INTRODUÇÃO. Currículo e Educação Infantil
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- Dina Paixão Caldeira
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1 INTRODUÇÃO Currículo e Educação Infantil A Educação Infantil é dever e obrigação do Estado e responsabilidade política e social da sociedade e não apenas daqueles que vivenciam a realidade escolar, utilizando-se dos préstimos da escola ou exercendo nela suas funções profissionais. Cabe, pois, ao Estado, à família e à sociedade responderem pela Educação Infantil, resguardando suas especificidades, traduzidas na indissociabilidade das ações de educar, cuidar e brincar. O direito à educação e aos cuidados para crianças de 0 a 6 anos, bem como a afirmação do binômio educar e cuidar como funções indissociáveis nesse atendimento foram incorporados, pela primeira vez, à legislação da Constituição Brasileira de A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB Lei nº. 9394/96) afirma a função educativa da Educação Infantil e o seu funcionamento, anunciando que o Brasil não terá mais currículo nacional para nenhum nível de ensino e sim uma base comum nacional na forma de áreas de conhecimento. Posteriormente, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, p.27) define o brincar ao lado do educar e cuidar, considerando que Nas brincadeiras, as crianças transformam os conhecimentos que já possuem anteriormente em conceitos gerais com os quais brincam. Em função dessas premissas, o Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Câmara de Educação Básica (CEB), definiu, em 1999, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução CEB 1/99), orientando a organização das instituições que se dedicam a essa etapa de ensino. Tais diretrizes estabelecem exigências quanto às orientações curriculares e elaboração dos projetos político-pedagógicos institucionais. Neste sentido, devem ser contemplados os seguintes princípios:
2 Éticos - autonomia, responsabilidade, solidariedade e respeito ao bem comum; Políticos - direitos e deveres do cidadão, exercício da criticidade e respeito à ordem democrática; Estéticos - sensibilidade, criatividade, ludicidade e diversidade de manifestações artísticas e culturais. Ressaltam-se também aspectos organizacionais como a adoção de metodologia do planejamento participativo e a afirmação da autonomia das escolas na definição da abordagem curricular a ser adotada. Para garantir o direito à Educação Infantil são explicitadas as coresponsabilidades entre as três esferas governamentais (federal, estadual, municipal) e a família, consonantes com a legislação atual: Constituição Federal de 1988, inciso IV do art. 208; Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90; Lei sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), Lei nº 8.080/90; Lei orgânica de Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742/93; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96; Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI/99); Plano Nacional de Educação (PNE) Lei nº /01; Constituições Estaduais e Municipais; Planos Estaduais e Municipais de Educação; Política Nacional de Educação Infantil Porém, como questiona Kramer (2003), devemos atender as crianças só porque é lei? Garantir os direitos é responsabilidade social, neste sentido, a educação das crianças, além de direito social, constitui-se em direito humano. Assim sendo, a legislação existente representa conquistas daqueles que buscaram assegurar os direitos da população infantil. Em cumprimento à legislação da política educacional brasileira, o Plano Nacional de Educação (Lei nº /01) delegou competência aos estados, municípios e Distrito Federal para elaborarem os seus planos decenais. Em decorrência, foi 10
3 aprovado o Plano Municipal de Educação de Natal-RN, para o período de 2005/2014, Lei nº 5.650/05, fruto de reflexões coletivas realizadas por representantes de entidades civis, políticas e educacionais, tendo como foco quatro grandes metas: Universalização da Educação Infantil e do Ensino Fundamental; Melhoria da qualidade do ensino; Ampliação e melhoria da rede física; Valorização profissional. Desse modo e com base nas metas estabelecidas, bem como na busca de melhoria da sua oferta, a Secretaria Municipal de Educação de Natal instituiu uma Comissão de Currículo responsável pela coordenação do processo de reformulação dos referenciais curriculares para a rede municipal de ensino. Um aspecto considerado relevante por essa Comissão foi a participação tanto das escolas da rede municipal quanto das escolas conveniadas para a reformulação destes referenciais, valorizando e legitimando a atuação, as experiências e os conhecimentos acumulados pelos educadores que lidam com essa etapa de ensino. Tal iniciativa vem se opor ao alijamento dos professores na elaboração do RCNEI, quando estes