O ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS DESDE A PERSPECTIVA DA ASSISTÊNCIA ÁS VITIMA
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- Alfredo do Amaral de Mendonça
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1 O ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS DESDE A PERSPECTIVA DA ASSISTÊNCIA ÁS VITIMA Waldimeiry Corrêa da Silva 1 Maria Ione Vasconcelos de Menezes 2 Resumo: A partir dos compromissos assumidos pelos Estados desde o Protocolo de Palermo o Enfrentamento ao Tráfico de pessoas (ETP) tem sido pautado desde o triplo objetivo de Prevenção contra o crime, Proteção e Assistência às vítimas e da Persecução e sanção aos delinquentes. Neste sentido a assistência à vítima de tráfico se constitui uma obrigação internacionalmente pactuada, e nacionalmente confirmada, pelo Estado, objetivando proporcionar assistência integral às vítimas de modo a proporcionar seu processo de reinserção social, e com ele, salvaguardar seus direitos humanos. Deste modo, no presente trabalho desde o conceito internacionalmente definido sobre Tráfico de pessoas, e dos compromissos assumidos pelo Brasil sobre a matéria, temos o escopo de analisar a da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas com o afã de compreender como se encontra estruturado o sistema de Assistência às vítimas de Tráfico de pessoas no Estado brasileiro. A coleta de dados servirá de alicerce para nossa apreciação na qual também utilizaremos de métodos quantitativos e qualitativos. Pretendemos realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema e ainda sobre as políticas de assistência prestadas às vítimas de tráfico, e conjuntamente, almejamos entrevistar os atores chave para a efetivação em matéria de assistência às vítimas de tráfico, desde diferentes interfaces que intervêm nesta matéria como: Jurídicas, políticas e sócio participativas. Palavras Chave: Direitos Humanos; Tráfico de Pessoas; Políticas Públicas; Assistência às vítimas. SUMÁRIO: Introdução; 2. Breves considerações sobre o Tráfico de Pessoas; 3.A Ação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado Brasileiro; 3.1 II Plano Nacional De Enfrentamento Ao Tráfico De Pessoas; 4. A Assistência Integral às Vítimas na Perspectiva da Rede de Proteção; Considerações Finais. 1. Introdução O Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (ETP), a nível internacional e nacional, encontra-se direcionado segundo um triplo objetivo a Prevenção, Proteção e Assistência às vítimas e Persecução e repressão ao delito de Tráfico. Neste sentido, o presente texto tem a finalidade de discutir o eixo de assistência às vítimas, na perspectiva do desafio para a garantia da assistência integral. Tal fato representa problematizar, pensar a estrutura que sustenta que constitui maior negação dos direitos humanos, na medida em o tráfico a vítima, retira sua dignidade, e ainda, subtrai sua identidade, integridade, liberdade (TEDH, 2010). Razão pela qual teceremos considerações acerca do Tráfico de pessoas na perspectiva do 1 Doutora em Direito Internacional e Relações Internacionais Universidad de Sevilla/España. Professora e pesquisadora do Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes, Sergipe-Brasil. 2 Mestranda do Programa de Direitos Humanos da Universidade Tiradentes.
2 2 empoderamento à luz do desenvolvimento de uma rede de assistência integral às vítimas e dos desafios e a possibilidade para estas. Entende-se deste modo, que somente mediante uma articulada rede entre o poder público e a sociedade civil organizada, será possível a implementação de uma assistência integral às vítimas com foco na garantia de direitos e no resgate da cidadania destas. A principal função, e desafio, da rede de assistência é a garantia de acesso aos serviços e as políticas públicas de moradia, saúde, assistência social, acesso à justiça e a segurança pública, dentre as demais. A constituição e implementação da rede de assistência representa um desafio na medida em que a mesma representa sua via de acesso à a resiliência e reinserção social das vítimas, conferindo-lhes o poder, na medida em que terão seus direitos humanos e sociais preservados, conquistarão sua autonomia. Somente nesta direção será possível o enfrentamento ao Tráfico de Pessoas que deve garantir o empoderamento, como a possibilidade de assegurar a reinserção social das vítimas, pois, o tráfico representa a violação ao digno, a uma prática desumana que vem apresentando formas de resistência ao longo do processo de desenvolvimento da sociedade, no entanto, não justifica-se mais sua existência. Para realização deste estudo utilizamos a coleta de dados para embasar nossa análise na qual também utilizaremos de métodos quantitativos e qualitativos. Pretendemos realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema e ainda sobre as políticas publica brasileira de assistência oferecida às vítimas de Tráfico. Para estes fins o presente trabalho está organizado a partir da definição internacionalmente e, nacionalmente, pactuada sobre o Tráfico de pessoas, e os objetivos definidos mediante o Protocolo de Palermo, centrando-se no eixo de proteção e assistência às vítimas de Tráfico. Uma vez realizada essas breves considerações sobre o normativo base sobre a matéria, passaremos à Ação de ETP a nível nacional, mediante uma apresentação da Politica Nacional e ETP e dos Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP I e II), especificamente no que tange ao eixo de assistência às vitimas. Exposta a estrutura de ETP brasileira, passaremos a uma exposição sobre o que consiste a assistência integral às vítimas na perspectiva da rede de proteção, e logo a seguir passamos às conclusões finais do trabalho. 2. Breves considerações sobre o Tráfico de Pessoas
3 3 O Tráfico de pessoas não é um fenômeno novo, possui raízes históricas no processo de escravidão e, na atualidade, estabelece conexões diretas com o crime transnacional organizado 3, a violência contra a mulher 4, o trabalho forçado e a exploração sexual. E ainda, se produz de forma paralela aos fluxos migratórios e laborais. O Protocolo para Prevenir, Reprimir e Sancionar o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e crianças 5 (Protocolo de Palermo) estabelece uma harmonização dos documentos anteriores sobre a matéria e, proporciona uma definição internacionalmente aceitada para o Tráfico de Pessoas. É considerado o principal instrumento jurídico de enfrentamento ao tráfico de pessoas a nível universal. O Protocolo vai além da compreensão tradicional do Tráfico (a dimensão penal e de segurança pública), brindando uma perspectiva multidimensional (proteção dos direitos humanos das vítimas, conforme art. 6º), além de assumir compromissos políticos para a cooperação internacional sobre a matéria. Como assevera Raymond, este Protocolo instaura un lenguaje y una legislación global para definir la Trata de personas (2002, 492). O Protocolo de Palermo delineia a extensão e a busca da defesa dos direitos humanos, ao combinar a proteção e assistência integral às vítimas, bem como a necessidade de realizar a prevenção do delito a toda sociedade, como também a persecução e repressão ao crime com vistas a salvaguardar os direitos humanos. A estes efeitos, em seu artigo 3º, define que a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça, o uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos. O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a); O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo; 3 Conforme a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada pela Resolução 55/25 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 15 de dezembro de No Brasil, promulgada pelo decreto Nº 5.015, de 12 de março de De acordo o artigo 1 e 2 da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas através da Resolução 48/104, de 20 de dezembro de E também a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, adotada em 9 de junho de 1994, no Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos. No Brasil, promulgada pelo decreto Nº 5.015, de 12 de março de Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do tráfico de pessoas, em especial Mulheres e Crianças, adotado em Brasil mediante o Decreto Nº 5.017, de 12 de março de 2004.
