A MULTA DO ARTIGO 475-J: ALGUMAS QUESTÕES. 1
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- Lídia Figueiredo da Costa
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1 A MULTA DO ARTIGO 475-J: ALGUMAS QUESTÕES. Valternei Melo de Souza Advogado Professor convidado da Academia Brasileira de Direito Processual Civil Mestre em Direito pela PUC/RS Historiador. Introdução. 2. A utilização de multas como instrumentos para se alcançar o resultado do processo. 3. A multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil. 3.. A natureza da multa do artigo 475-J Crítica à adoção de percentual fixo Execução provisória da sentença e da multa. 4. Considerações finais. 5. Bibliografia.. Introdução Escreveu Giovanni Verde que não existem caracteres imutáveis e universalmente válidos no âmbito do processo, que, por tal motivo, deve ser visto como um fenômeno historicamente determinado 2. Partindo de tal compreensão da matéria, não há como deixar de constatar que o processo civil, como técnica para a realização do direito, não pode permanecer intocado e indiferente às mudanças sociais, culturais e científicas que ocorrem ao longo do tempo. Entre o Direito e a História há, indubitavelmente, uma vinculação inegável, a ponto de se poder dizer que o Direito é a história congelada. 3 O vigente Código de Processo Civil brasileiro, obra de Alfredo Buzaid, discípulo de Liebman, foi concebido à luz dos valores e elementos ideológicos próprios de seu tempo, os quais são diferentes daqueles que hoje (principalmente após a Constituição Federal de 988) caracterizam os anseios da sociedade e, em boa medida, o discurso dos juristas. Hodiernamente, a tônica está fulcrada na busca da construção de Texto originariamente publicado na obra Instrumentos de Coerção e outros temas de Direito Processual Civil, escrita em homenagem aos 25 anos de docência do Professor Araken de Assis (Editora Forense, 2007). 2 VERDE, Giovanni. Profili del processo civile. 4ª ed., Napoli:Jovene Editore, 994, p FRIEDRICH, Carl J. Perspectiva histórica da Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 965, p. 253.
2 um processo capaz de ser realmente efetivo, ou seja, capaz de permitir a realização do Direito da melhor forma possível (e o mais brevemente possível). E é por esse motivo que, na busca pela tão acalentada efetividade do processo, o legislador tem realizado inúmeras modificações na sistemática procedimental vigente no Direito brasileiro. Vive-se, como se sabe, há mais de uma década sob o clima das reformas legislativas, sendo que algumas das modificações efetivamente foram importantes (tais como a positivação da antecipação de tutela ou da tutela específica dos artigos 46 e 46-A), não logrando outras, contudo, alcançar maiores benefícios. Com a entrada em vigor da Lei Federal nº..232 de 2005, modificou-se a estrutura procedimental do processo civil brasileiro 4. De um modelo que ainda tinha por característica principal a separação entre a cognição e a execução (não obstante as inúmeras possibilidades de efetivação de medidas fora do processo de execução propriamente dito), passou, agora, a um modelo caracterizado pelo sincretismo entre o conhecer (cognitio) e o executar (executio). Tudo, agora, se desenvolve num único processo, embora se possa fazer uma clara distinção entre as fases, as quais possuem peculiaridades próprias impossíveis de ser confundidas. A fusão dos processos de conhecimento e execução, é bem verdade, já havia ocorrido no que diz respeito às obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa, como se depreende da leitura dos artigos 46 e 46-A, com seus respectivos parágrafos. Em razão disso, viveu-se no Brasil, durante certo tempo e até a entrada em vigor da Lei Federal nº..232 de 2005, na presença de duas sistemáticas para o cumprimento das sentenças, como bem destacou Guilherme Rizzo Amaral em artigo em que analisou o Projeto de Lei nº de 2004, o qual resultou posteriormente na Lei de Cumprimento de Sentença. 5 4 Com importantes aportes críticos sobre a estrutura procedimental adotada no Brasil, e respectivas vinculações ideológicas com o paradigma racionalista, ver SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Processo e Ideologia. Rio de Janeiro: Forense, AMARAL, Guilherme Rizzo. Técnicas de tutela e o cumprimento da sentença no Projeto de Lei 3.253/04: uma análise crítica da reforma do Processo Civil brasileiro. In AMARAL, Guilherme Rizzo; CARPENA, Márcio Louzada (coord.). Visões críticas do Processo Civil brasileiro: uma homenagem ao Prof. Dr. José Maria Rosa Tesheiner. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 25 e segs. 2
3 A modificação que ora se encontra em pleno vigor é a toda evidência salutar e deve ser bem recebida, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, em que pese o fato de, ao fim, não ser capaz de resolver o problema da execução por quantia certa, qual seja, a efetiva localização de bens capazes de garantir ou assegurar o pagamento devido. Essa, aliás, é a procedente crítica de Araken de Assis, quando assevera que reformas cosméticas, limitadas a aperfeiçoamentos da verba legislativa, nada resolverão neste contexto. 6 O presente estudo não tem por finalidade analisar a modificação operada na estrutura do processo, tendo por escopo apenas sugerir algumas reflexões sobre questão específica, qual seja, o novo artigo 475-J 7 do Código de Processo Civil, contendo, na sua parte final, a previsão da incidência de uma multa em desfavor daquele contra quem a sentença foi proferida na hipótese de não haver o pagamento espontâneo do débito dentro do prazo fixado em lei para tanto. Com efeito, segundo a dicção conferida pelo legislador da reforma ao mencionado dispositivo, caso o devedor condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação não o efetue no prazo de quinze dias, o valor imposto na sentença será, automaticamente, acrescido do correspondente ao percentual de dez por cento. O comando, no entanto, suscita ao intérprete e aplicador do direito algumas dúvidas e, certamente, será objeto de controvérsias tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Este modesto estudo, nessa perspectiva, tem por objetivo contribuir para o debate. 2. A utilização de multas como instrumentos para se alcançar o resultado do processo Como bem refere José Miguel Garcia Medina, embora a doutrina por vezes mencione a manus injectio do Direito romano como um exemplo de medida de 6 ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença.rio de Janeiro: Forense, 2006, p Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 64, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. 3
