Era o dia 8 de junho de Era dia de grande festa em Lisboa.
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- Heloísa Gil Garrido
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1 I Junot Era o dia 8 de junho de Era dia de grande festa em Lisboa. Não era, porém, festa para portugueses. No Castelo de S. Jorge, nos arsenais do Exército e da Marinha, no Castelo de Almada e nas fortalezas da barra tremulava a bandeira francesa. No Tejo também se desfraldava ao vento norte, que temperava os ardores do sol de um belo e esplêndido dia, o pavilhão tricolor nas naus Vasco da Gama e Maria I, nas fragatas Tritão, Vénus e Thetis e em mais alguns pequenos navios que, pelo seu mau estado de conservação ou por não estarem aparelhados, tinham escapado de acompanhar a esquadra portuguesa que a 29 de novembro de 1807 levara para o Brasil a família real. Destes restos improvisara e tomara o comando de uma esquadra o capitão de mar e guerra francês Magendie. Todos os navios estavam embandeirados, solenizando a gala do dia em que o exército francês dava uma festa ao seu chefe. Governava então Portugal, com quartel-general em Lisboa, Jean-Andoche Junot, comandante-em-chefe do exército francês que, no ano anterior, invadira Portugal por ordem de Napoleão. Andoche Junot era, nesta época, um homem de 37 anos, nascido a 23 de outubro de em Bussy-le-Grand, departamento da Côte d Or. Militar valente, tinha brilhado pela bravura com que se batera no cerco de Toulon sendo ainda simples sargento, e já como oficial nas campanhas de Itália e do Egito. 1 Será esta a data oficial de nascimento de Junot, mas múltiplas e não coincidentes são as fontes que indicam ter o general francês nascido a 21, 23, 24 ou 25 de setembro daquele ano. Todas coincidem, no entanto, com o lugar onde nasceu. 7
2 FRANCISCO DA FONSECA BENEVIDES Não tinha, porém, qualquer talento, nem capacidade especial, nem instrução militar, como os que precisava ter o chefe de um exército invasor. Apesar disso, já representara a França imperial como diplomata improvisado junto do príncipe regente, em Portugal, de 1804 a Não deixavam, contudo, de ser muito escassos os conhecimentos que possuía sobre a geografia e estado político deste país. Foi no Teatro de S. Carlos que se realizou a festa dada pelo exército francês em sua homenagem. Mas, antes de tratar desse festival, num golpe de vista retrospetivo, darei rápida notícia de alguns acontecimentos e descreverei alguns episódios que se ligam com a ocupação de Lisboa pelos franceses. 8
3 II Fuga da família real portuguesa para o Brasil em 1807 S ão assaz conhecidas as circunstâncias em que o exército francês invadiu Portugal, em 1807, e como diante de um pequeno exército composto de tropas francesas esfaimadas, rotas, esfalfadas e dispersas fugiu para o Brasil, embarcando no cais de Belém, no dia 27 de novembro daquele ano, o príncipe regente D. João. Ao lado do que haveria de ser o rei D. João VI seguiram a sua mãe, a louca rainha D. Maria I, a sua mulher, a princesa, e depois rainha e imperatriz, D. Carlota Joaquina de Bourbon, e os seus filhos, os príncipes D. Pedro e D. Miguel, futuros reis D. Pedro IV e D. Miguel I de Portugal. Com D. João seguiram também as suas filhas, as infantas D. Maria Teresa, Maria Francisca, D. Isabel Maria, que foi depois regente destes reinos, D. Maria de Assunção e D. Ana de Jesus Maria, e as infantas D. Maria Ana e D. Maria Benedita, filhas do rei D. José I e irmãs da rainha D. Maria I. Além da família real, foram muitos nobres, fidalgos e funcionários com as riquezas e valores que puderam transportar para bordo no pequeno intervalo de tempo que decorreu entre a resolução da partida e o embarque. Os fugitivos embarcaram numa esquadra comandada pelo vice-almirante Manuel da Cunha Souto Maior, composta de oito naus: Príncipe Real, Rainha de Portugal, Medusa, Conde D. Henrique, Infante D. Henrique, Alfonso de Albuquerque, D. João de Castro e Príncipe do Brasil; cinco fragatas: Golfinho, Minerva, Senhora da Graça, Princesa Carlota e Ulisses; duas corvetas: Andorinha e Urânia; três brigues: Lebre, Vingança e Voador, e duas escunas: Curiosa e Esperança. 9
