DO CRIME DE ABORTO: DA NÃO RECEPÇÃO DO ABORTO SENTIMENTAL PRATICADO POR VÍTIMA DE ESTUPRO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988
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- Maria Vitória Marinho Fragoso
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1 DO CRIME DE ABORTO: DA NÃO RECEPÇÃO DO ABORTO SENTIMENTAL PRATICADO POR VÍTIMA DE ESTUPRO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Vinícius de Castro Borges 1 1 DO ABORTO LEGALMENTE PERMITIDO 1.1 Do aborto necessário O Código Penal Brasileiro prevê em seu artigo 128, duas hipóteses legalmente permitidas de aborto. Estas hipóteses legalmente permitidas têm natureza jurídica de causas excludentes de ilicitude, segundo dispõe o Professor Capez (2005, p. 124), o que faz com que as condutas previstas nas normas penais não incriminadoras (ou permissivas) possam ser realizadas sob o manto da licitude. Desta forma está disciplinada a matéria no Código Penal Brasileiro: Art Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário ou terapêutico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro: II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. 1 Advogado em Goiânia, Especialista em Direito Penal pela Universidade de Rio Verde, castroadvocacia@yahoo.com.br.
2 No primeiro caso previsto em nossa legislação como possível a realização do aborto, não há juridicamente o que se criticar. Andou bem o legislador. Estamos diante de uma norma proporcional e justa, já que o legislador preferiu proteger a vida da mãe, que provavelmente possui outros filhos a cuidar, em detrimento da vida do feto, quando, necessário for, como o único meio de se salvar a vida da mãe. Neste caso, infelizmente, o aborto deve ser realizado, ou seja, ou se realiza o aborto, ou a mãe virá a óbito, já que aqui o aborto se mostra como única forma de se garantir a vida da mãe, assim reconhecida pelo médico. Quanto a este dispositivo, devemos fazer algumas considerações: 1) O aborto necessário só poderá ser realizado por profissional legalmente habilitado ao exercício da medicina (médico); 2) O aborto deve ser necessário, ou seja, o único caminho capaz de salvar a vida da mãe que se encontra em perigo; Quanto ao aborto necessário, transcreve-se as lições de Capez abaixo (2005, p ): É a interrupção da gravidez realizada pelo médico quando a gestante estiver correndo perigo de vida e inexistir outro meio para salvá-la. Consoante a doutrina, trata-se de espécie de estado de necessidade, mas sem a exigência de que o perigo de vida seja atual. (...) O legislador cuidou, assim, de criar um dispositivo específico para essa espécie de estado de necessidade, sem, contudo, exigir o requisito da atualidade do perigo, pois basta a constatação de que a gravidez trará risco futuro para a vida da gestante, que pode advir de causas várias, como por exemplo, câncer uterino, tuberculose, anemia profunda, leucemia, diabetes. Assim também escreveu Mirabete, (2002, p. 98): (...), não é necessário que o perigo seja atual, bastando a certeza de que o desenvolvimento da gravidez poderá provocar a morte da gestante.
