Uma lição para virar o jogo

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1 Uma lição para virar o jogo A fundação Gol de Letra, que cuida de 280 crianças, foge do modelo de instituição de caridade e se torna grande laboratório de experimentação de práticas pedagógicas F Maria Eugênia de Menezes ormar crianças e, mais do que isso torná-las capazes de transformar suas realidades através do investimento em educação, cultura e assistência social, é o objetivo da Fundação Gol de Letra. A Gol de Letra, que nasceu em 1998, em São Paulo, é a realização de um projeto dos jogadores de futebol Raí e Leonardo. Instalada na Vila Albertina, em uma antiga escola estadual desativada por 4 anos, hoje reformada e adaptada às novas atividades, a fundação atende 280 crianças e adolescentes dessa comunidade e já conta com diversos financiadores. Depois de conseguir os meios, através desse investimento inicial dos dois jogadores, para construir uma estrutura profissional, a instituição saiu em busca de novos parceiros. Os segmentos do Terceiro Setor estão cada vez mais profissionalizando seu sistema de captação de recursos. Seguindo esse caminho, a fundação está implantando um sistema como esse, entretanto, ao contrário do que acontece em grande parte das Ongs, seus financiadores não contribuem apenas com capital, mas, sobretudo, com a participação direta em certas áreas de atuação. Não queremos mais o financiador que dá o dinheiro e vai embora, queremos colaboradores que sejam parceiros, que acompanhem o que está sendo feito, discutam, que nos ajudem a aprofundar o modelo diz Nelson Vilaronga, coordenador geral e pedagógico da fundação. Mais difícil, porém, que conseguir os recursos financeiros, foi escolher quem seria atendido nos programas oferecidos. A Vila Albertina, uma comunidade extremamente carente e problemática, tinha uma demanda muito grande que não pôde ser totalmente absorvida. A seleção, mesmo utilizando o critério socioeconômico e uma rigorosa entrevista com os pais, encontrou enormes 1

2 dificuldades. Segundo Nelson, às vezes, é tão difícil decidir que além da análise socioeconômica, leva-se em conta os riscos a que cada criança está exposta. Temos o caso de uma criança de 7 anos, em que um dos critérios determinantes foi o fato de já ter sido atropelada duas vezes, por não haver ninguém que cuidasse dela em casa. Depois de selecionadas, as crianças têm na fundação acesso a diferentes programas, dependendo de sua faixa etária. Virar o jogo O Virando o jogo atende 180 crianças e adolescentes, entre 7 e 14 anos. Essas crianças, que freqüentam a escola pela manhã, têm, na parte da tarde, 4 horas de atividades diárias o que acaba criando indiretamente um modelo de educação integral. O programa pretende ser uma complementação ao Ensino Fundamental, mas, além das tradicionais aulas de reforço, desenvolve também atividades em diferentes áreas do conhecimento. Em Arte e Educação é feito um trabalho com música, teatro, dança e artes plásticas, não com o objetivo de formar artistas, mas de educar por meio da arte, o que é uma tendência que vem crescendo entre os educadores. Na outra área, Esporte, é incentivada a cooperação e a união em torno de um mesmo objetivo. Para isso, são oferecidos um espaço adequado e todo o material que uma escola pública não costuma ter como bolas, redes, uniformes, além da possibilidade de intercâmbios coletivos. Para a fundação, o intercâmbio dessas crianças com outras crianças, até de outros estados, é uma forma de ampliar o seu leque de relações e o seu repertório cultural. Por fim, leitura e escrita, funcionam como um apoio ao que é desenvolvido na escolarização, trabalhando o ler e o escrever formal e oferecendo, através de parcerias externas, atendimento psicopedagógico personalizado para crianças com problemas mais complexos de rendimento escolar. Temos crianças de 8, 9 anos que ainda não foram alfabetizadas, cria-se, então, um problema que a escola não consegue mais resolver. Para além da atividade formal, há um laboratório de informática e outro de inglês, montado em parceria com a rede Yázigi Internexus e também uma programação lúdica com leitura de livros infantis e infanto-juvenis, literatura popular, cantigas populares e criação literária. 2

