PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO

Transcrição

1 ORIGEM: PRT da 1ª Região Cabo Frio/ RJ ORGÃO OFICIANTE: Dr. Alexandre Salgado Dourado Martins INTERESSADO 1: GRTE Cabo Frio INTERESSADO 2: Vix Logística S/A ASSUNTO: Temas Gerais EMENTA. APRENDIZAGEM NO SETOR DE TRANSPORTES. FUNÇÃO DE MOTORISTA. Tendo em vista o encaminhamento da COORDINFÂNCIA quanto ao sobrestamento de feitos com vistas à realização de cursos-piloto, durante o ano de 2013, até que sejam obtidos os resultados dos primeiros cursos, e considerando que o art. 428 da CLT consubstancia norma de ordem pública, enquanto que o art. 429 obriga, sem ressalvas quanto ao tipo de atividade ou ramo empresarial, o cumprimento dos percentuais de reserva de vagas para aprendizes, impõe-se a não homologação da promoção de arquivamento. Precedentes da CCR. I RELATÓRIO Trata-se de recurso administrativo, interposto pela Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Cabo Frio (fls. 134/144), contra decisão de arquivamento do Inquérito Civil /7 (fls. 120/123). O Membro oficiante entendeu, em síntese, que a aprendizagem no setor de transportes é matéria controvertida, na medida em que para o exercício das atividades de motorista é necessária capacitação técnica específica, enfatizando que não há razão para continuidade do feito, face à falta de previsibilidade para a efetiva capacitação de aprendizes na atividade de transporte, devendo ser observado o princípio da duração razoável do processo. Em suas razões recursais, o recorrente alega que não há na legislação vigente qualquer restrição em relação à cota de aprendizagem no âmbito das empresas do setor de transportes, bem como que o aprendiz não precisa ser contratado para exercer, necessariamente, aprendizagem na atividadefim da empresa, devendo-se observar a percentagem legalmente estabelecida. 1

2 Notificada a parte recorrida, não foram apresentadas contrarrazões, após o que restou mantida a promoção de arquivamento (fls. 162/163). É o breve relatório. II ADMISSIBILIDADE Encaminhados os autos à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho, foi exarado o despacho determinando o retorno dos autos para a notificação da Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Cabo Frio, órgão remetente da documentação que originou o presente feito, para conhecimento das razões de arquivamento (fl. 130). Em decorrência, a GRTE interpôs recurso administrativo dentro do prazo previsto no artigo 10-A da Resolução CSMPT nº 69/2007 (fls. 134/144). Portanto, dele conheço. III VOTO Para o arquivamento do presente feito, o Procurador do Trabalho então oficiante, Dr. Rodrigo Barbosa de Castilho, ponderou que a obrigatoriedade do cumprimento de cota de aprendizagem no âmbito do setor de transportes é controversa, haja vista que as funções de motorista demandam capacitação técnica específica. Entende, ademais, que a investigação deve ser concluída, sendo descabido o sobrestamento do feito como deliberado em reunião nacional da COORDINFÂNCIA, no sentido de se aguardar o resultado dos cursos-pilotos, enfatizando que a manutenção do procedimento sem previsibilidade de quando se conformará materialmente a possibilidade de contratação de aprendizes, contraria o princípio da duração razoável do processo. Ressalta, também, o fato de os programas de formação técnicoprofissional em vigilância e transporte ainda serem incipientes e sem resultados concretos, descaracterizando possível ilicitude na conduta das empresas que não efetivaram a contratação de aprendizes nos percentuais estabelecidos em lei, face à ausência de possibilidade material para tanto. 2

