A PRODUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR: TEORIAS DA CARÊNCIA CULTURAL, DIFERENÇA CULTURAL E DESENCONTRO CULTURAL
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- Patrícia de Andrade
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1 ISBN A PRODUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR: TEORIAS DA CARÊNCIA CULTURAL, DIFERENÇA CULTURAL E DESENCONTRO CULTURAL Guilherme Aparecido de Godoi Universidade Estadual de Londrina guilhermeapgodoi@gmail.com Eixo 3: Temas contemporâneos na Educação Resumo O fracasso escolar é um fenômeno persistente na realidade brasileira, sobretudo nas escolas públicas, afetando principalmente as classes mais baixas. Já na década de 1990, Patto (1991) identificou nas pesquisas nacionais, três teorias principais acerca do fracasso escolar: a teoria da Carência Cultural, da Diferença Cultural e do Desencontro Cultural. Apesar de passado mais de 25 anos as três teorias descritas por Patto circulam em pesquisas atuais e estão presentes, cada um ao seu modo, na compreensão das pessoas sobre a temática. Assim sendo, o presente estudo, do tipo ensaio teórico, objetivou apresentar os principais aspectos de cada teoria, estabelecendo uma análise crítica que possibilite compreensão mais ampla sobre o fracasso dos estudantes no contexto educacional brasileiro. Em nossa análise, refletir criticamente sobre as diferentes teorias do fracasso escolar assume fundamental importância no enfrentamento mais realista dessa dura realidade. Palavras-chave: Fracasso Escolar; Carência Cultural; Diferença Cultural. Introdução O fracasso escolar é um tema frequente nas pesquisas brasileiras. Desde o início do século XX está temática tem interessado pesquisadores que procuram compreender a situação que vivem os estudantes das escolas públicas brasileiras. As reprovações e evasões são alguns aspectos que chamam a atenção (FERRARO, 2004). Mas em suas nuances, o fenômeno do fracasso escolar pode ser observado também: nas notas baixas que as escolas apresentam em avaliações nacionais (Prova Brasil e ENEM são dois exemplos); no baixo índice de estudantes de escolas públicas que ingressam no ensino superior; dentre outros. 685
2 As perspectivas científicas que tratam do tema apresentam teorias bem distintas nas causas e soluções para o fracasso dos estudantes: algumas apontam fatores extraescolares, enquanto outras, intraescolares. No primeiro caso, as justificativas para fracasso não levam em conta a instituição escolar. As causas do fenômeno se encontram fora dos muros da escola, estariam no aluno e no seu contexto familiar e social. Já as pesquisas que associam o fracasso escolar a fatores intraescolares, as investigações se direcionam para a Escola e não mais no aluno e sua família. Patto (1991) realizou estudo detalhado sobre as diferentes perspectivas que estudam o fracasso escolar dos estudantes brasileiros. Patto identificou três perspectivas frequentes entre as pesquisas que procuram investigar o fracasso escolar: teoria da Carência Cultural, da Diferença Cultural e do Desencontro Cultural. Apesar de passado mais de 25 anos as três teorias descritas por Patto circulam em textos e pesquisas nos dias atuais. Assim sendo, o presente estudo, do tipo ensaio teórico, objetivou apresentar os principais aspectos de cada teoria, estabelecendo uma análise crítica que possibilite compreensão mais ampla sobre o fracasso dos estudantes no contexto educacional brasileiro. Em nossa análise, das produções científicas sobre o tema, declinam, por exemplo, políticas públicas voltadas para educação, ou mesmo, influenciam a compreensão que alunos, pais, professores, e demais envolvidos na comunidade escolar tem sobre o tema. Deste modo, refletir criticamente sobre as diferentes formas que o fracasso escolar é abordado em pesquisas científicas assume fundamental importância no enfrentamento mais realista dessa dura realidade. Teoria da Carência Cultural Esta primeira forma de se enxergar o fracasso escolar é frequente no senso comum, atingindo o pensamento educacional de pesquisadores, professores e até mesmo entre os próprios estudantes. Conforme Patto (1991), esta teoria relaciona as dificuldades de aprendizagem dos alunos às suas condições de vida, isto é, associa o fracasso escolar à pobreza material e intelectual do seu contexto familiar. Trata-se da teoria da Carência Cultural: a pobreza material e a desorganização familiar seriam os fatores que causam deficiências e distúrbios no 686