4 4 De acordo com o exposto, a definição de Tráfico de Pessoas contém três elementos constitutivos: 1. Uma ação, que pode ser de captação, transporte, traslado, acolhida ou recepção de pessoas; 2. Os meios utilizados: ameaça, uso da força, coação, fraude ou engano; 3. Com o fim de exploração. Estes elementos estão inter-relacionados, já que se trata de uma ação que se assenta na captação, transporte, acolhida de pessoas, determinando assim uma conduta com o fim de exploração. Para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra se utiliza a ameaça, a força ou outras formas de coação, o rapto, a fraude e o engano, o abuso de poder diante uma situação de vulnerabilidade, assim como a concessão ou recepção de pagos ou benefícios; seu fim é a exploração (CEPAL: 2003, 46). Deste modo, se incluem como mínimo a exploração da prostituição alheia ou outras formas de exploração sexual, trabalho forçado, práticas análogas à escravidão, servidão ou a extração de órgãos (cf. art. 3.a). O Protocolo de Palermo atribui às pessoas traficadas a denominação de vítimas (art. 3.b) e não de delinquentes. O que confere a todas encontrarem-se amparadas pelo Protocolo, sendo seu consentimento um fator irrelevante, primando pela exploração como elemento chave no processo de Tráfico de Pessoas. Destarte, temos uma visão da vítima como sujeito portador de direitos, uma perspectiva que vela pela proteção dos direitos humanos ante tudo, propondo a garantia dos direitos humanos como princípio orientador de todo e qual enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Pensar as expressões da questão social à exemplo do Tráfico de Pessoas representa um grande desafio e exige da sociedade civil, do poder público e da academia o fortalecimento da correlação de forças. (LEAL E LEAL, 2002). Neste sentido, as redes de assistência às vítimas tanto nas esferas local como global, buscando interferências nos planos e estratégias dos blocos hegemônicos, com vistas a minimização das disparidades sociais entre os países, dar visibilidade ao fenômeno para desmobilizar as redes de crime organizado, e criar instrumentos legais e formas democráticas de regular a ação do mercado global do sexo, a omissão do Estado e criar mecanismos competentes o suficiente para inibir a ação do explorador. Se faz importante destacar que de acordo com o artigo 2º. do Protocolo de Palermo, o triplo objetivo da política que visa combater o Tráfico de Pessoas é a repressão, a prevenção e a proteção e o bem-estar às vítimas. Ressalta Ela Wiecko V. de Castilho, antes mesmo da instituição do Protocolo de Palermo, a vítima era completamente desprotegida, além do que era submetida a uma condição ambígua, pois, era tida como criminosa, além de não dispor de amparo estatal. Porque ao ser libertada, não dispunha de documentos e não tinha perspectiva alguma de vida e de futuro o que contribuía para a sua vitimização. Sobretudo mulheres e
5 5 transexuais que nem sempre são profissionais do sexo, não se reconhecem como vítimas de Tráfico de Pessoas, principalmente, quando elas são previamente informadas pelos seus aliciadores das condições reais de trabalho, isto é, que serão prostitutas, que precisarão trabalhar para pagar a dívida, que seus passaportes serão retidos e que as jornadas serão exaustivas. A vitima de Tráfico se encontra em situação de imobilização por dívida, que consiste no controle da mesma, como forma de compensação de uma dívida; a imobilização acontece sempre que o valor dos serviços não seja razoavelmente calculado e corretamente aplicado na liquidação da dívida (ESTERCI, 2008, p.28). A imobilização social, retira da vítima toda condição de superação de uma situação de exploração a que está submetida, porque a dívida não consegue ser sanada, e exige a prestação de serviços de modo compulsório. O que retroalimentará o crime. De acordo com o guia de referência para a rede de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil (MJ, 2009), este crime conta com uma rede que possibilita a criação de uma grande estrutura de serviços com vistas a obtenção de lucros como fornecedores de documentos falsos, prestadores de serviços jurídicos, lavadores de dinheiro, redes de transportes dentre outros. A diversidade da atuação da rede está relacionada a complexa dimensão desta; o aprimoramento do crime organizado tem refletido a insuficiência dos mecanismos de enfrentamentos tradicionais individuais de cada Estado contribuindo assim para a necessidade de utilização de estratégias inovadoras de combate por meio da cooperação bilateral, regional e até multilateral, bem como por meio da cooperação técnica policial, tecnológica, econômica e de mecanismos de comunicação. Diante desta organização que se encontra o crime de Tráfico de Pessoas, é de fundamental importância ressaltar que urge a necessidade da constituição de uma rede de assistência às vítimas como forma de garantia de direitos, a partir da implementação de políticas públicas de proporcionem a devida assistência integral às vítimas, que ressente-se de efetividade de ações, sendo que somente através de estratégias articuladas com todas as políticas setoriais, será possível o Estado brasileiro empreender estratégias de enfrentamento, em que a assistência e a proteção às vítimas, asseguradas pelo artigo 6º. do Protocolo de Palermo é uma necessidade premente. 3. A Ação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado Brasileiro
