O QUE É TOXINA BOTULÍNICA :
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- Oswaldo Castilhos Lagos
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1 O QUE É TOXINA BOTULÍNICA : A toxina botulínica é uma neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, como um polipeptídeo inativo, que é clivado por uma protease da bactéria, formando uma toxina composta por duas cadeias de polipeptídeos, a cadeia pesada e a leve. Estas duas cadeias, unidas por uma ponte dissulfeto e forças não covalentes, são dissociadas com o aquecimento e fervura, o que inativa a toxina, já que a neurotoxicidade requer a união das duas cadeias. Foram descritos sete tipos antigênicos distintos de toxina botulínica (A, B, C, D, E,F e G). Dentre estes, o sistema nervoso humano está susceptível a cinco (A, B, E,F e G) e não é afetado por dois (C e D). A toxina do tipo A é o mais potente veneno biológico conhecido e também a mais utilizada para fins terapêuticos (Aoki, 2001). Todos os tipos de toxina botulínica atuam no sistema nervoso periférico, onde inibem a liberação de acetilcolina na junção neuromuscular, provocando paresia muscular ou inibição da secreção glandular. Seu modo de ação é caracterizado por três etapas. O primeiro processo é a ligação irreversível da toxina botulínica nos receptores présinápticos colinérgicos pela cadeia pesada, seguida da internalização da neurotoxina pela endocitose mediada pelo receptor. Dentro da célula, a ligação dissulfídica é clivada. A cadeia pesada está associada com a formação de um canal iônico e translocação da cadeia leve do endossoma para o citoplasma neuronal. O último processo é o bloqueio neuromuscular. A cadeia leve da toxina,que contém uma endopeptidade com ação proteolítica, cliva a proteína que participa do processo de exocitose das vesículas contendo acetilcolina, promovendo a inibição da liberação deste neurotransmissor na fenda sináptica (Huang, Foster, Rogachefsky, 2000). A toxina botulínica parece ser mais efetiva no bloqueio das junções sinápticas das fibras musculares mais ativas. Isto poderia explicar porque as fibras musculares envolvidas em movimentos involuntários,que tendem a ser as mais ativas, são preferencialmente bloqueadas pela toxina,deixando as fibras relacionadas com o movimento voluntário com sua força praticamente intacta (Hallet, 2002). Embora as pesquisas tenham enfatizado as ações periféricas da toxina botulínica, vários estudos sugerem que além dessa ação, ela também age no sistema nervoso central, alterando transitoriamente a excitabilidade das áreas motoras encefálicas e reorganizando circuitos excitatórios e inibitórios intracorticais (Kita, Goodkin, 2000). Essas mudanças corticais provavelmente se originam dos mecanismos periféricos. Assim, o papel clínico exercido pela toxina botulínica depende não somente da sua ação na junção neuromuscular, mas também dos seus efeitos no sistema nervoso central (Kita, Goodkin, 2000). Após os estudos de Scott (1981) iniciou-se a utilização de toxina botulínica para casos de estrabismo e, posteriormente, blefaroespasmo, espasmo hemifacial e distonia cervical (Pullman et al 1996). Em 1990, a Academia Americana de Neurologia aprovou a utilização de toxina botulínica do tipo A para os casos de distonia (blefaroespasmo, distonia cervical, distonia laringéia, distonia oromandibular),outras distonias focais e espasmo hemi-facial. Em
