MOBILIDADE URBANA E MERCADO DE TRABALHO NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO

Transcrição

1 MOBILIDADE URBANA E MERCADO DE TRABALHO NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO Aluno: Gabriel Facundes Monteiro Orientador: Juliano Assunção Introdução De acordo com dados do Censo Demográfico de 2010, os trabalhadores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro são os que gastam maior tempo no deslocamento casatrabalho no Brasil. Esse tempo para parte considerável da população chega a ser superior a duas horas e para um grupo maior é superior a uma hora, representando um alto custo social. Este, porém, não é dividido de maneira homogênea entre os municípios e grupos de renda, como estudos prévios indicaram, recaindo mais fortemente sobre trabalhadores pobres de periferia. Tendo isso em vista, está sendo empreendido um estudo sobre efeitos gerados pelas mudanças nos sistemas de mobilidade urbana da região nos anos recentes. Entre os efeitos buscados, pretende-se entender aqueles sobre mercado de trabalho e distribuição espacial dos trabalhadores. Objetivos Compreender melhor os efeitos de política pública de transporte sobre a distribuição de trabalho e moradia na região metropolitana do Rio de Janeiro. Isso poderá ser útil para melhor avaliarmos possiblidades de implementação de políticas públicas antes mesmo de sua colocação em prática, otimizando seus possíveis usos para melhor bem-estar social. Metodologia Dentre as atividades empreendidas ao longo da pesquisa em assistência à doutoranda Maína Celidônio e sob orientação do professor Juliano Assunção, a primeira foi encontrar através de buscas online as datas de anúncio e abertura de todas as estações de BRT no Rio de Janeiro. Essas datas serão relevantes para avaliarmos os efeitos da criação das estações para suas proximidades em cada momento do tempo. Dessa forma, compararemos as características das regiões antes e depois das obras de mobilidade. E, embora isso não tenha muita relevância para o tema da pesquisa em si, nota-se uma forte tendência ao atraso dessas obras. Algo nada incomum entre obras públicas na cidade, mas que gera desperdício de recursos e torna mais complicado a tarefa de planejamento por parte dos agentes econômicos, dado que terão de lidar com a incerteza da duração das obras de infraestrutura em questão. Uma vez em posse dos locais das estações e suas datas de anúncio e inauguração precisamos definir o tamanho das áreas para as quais testaremos sua influência. Optar por um espaço muito grande poderia nos levar a subestimar o efeito dos novos meios de transporte, enquanto optar por espaços muito pequenos poderia gerar problemas de baixo número amostral para uma boa estimação. Portanto, buscou-se na literatura prévia tamanhos de raios considerados ideais para medir o efeito. O paper Effects of Transportation Accessibility on Residential Property Values (Martínes e Viegas), por exemplo, verifica o efeito do acesso ao transporte sobre o preço de imóveis. Neste caso, não utilizam distância ao transporte diretamente, mas sim o tempo de deslocamento a pé até ele, considerando uma velocidade de 4km/h. Uma das possiblidades