6 6 A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (A Política Nacional) foi estabelecida em orientada no triple objetivo do Protocolo de Palermo 7. Neste sentido, a Política Nacional estabelece princípios, diretrizes e ações que visam à prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e de atenção às vítimas, de modo a dar prosseguimento à política antitráfico estabelecida a nível internacional fundamentada e nacionais de proteção e promoção dos direitos humanos (BRASIL, 2008b). Dois anos depois em 2008, foi aprovado o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas 8 (PNETP). Dessa maneira, por meio do PNETP, o Estado brasileiro reconheceu tanto a existência do tráfico de seres humanos em seu território, como um crime multifacetado, como também a necessidade da participação da sociedade em geral, em especial da justiça, segurança pública, com parceria da saúde, relações exteriores, educação, assistência social, promoção da igualdade racial, trabalho, emprego, desenvolvimento agrário, direitos humanos, promoção e proteção aos direitos das mulheres, cultura e turismo. No ano de 2010, foi realizado o I Encontro Nacional da Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, em Belo Horizonte. Aludido encontro foi convocado pelo Ministério da Justiça e teve a participação de entidades governamentais e não governamentais, tanto nacionais como internacionais, que atuam de modo direto, indireto ou transversal, no enfrentamento ao tráfico de pessoas no Estado brasileiro, seguindo os princípios e diretrizes do I PNETP. O evento teve a duração de três dias de debates e corroboraram para a segura percepção prática do problema pelos envolvidos, o consenso na relevância do tema e a necessidade de avanços frente ao que já foi construído no país. (BRASIL, 2011, p. 1). 3.1 II Plano Nacional De Enfrentamento Ao Tráfico De Pessoas Se no I PNETP não houve participação plena da sociedade civil, o II PNETP 9 foi elaborado após um amplo debate e processo de discussões derivou na elaboração e sistematização de ações que deviam ser implementadas pelo governo brasileiro através de políticas públicas integradas para enfrentar o tráfico de pessoas em suas duas modalidades (interno e internacional). O II PNETP almeja, por meio de seus objetivos (art. 2º): I - Ampliar e aperfeiçoar a atuação de instâncias e órgãos envolvidos no 6 Mediante o Decreto n , de 26 de outubro 7 Em dezembro de 2006 foi realizada uma reunião do grupo de trabalho que deveria formular o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, devendo priorizar os 3 eixos temáticos previstos no Decreto n. 5948, quais sejam: prevenção e repressão do tráfico de pessoas e assistência à vítima. (BRASIL, 2007b, p. 5). 8 Aprovado por meio do Decreto n , de 08 de janeiro estabeleceu 100 (cem) metas, distribuídas entre várias prioridades. 9 Aprovado por meio da Portaria Interministerial n. 634, de 25 de fevereiro de 2013.
7 7 enfrentamento ao tráfico de pessoas, na prevenção e repressão do crime, na responsabilização dos autores, na atenção às vítimas e na proteção de seus direitos; II-Fomentar e fortalecer a cooperação entre órgãos públicos, organizações da sociedade civil e organismos internacionais no Brasil e no exterior envolvidos no enfrentamento ao tráfico de pessoas; III - Reduzir as situações de vulnerabilidade ao tráfico de pessoas, consideradas as identidades e especificidades dos grupos sociais; IV Capacitar profissionais, instituições e organizações envolvidas com o enfrentamento ao tráfico de pessoas; V - Produzir e disseminar informações sobre o tráfico de pessoas e as ações para seu enfrentamento; e VI - Sensibilizar e mobilizar a sociedade para prevenir a ocorrência, os riscos e os impactos do tráfico de pessoas. O II PNETP apresenta cinco linhas para sua operacionalização: 1) aperfeiçoamento do marco regulatório para fortalecer o enfrentamento ao tráfico de pessoas; 2) integração e fortalecimento das políticas públicas, redes de atendimento e organizações para prestação de serviços necessários ao enfrentamento do tráfico de pessoas; 3) capacitação para o enfrentamento ao tráfico de pessoas; 4) produção, gestão e disseminação de informação e conhecimento sobre tráfico de pessoas; e, 5) campanhas e mobilização para o enfrentamento ao tráfico de pessoas. Um ponto importante e pertinente é que o II Plano busca a realização de parcerias entre atores não governamentais, instituições produtoras de conhecimento e órgãos do Poder Legislativo e Judiciário 10, já que o é orientado desde uma vasta gama de tarefas que abarcam a busca pelo fortalecimento da cooperação entre as várias instituições que trabalham o tema, bem como de organizações não governamentais e organismos internacionais, redução de vulnerabilidades, capacitação de profissionais, instituições e organizações, produção de informações (relatórios de pesquisa e diagnósticos, por exemplo), sensibilização e mobilização (campanhas, por exemplo). O II PNETP tem vários órgãos executores 11 conferindo a esta gestão um espírito de cooperação intersetorial, existindo: a Coordenação Tripartite da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas 12 - Coordenação tem por fim coordenar a gestão estratégica e integrada da política nacional e dos planos nacionais-, o Comitê Nacional de 10 São dois órgãos de extrema importância no enfrentamento ao tráfico de pessoas. O Legislativo porque é o responsável pela produção de leis, que devem seguir as orientações do Protocolo de Palermo. O Judiciário porque é responsável por processar e julgar as pessoas envolvidas na dinâmica do crime ora tratado. 11 Ministério da Justiça, Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Casa Civil da Presidência da República, Ministério da Defesa, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Educação, Ministério da Cultura, Ministério do Trabalho e Emprego Secretaria de Inspeção do Trabalho, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Saúde, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério do Turismo, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Secretaria-Geral da Presidência da República, Advocacia-Geral da União e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. 12 Instituída por meio do Decreto n. 790, de 4 de fevereiro de A Coordenação Tripartite da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas é composta pelo Ministério da Justiça, Secretaria de Políticas para as Mulheres e Secretaria dos Direitos Humanos, ambas vinculadas à Presidência da República.
