Superior Tribunal de Justiça

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1 RECURSO ESPECIAL Nº SP (2008/ ) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : CLAUDETE APARECIDA DA SILVA ADVOGADO : ROBERTO DIAS VIANNA DE LIMA E OUTRO(S) RECORRIDO : COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS - CPTM ADVOGADO : PAULO SAMUEL DOS SANTOS E OUTRO(S) EMENTA Civil. Recurso especial. Atropelamento por trem em via férrea. Morte de menor. Culpa concorrente. Precedentes. Indenização por danos materiais e morais. - A concessionária do transporte ferroviário tem o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais de adensamento populacional, no caso concreto, o Bairro Barra Funda. - A concessionária que deixa de tomar medidas de diligência para evitar o acesso de pedestres à via férrea responde civilmente pelos atropelamentos por trem. - A jurisprudência das Turmas que compõem a 2.ª Seção é no sentido de que há culpa concorrente entre a concessionária do transporte ferroviário e a vítima, pelo atropelamento desta por trem em via férrea. Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 13 de abril de 2010(Data do Julgamento). MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 1 de 9

2 RECURSO ESPECIAL Nº SP (2008/ ) RECORRENTE : CLAUDETE APARECIDA DA SILVA ADVOGADO : ROBERTO DIAS VIANNA DE LIMA E OUTRO(S) RECORRIDO : COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS - CPTM ADVOGADO : PAULO SAMUEL DOS SANTOS E OUTRO(S) Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI RELATÓRIO Cuida-se de recurso especial interposto por CLAUDETE APARECIDA DA SILVA, com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional. Ação: de reparação por danos morais e materiais, ajuizada pela recorrente, em face da COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS - CPTM, na qual busca obter a reparação pelos danos decorrentes do falecimento de sua filha, morta aos oito anos de idade em razão de atropelamento em via férrea. Sentença: julgou improcedente o pedido, por reconhecer a culpa exclusiva da vítima e de seus pais. Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente, sob o fundamento de que houve culpa exclusiva da vítima, eis que a menor poderia ter saído do local após o acionamento da buzina do trem, tal qual as outras crianças que também brincavam sobre os trilhos da linha férrea. Confira-se a ementa: Ação de indenização. Atropelamento com morte. Não constitui cerceamento de defesa o indeferimento da produção de provas a respeito de fatos suficientemente demonstrados por documentos juntados pela partes, devendo o juiz, ao dirigir a instrução processual, evitar a produção de provas desnecessárias ou inúteis ao seu convencimento e a justa solução da lide posta em juízo. Alegação de nulidade da sentença afastada. Responsabilidade Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 2 de 9

3 civil. A responsabilidade da estrada de ferro é objetiva, pela concessão de serviço público e pela idêntica natureza da responsabilização do Estado (Constituição da República, art. 37 6o ). Menor que brincava no trilho da ferrovia. Culpa exclusiva da vítima. Ausência de responsabilidade da ré. Excludente demonstrada. Apelo improvido. Recurso especial: alega dissídio jurisprudencial. Assevera que o acórdão recorrido dissentiu do entendimento predominante do STJ, que reconhece o dever da ferrovia de manter cercas, muros e sinalização adequada no leito férreo, para evitar a invasão de pedestres. Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP admitiu o recurso especial (fl. 431), determinando a subida dos autos ao STJ. É o relatório. Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 3 de 9

4 RECURSO ESPECIAL Nº SP (2008/ ) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : CLAUDETE APARECIDA DA SILVA ADVOGADO : ROBERTO DIAS VIANNA DE LIMA E OUTRO(S) RECORRIDO : COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS - CPTM ADVOGADO : PAULO SAMUEL DOS SANTOS E OUTRO(S) Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI VOTO Cinge-se a controvérsia a definir se há responsabilidade da concessionária do transporte pelo atropelamento de pedestre ocorrido em linha férrea. I - Do dever de indenizar O acórdão recorrido assim se manifestou sobre a participação da vítima na ocorrência do evento morte: No mais o caso é típico de culpa exclusiva da vítima. A menor, com 8 anos de idade, brincava com outras duas crianças sobre os trilhos da linha férrea, sendo que quando da aproximação do trem, e acionada a buzina, duas delas saíram do local, permanecendo a vítima, que não saiu a tempo, muito embora acionado o freio da composição. (...) É impossível, absolutamente impossível, exigir-se que a ré levante muros ou mantenha resguardada sua passagem de linha, na medida em que, erguido hoje, pela manhã, terá um buraco hoje mesmo, à tarde, mercê da falta de educação e civilidade do povo. Se crianças fazem do leito ferroviário verdadeira área de laser, como dito na inicial, a culpa não é da ré, mas daqueles que deveriam zelar e educar essas crianças, dentre elas a autora que depois vem se socorrer do Poder Judiciário para buscar reparação pela dano moral sofrido com a morte da infeliz criança. Será que há dano moral a reparar? (fls. 364/365) Observa-se que o Tribunal de origem afastou a obrigação de reparar o Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 4 de 9