3 desenvolvimento cognitivo e social dos alunos. A situação do fracasso escolar é individualizada, são os fatores que estão fora da escola os utilizados para explicar as causas e soluções do fenômeno, abstendo a Escola e seus atores de qualquer responsabilidade. Esta perspectiva revela, portanto, um ideário repleto de estereótipos e preconceitos sociais e raciais (LIBÓRIO, 1999; PATTO, 1991) A teoria da Carência Cultural enfraquece a discussão sobre políticas educacionais, pois o problema não se encontra na Escola e sim na condição social do aluno e sua família, ou seja, o aluno fracassa porque é pobre. Com base nesse pressuposto surgem também as possíveis soluções para enfrentar o fracasso escolar dos estudantes das classes populares. Entre elas destacam-se os tratamentos psicológicos e psiquiátricos (LIBÓRIO, 1999; PATTO, 1991, 1997). Deste modo, busca na biologia as causas e soluções para um problema que é social. Com isso, é cada vez maior o número de alunos que são encaminhados para avaliação psicológica e psiquiátrica. Torna-se frequente o discurso que atribui os motivos do fracasso escolar a um suposto problema mental do estudante, configurando um contexto de patologização do ensino e medicalização da aprendizagem. Para Patto (PATTO, 1997, p. 47) a desigualdade e a exclusão são justificadas cientificamente (portanto, com pretensa isenção e objetividade) através de explicações que ignoram a sua dimensão política e se esgotam no plano das diferenças individuais de capacidade. Esta tendência em procurar no próprio indivíduo e em seu contexto familiar as causas do fracasso escolar influencia em alguns aspectos as outras teorias, discutidas a seguir. Teoria da Diferença Cultural e do Desencontro Cultural Patto (1991) identifica em pesquisas sobre o fracasso escolar explicações relacionadas à teoria da Diferença Cultural. Estas partem do pressuposto de que a Escola não leva em conta os padrões culturais dos alunos das classes populares. Portanto, consideram que há diferença entre a cultura vivenciada na Escola e a dos alunos. Relaciona-se à teoria da Carência Cultural, pois partem de uma visão estereotipada do aluno e seu contexto familiar. Esta diferença cultural estaria, por exemplo, na linguagem dos alunos das classes populares, a qual se distanciaria da linguagem utilizada na Escola. 687
4 A terceira teoria presente em pesquisas sobre o fracasso escolar se assemelha à teoria da Diferença Cultural. Porém, neste caso o fracasso dos alunos das classes populares se relaciona às diferenças culturais entre este aluno e o professor, trata-se da teoria do Desencontro Cultural. Os pressupostos que sustentam essa teoria identificam que o professor vivencia um padrão cultural elitizado que iria em desencontro da cultura dos seus alunos. Diante disso, o professor desenvolveria suas práticas pedagógicas embasadas no padrão cultural ao que pertence, causando um estranhamento aos alunos. Esse desencontro cultural é percebido, por exemplo, na linguagem que o professor utiliza, na didática que apoia seu trabalho, dentre outros. Para Patto (1991), esse desconhecimento da realidade vivida pelo aluno das classes populares é generalizado. Os padrões culturais dos alunos não são desconhecidos somente pelos professores: é comum também entre os pesquisadores que produzem o conhecimento científico na área educacional. Os professores podem inclusive tentar sanar esse desencontro cultural consultando pesquisas científicas que acabam confundindo-o ainda mais (PATTO, 1991). A teoria da Diferença e do Desencontro Cultural trazem para a discussão novos fatores: o problema do fracasso escolar deixa de ser puramente extraescolar. Fatores relacionados à Escola, como o currículo, as formas e conteúdos ensinados, passam a compor as investigações sobre o fenômeno. As pesquisas sob a lente da Diferença e Desencontro Cultural passam a problematizar a adequação da Escola ao aluno das classes populares. Estes