8 8 Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas CONATRAP 13 e o Grupo Interministerial de Monitoramento e Avaliação do II PNETP. Por sua vez, o CONATRAP, instituído no âmbito do Ministério da Justiça, tem as seguintes funções (art. 2º): propor estratégias para gestão e implementação de ações da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; propor o desenvolvimento de estudos e ações sobre o tema; acompanhar a implementação dos Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; articular suas atividades àquelas dos conselhos nacionais de políticas públicas que tenham interface com o tema, para promover a intersetorialidade das políticas de enfrentamento ao tráfico de pessoas; articular e apoiar tecnicamente os Comitês Estaduais, Distrital e Municipais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas na definição de diretrizes comuns de atuação e na regulamentação e cumprimento de suas atribuições; elaborar relatórios de suas atividades; e elaborar e aprovar seu regimento interno. O CONATRAP possibilitará uma atuação de órgãos do governo federal, organizações da sociedade civil, organismos especialistas na área de enfrentamento ao tráfico de pessoas, conselhos nacionais de políticas relacionadas ao tema, rede de Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante, Comitês Estaduais e do Distrito Federal de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, além de convidados do Poder Judiciário e do Ministério Público, pois a maioria deve ter representatividade. O Grupo Interministerial de Monitoramento e Avaliação do II PNET - GI 14, igualmente criado por decreto presidencial, tem entre suas principais atribuições monitorar e avaliar o II Plano, em suas metas de curto, médio e longo prazos até 2016, propor ajustes técnicos e de prioridades; e coletar, difundir e disseminar informação entre os organismos implementadores e para toda a sociedade. Órgãos de governo e organizações não governamentais também devem trabalhar em dinâmica de colaboração no Grupo Assessor. (art. 3º) O governo brasileiro estruturou redes de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas através de um processo de articulação entre órgãos governamentais, organizações internacionais (OIT, ONU/UNODC, OIM) e da sociedade civil organizada. Esse conjunto de instituições reunidas na luta anti-tráfico foi denominado de modo genérico, rede de ETP. Aludida rede tem a finalidade o estabelecimento de instrumentos de apoio para a implantação de Núcleos em todo o Brasil; ativar o fluxo de encaminhamento de casos entre NETPs de outros Estados; fomentar o estabelecimento de um trabalho em rede entre os Núcleos e Postos, com 13 Com edital aberto para sua primeira eleição que ocorrerá no dia 28 de Agosto de Instituído por meio do Decreto n. 634, de 25 de fevereiro de 2013.
9 9 encaminhamento de casos e construção de Politica Nacional. A rede estatal brasileira é composta atualmente por 15 Núcleos de enfrentamento ao Tráfico de pessoas (NETPs) 15, 2 Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante, e ainda pelos Comitês Estaduais de ETP (MJ, 2010). De acordo com informações disponibilizadas pelo Ministério da Justiça (MJ), os NETPs são unidades administrativas de Poder Executivo ao tráfico de pessoas.. E, possui uma função importante para articular, estruturar e consolidar, a partir dos serviços e redes existentes, uma rede estadual de referência e atendimento às vítimas do Tráfico de pessoas (Cf. Art. 2º da Portaria n. 31 de 2009) 16. Os NETPs são responsáveis por articular política e tecnicamente a implementação da Politica Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, trabalhando para a criação de política e plano estaduais. Eles têm abrangência estadual e atuam na articulação de órgãos públicos e entidades civis envolvidos no enfrentamento ao tráfico e no suporte às Polícias Federal e Civil, por meio do fornecimento de informações. Apoiam ainda o encaminhamento das vítimas para os abrigos, para serviços de apoio psicológico, auxilio ao retorno à cidade de origem e implementam ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas junto com órgãos públicos e a sociedade civil. Tem competência ainda na área de desenvolvimento de pesquisas sobre o tráfico de pessoas, e na formação, capacitação e sensibilização de órgãos e do público sobre tráfico. (MJ/SNJ, 2010, p. 107) Os Comitês de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas têm o objetivo de atuar como um canal de diálogo com representantes da sociedade e dos Governos estaduais e municipais para promover a abordagem multissetorial na gestão da rede local (MJ/SNJ, 2010, p. 106). Já os Postos Avançados, recolheu a experiência da ASBRAD 17, e, foram concebidos para funcionar em espaços de grande circulação de migrantes e prestar atendimento imediato ao migrante deportado ou não-admitido no país