4 coerção que visava a compelir o devedor ao cumprimento da sua obrigação 8, na verdade tal medida tinha natureza privada e penal, não podendo a rigor ser equiparada às diversas técnicas e medidas de coerção que o Direito moderno utiliza com o escopo de obter o cumprimento de um comando judicial 9. Como ensina Araken de Assis, a manus injectio é o mais antigo dos meios executórios institucionalizado pelo Direito romano, e se caracterizava pelo emprego da força contra o próprio obrigado. 0 Com efeito, a manus injectio romana poderia resultar na prisão do devedor ou até mesmo na sua morte e, em razão de tais conseqüências, os devedores por certo que se sentiam compelidos a cumprir suas obrigações. Todavia a satisfação do direito do credor não se dava por intermédio do patrimônio do devedor, motivo pelo 8 Esse é o entendimento adotado por Eduardo Talamini, que assevera que à parte seus resquícios de autotutela e sua grande carga de mero castigo, a manus iniectio tinha nítida função coercitiva. TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 46 e 46-A; CDC, art. 84). 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil. Princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 28. Enrico Allorio, a propósito, escreveu: Los orígenes de la ejecución romana hay que buscarlos en la autotutela. La responsabilidad corporal (única forma de responsabilidad en la edad arcaica) se actuó en los modos de la manus iniectio: la cual, no sólo debió ocurrir, al principio, sin intervención del órgano estatal, sino que no tuvo por presupuesto la previa declaración de certeza de la relación (véase número anterior), bastando un original sometimiento convencional a la ejecución forzada por parte del deudor. En la edad histórica, encontramos, por lo demás, esta situación ya cambiada; encontramos, por un lado, constituída la legis actio per manus iniectionem, con la presencia, más que con la intervención del magistrado; por otro lado, establecida la necesaria prioridad de la declaración de certeza sobre la ejecución, y siendo ya figura normal de la manus iniectio la manus iniectio iudicati: mientras también la variedad menos común, a saber, la manus iniectio pro iudicato, se funda en una declaración de certeza, así sea de parte, como la confessio in iure o un negocio que equivalga a ella; solamente la excepcional iniectio pura, relativa a créditos peculiares de repetición, se concede independientemente de una previa declaración de certeza de dichos créditos. La forma de la legis actio per manus iniectionem se describe rápidamente así: el acreedor, llevado por la fuerza el deudor a presencia del magistrado, cumplía solemnemente el acto de imponer sobre él las manos, como en afirmación de señorio. A ese acto, en una primera fase al menos, no podía rebelarse personalmente el deudor, desprovisto de capacidad jurídica para un proceso, del cual, con su cuerpo, era mero objeto; pero se rebelaba, en lugar de él, el vindex: figura problemática de garantizador, o mejor, de asumidor personal de la responsabilidad (de que liberaba al deudor ejecutado), y al mismo tiempo de promotor de un juicio incidental de declaración de certeza de la inexistencia de la deuda. Más tarde,y en un principio, como es lógico, en la manus iniectio pura, para la cual no funcionaba declaración previa de certeza, y después (en virtud de una ley Vallia), en toda especie de manus iniectio, el deudor mismo pudo pedir la declaración negativa de certeza de la relación. Faltando um vindex, el magistrado realizaba él solo la intervención activa, que caracterizaba su comportamiento en esta legis actio: pronunciaba la addictio, autorizando al acreedor a continuar, con plena autonomía en adelante, es decir, sin control estatal, la actuación de la garantía que le correspondía a él sobre el cuerpo del obligado. De la cual actuación, las dos fases eram ya: ante todo, una prisión rescatable de sesenta días; después, transcurridos en vano esos días, la venta del deudor como esclavo, cuando no su muerte. ALLORIO, Enrico. Problemas de Derecho Procesal. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 963, tomo 2, p
5 qual não se mostra possível equiparar aos meios executivos de coerção existentes na atualidade. Embora ainda no Direito romano fosse possível constatar que a sua evolução caminhava para uma maior atenuação de tal forma de execução 2, foi com a transformação da sociedade antiga na medieval, e esta na moderna, marcada sobremaneira pela irrupção das forças econômicas de cunho burguês e pelo ideário iluminista que serviu de amparo teórico para as revoluções inglesa e francesa dos séculos XVII e XVIII, respectivamente, período esse no qual tiveram lugar as grandes codificações 3, que a imposição da execução por sobre o próprio corpo do obrigado 2 Isso é o que se infere a partir da lição de Eduardo Talamini: Posteriormente, quando a sanção corporal da manus iniectio e da ductio começou a ser progressivamente substituída pela sanção patrimonial, permaneceu a mesma orientação. Com a bonorum venditio, não se tinha execução propriamente dita, mas medida coercitiva, mediante a imissão do credor na posse da integralidade do patrimônio do devedor (missio in possessionem), a ameaça de posterior expropriação universal independentemente do valor do crédito e, ainda, a declaração da infâmia (que privava o devedor de inúmeros de seus direitos). Não se buscava propriamente retirar do patrimônio do devedor aquilo que era devido, e sim