4 FRANCISCO DA FONSECA BENEVIDES Pode-se dizer que foi esta a última esquadra portuguesa. Quase todos os navios de que se compunha foram apodrecer nas águas do Novo Mundo. Depois deste triste acontecimento, nunca mais a marinha portuguesa pôde reunir tão grande número de vasos de guerra. Apesar de o embarque se ter verificado no dia 27 de novembro, o mau tempo que se fazia sentir, com vento sudoeste, não permitiu que a esquadra saísse a barra naquele dia, nem no seguinte. Foi só no dia 29 que, tendo o vento rondado para o noroeste, a esquadra se fez de vela e partiu para as terras de Santa Cruz. No dia seguinte, 30 de novembro de 1807, entravam os franceses em Lisboa. 10
5 III Porque foi nomeado Junot general-em-chefe do exército da Gironda Para invadir Portugal, Napoleão ordenara a formação de um exército de homens em Baiona, ao qual dera por comandante-em-chefe o general Junot. Que razões levariam o imperador dos franceses a escolher Junot para tal empresa, logo a ele, que era então governador de Paris? Têm-se produzido diversas opiniões a este respeito. Julgaria o imperador que Junot possuía as qualidades próprias para conquistar Portugal? Julgaria Napoleão fácil e importante esta conquista? Desejaria, como de grande importância política, o aprisionamento da família real portuguesa? Seria a nomeação de Junot para chefe do exército invasor um meio para o afastar, bem como a muitos outros oficiais e batalhões ainda suspeitos de jacobinismo oposicionista, apesar do seu manifesto entusiasmo pelo imperador? Ou seria a finalidade de tal nomeação afastar de Paris o seu muito galanteador governador, o general Junot, tão intrépido no ataque ao inimigo nos campos de batalha como audaz e feliz no assalto ao belo sexo, incluindo nestas conquistas membros da mesmíssima família Bonaparte, tendo-se tornado muito falado o general como coq des princesses impériales 2? Todos estes motivos têm sido julgados, mais ou menos, como tendo influído no ânimo do imperador Napoleão. E todos têm, bem vistas as coisas, mais ou menos plausibilidade. É mesmo possível que todos, ou pelo menos grande número deles, estivessem simultaneamente na origem da nomeação de Junot para comandante-em-chefe do exército francês invasor de Portugal. 2 Galo das princesas imperiais. (Trad. do E.) 11
6 FRANCISCO DA FONSECA BENEVIDES Diz Thiers 3 que o imperador não dava importância ao aprisionamento do príncipe regente, mas sim ao da esquadra portuguesa. Não há dúvida de que a tomada desta esquadra pelos franceses era de suma importância, uma vez que viria reforçar com alguns belos navios a esquadra francesa, que disso bem estava precisada. As glórias francesas dos anos precedentes não faziam esquecer o grande desastre experimentado pela esquadra gaulesa na batalha naval de Trafalgar, em Mas o aprisionamento do príncipe regente e da família real era também golpe favorável à política de Napoleão. Seria ainda, para a vaidade do general francês, o cúmulo da satisfação. Foi por isso grande a fúria que acometeu Junot quando, chegando a Lisboa, soube que, por escassíssimas 24 horas, perdera tão bela ocasião para fazer tão grande colheita de ilustres prisioneiros, e com pouco trabalho. Junot fartou-se de praguejar, lançando ao vento repetidas vezes sacrément et tonnerre!, o seu juron 4 favorito. A vergonhosa fuga da família real contrariou deveras o general. Foi o cúmulo da pirraça para o galanteador governador de Paris. A campanha de Portugal não aumentou os louros do general Junot. Pelo contrário. Não encontrando qualquer oposição da parte dos portugueses, a marcha das forças francesas foi vergonhosa e desastrosa. É verdade que não menos inepta foi a atitude das povoações. Se no peito do povo português tivesse palpitado o patriotismo que alguns meses depois se manifestou, as forças francesas dispersas, desorientadas, ignorantes dos caminhos, acossadas por temporais e inundações, esfomeadas, enfraquecidas teriam sido aniquiladas sem grande esforço e por completo. Os portugueses, porém, limitaram-se a olhar, espantados, para aqueles soldados rotos, descalços e afaimados que, diziam, vinham proteger Portugal ao mesmo tempo que a família real e muitos fidalgos fugiam para o Brasil. 3 Louis Adolphe Thiers ( ), político e historiador francês. 4 Impropério. 12
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