3 Destaca, por fim, que o SEST/SENAT Unidade de Campos dos Goytacazes/RJ, entidade qualificadora que atua na região, informou que os cursos ofertados se limitam a atividades administrativas ligadas ao transporte de passageiros e carga ou gestão de logística (fls. 111/117), e que para tais atividades a empresa investigada cumpre a legislação. Notificada a Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Cabo Frio, o Auditor-Fiscal do Trabalho, Chefe do Setor de Inspeção do Trabalho, Augusto Eduardo Miranda Pinto, interpôs o recurso administrativo (fls. 134/144), explicitando, dentre outros fundamentos, o seguinte: A lei vigente existe para ser respeitada e colocada em prática, da forma como foi redigida. Além disso, a norma deve ser interpretada levando-se em conta a sua função social. No caso específico da legislação que impõe a reserva de vagas para aprendizes, a intenção do legislador é promover a inserção deste grupo de pessoas no mercado de trabalho. Portanto, a legislação que o protege não faz qualquer restrição quanto ao tipo de atividade, ou se o cálculo das cotas deve ser flexibilizado em função da atividade empresarial, ou à dificuldade na efetivação das contratações. Inclui no seu cálculo todos os trabalhadores, inclusive aqueles que prestam atividade periculosa e insalubre. Além disso, a lei não exclui nenhuma empresa em função de seu objeto social, não havendo qualquer ressalva quanto à natureza das atividades, sendo obrigação do empregador promover a redução dos riscos inerentes ao trabalho. No Município de Macaé e Cabo Frio é um programa que tem inserido vários jovens no mercado de trabalho, inclusive alguns que convivem com situações de risco em sua comunidade, e até o momento, as empresas de transporte rodoviário de passageiros tem conseguido cumprir as suas cotas, ou pelo menos, parte delas. Com todas as vênias ao parecer do ilustre procurador, venho discordar de alguns pontos. Na página 122, quando afirma a descaracterização do ilícito pela não contratação dos aprendizes nos percentuais estabelecidos por lei, em função de não haver oferta de programas pelo sistema S em sua atividade fim, está equivocado. Não há obrigatoriedade do cumprimento da cota de aprendiz ocorrer necessariamente na atividade fim, nem é necessário se analisar a compatibilidade de vigilante e motorista com instituto da aprendizagem, pois não a obrigatoriedade de se contratar o aprendiz nesta atividade. Ou seja, não há necessidade de se contratar aprendiz somente para exercer a atividade de aprendiz de motorista. Ele pode ser contratado como aprendiz de assistente 3

4 administrativo, ou ainda exercer suas atividades em ambiente simulado, fora do estabelecimento, se este não oferecer condições e local apropriado, como já ocorre na atividade petrolífera off shore. Também não prospera a afirmação de que o fato de o SEST/SENAT apresentar vagas de assistente administrativo não atenderia a demanda, por essa atender a legislação social, tendo em vista que legislação laboram exige o cumprimento da cota, sem excepcionalizar nenhuma atividade econômica. Ressalta-se que a decisão de primeira Instância, citado no parecer, em ação proposta pela VIX LOGÍSTICA S/A é isolada, e em momento nenhum existe indecisão e controvérsia nos órgãos de fiscalização do trabalho, tendo em vista que os sistemas de fiscalização, através do IDEB, inclui a cota na atividade de transporte em todas as empresas fiscalizadas, bem como no Cadastro Brasileiro de Ocupações, que está disponível no site do MTe, também apresenta a contabilização dos motoristas e vigilantes no cálculo da cota. Recebido o recurso administrativo, o Procurador do Trabalho Alexandre Salgado Dourado Martins exarou o despacho de fls. 162/163, manifestando-se pela manutenção do arquivamento anteriormente proferido e ressaltando que em reunião nacional da COORDINFÂNCIA, realizada no ano de 2012, foi reconhecida a dificuldade de inclusão de aprendizes nas funções de motoristas, sendo inconveniente sua inclusão na base de cálculo da cota legal. Alude à deliberação daquela Coordenadoria no sentido de não serem gerados procedimentos administrativos em face das empresas de transporte até a conclusão dos cursos-piloto em transporte, aduzindo que na localidade somente são ofertados cursos limitados a atividades administrativas ou de gestão de logística. Por fim, assevera que os autos de infração lavrados em face da investigada foram anulados judicialmente (fls. 61/62), por entender o Judiciário que a função de motorista não deve ser considerada no cálculo da cota de aprendizagem. Pois bem. A discussão orbita em torno da possibilidade e obrigatoriedade da contratação de aprendizes no setor de transporte, em especial quanto à função de motorista, considerando-se, para tanto, a alegada inexistência de cursos para a formação específica de aprendizes, de modo a possibilitar às empresas desse ramo a implementação dos percentuais previstos no artigo 429 da CLT. 4