de destino, atender pessoas identificadas como vítimas de tráfico no exterior ou pessoas que apresentem indícios de tráfico de pessoas e que retornam ao Brasil, além de funcionar em estreita articulação com o NETP do seu Estado. Atuam ainda na prevenção, orientando o migrante em partida ou chegada (no caso de deportados ou não admitidos) sobre seus direitos e as precauções necessárias para prevenir situações de exploração ou tráfico. Os Postos estão situados nos aeroportos, portos e rodoviárias. (MJ/SNJ, 2010, p ) Como podemos observar a prioridade do ETP no Brasil no eixo de assistência é o de articular, estruturar e consolidar, a partir de redes e serviços e redes existentes, uma rede nacional de referência e atendimento às vítimas do tráfico (que ainda se encontra em construção). Neste sentido observamos como desafios da PNETP: a) Institucionalização da 15 Previstos como uma das metas do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (I PNETP), a implementação de Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP s) foi reforçada a partir da Ação 41, do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) voltada, especificamente, para a criação de Núcleos e Postos Avançados, em parceria com os Governos estaduais. Atualmente, estão em funcionamento quinze (15) Núcleos. Disponível em: <portal.mj.gov.br/traficodepessoas/>. 16 Portaria nº 31, de 20 de agosto de 2009, alterada pela Portaria nº 41, de 06 de novembro, de Disponível em: < RIE.htm> 17
10 10 Política Nacional; b) Fortalecimento da Rede; c) Visibilidade do Tema; d) Estruturação do Sistema de Informações; e) Capacitação de atores envolvidos. 4. A Assistência Integral às Vítimas na Perspectiva da Rede de Proteção O eixo de assistência á vitima de Tráfico de pessoas está presente tanto na Politica Nacional de ETP com nos dois PNETP seguindo as diretrizes internacionais sobre a matéria. A este respeito o Artigo 6º do Protocolo de Palermo estabelece que: 1. Nos casos em que se considere apropriado e na medida em que seja permitido pelo seu direito interno, cada Estado Parte protegerá a privacidade e a identidade das vítimas de tráfico de pessoas, incluindo, entre outras (ou inter alia), a confidencialidade dos procedimentos judiciais relativos a esse tráfico. 2. Cada Estado Parte assegurará que o seu sistema jurídico ou administrativo contenha medidas que forneçam às vítimas de tráfico de pessoas, quando necessário: a) Informação sobre procedimentos judiciais e administrativos aplicáveis; b) Assistência para permitir que as suas opiniões e preocupações sejam apresentadas e tomadas em conta em fases adequadas do processo penal instaurado contra os autores das infrações, sem prejuízo dos direitos da defesa. 3. Cada Estado Parte terá em consideração a aplicação de medidas que permitam a recuperação física, psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas, incluindo, se for caso disso, em cooperação com organizações não-governamentais, outras organizações competentes e outros elementos de sociedade civil e, em especial, o fornecimento de: a) Alojamento adequado; b) Aconselhamento e informação, especialmente quanto aos direitos que a lei lhes reconhece, numa língua que compreendam; c) Assistência médica, psicológica e material; e d) Oportunidades de emprego, educação e formação. 4. Cada Estado Parte terá em conta, ao aplicar as disposições do presente Artigo, a idade, o sexo e as necessidades específicas das vítimas de tráfico de pessoas, designadamente as necessidades específicas das crianças, incluindo o alojamento, a educação e cuidados adequados. 5. Cada Estado Parte envidará esforços para garantir a segurança física das vítimas de tráfico de pessoas enquanto estas se encontrarem no seu território. 6. Cada Estado Parte assegurará que o seu sistema jurídico contenha medidas que ofereçam às vítimas de tráfico de pessoas a possibilidade de obterem indenização pelos danos sofridos. Dessa maneira procura adotar medidas que visem proteger e reintegrar socialmente as vítimas de tráfico na sociedade, objetivando articular um sistema nacional de referência e assistência às vítimas. A Politica Nacional de ETP buscou desenvolver medidas prioritárias de modo a garantir a assistência social, jurídica, de sanitária às vítimas de tráfico. Foi desenvolvida a assistência consular aos residentes fora do Brasil que se encontrasse em situação de tráfico (Decreto 5.946, art. 6). Para tais fins, a cooperação entre os Estados consubstancia-se como essencial para o intento, uma vez que muitas destas vítimas sofrem as consequências do crime de tráfico em território estrangeiro. Assim sendo, a proteção às mesmas requer uma articulação internacional, razão pela qual, mais uma vez, atenta-se à importância do enfrentamento ser pautado pela cooperação internacional tal como estabelecido pelo artigo 10º do Protocolo de Palermo.