constrangê-lo ao cumprimento. Passo seguinte na atenuação dos rigores contra o devedor e na aproximação do objeto da prestação ao instrumento da responsabilidade foi o surgimento da distractio bonorum, no século II a.c. Os bens do devedor, depois da missio in possessionem, já não eram universalmente alienados. Procedia-se à venda isolada de cada um deles, até se atingir montante que bastasse à satisfação da dívida. Tal instituto, criado em favor de específicas classes de pessoas (v.g., ocupantes de cargos públicos, ausentes a serviço de Roma, incapazes), foi depois genericamente aplicado. Op. cit., p A escorreita compreensão do movimento da codificação supõe, em larga medida, uma adequada compreensão do que consistiu o chamado Iluminismo. Tal movimento filosófico, eternizado nas palavras de Imanuel Kant como o momento em que o homem saiu de sua minoridade, possui um especial significado pelo fato de ter representado, em boa medida, certa ruptura com o regime anterior e com o modus que dominava o pensamento jurídico de então, fundado fortemente na communis opinio doctorum. Tal tarefa traçar em poucas linhas as características fundamentais do iluminismo, no entanto, se apresenta particularmente difícil, mormente levando-se em consideração o fato de que ele se manifestou de diferentes formas e matizes nos países europeus, assumindo, em cada um deles, uma dinâmica peculiar. Ele não foi caracterizado, assim, por ser um processo histórico totalmente homogêneo. Todavia, em que pese tal aspecto, ainda assim é possível constatar ao menos um aspecto que, de certo modo, serve como fio condutor de uma tentativa de análise geral sobre o fenômeno: trata-se do papel atribuído pelos pensadores à razão. Foi, assim, a época por excelência do racionalismo, da crença na capacidade racional do homem e na crença de que o uso dessa capacidade lhe permitiria controlar todos os demais aspectos da vida e do universo. E tal perspectiva tem forte influência sobre o pensamento jurídico, como, aliás, não poderia deixar de ser, na medida em que o direito não pode ser concebido como estanquemente separado da vida e da sociedade. O racionalismo, cujo precursor mais conhecido foi René Descartes ( ), acabou por modelar toda a construção da dogmática jurídica que veio a se desenvolver nos séculos XVIII e XIX. Um outro aspecto que também deve ser destacado a respeito do iluminismo é a forte carga antropológica que está na sua base, em virtude da qual o homem passa a ser concebido como capaz de fazer-se a si mesmo e independentemente dos demais e, principalmente, do Estado. Com isso, rompe-se com a concepção outrora vigorante durante a Idade Média segundo a qual o homem deveria ser visto como integrante de uma ordem maior, conformando-se ao seu papel no curso natural das coisas. Com o iluminismo, inaugura-se, assim, um novo momento na história do homem, que passa a se conceber como um ser dotado de autonomia capaz de orientar suas próprias decisões e seu destino. Embora inicialmente tal autonomia esteja vinculada à sociedade em geral, aos poucos ela se transfere para o plano individual, onde a vontade e a autonomia passam a ser os responsáveis pela tomada de decisões. O indivíduo assume, então, seu papel no centro da sociedade. No plano jurídico, o iluminismo (e o racionalismo) se manifestará principalmente pela idéia de que é possível ao homem construir um sistema jurídico perfeito e imutável, imune às transformações sociais e capaz de dar conta de todas as problemáticas da vida em sociedade. Vê-se, nisso, forte influência das concepções próprias às ciências naturais. Desse modo, de um direito fundado no divino (medievo), chega-se a um direito fundado na razão (jusracionalismo), de vocação universal, o qual, por sua vez, irá instrumentalizar o direito positivo. A par disso, há o surgimento de uma nova ética, fundada no liberalismo econômico e político, no qual ao Estado deve ser reservado um papel extremamente delimitado, preservando-se, tanto quanto possível, a individualidade. (MELGARÉ, Plínio. Breves 5
6 definitivamente cedeu lugar quase que exclusivamente à responsabilidade meramente patrimonial. O homem, nesse sentido, não poderia ser objeto do Direito, mas unicamente seu fim. Com efeito, modernamente, os meios de coerção passaram a se realizar não mais por meio da supressão da liberdade ou da imposição de dor ou sofrimento ao corpo daquele que está obrigado a cumprir um determinado comando. Isso porque com o avanço das concepções filosóficas notadamente no que diz respeito à vontade humana principalmente após a Revolução Francesa, passou-se a compreender que há uma esfera de liberdade individual que não pode ser atingida por quem quer que seja, e nem mesmo pelo Estado. Em França, com o advento do Código de Napoleão, por exemplo, as obrigações de fazer e não-fazer convertiam-se em perdas e danos (artigo.42), resultando disso o quase desaparecimento das medidas coercitivas. Tal orientação foi adotada no Código de Processo Civil brasileiro de 973 no tocante às obrigações de fazer infungíveis. Não obstante isso, a jurisprudência francesa, reagindo diante dos inúmeros problemas que o sistema da intangibilidade da vontade acabou por gerar (principalmente quanto às obrigações de fazer infungíveis), acabou por criar um mecanismo que permitiu nalguma medida a superação do problema: a técnica das astreintes. Tal técnica executiva caracterizava-se pela imposição de certa quantia em dinheiro a título de multa pecuniária, fixada em determinada periodicidade, a qual acabou-se tornando um meio de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação. A adoção da técnica da multa como forma de compelir o devedor, revelou, assim, a superação da idéia de que a vontade humana não poderia ser objeto de pressão por parte do Estado. A vontade humana não poderia ser considerada como um limite intransponível para a atuação da lei. No âmbito da common law, cuja influência do Direito romano clássico se pode perceber pela própria disposição de inúmeros institutos e medidas aplicáveis pelos palavras acerca do iluminismo e o direito. In Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. vol. 22, Porto Alegre: UFRGS, setembro de 2002, p ) 6