3 Não é qualquer perigo para a vida da mulher que deve ser considerado. Mas sim um perigo fundado, consistente, real, capaz de levá-la a óbito, com grande grau de certeza, como dito por Mirabate. Somente este perigo, é que legitimará a conduta do médico para salvar vida da mulher. 1.2 Do aborto em caso de estupro Quanto ao segundo permissivo legal para tipo do aborto, denominado pela doutrina de Aborto Sentimental, Humanitário ou ético, inserido no artigo 128, II do Código Penal Brasileiro, devemos tecer fortes críticas a respeito. Num período em que a doutrina tanto fala sobre a dignidade da pessoa humana e sobre o princípio da proporcionalidade, nada há de tão desproporcional, e indigno, quanto se admitir a pratica de aborto pelo fato de a mãe ter sido vítima de estupro, é que um crime (estupro), não pode e não deve justificar outro ( aborto ). O direito a vida, devemos ressaltar, é direito da personalidade garantido, nos termos da lei e de nossa Constituição (art. 5º caput da CF, e artigo 2º do Código Civil), ao nascituro, lembrando-se sempre que na interpretação dos direitos fundamentais deve-se dar a maior efetividade possível. Neste sentido, a Constituição Federal assim dispõe, em seu artigo 5º, caput: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) Também, o Código Civil, de 2002, tratou do direito à vida, eu seu artigo 2º, nos termos seguintes: art. 2 o a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. E por direitos que a lei põe a salvo, do nascituro, entenda-se, estão os seus direitos da personalidade, ou seja, de caráter não patrimonial. São os direitos de índole existenciais,
4 fundamentais, que a lei põe a salvo desde o momento da concepção, momento em que começa a vida intra-uterina. Nestes termos, explica o Professor Pablo Stolze (STOLZE, 2004, pg. 92): o nascituro adquiriria personalidade jurídica desde a concepção, sendo, assim, considerado pessoa. (...) É de observar, outrossim, que essa personalidade confere aptidão apenas para a titularidade de direitos da personalidade (sem direito patrimonial), a exemplo do direito à vida, ou a uma gestação saudável, uma vez que os direitos patrimoniais estariam sujeitos ao nascimento com vida (condição suspensiva). Com vistas a garantir o direito constitucional à vida, o a lei penal vigente protege a vida intra-uterina (do nascituro) através dos tipos incriminadores do aborto, e resguarda a vida extrauterina através dos tipos penais do infanticídio e do homicídio e do crime de participação em suicídio. Em análise aos dispositivos constitucionais, entre eles, o artigo 5, caput, acima transcrito, e do artigo 1, inciso III, coloca como fundamento da república federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, percebe-se que é inconstitucional, o dispositivo de lei infraconstitucional que permite violação ao direito à vida no nascituro (vida intra-uterina), no caso do artigo 128, II do Código Penal Brasileiro, ou seja, aborto sentimental, cometido em caso da mulher ter sido vítima de estupro. Diante na Constituição Federal de 1988, este dispositivo legal, data a máxima vênia a toda doutrina penalista, não foi recepcionado, o que equivale a dizer que é crime o aborto praticado em caso de estupro da mãe. Não obstante a posição por nós defendida, em caráter minoritário, quiçá, de forma isolada, a construção doutrinária que se formou ao longo dos anos, é no sentido diametralmente oposta. Por todos, cite-se o aclamado Professor Mirabete (2002, p. 99), que como repetimos, externa neste trecho a posição consolidada na doutrina brasileira: justifica-se a norma permissiva porque a mulher não deve ficar obrigada a cuidar de um filho resultante de coito violento, não desejado.
5 No mesmo sentido, Capez, (2005, p. 126) escreve: O Estado não pode obrigar a mulher a gerar um filho que é fruto de um coito vagínico violento, dados os danos maiores, em especial psicológicos, que isso lhe pode acarretar. Não concordamos, com a devida vênia, com os doutrinadores acima citados, na interpretação do aborto sentimental. É que a problemática do aborto, um dos temas mais polêmicos do direito, diga-se de passagem, deve passar, como muitas outras problemáticas, por um juízo de proporcionalidade. De um lado da balança, temos o direito à uma vida digna (art. 1º, III da CF), cujo titular é a mulher, englobando sua saúde pscicológica e sua liberdade sexual. De outro, temos o direito à vida do nascituro, de sua saúde (saúde da gestação) e de sua dignidade, posto que o Direito garante os seus direitos da personalidade, direitos fundamentais, existenciais, como acima dito, (art. 1, III e 5º da CF, combinado com artigo 2º do CC). Nesta análise, não podemos desprezar o fato de que a mãe nestes casos, fora vítima de um crime brutal, o crime de estupro (ou atentado violento ao pudor, em interpretação analógica do dispositivo). Entretanto, não se olvide que, acaso se admita o aborto, estar-se-ia, cometendo outro