foram deixados à margem do processo decisório, conforme consta da crítica feita por Aquino & Vasconcelos (2005). Por conseguinte, estes referenciais para a Educação Infantil devem orientar os Projetos Político-Pedagógicos, subsidiando os diversos saberes e fazeres que circulam no dia-a-dia escolar. Não se trata, porém, de propor uma antecipação da escolaridade com o formalismo do Ensino Fundamental, mas direcionar o trabalho dos profissionais que atuam nessa instância, no sentido de traduzir a intencionalidade educativa em atividades cotidianas. Igualmente, não significa eleger um elenco de conteúdos que deve ser desenvolvido em determinado tempo e seqüência e, tampouco, um conjunto de atividades educativas organizadas em uma rotina. Para Machado (2004, p. 6), o caráter pedagógico da Educação Infantil não está na atividade em si, mas na postura do adulto frente ao trabalho que realiza. Assim sendo, os presentes referenciais - definidos a partir das concepções, experiências e intenções daqueles que as elaboraram - possibilitam instruir as 11
4 ações educativas dos profissionais da Educação Infantil, cujo trabalho deve ser obrigatoriamente intencional e sistematizado, comprometido com a integridade e o desenvolvimento das crianças. O esforço não está em adaptar estas orientações a um único padrão de instituição de ensino, mas apontar direções que possam se adequar a cada realidade escolar. Logo, tanto o presente documento quanto o projeto educativo de cada instituição compõem propostas curriculares que devem ser abertas, flexíveis e constantemente atualizadas. Desse modo, o projeto político-pedagógico constitui-se de um conjunto de intenções, ações e interações vivenciadas no cotidiano da instituição e devem estar registradas no documento que o expressa. Tais intenções, ações e interações traduzem a concepção que se tem acerca da criança, da função da Educação Infantil e do papel dos pais, dos educadores e da sociedade. Para a implementação do projeto político-pedagógico, é necessário que os educadores desenvolvam uma intenção educativa, organizem o ambiente onde atuam e planejem as situações de aprendizagem, quer seja sozinhos, com seus pares, ou envolvendo a participação das crianças. Sendo assim, mais importante do que a definição de áreas de conhecimento, ou disciplinas preestabelecidas, está a compreensão acerca do mundo infantil. Isto significa que a criança deve ser o foco de todo o trabalho pedagógico para a tomada de decisões, planejamento, execução e avaliação das ações educativas desenvolvidas na escola. Portanto, é função do professor de Educação Infantil mediar o processo de ensino e aprendizagem, propondo atividades e lançando desafios ajustados às características, potencialidades, expectativas, desejos e necessidades infantis. Em função disso, o referencial avaliativo adotado deve ser a criança em relação a si mesma, de modo que o professor observe, registre e reflita continuamente, em caráter diagnóstico e processual, sobre tudo o que ocorre com cada uma, para que essa avaliação oriente as decisões pedagógicas, especialmente acerca de quais atividades poderão favorecer uma aprendizagem mais prazerosa e significativa para o desenvolvimento infantil, em seus aspectos individual e social. 12
5 Além das questões amplas e essenciais ligadas às políticas públicas, decisões orçamentárias, implantação de políticas de recursos humanos e condições físicas adequadas, a qualidade e o sucesso no atendimento às crianças na Educação Infantil estão intrinsecamente relacionados ao que se faz no dia-a-dia escolar. Para isso, são importantes o comprometimento do professor e a relevância dada às especificidades biológicas, afetivas, emocionais, sociais, culturais, lingüísticas, lúdicas e cognitivas das crianças. Assim, o desafio da Educação Infantil é compreender que elas possuem uma natureza singular e maneiras específicas de ser e estar no mundo. Nesse sentido, evite-se considerar que o currículo corresponda a um programa de conteúdos organizados a ser cumprido segundo determinada seqüência lógica e temporal, fragmentando, desse modo, a realidade e forçando os alunos a pararem de pensar sobre o que pensavam porque o tempo deste pensar acabou, sendo preciso passar para o conteúdo seguinte. Se o currículo fosse genuinamente planejado em função das necessidades de aprendizagens das crianças, talvez nós tivéssemos toda uma geração de crianças amando aprender, em vez de grupos de aprendentes principiantes ansiosos e desanimados, já com sentimento de inedaquação (ANNING, 2005, p. 93, grifo da autora). Por melhor que seja a política educacional de um país e a organização curricular desenvolvida por um sistema educativo, são as atividades de ensino e aprendizagem que ocorrem no cotidiano escolar que afirma a qualidade do que foi proposto, desde que sejam consideradas as particularidades histórico-sociais de cada comunidade, escola, turma e aluno. O currículo abrange um âmbito de interações, nas quais se entrecruzam processos e agentes diversos, que compõem um verdadeiro e complexo tecido social. São as relações estabelecidas nesse contexto que moldam o que se pode chamar de currículo real. 13