7 órgãos judiciais, inicialmente a presença de técnicas e instrumentos destinados à tutela das pretensões era relativamente limitada. Com o passar dos séculos, no entanto, foram surgindo instrumentos que se voltavam ao cumprimento das obrigações (tais como as injunctions e decrees of specific performance, equitable remedies) 4. Posteriormente, surgiu e se desenvolveu aquela que ficou conhecida como contempt of court, expressão que serve para designar o comportamento ofensivo ou desobediente daquele a quem foi emitida uma ordem por um tribunal. Duas são as espécies de contempt: a civil e a criminal. No caso da primeira, ocorre quando há o desatendimento de qualquer ordem judicial, dando causa à imposição de medidas de cunho coercitivo. Já a criminal contempt of court, diferentemente, diz respeito à conduta que atinja ou ofenda a dignidade de um tribunal ou mesmo a própria justiça. Disso se infere que um mesmo comportamento pode tanto dar origem a uma civil contempt, quanto a uma criminal contempt. assevera: Eduardo Talamini, ao tratar de tais medidas no Direito anglo-saxão, Tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, ressalta-se a prudência de que se deve cercar o juiz na aplicação de sanções por contempt of court. Relativamente ao civil contempt, afirma-se a preferência por outros mecanismos de efetivação do provimento, quando possível e razoável. Para a caracterização e conseqüente sancionamento do contempt por afronta a uma ordem judicial é necessário que o conteúdo do comando seja claro e preciso, o transgressor tenha sido adequadamente cientificado de seus termos e esteja razoavelmente comprovada a transgressão. Ademais, no criminal contempt deve ficar provado que a conduta do transgressor foi intencional, ao passo que o civil contempt só fica descaracterizado se verificado um ato acidental ou uma impossibilidade material impediu o cumprimento. 5 No Brasil, inúmeras são as disposições legais que consagraram o uso de técnicas de execução indireta com o fito de compelir o devedor a cumprir a obrigação. Conviveram e convivem no sistema brasileiro tanto o uso das multas quanto a própria coerção pessoal do devedor, como se dá no caso da prisão civil, admitida em especialíssimas hipóteses que a Constituição consagra (depositário infiel e devedor de alimentos). 4 5 TALAMINI, Eduardo. Op. cit., p. 87. Op. cit., p
8 Com efeito, mesmo antes das reformas que deram nova feição ao artigo 46, já existia a previsão de multas como mecanismo de coerção judicial ao obrigado por sentença, como se percebia pela dicção dos artigos 287, 62, 644 e 645 do Código de Processo Civil. Com a redação que foi conferida ao artigo 46 do Código de Processo Civil, passou-se a permitir ao juiz a utilização das mais variadas medidas coercitivas, e não apenas a imposição de multa. De se notar quanto à multa prevista no artigo 46 do Código de Processo Civil, que o seu valor deve ser o mais elevado possível, pois somente assim sua eficácia coercitiva se tornará uma realidade capaz de inibir eventual comportamento do devedor. Valores módicos ou irrisórios diante de um devedor dotado de patrimônio portentoso apenas serviriam para esvaziar o conteúdo do preceito. Todavia, e isso é o importante a fixar, compreendeu-se que se mostrava necessária a ampliação das hipóteses de utilização de técnicas coercitivas capazes de compelir e motivar o devedor ao cumprimento das decisões. As astreintes, nesse sentido, acabaram por se mostrar de grande valor em termos de instrumentalização do processo quanto aos meios capazes de conduzir o credor à satisfação de seu direito. É prudente, entretanto, não manter ilusões a respeito do grau de eficácia da multa coercitiva. Suas limitações, como se percebe na prática, são as mesmas que de um modo geral afetam a execução: a ausência de patrimônio do devedor ou a existência de patrimônio de grande vulto. Independentemente disso, no entanto, o fato é que as multas produziram (e produzem, quando bem aplicadas) um bom resultado em termos de efetividade processual, principalmente nas hipóteses relacionadas às antecipações de tutela (artigo 273 do Código de Processo Civil). O devedor, sujeito a ter de arcar pesada multa, por certo que prefere e sempre preferirá cumprir a obrigação, mormente porque é o bolso e não qualquer outra coisa o que, numa sociedade eminentemente capitalista e materialista, tem maior peso na tomada de decisão a respeito do cumprimento da obrigação que lhe foi imposta. 8
9 3. A multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil Voltado para a busca de mecanismos capazes de permitir uma maior efetividade do processo 6, notadamente no que diz respeito ao momento da efetivação prática das decisões judiciais 7 campo originariamente vinculado apenas ao processo de execução propriamente dito, o legislador resolveu dotar a sentença que condena ao pagamento de quantia certa de mecanismo capaz de compelir o obrigado ao pagamento. E o fez mediante a previsão da incidência de uma multa. De fato, como já mencionado, o novo artigo 475-J contém expressa previsão da incidência de uma multa no percentual de dez por cento sobre o valor da condenação, percentual este que incidirá e será devido pelo tão-só não pagamento do débito dentro do prazo de quinze dias contados da intimação da sentença. Em razão disso, vem a doutrina sustentando que a sentença prevista no mencionado dispositivo ostentará doravante peculiaridade que a tornará sui generis: será, de um lado, meramente condenatória, pois dependerá a satisfação do eventual crédito nela reconhecido de requerimento expresso do credor. De outro lado, será executiva lato sensu, porquanto a multa que lhe foi agregada como mecanismo de execução indireta 6 O processo civil brasileiro tem conseguido notável desenvolvimento nestes últimos tempos, sempre no sentido de que se possa aparelhar o sistema de mecanismos sempre mais aptos ao alcance da desejada