3 Queremos ser um referencial, um exemplo para a escola formal. É assim que Nelson explica a interação entre o aprender e o lúdico que há nas atividades desenvolvidas. A escola pode ser um espaço prazeroso, onde se pode aprender com envolvimento, através do lúdico. Tudo isso já foi descoberto e pesquisado pela pedagogia há anos, mas na prática, ainda é um desafio para a escola fazer do seu espaço um lugar de descoberta, de construção e de autonomia do aluno para que ele busque o conhecimento de forma autônoma e redescubra o entusiasmo e o prazer no aprendizado. A fundação trabalha em uma perspectiva multidisciplinar, com a formação se multiplicando em várias frentes, o que contraria a prática tão comum do isolamento das áreas do conhecimento em compartimentos estanques. Para a criação desse modelo pedagógico, que a fundação pretende que sirva de referência, há também um grande investimento na formação da equipe de trabalho. A equipe que desenvolve esses programas não é uma equipe de voluntários, e sim uma equipe fixa, contratada e treinada. O treinamento, remunerado, acontece em blocos de 4 horas, quinzenalmente e é um investimento na formação desses profissionais. O que se vê, tanto em escolas públicas quanto particulares, é ausência de oportunidades para o professor progredir em sua carreira, apropriar-se das atuais discussões pedagógicas e também a ausência de equipes, dentro das escolas os professores são cada vez mais prestadores de serviço individuais. Os cursos de reciclagem, na maioria das vezes, mostram-se desinteressantes, porque o profissional não encontra uma ponte entre o que vê sendo discutido e a sua realidade em sala de aula, analisa Nelson, que já trabalhou na rede pública de educação. É justamente essa relação, entre as discussões pedagógicas e a prática, que essa equipe selecionada tem a pretensão de analisar. Para ter um bom atendimento dos alunos precisamos ter uma boa formação da equipe, uma não está dissociada da outra, um projeto pedagógico revolucionário não acontece sem uma formação revolucionária da equipe. Em seu projeto pedagógico, a fundação desenvolve um estudo todo baseado na experimentação do que os professores desenvolvem e na observação do que os alunos estão trazendo para a sala de aula sob a forma de 3

4 questionamentos e comportamentos. Funcionando paralelo à equipe de educadores, um grupo de especialistas sistematiza essas práticas pedagógicas que estão sendo experimentadas. Uma boa maneira de ilustrar isso é a questão dos temas transversais. Seguindo esses preceitos, a Gol de Letra, trata os temas transversais como instâncias de vida inserindo-os nos planejamentos e no dia-a-dia das crianças. Não adianta marcar um dia para falar de sexualidade ou de ecologia, isso deve fazer parte do cotidiano. A cara da Vila Albertina O projeto A cara da Vila trabalhou, durante um ano, com a formação de agentes culturais em quatro diferentes linguagens: o vídeo, a fotografia, a música e o teatro. Esses 80 adolescentes, de 15 a 18 anos, divididos em grupos de 20, passaram por uma formação técnica na área escolhida, além de trabalharem, todos, com produção de texto. O objetivo do projeto era fazer com que cada agente cultural se apropriasse tecnicamente de uma linguagem e através dela lançasse seu olhar para a comunidade onde vive, a Vila Albertina. Daí o nome do projeto, A cara da Vila. Contando também com a ajuda de palestrantes, o projeto buscou estudar o patrimônio público da região, resgatar sua história, sua cultura. Os resultados são propostas de intervenção na comunidade, reforçando a responsabilidade dessas pessoas sobre esse espaço e os laços de identidade com o lugar onde vivem. Hoje, o que começou como projeto, tornou-se programa permanente da fundação. Depois de reformulado, A cara da Vila se tornou o Programa de Formação de Agentes Comunitários. Nessa transição de modelo, os agentes culturais formados nessa primeira turma se organizaram em núcleos e se tornaram multiplicadores do que aprenderam. O núcleo de comunicação já criou um jornal que circulará na comunidade, com 4 mil exemplares e desenvolve o projeto de uma rádio comunitária. Percebe-se que a fundação participa, cada vez mais, do cotidiano do bairro. Esse programa, antes restrito à formação de adolescentes, também abriu seu leque de atuação trabalhando com o grupo de mulheres da comunidade, as Mulheres em Ação. Essas mulheres, que já estavam organizadas em grupo, foram à instituição em busca de orientação e 4

5 agora, estão recebendo treinamento. Ainda uma outra forma de interação é a biblioteca comunitária. Quando fomos buscar os parceiros para construção dessa biblioteca, resolvemos ousar no modelo, não queríamos uma biblioteca que fosse um depósito de livros. Não adiantava só ter os livros em um bairro onde não havia leitores, lembra Nelson Vilaronga. O primeiro passo foi abrir um curso para formar pessoas da própria Vila Albertina. Dando-lhes um curso técnico em biblioteconomia e outro como contadores de história. Essa estratégia é uma forma de garantir que a biblioteca seja conduzida pelos próprios moradores e tenha uma programação cultural ininterrupta. Essa programação, que também inclui espetáculos teatrais e apresentações de música, deve servir como forma de atração dos potenciais leitores para esse espaço, em que também funciona uma brinquedoteca, com jogos e brinquedos educativos. Crescendo mais Além de crescer na Vila Albertina, onde está abrindo as portas também no fim de semana, a Fundação Gol de Letra, está expandindo sua área de atuação, com a inauguração de uma nova unidade, agora no segundo semestre, em Niterói, no Rio de Janeiro. Por se tratar de uma área de metros quadrados, muito maior que a atual, que é de 1.600, será dado um enfoque maior ao esporte. A pretensão agora é ser referência na área de esporte e educação. Para isso, a equipe pedagógica da fundação pretende lançar também uma publicação que disponibilize e sistematize o que será experimentado. voltar 5