11 11 Outrossim, reitera-se o imperativo de que todas ações sejam ajustadas para a garantia de aspectos relacionados ao gênero, raça, etnia, nacionalidade, religião, situação migratório regular/irregular, entre outros, tal como sinaliza o inciso 4º do Artigo 6 º do Protocolo de Palermo. E também o principio 7º - principio de não detenção ou ajuizamento por delitos relacionados com a condição de vítima de tráfico, já que a mesma deve ser considerada uma vítima de delito e violação de direitos humanos (ACNUDH, 2010, p.135). Para que seja alcançada a assistência integral às vítimas se faz mister reconhecer que cada vítima é única e, leva consigo sua experiência e vivencia pessoal que incide sobre seu processo de assistência. Para tanto a assistência à vítima deve envolver a: 1. Segurança e proteção pessoal cobre os tópicos de análise de riscos, casos de alto risco, controle de riscos, sigilo de dados confidenciais, melhores práticas de segurança e de proteção pessoal para funcionários e beneficiários-; 2. Identificação das Vítimas de Tráfico apresenta forma para melhor distinguir os tipos de crime de tráfico humano ou contrabando de pessoas, e a metodologia para identificar indivíduos como sendo vítimas de tráfico. Os tópicos abordados incluem o enquadramento jurídico internacional sobre a matéria, o processo de identificação em si, indicadores e questões pertinentes para identificação, reação e tratamento da vítima, documentos justificativos e o processo final de decisão. Podendo assim, proporcionar uma assistência e proteção efetivas de acordo com suas necessidades; 3. Encaminhamento e Assistência na Reintegração encaminhamento da vítima e a prestação subsequente de todo o apoio até à sua plena reinserção. Inclui como tópicos, a preparação e a implementação do processo de retorno voluntário das vítimas, identificação, planejamento e da assistência e apoio na reinserção; 4. Linhas de Orientação para a Provisão de Abrigo cobre o estabelecimento de locais de abrigo para as vítimas de tráfico, sua administração e equipamento de recursos humanos, procedimentos a seguir quanto ao tratamento, assistência e prestação de serviços aos seus residentes; 5. Saúde e Tráfico Humano oferecer instruções e conselhos em matéria de saúde e direitos humanos, p.e., enquadramento conceptual, princípios éticos e de segurança, prestação de cuidados, considerações especiais no campo da saúde, aspectos médico-legais, administração clínica, planejamento sanitário e recursos humanos; 6. Cooperação com as Forças Policiais produz instruções detalhadas e conselhos sobre a matéria tão delicada como é a da cooperação com as forças policiais no combate ao tráfico humano. Deveram ser abordadas as opções legais e direitos das vítimas de Tráfico, o estabelecimento de um Memorando de Entendimento com as forças policiais, ligação com as várias unidades da polícia, cooperação técnica e reforço de capacidades, partilha de informações e transferência de testemunhas em processos criminais. Os objetivos principais
12 12 são: assegurar que as vítimas de tráfico sejam informadas sobre as suas opções em matéria de justiça criminal e permitir-lhes realizar essas opções e, desenvolver uma cooperação regulada pela mesma ética e grau de profissionalismo entre Organizações humanitárias e forças policiais, de modo a assegurar uma melhor proteção dos direitos das vítimas no âmbito do sistema de justiça criminal e prover uma estratégia a médio prazo para melhorar a taxa de detenções e julgamentos dos traficantes, pondo fim à impunidade com que eles continuam a operar. (OIM, 2009, p. vi). Para que tais procedimentos sejam devidamente conduzidos a OIM ainda chama atenção para o cuidado que se deve ter nas linhas principais de orientação: a) não lesar; b) tratamentos e cuidados individualizados; c) cuidados continuados; d) entrevistas e consentimento informado; e) autodeterminação e participação; f) não discriminação; g) privacidade e direito à intimidade. (OIM, 2009, p. ix-xi). A partir da experiência da Politica Nacional de ETP e dos PNETP I e II, entendemos que somente a partir da construção de uma prática institucional, capaz de fortalecer político e socialmente as vítimas numa perspectiva de fomentar uma consciência crítica que eleve esse sujeito a condição de cidadão, ou seja, através de uma atuação em rede, que consiste numa atuação articulada à nível de Estado, envolvendo todas as políticas públicas sociais à luz da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas será possível o enfrentamento deste crime transnacional, a partir da participação de todos os grupos, comprometidos com a garantia dos direitos humanos, promovendo a igualdade, liberdade e o acesso à justiça. No entanto, esta constituição representa desafio na medida em que de acordo com o relatório as várias ações constituem na: a elaboração de diagnóstico pelo Ministério da Justiça, cursos de formação a distância através da Secretaria Nacional de Segurança Pública, criação do serviço de Dique-Denúncia(...). (Relatório Secretaria Nacional de Justiça, 2006). Compreende-se que o desenvolvimento de ações isoladas e sem a devida institucionalização, não cumprirá os objetivos no que tange a empoderar, a fortalecer às vítimas, na sua assistência a saúde, a moradia, a educação e as políticas públicas e consequentemente o combate a este crime, o que demandará o fortalecimento da atuação de uma rede de atendimento de proteção e garantia dos direitos humanos e sociais, é possível a execução de forma eficaz das políticas públicas, pautadas no reconhecimento dos direitos dos cidadãos, exigem a lógica da cidadania. Segundo a Secretaria Nacional de Justiça (2006), uma rede de atendimento compreende a uma atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não
13 13 governamentais e a comunidade, visando à ampliação e melhoria da qualidade do atendimento. De modo que, uma rede de atendimento integral tem como finalidade dar conta da complexidade da problemática do Tráfico de Pessoas e do caráter multidimensional do problema, que perpassa por diversas áreas, tais como: a saúde, a educação, a segurança pública, a assistência social, a justiça, entre outros. Neste sentido, entendemos que uma rede deve ser composta por serviços especializados e portas-de-entrada da assistência integral às vítimas. A concepção de rede sugere uma teia de vínculos, estabelecida por relações e ações entre indivíduos e organizações. Relações estas que são tecidas ou se dissolvem continuamente em todos os campos da vida societária, presentes na vida cotidiana (nas relações de parentesco, nas relações de vizinhança, nas relações comunitárias), no mundo dos negócios, na vida pública e entre elas. De acordo com Carvalho (2010), o que explica a existência de múltiplas redes são as necessidades humano-sociais que colocam a busca de interação e formação de vínculos afetivos, de apoio mútuo, pois, uma rede envolve processos de circulação, articulação, participação, cooperação e sobretudo objetivos comuns. A rede possibilita a implementação de políticas e programas desenhados pelo prisma da multisetorialidade e da interdisciplinaridade, bem como ações fortemente conectadas com o conjunto de sujeitos, organizações e serviços, substituindo os tradicionais recortes setoriais e especializações estanques. Atuando diretamente com as vítima e oferecendo possibilidades tanto para sua resiliência, como para seu empoderamento. Vale reforçar que somente a articulação/combinação de ações entre políticas, intersetorial, intergovernamental e entre agentes sociais será potencializada, porque a perspectiva da rede é articular e assegurar uma intervenção agregadora, totalizante, includente, que possibilite o desempenho das políticas públicas. Sendo esta, condição sine-qua-non para a minimização, quiçá a o combate do Tráfico de pessoas, enquanto crime transnacional organizado, incluindo suas dinâmicas complexas. Neste contexto, insere-se as organizações da sociedade civil com seu pioneirismo na criação de uma nova forma de organização da sociedade: as redes, que são estruturas constituídas de nós ou pontos ligados uns aos outros por linhas ou conexões. Esse tipo de organização possibilita a reunião de pessoas e organizações em torno de objetivos comuns, de forma democrática e participativa A exemplo do que foi a construção da II PNETP através da consulta aberta que garantiu participação da sociedade civil.