6 Uma coisa é o que dizem aos professores o que devem ensinar, outra é o que eles acham ou dizem que ensinam e outra diferente é o que os alunos aprendem. Em qual dos três espelhos encontramos uma imagem mais precisa do que é a realidade? Os três trazem algo, mas algumas imagens são mais fictícias do que outras (SACRISTAN & GÓMEZ, 2000, p. 131). Os autores citados sugerem que o resultado das duas primeiras imagens é o que se pode chamar de currículo manifesto; porém, a experiência de aprendizagem dos alunos não se reduz ou se ajusta à soma destas, visto que, ao lado do currículo que se está desenvolvendo, há um outro denominado de oculto. Logo, a experiência de aprendizagem dos alunos é composta da interação e mistura de ambos (manifesto e oculto) e é nesse processo que consiste o currículo real. Sacristán & Gómez (2000) ressaltam, ainda, que compreender a diferenciação entre o currículo explícito (considerado oficial) e o currículo real (resultado do manifesto acrescido do oculto) significa uma reflexão sobre as incongruências existentes nas práticas escolares. Os autores explicam que o currículo oculto tem relação direta com as especificidades e dificuldades do aluno, e nele está toda a experiência que este vivencia na escola, surgindo, a partir daí, a necessidade de adaptação ao que se propõe a cada educando. Por outro lado, Garcia (1993, p. 13) adverte que O currículo oculto, embora perpasse todas as atividades da escola, nunca é explicitado, porque de modo geral não se coloca no nível consciente daqueles que elaboram, executam e avaliam o projeto pedagógico. Para entender os ideais contidos nas propostas curriculares e o que de fato ocorre na realidade, é imprescindível considerar o currículo enquanto processo social, especialmente nos aspectos concernentes à reflexão sobre o que está sendo oferecido aos alunos e os resultados de aprendizagem alcançados. A organização curricular para a Educação Infantil, enquanto projeto educacional e pedagógico, define-se como o conjunto de intenções, ações e interações presentes no cotidiano de qualquer instituição (Machado, 2004, p.7). Para tanto, a autora sugere que essa organização não se baseie apenas em áreas de conhecimento preestabelecidas, mas primordialmente na compreensão de que o foco das decisões e ações deve ser a criança pequena. Isso significa conceber a organização curricular para além da mera realização 14
7 de atividades pedagógicas e divisão do tempo escolar em rotinas estruturantes, ou apenas da organização do trabalho dos educadores. Um currículo para a Educação Infantil necessita ter explícito, em sua elaboração e desenvolvimento, a concepção de crianças reais e diversas, que interagem com o meio em que vivem e aprendem a resolver problemas, especialmente em contato com outras crianças ou através de informações que os adultos lhes oferecem. Aspectos históricos da Educação Infantil 1. A Educação Infantil no Brasil Até meados do século XIX, praticamente não existia no Brasil um atendimento às crianças pequenas em instituições como Creches e Pré-Escolas. Essa situação se modificou a partir da segunda metade daquele século, em função do crescimento cultural e tecnológico que promoveram a possibilidade do trabalho feminino. Em consonância com esse movimento histórico havia o ideário liberal da construção de uma nação moderna, com preceitos educacionais importados do movimento da Escola Nova (final do séc. XIX até meados do séc. XX), de influência americana e européia. A partir das discussões fomentadas foram criados os primeiros Jardins de Infância, no Rio de Janeiro e São Paulo, inspirados nas idéias de Froebel ( ) 1. Em decorrência do I Congresso Nacional Brasileiro de Proteção à Infância, realizado em 1922, surgiram as primeiras regulamentações do atendimento às crianças pequenas em Escolas Maternais e Jardins de Infância, que previam as instalações de creches e salas de amamentação próximas ao ambiente de trabalho, de forma a facilitar o atendimento ao lactante durante o horário de trabalho das operárias. Na década de 30, foram criadas algumas instituições oficiais de proteção à criança, cujo atendimento era de caráter assistencialista. Nas décadas seguintes, entre 1940 e 1960, o Departamento Nacional da Criança, pertencente ao Ministério de Educação e Saúde, criou a Casa da Criança, com atendimento nas áreas da saúde e previdência. 1 Educador alemão, que criou em 1837 um kindergarten (jardim de infância). 15
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