efetividade. Veja-se, por exemplo, o que se tem visto no conjunto de novas regras a respeito do processo de conhecimento. Tratase, sem nenhuma dúvida, de expressivos avanços em favor da efetividade. Dentre os mais destacados pela doutrina está a adoção da chamada tutela específica, que estabelece como prioridade o cumprimento da obrigação in natura, isto é, exatamente da forma, modo e extensão como pactuada pelas partes e prevista no plano do direito material. O resultado alternativo (p. ex.: condenação do inadimplente ao pagamento de perdas e danos) que, até aqui, era a regra (e não o caminho alternativo, como deveria ser) cede espaço paulatinamente. São relevantíssimas, nesse campo, as mudanças trazidas pelo art. 46 do Código de Processo Civil. Esse dispositivo possibilita ao juiz a efetiva e específica tutela dos direitos da parte, nas obrigações de fazer e não fazer, mediante um sem número de opções, já que o texto legal faz referência apenas a algumas das condutas que pode o juiz determinar, de modo exemplificativo, deixando em aberto a adoção de outras tantas, as quais, desde que revestidas de legalidade, podem ser determinadas pelo juiz, visando ao cumprimento espontâneo da obrigação por parte do réu ou à obtenção da tutela específica (e efetiva) dos direitos. WAMBIER, Luiz Rodrigues. A efetividade do processo e a nova regra do art. 4 do CPc. in CALMOM, Eliana; BULOS, Uâdi Lammêgo. Direito Processual: inovações e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003, p Crisanto Mandrioli afirma que a execução forçada visa justamente conseguir a atuação prática, material da regra: (...) l esecuzione forzata vuol conseguire l attuazione pratica, materiale, di questa regola, in via coattiva o forzata, ossia attraverso l impiego effetivo o potenziale della forza da parte dell ordinamento. MANDRIOLI, Crisanto. Corso di Diritto Processuale Civile: Nozioni introduttive e disposizioni generali. 4ª ed., Torino: G. Giappichelli, 983, vol., p
10 assim a caracterizará (tão-somente neste ponto). 8 Note-se, no entanto, que a utilização da multa como instrumento de coerção para o pagamento de quantia não encontra total aderência por parte da doutrina. Nesse sentido, afirmou Eduardo Talamini, antes da entrada em vigor do novo artigo 475-J, que não parecia revelar-se apropriada a extensão da multa para o campo da tutela atinente a pretensões pecuniárias, pois dificilmente a aplicação da multa teria eficácia prática, pois conduziria a um impasse lógico: recorrer-se-ia à multa porque a execução monetária tradicional é inefetiva, mas o crédito advindo da multa seria exeqüível através daquele mesmo modelo inefetivo. 9 Não obstante a força do argumento, não se pode desconsiderar que o objetivo da multa não é sancionar, mas simplesmente compelir, forçar, constranger ao cumprimento da obrigação. E, nessa perspectiva, não se vislumbra qualquer óbice à utilização da técnica da multa para fins de tutela da obrigação de pagar quantia. A previsão da multa e de seu percentual, como se percebe, está de acordo com o princípio da tipicidade das medidas executivas, pois tanto a sua incidência quanto o seu montante já se encontram definidos em lei, não sendo lícito ao órgão judicial modificá-lo ou deixar de aplicá-lo diante do caso concreto. Com efeito, Luiz Rodrigues Wambier entende que a multa prevista no artigo 475-J não poderá deixar de ser aplicada em razão de particularidades do caso concreto, tais como ter agido o devedor de forma culposa e não dolosamente. A multa somente poderá deixar de incidir quando, excepcionalmente, o cumprimento imediato da sentença for impossível ao condenado ou, ainda, quando se mostrar muito difícil, hipótese em que for causa de gravame excessivo e desproporcional. Em tais situações, entraria em jogo aquilo que denomina de excludentes, as quais somente seriam aceitas 8 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 4 e segs. 9 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 46 e 46-A; CDC, art. 84). 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, P
11 se o réu demonstrar que elas não dependem de sua vontade A natureza da multa do artigo 475-J Uma das questões mais complexas no âmbito da Ciência do Direito é a determinação da natureza dos institutos jurídicos. Não obstante a dificuldade que tal atividade muitas vezes encerra, sua realização se mostra imprescindível, porquanto é somente a partir da escorreita definição de um determinado instituto que se torna possível definir-lhe as conseqüências de sua existência e aplicação. Quando da alteração do artigo 46 e introdução do artigo 46-A no Código de Processo Civil, a doutrina controverteu sobre a natureza da multa prevista no parágrafo 4º do artigo mencionado 46, discutindo se ela seria meramente coercitiva ou seria punitiva. O entendimento que se fixou, de modo majoritário, foi no sentido de concebê-la como coercitiva, uma vez que não visava a punir o devedor da obrigação, mas tão-somente a compeli-lo ao cumprimento, funcionando como mecanismo inibidor do comportamento faltoso. Nesse sentido, Joaquim Felipe Spadoni, asseverou que a multa diária é, por definição, um meio de constrangimento decretado pelo juiz, destinado a determinar o comportamento do réu no sentido de obedecer à ordem judicial. 2 Tendo em vista isso, e partindo da idéia de que o sentido da multa prevista na novel disposição relativa ao cumprimento da sentença também visa a forçar a satisfação da obrigação por parte do devedor, de igual forma se pode afirmar que a natureza da multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil é coercitiva. Sua função, como bem ressaltou Araken de Assis, é a de tornar vantajoso o cumprimento 20 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Algumas considerações sobre o cumprimento da sentença que determina o pagamento de quantia em dinheiro, de acordo com a Lei nº..232/05. in Revista Jurídica, nº.343, maio de 2006, Porto Alegre: Notadez, p SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 46 do CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.67.