14 14 Deste modo, uma política pública para o enfrentamento do fenômeno deve ter como estratégia fundamental a articulação entre as diferentes políticas e setores a fim de assegurar a implementação de uma concepção multidimensional e intersetorial na esfera pública e dos movimentos sociais, exigindo assim, a implementação articulada da PNETP e dos Planos Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. 4.1 Empoderamento das vítimas enquanto desafio no enfrentamento do tráfico de pessoas O termo empoderamento vem sendo utilizado com frequência em pesquisas concentradas na área de desenvolvimento e por importantes entidades políticas, a despeito da inexistência de um consenso sobre este conceito. Segundo Iório (2002) a origem do termo ainda não é bem definida e tanto o movimento negro norte americano do início dos anos 60, quanto os movimentos feministas, disputam a sua procedência. No entanto, o conceito parece ganhar força tanto teórica quanto instrumental, a partir de sua utilização vinculada à questão de gênero. O empoderamento devolve poder e dignidade a quem desejar o estatuto de cidadania, e principalmente a liberdade de decidir e controlar seu próprio destino com responsabilidade e respeito ao outro. Para o autor Pereira (2006) O déficit social das instituições políticas e estatais diminui à medida que seus agentes desenvolvem ações e condutas de efetiva participação e mudança sociais. No entanto, a descrença nestas instituições tem aumentado pela impossibilidade destas cumprir sua função social, no que tange a assistência e proteção às pessoas em situação de vulnerabilidade social. O empoderamento deve transcender uma mera conceituação, e constituir uma afirmação das possibilidades de realização plena dos direitos das pessoas. A concepção de empoderamento representa papel importante na mobilização social orientado para o fortalecimento de grupos sociais que vivem em situação de vulnerabilidade social (PEREIRA 2006). Deste modo, somente a constituição de uma rede de garantia e acesso aos direitos desta população vulnerável, as vítimas, será possível o atingimento do empoderamento, que consiste nas transformações no âmbito das relações sociais, culturais, econômicas e de poder, de um status que seja capaz de resgatar a dignidade deste segmento e assim, garantir sua reinserção social, desta forma, a possibilidade do enfrentamento do Tráfico de Pessoas, enquanto violação da lei e da dignidade humana, para que o empoderamento das vítimas
15 15 represente um grande passo na busca de ações contra o Tráfico de Pessoas, resguardando sua dignidade e reafirmando os direitos humanos das vítimas. É visível que o ato de traficar pessoas, caminha num direcionamento contrário a cidadania, a autonomia e ao próprio empoderamento. Já que o ato delitivo viola a dignidade, a integridade, a autonomia e as liberdades individuais. Neste sentido, foi observado o papel das políticas públicas de ETP que se encontram pautadas na implementação de ações voltadas para a assistência às vítimas. Atentando também para possíveis situações de vulnerabilidade social, focadas na superação da exploração e do Tráfico de Pessoas, buscando com isso o empoderamento através de um projeto de vida em que a reinserção social e a garantia dos direitos humanos seja o balizador do mesmo. Logo, somente através da instituição e do fortalecimento da rede de proteção e assistências, prevista nas redes de ETP, e que se possibilitaria sua reinserção social e possível resgate de cidadania. Assim, cabe discutir que dificilmente alguém se empodera por si só, ou seja, consegue romper sozinho com situações de opressão, marginalidade e exclusão social. É necessário, portanto, que as condições necessárias sejam propiciadas a estas pessoas, condições estas que não garantem o empoderamento, mas o possibilitam. Condições estas semeadas pela Politica Nacional de ETP e pelos PNETP, para a reinserção social das vítimas. É mister salientar que, organizações de Estado e as organizações da sociedade civil surgem como importantes interventores no sentido de diminuir as desigualdades sociais existentes, investindo recursos e concentrando as suas ações em direção às pessoas que vivem em situações de vulnerabilidade social. Esse investimento deve ocorrer em várias dimensões e através de redes e parcerias, que possibilitam uma maior atenção e contemplação das diversas áreas das quais essas pessoas possam estar excluídas, a fim de que, com esse apoio, sejam futuramente capazes de melhorar suas condições de vida de modo autônomo, sem precisarem recorrer de modo passivo e dependente do poder público. Deste modo, se faz visível o porque das políticas públicas de ETP serem pautadas, seu artigo 3º, quando designa, o respeito á dignidade humana; não-discriminação; proteção e assistência integral às vítimas; promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos; respeito a tratados e convenções internacionais de direitos humanos; e a atuação em rede. Tendo em vista as diretrizes da Política, o desafio à nível de cenário brasileiro consiste na materialização da Política Nacional e dos Planos, de modo que o desenvolvimento de ações com a perspectiva de assistência as vítimas venha a contribuir com a implementação de