2 1994, esta mesma instituição estabeleceu as normas para o uso de toxina botulínica no tratamento de doenças neurológicas, enfatizando os prérequisitos básicos e os princípios do tratamento (Brin, 1991). Atualmente a toxina botulínica é o tratamento de eleição para distonias focais (blefaroespasmo, distonias oromandibular, cervical, laringéia e de membros) e condições não distônicas, (espasmo hemi-facial, sincinesias, espasticidade, tremores, tiques, distúrbios do assoalho pélvico, distúrbios de motilidade gastrointestinal, como a acalasia do esfíncter esofágico). Existem também indicações cosméticas (tratamento de rugas de expressão) e para o tratamento de hiperidrose (Brin, 1991). Os efeitos colaterais podem ser dor, formação de equimoses ou hematomas nos locais de aplicação e astenia. Existe a possibilidade da indução de formação de anticorpos contra a toxina botulínica, impedindo a sua ação terapêutica (Simpson, 1995). Não existem contra-indicações absolutas para a utilização de toxina botulínica, contudo deve-se ter precauções em determinadas situações, como uso concomitante com antibióticos aminoglicosídeos, pacientes com doenças do neurônio motor e da junção neuromuscular, doenças hemorrágicas, gravidez e lactação. Não há contraindicação quanto a associação com anticoagulantes (Gracies et al., 1997). Existem relatos de raros casos da falta de eficácia da utilização de toxina botulínica, provavelmente relacionados à formação de anticorpos contra proteínas estranhas ao organismo (Brin, 1991). No entanto, existe consenso entre os especialistas que na maioria dos casos relacionados à não eficácia, houve seleção inadequada dos músculos ou dose diminuída do medicamento. Estrutura Molecular As neurotoxinas produzidas pelas diversas cepas de Clostridium botulinum possuem efeitos farmacológicos similares, sendo que a suscetibilidade dos animais a esses efeitos varia consideravelmente, conforme a sua espécie e a da toxina presente. Assim, o homem é mais sensível às toxinas do tipo A, B, E, F e G, o gado às dos tipo C beta e D, os eqüinos ao tipo C beta e as aves ao tipo C alfa e C beta (Berardelli,Gilio, Currà, 2002). Purificadas, as toxinas botulínicas são polipeptídeos com uma subunidade leve e outra pesada com peso molecular de 50 e 100 kda respectivamente. Estas, isoladamente, são inativas biologicamente, permanecendo unidas por uma ponte dissulfídrica, com exceção da toxina C (Aoki, 2001). As toxinas botulínicas são produzidas durante o desenvolvimento bacteriano e liberadas quando o microorganismo sofre lise. Surgem a partir de precursores ligeiramente tóxicos, sintetizados com base em prototoxinas. Algumas cepas alcançam seu poder tóxico a partir da ação de uma protease 32
3 oriunda da própria bactéria, a qual atua sobre esse precursor, como é o caso das cepas do tipo A e algumas dos tipos B e F. Outras, entretanto, adquirem toxicidade parcial como conseqüência da ação de uma protease bacteriana, atingindo o poder tóxico total somente após tratadas com tripsina ou alguma outra enzima proteolítica exógena (Barardelli, 2002). Algumas cepas do tipo E, ao contrário, sintetizam diretamente a toxina já completamente ativa, não necessitando de ação endógena ou exógena de qualquer espécie para seu poder total. É a ação desses metabólitos bacterianos a grande responsável pela intoxicação botulínica. Sabe-se, entretanto, que certos procedimentos básicos como submissão ao calor de 80º C por dez minutos, formaldeído, tratamento por tripsina em ph de 7,5 ou digestão péptica com ph de 1,8 são capazes de inativar essas toxinas (Aoki, 2001). A toxina botulínica tipo A é dentre todas, a mais estudada, possivelmente por conservar bem sua toxigenicidade, produzir caldos de cultivo muito potentes em uma variedade de meios e manter-se facilmente sob uma forma cristalizada estável. Sua síntese não está associada à esporulação do microorganismo, ocorrendo independentemente desta e na ausência de divisão celular. As condições de aerobiose ou anaerobiose também não influem em sua produção, o que já não ocorre em relação ao suprimento de aminoácidos essenciais, fosfatos e glicose (Middlebrook, Franz, 1997). A molécula de toxina botulínica é dividida em 3 domínios funcionais primários: (1) o domínio catalítico, dentro da cadeia leve; (2) o domínio de translocação localizado na região N-terminal da cadeia pesada; (3) o domínio receptor-ligante, localizado na região C-terminal da cadeia pesada (fig. 1) (Jankovic, Brin, 1997).
