269 TRIBUNAL DE JUSTIÇA TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL MONICA TOLLEDO DE OLIVEIRA

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1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL n APELANTE: DOMÍCIO VIEIRA DA SILVA APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO RELATORA: DES. MONICA TOLLEDO DE OLIVEIRA Apelação. Recurso defesa. Furto. A tese relativa à atipicidade da conduta, porque seria insignificante o valor do bem, não encontra amparo em nosso ordenamento jurídico, senão de forma excepcionalíssima, tratando-se de construção doutrinária e jurisprudencial, não se devendo, entretanto, confundir pequeno valor com valor insignificante, aquele caracterizador do privilégio previsto no parágrafo 2º do art. 155, e este permitindo a exclusão da consideração de crime, por ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado. Entretanto, muito embora não se trate de bens que possuam alto valor, para o reconhecimento do delito de bagatela é necessário também: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) ausência de periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada, vetores estes que não se exprimem na ocorrência da modalidade qualificada do delito pela significativa reprovabilidade da conduta e periculosidade da ação. Por outro turno, a autoria delitiva encontra-se muito bem demonstrada nos autos. Assiste, porém, razão à defesa no tocante à incidência do privilégio, considerando o valor das mercadorias furtadas, bem como o fato de ser o réu primário, enquadrando-se às exigências do 2º, do art. 155 do Código Penal. A atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal à semelhança do que ocorre no crime de homicídio passou a entender que as qualificadoras, em especial as de natureza objetiva, não são incompatíveis com a figura privilegiada do delito de furto. Sendo o paciente primário, de pequeno valor a res furtiva (o que é diferente de valor 1

2 insignificante), verificando-se que as qualificadoras do delito são de natureza objetiva - concurso de agentes e rompimento de obstáculo - e que o fato criminoso não se revestiu de maior gravidade, aplica-se a incidência do benefício legal do furto privilegiado, pois presente a excepcionalidade devida para o seu reconhecimento na espécie. Sem embargo, fixa-se causa de diminuição no patamar mínimo de 1/3 (um terço), considerandose que o réu envolveu menores no delito. Parcial provimento ao recurso da defesa para, tão somente, rever a dosimetria, aquietando-se a pena em 02 anos de reclusão e 10 diasmulta no v.m.l, mantida, no mais, a r. sentença. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Criminal nº em que é apelante DOMÍCIO VIEIRA DA SILVA e apelado MINISTÉRIO PÚBLICO. ACORDAM os Desembargadores da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso para rever a dosimetria imposta aquietando-se a pena em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa no v.m.l, mantida, no mais, a r. sentença R E L A T Ó R I O DOMÍCIO VIEIRA DA SILVA foi condenado pela prática da conduta prevista no artigo 155, 4º, incisos I e IV, do Código Penal, a cumprir a pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos de reclusão, em regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída pela restritiva de direitos de prestação de serviços a comunidade pelo mesmo tempo da substituída e pela pena de multa fixada em 10 (dez) dias-multa. Segundo descreve a denúncia: 2

3 Nos dias 31 de outubro e 1 de novembro de 2005, no horário compreendido entre 23:30 às 03:00 horas, na residência situada na Estrada Rio Bahia, Km 69, Largo da Bacia, Sítio Rancho da Serra, bairro Pesseguerios, nesta Comarca, o DENUNCIADO, com vontade livre e consciente de furtar, e em comunhão de ações e desígnios com os adolescentes infratores Ulisses Rocha de Oliveira e Rodrigo do Amaral Rocha, subtraiu, para si, mediante escalada e rompimento de obstáculo, bens pertencentes à vítima Luiz Carlos Chaves Ferrer, quais sejam, um aparelho microsystem da marca SONY, uma lanterna, um DVD portátil da marca PHILCO, um rádio de comunicação walk talk da marca SPIRIT, além de mantimentos e peças de roupa. Na ocasião, o Denunciado e dois adolescentes infratores Ulisses e Rodrigo se encontraram na "Barraca do Totonho", localizada próximo ao local do fato, onde planejaram a empreitada criminosa, cientes de que a vítima não ficava na casa durante a semana. Ato contínuo, se dirigiram à residência da vítima, por volta das 23:30 horas e, após constatarem que a casa se encontrava vazia, pularam uma cerca de arame e arremessaram uma pedra quebrando uma porta de vidro. Após, através de novo rompimento de obstáculo, arrombaram a porta da sala de estar e adentraram na residência, onde permaneceram das 23:30 até as 02:00 horas, consumindo bebidas e fumando charutos pertencentes à vítima. Em seguida, iniciaram a subtração dos objetos supra descritos. Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação. Em suas razões (fls. 167/174), requer a absolvição por atipicidade da conduta e, alternativamente, fixação da pena base no mínimo legal e reconhecimento do furto privilegiado. O Ministério Público apresentou contrarrazões (fls. 177/182) pela manutenção da sentença recorrida. Parecer da Procuradoria de Justiça pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O Pretende a Defesa, a absolvição pela aplicação do princípio da insignificância. E, subsidiariamente, o reconhecimento do furto privilegiado. 3