crime de maior brutalidade que o primeiro, desta vez contra um ser indefeso, que tem o direito à vida constitucionalmente assegurado (o nascituro) e, que não teria qualquer possibilidade de defesa, (não teria sequer a chance de esboçar uma legítima defesa diante de uma agressão injusta contra sua vida). Deste modo, pergunta-se: será que se garante uma vida digna e a saúde pscicológica desejada pela mulher, vítima de estupro, bem como o respeito à sua liberdade sexual, com o cometimento de um aborto legalmente autorizado? De que adiantaria o aborto, neste caso? Diante de um estupro e dos danos que este crime pode causar, devemos ressaltar que: por primeiro, a saúde abalada da mulher, vítima do crime de estupro deve ser tratada com remédios e tratamentos especializados. Se a mãe ficou pscicologicamente perturbada com o
6 estupro, deve-se dar a ela, a sua dignidade, através de acompanhamento médico e psicológico especializado. Não se pode admitir que o Estado que fora incompetente em fornecer segurança pública à esta mulher que fora vítima de estupro, agora admita que ela cometa um crime de aborto, para isentar a responsabilidade de um Estado incompetente. Como este Estado ausente, que não fornece segurança pode compelir a mãe a criar um filho que ela não quer? Fruto de um estupro. Realmente não há como se chegar a tanto. Mas o Estado que fora incompetente em evitar o estupro, agora deve atuar, garantindo o nascimento deste feto, garantindo o seu direito à vida e, futuramente, assegurando-lhe uma vida digna, quer pelos cuidados de sua mãe biológica, quer através de uma família substituta. Se é certo que esta mãe vitima de um crime tão hediondo, talvez não queira criar este filho, também é certo que muitas outras mães gostariam de ter filhos, mas não podem tê-los. O nascimento destas crianças, em vez do aborto, poderia resolver o problema da maternidade de muitas mães e do sonho de paternidade de muitos pais, através do instituto jurídico da adoção, previsto na lei 8.069/90 e no Código Civil de Por tudo o que dissemos, até aqui, o legislador pátrio feriu o principio do devido processo legal, em sua acepção material. Neste sentido, (Câmara, 2005, pg. 33): Assim é que o devido processo legal substancial (ou material) deve ser entendido como uma garantia ao trinômio vida-liberdade-propriedade, através da qual se assegura que a sociedade só seja submetida a leis razoáveis, as quais devem atender aos anseios da sociedade, demonstrando assim sua finalidade social. Tal garantia substancial do devido processo legal pode ser considerada como o próprio princípio da razoabilidade das leis. Neste sentido, a lei, (artigo 128, II do CPB), é totalmente desproporcional, pois pretende proteger um bem jurídico muito menor (saúde psicológica da mulher estuprada, ou mesmo sua honra), através de uma autorização de aborto, escolhendo, para isto, um meio totalmente ineficaz
7 (o aborto do nascituro) e gerando ainda, por cima, uma violação ao direito fundamental de maior hierarquia em nosso ordenamento, que é o direito à vida, do nascituro. A respeito do fenômeno da não recepção das leis infraconstitucionais, por incompatibilidade com a nova ordem Constitucional, explica com clareza o Professor LENZA (2007, p. 125): todas as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas, por ausência de recepção. Por todo o exposto, por violar o devido processo legal em sua acepção material (artigo 5, LV CF), a dignidade do nascituro, artigo 1, inciso III CF e o seu direito à vida artigo 5, caput da CF, o artigo 128 II do Código Penal Brasileiro de 07 de dezembro de 1940, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, tendo sido por ela revogada. Deste modo, por estar revogado, o artigo 128 II do Código Penal Brasileiro não pode ter vigência, de onde se infere que a prática de aborto pela mãe em razão de estupro é crime, devendo a mãe responder pelo artigo 124 e o médico que assim proceder pelo artigo 126 do Código Penal Brasileiro, a saber: Art Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos. Art Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. BIBLIOGRAFIA MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, volume 1. São Paulo: editora Atlas, CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte especial, volume 2. São Paulo: editora Saraiva, 2005.
8 GAGLIANO, Pablo Stolze e RODOLFO, Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil, parte geral. São Paulo: editora Saraiva, CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, volume I. Rio de Janeiro: editora Lúmen Júris, LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: editora Método, BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de Disponível em: < Acesso em 13/09/2007. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de Disponível em: < Acesso em 13/09/2007. BRASIL. Lei , de 10 de janeiro de Disponível em: < Acesso em 13/09/2007.
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