declinou entre o início dos anos de 1970 até o começo da década de 1980 e, nos últimos anos, encontra-se abaixo de sua média histórica. Comparação internacional A Tabela 1 apresenta a média da formação bruta de capital em proporção do PIB entre 2000 e 2003 e a média geométrica das taxas de crescimento real do PIB entre 2000 e 2005 para o grupo de países classificados pela região geográfica e pela renda per capita 3. Verifica-se que países de maior renda, em média, têm tanto taxas de crescimento quanto de investimento mais baixas do que os 1 No período do milagre econômico brasileiro ( ), houve aumento tanto da taxa de crescimento quanto da taxa de investimento sobre o PIB. 2 A diferença entre a série de formação bruta de capital do setor público e a da administração pública é que a primeira inclui o investimento das empresas públicas. Como a série do setor público compreendia o período de 1970 a 2003 e a da administração pública, de 1995 a 2003, utilizouse a primeira em razão do maior número de observações disponíveis. 3 As informações foram retiradas do banco de dados sobre desenvolvimento do Banco Mundial. Os períodos foram selecionados de modo a preservar o máximo de países na comparação (158). Decidiu-se por um número maior de anos ( ) no cômputo das taxas médias de crescimento do PIB real para aproveitar os dados referentes aos anos mais recentes, nos quais se registrou vigorosa expansão em alguns países, e em razão de o investimento afetar o produto além do ano em que foi realizado. A exclusão dos dois últimos anos ( ) no cálculo das médias da variação do PIB não altera a conclusão de que a taxa de investimento não explica a diferença nas taxas de crescimento. As médias para a taxa de expansão do PIB real foram calculadas pela fórmula {[Π(1 + y t 100)] 1/6 1} 100%, onde y t é a taxa de crescimento percentual no ano t, com t = 2000, 2001,..., 2005, enquanto, para a série da FBC sobre PIB, foi utilizada a média aritmética entre 2000 e
3 emergentes, com exceção dos países pobres. A taxa de expansão média do PIB real no Brasil (2,54%) durante o mesmo período foi maior apenas do que a média dos países de renda alta e da UME. A questão é que os demais países latino-americanos e os menos desenvolvidos, mesmo tendo contabilizado taxas de investimento próximas à brasileira, registraram taxas de crescimento superiores às observadas no Brasil durante o mesmo período (Tabela 2). O que se sabe A partir de meados da década de 1980, por influência dos artigos de Paul Romer 4 sobre o crescimento endógeno, desenvolveu-se vasta literatura sobre os fatores que explicariam o crescimento econômico. Apesar de crescimento e investimento estarem relacionados, até por questão de contabilidade nacional, um dos principais resultados dos vários estudos é que a taxa de investimento sobre o PIB não é variável significativa ou uma das mais importantes para explicar a expansão do PIB per capita 5. Outras características, como garantia de manutenção das leis, movimentos favoráveis nos termos internacionais de troca, instituições e fatores culturais, teriam efeitos positivos sobre a taxa de crescimento, enquanto maior taxa de fertilidade e instabilidade política reduziriam o crescimento. Além disso, há evidências empíricas de que, na maioria dos casos, é o crescimento que leva à elevação do investimento, ou seja, Gráfico 3 Crescimento do PIB real x FBCF Gráfico 4 Participação do setor público na FBC 4 Embora toda pesquisa esteja incorporada nos bens de capital, um subsídio para a acumulação de capital físico pode ser substituto muito pobre para um subsídio direto que aumente o incentivo para realizar pesquisas. Na (sua) ausência, [...] uma política alternativa (second best) seria subsidiar a acumulação de capital humano total. A mais interessante implicação positiva do modelo é que uma economia com maior estoque total de capital humano vivenciará crescimento mais rápido. Esse resultado sugere que o livre comércio internacional pode agir no sentido de acelerar o crescimento. (Romer, 1990) [tradução do autor]. 5 Barro e Sala-I-Martin (1995). 47
4 Tabela 1 Média da taxa real de crescimento do PIB e média FBC/PIB por continente e renda per capita Taxa de crescimento do PIB real anual (%) média ( ) FBC (% do PIB) média ( ) Por continente África Subsaariana 4,10 18,02 América Latina e Caribe 2,59 19,75 Europa e Ásia Central 5,37 22,03 União Monetária Européia 1,76 20,58 Leste Asiático e Pacífico 8,10 31,31 Oriente Médio e Norte da África 3,92 24,92 Mundial 2,96 21,26 Por nível de renda Renda alta 2,41 20,68 Não-pertencentes à OECD 4,35 20,89 Pertencentes à OECD 2,33 20,67 Renda média e baixa 5,21 23,93 Renda média 5,13 24,06 Renda média-alta 3,70 20,36 Renda média-baixa 6,18 26,92 Renda baixa 5,67 23,08 Países pobres e menos desenvolvidos Países menos desenvolvidos (classificação da ONU) 5,24 