4 Representação esquemática da molécula da toxina botulínica, mostrando a região de clivagem e os domínios funcionais. A forma cristalina da toxina botulínica é uma dupla cadeia composta por aminoácidos. A forma total da toxina é retangular, com dimensões aproximadas de 45Å x 105Å x 130Å e a molécula mostra um arranjo linear dos três domínios funcionais sem contato entre os domínios catalítico e ligante (Johnson, 1999). Representação gráfica da estrutura molecular da toxina botulínica. O domínio catalítico está representado em azul, o domínio de translocação em verde, o sub-domínio N-terminal em amarelo e o subdomínio C-terminal em vermelho.
5 Mecanismo de ação A ação da toxina botulínica foi estudada amplamente, passando-se anos até que seus efeitos fossem totalmente identificados e seu foco de ação estabelecido (Pierson, 1997). Purkhaver, em 1877, definiu que a atuação paralítica da toxina botulínica se devia à ação sobre os nervos periféricos, não havendo comprometimento do sistema nervoso central. Van Ermengem (1897) afirmou que "a síndrome do botulismo consiste de um grupo de fenômenos neuroparalíticos, alterações da secreção do trato gastrointestinal e paralisia motora simétrica, completa ou parcial, causada, provavelmente, por lesão da medula oblonga, especialmente dos núcleos de vários nervos encefálicos e dos cornos anteriores da medula espinhal" (Moore, 2002). Dickson e Shevky (1923) estudaram a ação da toxina botulínica sobre o sistema nervoso autônomo e voluntário, concluindo que não existia nenhum efeito nas fibras nervosas sensoriais ou nas células musculares e sim, sobre as terminações das fibras motoras. Edmunds e Long, em 1923, também afirmaram tratar-se de uma "paralisia parcial das terminações dos nervos motores que vão aos músculos voluntários" (Jankovic, Brin, 1997). Quando da purificação das toxinas tipo A e B, associada aos avanços no estudo da fisiologia humana, Guyton e MacDonald, em 1947, já tiveram uma idéia mais clara sobre seu mecanismo de ação. Determinaram que a toxina causava retardo ou inibição na condução do impulso nervoso (Jankovic, Brin, 1997). Torda e Wolff, em 1947, sugeriram que a toxina inibiria a acetilcolinesterase, enzima participante da síntese de acetilcolina, o que, entretanto, não foi comprovado (Moore, 2002). As pesquisas mais recentes demonstraram que Guyton e MacDonald tinham razão. O músculo envenenado pela toxina não responde à neostigmina, um inibidor da colinesterase, porém contrai-se quando exposto à ação da acetilcolina, comprovando que a toxina inibe a ação da acetilcolina na placa motora terminal. Esta é a prova de que não há ação direta da toxina sobre o músculo, uma vez que mesmo em presença da toxina botulínica, haverá resposta se o músculo for estimulado diretamente por ação da acetilcolina (Jankovic, Brin, 1997). Fisiologicamente, a acetilcolina é armazenada nas vesículas sinápticas sob a forma de feixes denominados "quanta", sendo esta liberada em ondas de 100 a 200 Å quando um impulso elétrico percorre o axoplasma. A acetilcolina liberada se combina com um ponto receptor da placa terminal do músculo, produzindo a contração e seu excesso é inativado pela ação da acetilcolinesterase (Huang,Foster, Rogachefsky, 2000). Com base nos conhecimentos atuais, pode-se dizer que a toxina botulínica age em três etapas: (1) fixação da toxina por meio do fragmento H nos receptores da membrana pré-sináptica, processo este que não requer energia ou íons Ca++; esta fase é reversível se administrado um soro antibotulínico específico. Internalização da toxina nas vesículas do neurônio pré-sináptico, com gasto de
6 energia; ocorre provavelmente por um processo de reorganização da membrana celular neuronal. É uma etapa irreversível. (3) Etapa lítica na qual produz danos à estrutura da membrana citoplasmática e bloqueio da secreção da acetilcolina por agir nas proteínas denominadas SNARE (fig 3) (Stephen, 2001).
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