12 espontâneo e, na contrapartida, onerosa a execução para o devedor recalcitrante. 22 É por tal motivo, ou seja, por ostentar a natureza de meio de coerção, que não se vislumbra qualquer óbice na sua cumulação com outras multas previstas no Código de Processo Civil, tais como a prevista no artigo 4, parágrafo único, do mesmo diploma, cuja redação que acabou adquirindo durante a sua tramitação no Congresso Nacional terminou por dotá-la de nítido conteúdo sancionador. Nesse sentido, a propósito, é o entendimento adotado por Ada Pelegrini Grinover, que assim se refere ao mencionado dispositivo: Por isso, na linha das reformas pontuais do Código de Processo Civil brasileiro de 973, a cargo de comissão presidida pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (e que já resultaram em várias modificações a seus artigos nos últimos anos), uma das novas propostas sugeria fosse acrescentado um inciso V e dois parágrafos ao art. 4 (que cuida da litigância de má-fé), (...) tratava-se de um passo considerável no caminho da adoção do contempt of court civil (...). O primeiro embate sofrido pelo instituto deu-se por obra das pressões da Casa Civil, que condicionou o encaminhamento ao Congresso Nacional de todas as propostas à aquiescência do Governo em torno de uma miríade de pontos que, supostamente, poderiam contrariar seus interesses. Especificamente com relação ao art. 4, tudo que os dois bons cavaleiros andantes da modernização do direito processual os ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro puderam obter foi um texto que, suprimida a menção à prisão, o instituto do contempt of court perdeu definitivamente sua feição coercitiva, assumindo clara dimensão sancionatória, por força da nova redação do parágrafo único (...) 23 Não é despiciendo frisar, então, que a multa prevista no artigo 4 do Código de Processo Civil tem por escopo punir todo aquele que descumprir uma ordem judicial, seja ela parte ou não do processo Crítica à adoção de percentual fixo 22 ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p GRINOVER, Ada Pellegrini. Paixão e morte do contempt of cout brasileiro (art. 4 do Código de Processo Civil). in CALMOM, Eliana; BULOS, Uâdi Lammêgo. Direito Processual: inovações e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003, p Esse é o entendimento adotado por José Miguel Garcia Medina. Breves notas sobre a tutela mandamental e o art. 4, inc. V, e parágrafo único do CPC. in LOPES, João Batista; CUNHA, Leonardo Carneiro José da (coord.). Execução Civil (aspectos polêmicos). São Paulo: Dialética, 2005, p
13 Uma primeira crítica que poderia ser feita ao novo artigo 475-J é a própria adoção de um percentual fixo a título de multa coercitiva. Tal disposição acaba por se tornar um limitador legal à própria efetividade da medida coercitiva ali prevista. Com efeito, melhor teria sido permitir ao órgão judicial adotar, diante do caso concreto, a medida mais conveniente à obtenção do cumprimento da sentença, e não simplesmente impor ao condenado o pagamento de um valor fixo que, em muitos casos, poderá se mostrar totalmente inócuo. Para o devedor que possuir vultoso patrimônio, nada significará arcar com o pagamento de singelos dez por cento a mais sobre o valor de uma condenação que, não obstante ser de pequena monta, é de grande importância para eventual credor humilde. Por outro lado, para aquele que não detém patrimônio algum, ter de suportar tal quantia a mais sobre a sua condenação igualmente não será motivo suficiente para que se sinta coagido a buscar meios para cumprir a sentença. Guilherme Rizzo Amaral, nesse sentido, já havia referido mesmo antes da entrada em vigor da Lei de Cumprimento de Sentença: Sobressai, no projeto de lei em comento, a timidez do legislador, que ficou a meio caminho entre a tutela condenatória tradicional e a tutela mandamental, ao prever a aplicação da multa de 0% ao réu recalcitrante. Essa multa poderá ser manifestamente insuficiente, nos casos em que o demandado possui suficiente patrimônio para saldar o débito, e opta por investi-lo e apostar na demora processual. Poderá, todavia, revelar-se injusta, se implicar ampliação do débito do réu que, insolvente, nada pode fazer. O juiz, entretanto, não poderá optar entre uma solução justa e outra injusta: deverá seguir o programa legal! 25 A partir dessas singelas considerações, facilmente se verifica que o legislador acabou por perder uma excelente oportunidade para introduzir, também no 25 AMARAL, Guilherme Rizzo. Técnicas de tutela e o cumprimento da sentença no Projeto de Lei 3.253/04: uma análise crítica da reforma do Processo Civil brasileiro. In AMARAL, Guilherme Rizzo; CARPENA, Márcio Louzada (coord.). Visões críticas do Processo Civil brasileiro: uma homenagem ao Prof. Dr. José Maria Rosa Tesheiner. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p