5 Oportuno, desde logo, registrar aqui os encaminhamentos constantes da ata lavrada na XXIV Reunião Nacional da COORDINFÂNCIA, realizada em março de 2013, relativamente à aprendizagem nos setores de vigilância, transporte, asseio e conservação, nos termos seguintes: B) Projeto Aprendizagem: B.1) Informes quanto aos setores Vigilância, Asseio e Conservação, e Transporte e Novas Deliberações. O Procurador do Trabalho Rafael Dias Marques contextualizou que a última deliberação da Coordenadoria foi no sentido de que fossem suspensas as instaurações ou procedimentos em andamento sobre o tema aprendizagem nos setores de asseio e conservação, vigilância e transportes, para que se aguardasse o encerramento dos primeiros cursos testes de 2012 a serem executados pelo MTE, cuja realização foi conclusão de Grupo Interinstitucional, criado por Portaria do Sr. Ministro de Estado e Emprego, do qual o MPT fez parte. Relatou que, segundo informações do MTE, em 2012 só ocorreram os cursos testes na área de asseio e conservação, tendo em vista que no setor de transporte e vigilância, detectou-se impasse entre as entidades formadoras, posto que nenhum delas manifestou-se favoravelmente à necessidade de custeio de um item adicional na formação inicial, relativo à retirada da CNH e à conclusão de curso específico para formação teórica de vigilantes, supervisionado pela Polícia Federal, respectivamente. Tal impasse impediu, pois, a realização de cursos-piloto em 2012, de modo que, somente, no início março de 2013, o imbróglio foi solvido por meio da expedição de uma Portaria do PRONATEC (Portaria MEC 168, de ), em que se conseguiu uma linha de financiamento público para suprir essas necessidades financeiras de custeio. Rematou-se, nesse sentido, asseverando que os cursos-piloto de aprendizagem, na área de vigilância e transporte, serão realizados ao longo de 2013 com essa linha de financiamento. Após debates em plenária, tomaram-se os seguintes encaminhamentos: a) quanto ao setor de asseio e conservação, os Procuradores do Trabalho poderão dar curso aos procedimentos suspensos em razão da deliberação anterior da Plenária, ou mesmo instaurar novos; b) quanto à aprendizagem na área de vigilância e transporte, e considerando que os cursos-piloto serão realizados ao longo do ano de 2013, os procedimentos devem permanecer suspensos e/ou não se deverão instaurar novos até que se tenham os resultados dos primeiros cursos. c) A Coordenação encaminhará para os Coordenadores Regionais a relação dos cursos existentes no país sobre aprendizagem em asseio e conservação, conforme 5

6 informações do Cadastro Nacional de Aprendizagem. (sem negrito no original) Desse modo, a posição adotada no âmbito da Coordenadoria Nacional especializada é no sentido de se aguardar os resultados dos cursos-piloto que serão realizados durante o corrente ano, sendo recomendável o sobrestamento dos feitos já autuados, para posterior verificação do cumprimento da legislação aplicável. Ademais, em precedentes da Câmara de Coordenação e Revisão, colhe-se o entendimento de que a previsão do artigo 428 da CLT é norma de ordem pública que exige atuação extrajudicial e/ou judicial do Ministério Público do Trabalho, tratando-se de tema inserido dentre as metas prioritárias, com o objetivo de regularização do trabalho do adolescente, de modo a contribuir para a efetividade do princípio da proteção integral previsto no artigo 227 da Constituição da República. Nesse sentido vale transcrever ementas de votos proferidos em situações que guardam semelhança com o caso ora examinado: APRENDIZAGEM. EMPRESA DE SEGURANÇA E TRANSPORTE DE VALORES. O fato de a empresa investigada se inserir no setor econômico de vigilância e transporte de valores não a desobriga por si só do cumprimento da cota prevista no art. 429 da CLT. A aprendizagem, como disposto no art. 428 do mesmo diploma legal, tem conteúdo amplo, complexo, desdobrando-se em atividades teóricas e práticas, de forma a conceder ao aprendiz conhecimento sobre a empresa, assim como sobre o setor econômico em que ela se insere. Ademais, tem como fundamento o direito à formação profissional, direito fundamental previsto no art. 227 da Carta Magna, de que é detentor todo adolescente e jovem. Promoção de arquivamento não homologada. (Processo PGT/CCR 17719/ Relatora Eliane Araque dos Santos) Aprendizagem dirigida a jovens de 18 a 24 anos. Função Motorista/Cobrador. Relevância social a justificar a atuação do Parquet laboral. Ostenta relevância social apta a justificar a atuação do Ministério Público do Trabalho, a aprendizagem dirigida aos jovens de 18 a 24 anos, a qual se encontra entre outros motivos, no simples incentivo ao protagonismo juvenil, no estímulo à cidadania, no assimilar o jovem o cumprimento de seu papel como agente de mudanças individuais e coletivas. Promoção de arquivamento que não se 6

7 homologa. (Processo PGT/CCR 6830/2011 Relatora Evany Oliveira Selva) Por outro lado, é vero que nestes autos há notícia de sentença eximindo a empresa denunciada de considerar a função de motorista para efeito de cálculo do número de aprendizes, daí resultando a anulação de quatro autos de infração lavrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Porém, não menos correto que os autos não permitem saber se tal decisão prevaleceu, vindo a transitar em julgado. Sem essa informação, inviável se considerar a denunciada isenta do cumprimento da cota legal de aprendizes. Logo, com a devida vênia do entendimento esposado pelo douto Órgão oficiante, na linha do deliberado pela Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes COORDINFÂNCIA, bem assim dos reiterados precedentes da CCR, não vislumbro como chancelar, pelo menos por ora, a promoção de arquivamento. III- CONCLUSÃO Pelo exposto, conheço e dou provimento ao recurso administrativo. Em consequência, não homologo a promoção de arquivamento, devolvendo os autos à origem para as providências pertinentes. Brasília, em 19 de junho de Antonio Luiz Teixeira Mendes Membro da CCR - Relator 7