4 A tese relativa à atipicidade da conduta, porque seria insignificante o valor do bem, não encontra amparo em nosso ordenamento jurídico, senão de forma excepcionalíssima, tratando-se de construção doutrinária e jurisprudencial, não se devendo, entretanto, confundir pequeno valor com valor insignificante, aquele caracterizador do privilégio previsto no parágrafo 2º do art. 155, e este permitindo a exclusão da consideração de crime, por ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado. Justifica a Defesa que, diante de um valor tão ínfimo, a conduta praticada não provocou qualquer lesão patrimonial à vítima, devendo ser considerado o crime de bagatela. Entretanto, muito embora não se trate de bens que possuam alto valor, quais sejam, um (01) cordão de metal branco, no valor de R$ 20,00; um (01) casaco nas cores amarelo, branco e azul-marinho, da marca Countdown, no valor de R$30,00; um (01) par de "Walk-talk", da marca Motorola Spirit I, usados, com antenas e baterias danificadas, sem valor comercial, para o reconhecimento do delito de bagatela é necessário também: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) ausência de periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Tais vetores que não se exprimem na ocorrência da modalidade qualificada do delito pela significativa reprovabilidade da conduta e periculosidade da ação. Nesse sentido, precedente do STF: Habeas Corpus. Penal. Furto qualificado. Incidência do princípio da insignificância. Inviabilidade. Crime praticado mediante o rompimento de obstáculo e em concurso de agentes. Ordem denegada. É entendimento reiterado desta Corte que a aplicação do princípio da insignificância exige a satisfação dos seguintes vetores: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) ausência de periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. As peculiaridades do delito - praticado mediante a destruição de obstáculo (rompimento de uma 4

5 cerca) e em concurso de agentes (5 corréus) -, demonstram significativa reprovabilidade do comportamento e relevante periculosidade da ação, fato este suficiente ao afastamento da incidência do princípio da insignificância. (HC , Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 28/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-183 DIVULG PUBLIC ) Ademais, com o grande número de pequenos furtos e roubos que ocorrem diariamente no Estado do Rio de Janeiro, a aplicação do princípio da insignificância acarretaria a desordem e o incentivo à criminalidade menor e diminuiria a credibilidade da justiça. autos. Por outro turno, a autoria delitiva encontra-se muito bem demonstrada nos A testemunha Rodrigo do Amaral Rocha, ao depor em Juízo, afirmou que os fatos se deram conforme descrito na denúncia. Relatou que era menor de idade na época dos fatos e que participou do furto em questão juntamente com o réu e outro menor infrator, de nome Ulisses. Disse que adentraram na residência quebrando o vidro da porta, atirando uma pedra; que mais adiante havia outra porta, da qual retiraram os parafusos para entrar na casa ; que no local consumiram bebidas, fumaram charutos e furtaram os bens. Já a testemunha Genésio Peixoto Remis declarou em audiência que - estava em casa no dia dos fatos, quando por volta de meia-noite e meia ouviu o réu e os menores dividindo os produtos do crime e que reconheceu a voz por ser este seu primo. Informou ainda que na manhã seguinte, teve certeza de que os bens eram da casa da vítima Luiz Carlos Chaves, pois a caseira do sítio esteve em seu estabelecimento e contou que haviam entrado no sítio na data anterior, ocasião em que o declarante disse que sabia que tinha sido o réu o autor do furto, porque ouviu este dividindo os objetos furtados na porta de sua residência e que tinha reconhecido o acusado pela voz, uma vez que é seu primo. Logo, descabe o pleito de absolvição. 5

6 Assiste, porém, razão à defesa no tocante à incidência do privilégio, considerando o valor das mercadorias furtadas, bem com o fato de ser o réu primário, enquadra-se nas exigências do 2º, do art. 155 do Código Penal. A atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal à semelhança do que ocorre no crime de homicídio passou a entender que as qualificadoras, em especial as de natureza objetiva, não são incompatíveis com a figura privilegiada do delito de furto. Nesse sentido: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: TESE NÃO DEBATIDA NA INSTÂNCIA ANTERIOR. COMPATIBILIDADE ENTRE O PRIVILÉGIO E A QUALIFICADORA DO CRIME DE FURTO: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, CONCEDIDO. 1. Se a alegação da eventual incidência do princípio da insignificância não foi submetida às instâncias antecedentes, não cabe ao Supremo Tribunal delas conhecer originariamente, sob pena de supressão de instância. 2. As causas especiais de diminuição (privilégio) são compatíveis com as de aumento (qualificadora) de pena previstas, respectivamente, nos parágrafos 2º e 4º do artigo 155 do Código Penal. Precedentes. 3. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, concedido. (HC n /MG, Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 3/6/2011) Sendo o paciente primário, de pequeno valor a res furtiva (R$ 50,00),o que é diferente de valor insignificante, verificando-se que as qualificadoras do delito são de natureza objetiva - concurso de agentes e rompimento de obstáculo - e que o fato criminoso não se revestiu de maior gravidade, aplica-se o benefício legal do furto privilegiado, pois presente a excepcionalidade devida para o seu reconhecimento na espécie. Sem embargo, fixa-se causa de diminuição no patamar mínimo de 1/3 (um terço), considerando-se que o réu envolveu menores no delito. 6

7 Desta maneira, a dosimetria passa a ser a seguinte: A pena do delito de furto qualificado oscila entre a mínima de 02 anos e máxima de 08 anos. Desta maneira, aplico a pena-base acima do patamar mínimo legal, por serem duas as qualificadoras, impondo maior gravidade ao atuar do réu, ou seja, em 03 (três) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa. Contudo, reconhecido o furto privilegiado, reduzo a pena em 1/3, o que redundará em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa no v.m.l, a qual torno definitiva diante da ausência de outras circunstâncias. Mantido o regime aberto para cumprimento da pena privativa de liberdade, com fulcro no art. 33, 2, "'c", do Código Penal. Igualmente, mantida a substituição da pena privativa de liberdade tal qual lançada na sentença. À conta de tais fundamentos, dou parcial provimento ao recurso da defesa para, tão somente, rever a dosimetria, aquietando-se a pena em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa no v.m.l, mantida, no mais, a r. sentença. Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2013 MÔNICA TOLLEDO DE OLIVEIRA DESEMBARGADORA 7