14 âmbito da obrigação de pagar quantia certa, mecanismos capazes de permitir ao juiz a adoção de medidas que realmente seriam capazes de constranger o devedor irresponsável que, apesar de condenado, faz pouco caso do que lhe foi imposto. Observe-se que nos artigos 46 e 46-A do Código de Processo Civil, os quais tratam das obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa, adotou-se a possibilidade de o órgão judicial tomar todas e quaisquer providências capazes de permitir a obtenção do resultado. Não se limitou a medida passível de ser aplicada. Mesmo que se admita que não seria possível outro mecanismo que não fosse a imposição de multa, a adoção de percentual fixo não se mostra a melhor alternativa. Deixar à prudente discrição do órgão judicial a escolha do percentual seria, por certo, dar maiores condições de forçar o devedor faltoso a cumprir a obrigação que lhe foi imposta Execução provisória da sentença e da multa Como ensina Araken de Assis, chama-se execução provisória aquela que está fundada em título judicial que se encontra na pendência de recurso interposto contra o provimento dotado de eficácia executiva, provimento este que ainda não tem valor de coisa julgada. É irrelevante, no caso, a espécie de recurso pendente. 26 Por outro lado, a execução definitiva se baseia em sentença transitada em julgado, ou seja, aquela contra a qual não caibam mais recursos. Tendo em vista tal diferença, surge a respeito da multa prevista no artigo 475-J uma importante questão, a saber, se ela incide e se é exigível nas hipóteses de execução provisória da decisão que se encontre pendente de recurso. 26 ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p
15 Com efeito, o artigo 475-I, parágrafo º, do Código de Processo Civil autoriza, como sabido, o cumprimento provisório do provimento jurisdicional detentor de cunho executivo. Em razão de tal autorização, estará o credor diante da possibilidade de requerer o cumprimento provisório da decisão. Mas, independentemente de assim proceder, como fica a multa prevista no artigo sob comento: será ela devida pelo devedor tão logo se esgote o prazo de 5 dias contados da intimação da sentença contra a qual, no mesmo prazo, interpôs recurso de apelação recebida apenas no efeito devolutivo? Humberto Theodoro Júnior, abordando a temática, afirmou recentemente que a aludida multa não se aplica às hipóteses de execução provisória da sentença, uma vez que essa só se dá por iniciativa e por conta e risco do credor, não passando, portanto, de faculdade ou livre opção de sua parte. Todavia, se acontecer de sobrevir o trânsito em julgado da decisão no curso da execução provisória, a multa incidirá tão logo transcorra o prazo para o pagamento espontâneo do débito. 27 José Maria Rosa Tesheiner, por sua vez, igualmente se posiciona no sentido de que a multa não poderia incidir, não obstante ser possível a execução provisória, pois não se poderia exigir a prática de atos incompatíveis entre si por parte do devedor, tais como a interposição de recurso e o pagamento espontâneo da obrigação consignada na sentença. 28 Adotando entendimento diverso, Guilherme Rizzo Amaral defende que a multa prevista no artigo sub examine incide independentemente de a execução ser provisória ou não, porquanto se trata de dívida exigível nos termos da lei, desde, é claro, que o devedor tenha sido devidamente intimado a tanto. 29 Em que pesem as ponderáveis opiniões em contrário, não há como deixar 27 THEODORO JUNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p TESHEINER, José Maria Rosa. Execução de sentença Regime introduzido pela Lei.232/2005, in < htm>, acesso em 6/07/ OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro (org.). Comentários à Lei n Rio de Janeiro, Forense: 2006, p
16 de entender pela plena incidência da multa mesmo nas hipóteses de execução provisória. Isso porque, em primeiro lugar, a lei não faz qualquer distinção a respeito da questão. Em segundo lugar, porque o regime do cumprimento da sentença, a teor do que vem consignado no artigo 475-O, inciso I, se dá com base na responsabilidade objetiva do credor, que se obriga a indenizar todos e quaisquer prejuízos eventualmente experimentados pelo devedor que foi compelido a cumprir provisoriamente o provimento jurisdicional executivo. De fato, semelhantemente à previsão que existia no artigo 588 do Código de Processo Civil antes da reforma operada pela Lei Federal nº..232 de 2005, o credor deve indenizar o devedor caso este, posteriormente ao início da execução (ou efetivação) da medida executiva (seja sentença ou antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional), seja beneficiado por eventual provimento de recurso que se encontrava desprovido de efeito suspensivo. Vale lembrar, nesse ponto, a lição de Cassio Scarpinela Bueno, ao referir que a execução provisória corre por conta do exeqüente que responderá por perdas e danos (inciso I do art. 588), na medida em que o título executivo seja modificado ou anulado (inciso III do art. 588) e na medida em que o for ( º do art. 588). Estas perdas e danos serão liquidados no mesmo processo (inciso IV do art. 588) e, consoante o caso, ensejarão a formação de incidentes processuais. 30 Por tais razões, não se vislumbra motivos para não se exigir o imediato cumprimento da sentença caso o recurso eventualmente interposto seja desprovido de efeito suspensivo, inclusive com o acréscimo decorrente da multa prevista na lei. Esta, frise-se, incide ainda que a execução seja provisória, haja vista que sobrevindo eventual decisão que reforme o título, no todo ou em parte, o credor deverá indenizar o devedor (artigo 574 do Código de Processo Civil). 30 BUENO, Cássio Scarpinela. Execução provisória. in LOPES, João Batista; CUNHA, Leonardo Carneiro José da (coord.). Execução Civil (aspectos polêmicos). São Paulo: Dialética, 2005, p