16 16 políticas sociais voltada para a redução do quadro da pobreza que gera as desigualdades sociais e consequentemente a vulnerabilidade social, que de acordo com nossa análise tem reflexo direto no Tráfico de Pessoas. Considerando que de acordo com o art. 7 o da Política Nacional de ETP, são diretrizes específicas de atendimento às vítimas do Tráfico de Pessoas consistem na proteção e assistência jurídica, social, médica e psicológica às vítimas de Tráfico de Pessoas; na assistência consular às vítimas de Tráfico de Pessoas, independentemente de sua situação migratória; na reinserção social com a garantia de oportunidades de trabalho, formação e educação das vítimas de Tráfico de Pessoas; na proteção da intimidade e da identidade das vítimas; e no levantamento e mapeamento de instituições governamentais e não governamentais situadas no Brasil e no exterior que prestam assistência a vítimas de Tráfico de Pessoas, com vistas à divulgação ao público. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Tráfico de Pessoas tem como objetivo principal a exploração. Para tanto, os traficantes, se valem das vulnerabilidades sociais em que se encontram grupos ou pessoas, como a pobreza extrema, as dificuldades com moradia, alimentação, saúde, falta de perspectiva, ou seja, dificuldades cotidianas referentes à sobrevivência de uma pessoa e sua família. Atingindo assim uma realidade de exclusão social e porosa à inserção do crime e a violação de direitos humanos. Ressalta-se a necessidade e importância da implementação de políticas públicas que como consequência responda como estratégias de combate a um crime organizado transnacionalmente. E desta forma contribua para o empoderamento das vítimas, possibilitando tanto a aquisição da emancipação individual, quanto à consciência coletiva necessária para a superação da dependência social e dominação. Enfim, superação da condição de desempoderamento das populações pobres, as quais segundo Pereira (2006), não podem se desenvolver se não tiverem poder. Como possibilidades apresentamos como se encontra articulada a rede de ETP, e dela derivara-se a rede de assistência integral às vítimas, que representará estratégias de materialização das políticas públicas focadas no combate ao Tráfico de Pessoas com vias de empoderamento das respectivas vítimas. Como desafios, que são inúmeros citamos: i) a
17 17 resistência das organizações estatais, a falta de interesses para implementação da politica publica por parte de alguns atores chaves para o pleno funcionamento da rede de ETP; ii) A falta de formação especializada e capacitação das distintas áreas responsáveis pelo rede de assistência integral às vítimas, como o caso dos CRAS, CREAS e toda área de inclusão social, de saúde e segurança pública; iii) A invisibilidade social do Tráfico de pessoas, e politicas orientadas a prevenção e sensibilização social para que a mesma conheça os possíveis canais de assistência integral e demanda o mesmo às instancias públicas. No entanto, para enfrentar o Tráfico de Pessoas não resta apenas a incorporação de fundamentos políticos e teórico-metodológicos - que possibilitem uma análise mais profunda e muldimensional deste crime -, à luz das questões sociais, culturais, econômicas e de direitos. Se faz mister a ousadia sobretudo para demonstrar a crise na contemporaneidade dos valores como ética, democracia, faz-se necessário também a existência de uma sociedade indignada e que lute e acredite num outro mundo sem desigualdades sociais e consequentemente sem crimes contra a dignidade humana à exemplo de Tráfico de Pessoas. REFERÊNCIAS ACNUDH. Principios y Directrices recomendados sobre derechos Humanos y Trata de Personas. New York e Genebra: ONU: HR/PUB/10/2, BRASIL. Decreto nº 5017, de 12 de março de Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. BRASIL. Decreto nº 5.948, 26 de outubro de Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.. Secretaria Nacional de Justiça. Ministério da Justiça. COLARES, Marcos. I Diagnóstico sobre o Tráfico de Seres Humanos: São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará. Brasília: MJ/SNJ, Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, Relatório: indícios de tráfico de pessoas no universo de deportadas e não admitidas que regressam ao Brasil via aeroporto de Guarulhos/Secretaria Nacional de Justiça. Ministério da Justiça, 2006 (Parte 2).. Ministério da Justiça. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Departamento da Criança e do Adolescente, Guia de Referência para a Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil. Brasília: MJ/SNJ, CHAUÍ, Marilena. Resistência e Conformismo. São Paulo: Ed. Brasiliense, CORREA DA SILVA, Waldimeiry. Tráfico de Pessoas em Sinergia Negativa com o
18 18 Trabalho Forçado. Revista Hendu, Tráfico Humano: necessidade de clareza conceitual entre o Tráfico Internacional de Pessoas e Contrabando de Pessoas. Review Of Brasilian Law, vol 5. N. 5, ESTERCI, Neide. Escravo da Desigualdade: Um estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho hoje. Centro edelstein de pesquisas sociais. Rio de Janeiro, IÓRIO, Cecília et alli. Empoderamento e direitos no combate à pobreza.. Rio de Janeiro : ActionAid Brasil, LEAL, Maria de Fátima; HAZEU, Marcel. Relatório do I Seminário Internacional sobre Tráfico de Seres Humanos. Brasília: PESTRAF/CECRIA, (mimeo) LEAL, Maria Lúcia P. A Mobilização das ONG s no Enfrentamento à Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes no Brasil. Tese de Doutorado. PUC/SP, (mimeo). Maria de F. LEAL, Maria Lúcia. Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial - PESTRAF: Relatório Nacional. Brasília: CECRIA, PEREIRA, Ferdinand Cavalcante. O que é empoderamento (Empowerment). SaPIênci:Informativo científico da FAPEPI. Junho de Nº 8, Ano III - Artigos. Teresina Piauí. Disponível em: acesso em 18 de junho de RAYMOND, Janice: The New UN Trafficking Protocol. Women s Studies International Forum, Vol. 25, No. 5, 2002, pp , TEDH: Case of Rantsev v. Cyprus and Russia, Application no /04 07 de Enero de 2010 UNODC. Manual para la lucha contra la trata de personas. New York: UNODC, 2009.
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