5 dano por concluir que houve culpa exclusiva da vítima. Contudo, a conduta da vítima não afasta o dever de indenizar da recorrida, eis que atropelamento em locais onde não são tomados os cuidados de cercar e fiscalizar, eficazmente, a linha férrea, não é uma conseqüência imprevisível, tampouco inevitável. Assim, não tendo a recorrida tomado as devidas cautelas para evitar a ocorrência de acidentes na via férrea, não há exclusão da responsabilidade civil. Confira-se a este respeito as lições de doutrina: Não basta, contudo, unicamente a conduta da vítima para se afastar o dever de indenizar por parte do autor do dano. Essa conduta deve ser também imprevisível, isto é, não esperada por parte do autor suposto do dano. Da mesma maneira, deve ser qualificada como uma conduta inevitável, já que não caberia ao demandado evitar que o dano ocorresse da forma como se deu (MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: 2009, p. 125/126). Ademais, a jurisprudência deste STJ é pacífica no sentido de que há culpa concorrente entre a concessionária do transporte ferroviário e a vítima, pelo atropelamento desta por trem em via férrea; pois a primeira tem o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais de adensamento populacional. Confira-se: EREsp /SP, 2ª Seção, Rel. Min. Castro Filho, DJe de 08/03/2007; REsp /RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 22/05/2006; REsp /RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJe de 12/05/1997. Não pode haver, portanto, a exclusão da responsabilidade do recorrido, eis que a empresa concessionária que deixa de tomar medidas de diligência para evitar o acesso de pedestres à via férrea, com sinalização, fiscalização e construção de muros ou cercas, responde pelos atropelamentos que venham a ocorrer, ainda que em concorrência com a vítima que, com seu comportamento imprudente, invade a linha férrea sem a devida atenção. Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 5 de 9

6 II. Do valor compensatório Aplicando-se o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, convém desde logo fixar o valor da compensação por danos morais, em atendimento aos princípios da economia e da celeridade processual. Nesse sentido: AgRg no REsp /SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 25/06/2001; REsp /SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 13/09/2004; REsp /DF, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJe de 21/09/1998. Diante da extensão do dano, das condições pessoais do ofendido, da capacidade econômica do ofensor e da função social da condenação, considerando ainda as peculiaridades da espécie, fixo a compensação por danos morais em R$ ,00 (oitenta mil reais), valor que se encontra em harmonia com os arbitrados por esta Corte em situações semelhantes. Confira-se: EREsp /RJ, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ ; REsp /SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 06/08/2007; REsp /SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ ; REsp /SP, DJ ; REsp /RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Dje de 25/05/2009. Neste valor já está considerada a redução proporcional da indenização a ser paga, em função da concorrência de culpas que ora se reconhece. No tocante à condenação ao pagamento de pensão mensal, a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que é devido o pagamento de indenização por dano material em decorrência de morte de filho impúbere - ainda que o menor não exercesse atividade laborativa à época do evento danoso -, desde que pertencente à família de baixa renda (EREsp /DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJ de ). Verifica-se, na hipótese, que a família da vítima é humilde, tendo sido concedido, pelo juízo de primeiro grau, o benefício da assistência judiciária Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 6 de 9

7 gratuita à recorrente. É devida, portanto, a reparação pelos danos materiais. Quanto ao valor da pensão, nos casos de falecimento de menor, a jurisprudência deste STJ tem entendido que ela é devida no patamar de 2/3 do salário mínimo, a partir da data em que a vítima teria idade para o trabalho (14 anos), até a data em que completaria 25 anos e, desde então, reduz-se tal valor para 1/3 até os 65 anos, pois se presume que ela constituiria família, diminuindo o auxílio a seus parentes(agrg no REsp /CE, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, Dje de 29/10/2009; REsp /RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 18/12/2006; EDcl no REsp /SP, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 06/12/2004). Contudo, diante da existência de culpa concorrente, à luz do disposto no art. 945 do CC/02, fixo o valor da pensão em 1/2 o salário mínimo, a partir da data em que a vítima teria 14 anos, até a data em que completaria 25 anos e, desde então, reduz-se tal valor para 1/4 do salário mínimo até a data em que a vítima completaria 65 anos. Ressalte-se que o 13º salário não pode ser computado na indenização, eis que a vítima não exercia atividade remunerada na época do acidente. Nesse sentido: REsp /SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Dje de 17/08/2009; REsp /SP, 4ª turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Dje de 27/04/2009; REsp /SP, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 18/10/1999. Forte em tais razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial para (i) condenar o recorrido a pagar à recorrente a quantia R$ ,00 (oitenta mil reais), a título de danos morais, valor este que será acrescido de juros legais desde o evento danoso e correção monetária a partir desta data; (ii) determinar o pensionamento mensal em favor da recorrente, nos termos acima estabelecidos, incidindo os juros moratórios, para as prestações vencidas, a partir Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 7 de 9

8 do evento danoso. Arcará o recorrido, ainda, com as custas processuais e os honorários advocatícios, fixados estes em 10% sobre o valor da condenação. Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 8 de 9

9 CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA Número Registro: 2008/ REsp / SP Números Origem: PAUTA: 13/04/2010 JULGADO: 13/04/2010 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. FRANCISCO DIAS TEIXEIRA Secretária Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO AUTUAÇÃO : CLAUDETE APARECIDA DA SILVA : ROBERTO DIAS VIANNA DE LIMA E OUTRO(S) : COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS - CPTM : PAULO SAMUEL DOS SANTOS E OUTRO(S) ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil CERTIDÃO Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília, 13 de abril de 2010 MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA Secretária Documento: Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 9 de 9