17 4. Considerações finais O processo civil, como já o dissera Pontes de Miranda, é, dentre os diversos ramos do Direito, o mais rente à vida 3. É o que se encontra mais próximo da realidade. Assim é e assim deve ser. Isso, contudo, somente poderá ser considerado como algo de valor se e tão-somente se o processo puder efetivamente permitir a entrega do bem da vida ao jurisdicionado. A reforma pela qual passou o processo de execução, com a instauração da fase de cumprimento da sentença que condena ao pagamento de quantia, tenderá a acelerar a tramitação processual, na medida em que foi abolida a necessidade de instauração de um novo processo, mediante o ajuizamento de nova ação. No entanto, embora não se tenham dúvidas quanto a tal aceleração na prestação jurisdicional, o mesmo não se pode, infelizmente, dizer quanto à efetividade processual, entendida essa como a capacidade da técnica em permitir a satisfação concreta do direito consagrado em sentença. Isso porque, como se sabe, o grande problema da execução não reside na autonomia do procedimento em relação ao processo de conhecimento; mas na capacidade do sistema em prever mecanismos aptos a encontrar bens capazes de satisfazer o crédito reconhecido no provimento jurisdicional. Isso, porém, não é um problema unicamente legislativo ou jurídico, é também econômico e social. Independentemente disso, o fato é que com a previsão da multa no artigo 475-J do Código de Processo Civil, avançou-se um pouco mais em relação ao que até então se tinha no ordenamento processual vigente. Quiçá os mentores da reforma, futuramente, venham a introduzir mudanças ainda maiores no que diz respeito ao aparelhamento do sistema no que diz respeito à tutela da obrigação de pagar quantia em dinheiro, mercê da constatação da eventual insuficiência da sistemática introduzida. 3 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 997, p. XIII, prólogo, tomo I. 7
18 O que não pode ocorrer, em hipótese alguma, é congelamento do Direito em face da fluidez da História. 5. Bibliografia ALLORIO, Enrico. Problemas de Derecho Procesal. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 963, tomo 2. AMARAL, Guilherme Rizzo; CARPENA, Márcio Louzada (coord.). Visões críticas do Processo Civil brasileiro: uma homenagem ao Prof. Dr. José Maria Rosa Tesheiner. Porto Alegre: Livraria do Advogado, ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 BUENO, Cássio Scarpinela. Execução provisória. in LOPES, João Batista; CUNHA, Leonardo Carneiro José da (coord.). Execução Civil (aspectos polêmicos). São Paulo: Dialética, FRIEDRICH, Carl J. Perspectiva histórica da Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 965 8
19 GRINOVER, Ada Pellegrini. Paixão e morte do contempt of cout brasileiro (art. 4 do Código de Processo Civil). in CALMOM, Eliana; BULOS, Uâdi Lammêgo. Direito Processual: inovações e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003 MANDRIOLI, Crisanto. Corso di Diritto Processuale Civile: Nozioni introduttive e disposizioni generali. 4ª ed., Torino: G. Giappichelli, 983, vol. MEDINA, José Miguel Garcia. Breves notas sobre a tutela mandamental e o art. 4, inc. V, e parágrafo único, do CPC. in LOPES, João Batista; CUNHA, Leonardo Carneiro José da (coord.). Execução Civil (aspectos polêmicos). São Paulo: Dialética, 2005 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil. Princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 MELGARÉ, Plínio. Breves palavras acerca do iluminismo e o direito. In Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. vol. 22, Porto Alegre: UFRGS, setembro de 2002 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 997, p. XIII, prólogo, tomo I OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro (org.). Comentários à Lei n Rio de Janeiro, Forense:
20 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Processo e Ideologia. Rio de Janeiro: Forense, 2004 SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 46 do CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 46 e 46-A; CDC, art. 84). 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003 THEODORO JUNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006 VERDE, Giovanni. Profili del processo civile. 4ª ed., Napoli:Jovene Editore, 994 WAMBIER, Luiz Rodrigues. A efetividade do processo e a nova regra do art. 4 do CPC. in CALMOM, Eliana; BULOS, Uâdi Lammêgo. Direito Processual: inovações e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Algumas considerações sobre o cumprimento da sentença que determina o pagamento de quantia em dinheiro, de acordo com a Lei nº..232/05. in Revista Jurídica, nº.343, maio de 2006, Porto Alegre: Notadez. WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil II. São Paulo: 2 0
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