20,50 Países pobres altamente endividados 4,07 19,34 Gráfico 5 Média da taxa real de crescimento ( ) e média mundial FBC/PIB ( ) Brasil investe-se mais onde se espera que haja maior crescimento 6. Uma abordagem alternativa é decompor a produção entre capital, trabalho e nível tecnológico ou produtividade. Novamente, o resultado comumente aceito é que a inovação tecnológica estimula o aumento de capital 7. Conclusão Certos tipos de investimento têm resultados melhores na facilitação do crescimento, como os que trazem externalidades positivas tanto para a produção quanto para a sociedade. Por isso, faz sentido, como propõe o recente Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo investir ou estimular a inversão em infra-estrutura e a eliminação dos chamados gargalos estruturais. Adicionalmente, vários desses projetos somente seriam viáveis em grande escala. No entanto, induzir mais o investimento não é o suficiente. Se, no artigo anterior, concluiu-se pela importância da austeridade fiscal, da diminuição das incertezas contratuais e das reformas estruturais, como tributária, da previdência social e trabalhista, neste, sugere-se que a melhoria do capital humano por meio da educação e o aumento de investimentos em pesquisa auxiliam o desenvolvimento tecnológico e a produtividade dos fatores de produção, contribuindo para aumentar a taxa de crescimento da economia. O importante não é tanto se o investimento é público ou privado, tampouco a quantidade, mas, sim, sua qualidade. 6 Nesse sentido, ver a recente entrevista de Antônio Delfim Netto publicada na Resenha BM&F, 170, pp.13-15, Barro e Sala-I-Martin (1995). 48
5 Referências bibliográficas AGHION, P.; DURLAUF, S. Handbook of Economic Growth. Elsevier, BARRO, R.; Sala-I-Martin, X. Economic Growth. McGraw-Hill, ROMER, P. Endogenous Technological Change. Journal of Political Economy, 98(5), Este artigo foi escrito antes da divulgação do PIB de acordo com o nova metodologia do IBGE, que aponta crescimento de 3,7% em 2006 e crescimento médio de 2,99% entre 2000 e 2005, bem como média de 17,1% para a relação FBC PIB no período de 2000 a 2003 em vez dos 2,9%, 2,54% e 20,57%, respectivamente, indicados neste trabalho. Apesar de o crescimento ter ficado ligeiramente acima da média mundial e a razão entre FBC e PIB, bem abaixo, as principais conclusões do artigo continuam válidas. Ricardo Suganuma Chefe do Departamento de Assessoria Econômica e Pesquisa da Diretoria Executiva de Desenvolvimento de Mercado e professor dos cursos de MBA do Instituto Educacional BM&F. rsuganuma@bmf.com.br. O autor agradece a Alcides Ferreira pela proposição do tema, ao professor José Carlos de Souza Santos pela sugestão da linha de exposição e aos professores Fábio Kanczuk e Márcio Issao Nakane, do Departamento de Economia da FEA-USP, e ao professor Rodrigo de Losso Silveira Bueno, do Departamento de Contabilidade, Finanças e Controle da EAESP/FGV, pelos esclarecimentos e pela indicação bibliográfica. Como de praxe, nenhum dos citados é responsável pelas opiniões aqui expressas. Tabela 2 Média da taxa real de crescimento do PIB e média FBC/PIB nos países selecionados Taxa de crescimento do FBC (% do PIB) PIB real anual (%) média ( ) média ( ) Dez maiores taxas de crescimento Azerbaijão 13,06 32,28 Serra Leoa 11,97 9,66 Armênia 11,16 21,08 Chade 11,02 44,44 Cazaquistão 10,22 24,50 Tadjiquistão 9,31 12,06 China 9,30 34,98 Angola 8,17 13,04 Letônia 8,13 25,83 Moçambique Este artigo foi 7,67escrito antes da 28,80 Dez menores taxas de crescimento divulgação do PIB de acordo com o Zimbábue 6,15 10,15 Ilhas Salomão nova metodologia 2,01 do IBGE, que aponta 23,88 Seychelles 1,17 25,30 Costa do Marfim crescimento de 3,7% 0,88em 2006 e cres-10,5cimento Dominica médio de 0,55 2,99% entre 2000 e 19,63 Haiti 0,24 26,19 Guiana 2005, bem como média 0,01 de 17,1% para 21,51 Uruguai a relação entre FBC 0,58 e PIB no período de 13,08 Granada 0,91 36,40 Portugal 2000 a 2003 em 0,93 vez dos 2,9%, 2,54% 26,39 Países sul-americanos e 20,57%, respectivamente, indicados Argentina 1,52 14,37 Bolívia neste trabalho. Apesar 2,93 de o crescimento 15,59 Brasil 2,54 20,57 Chile ter ficado ligeiramente 4,40 acima da média 21,89 Colômbia mundial e a razão 3,34 entre FBC e PIB, bem 15,10 Paraguai 1,53 22,38 Peru abaixo, as principais 3,89 conclusões do artigo 19,15 Venezuela continuam válidas. 2,53 22,10 Países europeus Alemanha 1,17 19,05 Áustria 1,67 22,19 Dinamarca 1,80 20,33 Espanha 3,34 26,72 Finlândia 2,75 19,84 França 1,99 19,61 Grécia 4,17 24,24 Itália 1,10 19,84 Países Baixos 1,18 21,17 Noruega 2,04 19,36 Reino Unido 2,51 17,01 Suécia 2,52 17,28 Suíça 1,43 22,03 Outros países Austrália 3,08 23,61 Índia 6,35 24,92 México 2,60 21,48 Rússia 6,77 20,37 Estados Unidos 2,84 18,86 Canadá 3,04 20,05 Japão 1,49 24,97 49
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