seriam conhecedores de uma cultura popular que não corresponde à cultura vivenciada na Escola, uma cultura erudita e burguesa. As ideias de Bourdieu acerca da cultura e educação possibilitam tecer uma crítica a respeito das teorias da Diferença e do Desencontro Cultural. Para Bourdieu é pela cultura que os dominantes garantem a sua dominação trata-se da teoria da dominação cultural (BENEVITZ, 2003). A instituição escolar, nesta perspectiva, seria o lugar onde se exerce essa dominação cultural, reproduzindo as relações de exploração (LIBÓRIO, 1999; BONNEWITZ, 2003; MARIN, 2014). O arbítrio cultural de uma classe se transforma em cultura legítima - a cultura dominante é a da classe social dominante (elite burguesa). Neste contexto a cultura apresenta as mesmas características que o capital, fato que Bourdieu denominou de 688
5 Capital Cultural (LIBÓRIO, 1999; BONNEWITZ, 2003; MARIN, 2014). A distinção entre as classes sociais é explicada pela posse desse capital cultural e o acesso aos bens culturais é fortemente desigual. Neste sentido a Escola ao considerar um aluno ideal, de classe média e possuidor de uma bagagem de capital cultural acumulado, está legitimando as desigualdades e a hierarquia social. Conforme Bonnewitz (2003, p.119) o sistema escolar cumpre essa função de legitimação impondo às classes dominadas o reconhecimento do saber das classes dominantes e negando a existência de outra cultura legítima. Os alunos das classes mais baixas se encontram em desvantagens na posse do capital cultural que estrutura os percursos da instituição escolar. Os apontamentos de Bourdieu possibilitam a reflexão sobre papel da Escola e a reprodução das desigualdades sociais. No entanto, sua leitura assume muitas vezes caminhos diferentes. Podem, por exemplo, ser interpretadas como favoráveis à implementação de uma escola adaptada aos padrões culturais dos alunos das classes populares, correndo o risco de se oferecer um ensino menos rigoroso e de baixa qualidade (PATTO, 1991). Conclusão Este trabalho objetivou apresentar os principais aspectos das teorias presentes em pesquisas científicas que abordam a temática do fracasso escolar. É possível notar um ponto em comum entre as teorias da Carência Cultural, Diferença Cultural e Desencontro Cultural: todas estão embasadas em conceitos préestabelecidos sobre os alunos das classes populares. Consideramos que a teoria da Carência Cultural é a mais prejudicial, uma vez que encontra no aluno e em seu contexto familiar as causas para o fracasso escolar. Já as outras duas teorias possibilitam analisar o fenômeno do fracasso de forma menos particular. A teoria da Diferença Cultural e do Desencontro Cultural acrescentam à temática do fracasso escolar o papel da Escola e a prática docente. Contudo, as possíveis diferenças culturais entre o aluno, o professor e a Escola, não devem ser analisadas visando uma adequação dos conteúdos, métodos, linguagem, rigor, etc. Pois é desta forma que a dominação cultural, a qual se referiu Bourdieu, cristaliza e reproduz as desigualdades de classe. A Escola e o 689
6 professor devem buscar com que os alunos das classes populares tenham acesso ao capital cultural e que este possibilite ao aluno a construção de conhecimentos. Referências Bibliográficas BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de Pierre Bourdieu. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, FERRARO, Alceu R. Escolarização no Brasil na ótica da Exclusão. In: MARCHESI, Álvaro; GIL, Carlos Hernández (Org). Fracasso Escolar: uma perspectiva multicultural. Porto Alegre: Artmed, p LIBÓRIO, Renata M. C. Fracasso escolar: reflexões sobre sua repercussão na vida dos estudantes. Nuances, Presidente Prudente, v.5, p.56-63, julho Disponível em: Acesso em: 03 set MARIN, Alda J. A produção da desigualdade na escolarização: aspectos da vida contemporânea e o trabalho pedagógico. Educação (Porto Alegre, impresso), v. 37, n. 1, p , jan./abr Disponível em: Acesso em: 03 set PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, PATTO, M. H. S. Para uma crítica da razão psicométrica. Psicologia USP, São Paulo, vol. 8, n.1, p , Disponível em: Acesso em: 03 set
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