2 levantadas para a estimação no paper é uma dummy para deslocamento em menos de 10 minutos, o que representa 667 metros. Eles apresentam também uma função em que temos uma queda contínua na influência da estação de metrô sobre preços de residência que apresenta algum grau de acessibilidade a estação até 20 minutos de distância, ou 1333 metros. Para os modelos de spatial lag usaram até 1000 metros. Já, segundo informou Bernado Serra, coordenador de Políticas Públicas do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, o IPTD utiliza o raio de 1km para tal medida, o que consideram como a distância razoável. Porém, ainda segundo o mesmo, o Transport Research Board utiliza o raio de 800m. Em seguida, partimos em busca da identificação dos locais de trabalho e moradia dos trabalhadores da Região Metropolitana. O Censo oferece a área de ponderação em que habita o indivíduo, porém não sua área de ponderação de trabalho. Entretanto é possível ter acesso a ambas essas informações para os trabalhadores formais a partir da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais). Isso já seria bom o bastante para uma análise da região caso os informais seguissem a mesma distribuição espacial para habitação e ocupação que os formais. Todavia, como já indicava literatura prévia e pode ser facilmente observado para moradia, não é isto que ocorre. Portanto é preciso buscar alguma forma de localizar esses indivíduos e seus movimentos. A primeira tentativa de localizá-los se deu via ECINF (pesquisa de Economia Informal Urbana). Entretanto sua última base de dados corresponde ao ano de 2003, muito anterior ao período de nossa investigação e não possibilitava encontrar o local de trabalho destes como precisávamos. Através dela saberíamos apenas a proporção deste grupo que trabalhava na própria residência. Então passamos ao CENSO de Aqui é possível saber a moradia (origem) dos informais, e partindo daí é estabelecido um algoritmo de cinco passos para extrapolar seus locais de destino. Antes de mais nada, estabelecemos o universo de observação a partir do qual elaboraremos os primeiros cortes. Esse universo se trata dos trabalhadores entre 18 e 70 anos que vivem e trabalham na Região Metropolitana do Rio de Janeiro de acordo com o Censo O número de trabalhadores enquadrados nesse grupo é de Passamos então ao primeiro passo: identificar os trabalhadores do Censo que não estão declarados na RAIS. Para tanto é necessário olhar para o item do Censo de Posição na ocupação e categoria do emprego no trabalho principal. Dado o universo observado, têm-se as seguintes proporções: 1. Empregados com carteira de trabalho assinada: 55,18% 2. Militares e funcionários públicos estatutários: 6,27% 3. Empregados sem carteira de trabalho assinada: 16,33% 4. Conta própria: 19,45% 5. Empregadores: 1,85% 6. Não remunerados: 0,78% 7. Trabalhadores na produção para consumo próprio: 0,15% 8. Branco: 0% Os trabalhadores informais são aqueles que se encaixam na quarta ou na quinta categoria, conta própria ou empregadores. E, visto isso, correspondiam a cerca de um 20% dos trabalhadores da região. O passo seguinte é identificar os informais que trabalham na própria residência. Esses não serão de nosso interesse por não usarem o sistema de transporte para deslocamento casatrabalho. Para tanto, usa-se a seguinte questão do Censo: Em que município e unidade da

3 federação ou país estrangeiro trabalha? Dado que recortamos nossa amostra para os trabalhadores informais, são obtidas as seguintes repostas ao questionário: 1. No próprio domicílio: 29,91% 2. Apenas neste município, mas não no próprio domicílio: 58,34% 3. Em outro município: 11,75% 4. Em país estrangeiro: 0% 5. Em mais de um município ou país: 0% 6. Branco: 0% Portanto descartaremos os 29,91% que representam os trabalhadores homebased e nos focaremos nos outros dois tipos da amostra, aqueles que moram e trabalham no mesmo munícipio da Região Metropolitana e aqueles que fazem o deslocamento entre municípios da Região. O corte seguinte é feito com relação a frequência do deslocamento. Manteremos apenas os que fazem o deslocamento diariamente. Ao buscar essa informação para a amostra, chegase ao seguinte resultado: 1. Retorna diariamente do trabalho para casa: 95,71% 2. Não retorna diariamente: 4,29% Com isso terminamos os cortes. Estamos trabalhando então com uma população amostral representativa de trabalhadores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro cujas características estão de acordo com os passos anteriores do algoritmo. Para o terceiro passo observaremos para quais áreas de ponderação os informais podem estar se transportando dado o tempo que gastam usualmente no deslocamento casa-trabalho. Para cada indivíduo, veremos sua área de ponderação de origem, e dado a faixa de tempo de deslocamento em que se enquadra segundo o Censo, localizaremos as áreas de ponderação às quais ele pode estar indo de acordo com uma matriz tempo-deslocamento entre áreas estabelecida por meio de outra base de dados. Antes, porém, é bom ver como se dividem os informais da amostra em termos de faixas de tempo de deslocamento: 1. Até 05 minutos: 10,97% 2. De 06 minutos até meia hora: 39,94% 3. Mais de meia hora até uma hora: 28,48% 4. Mais de uma hora até duas horas: 15,98% 5. Mais de duas horas: 4,62% 6. Branco: 0% O passo seguinte se trata de uma filtragem dos resultados obtidos na terceira etapa. Das áreas de ponderações possíveis pelo tempo de deslocamento, manteremos apenas aquelas que estão no munícipio em que já sabemos que o indivíduo trabalha por meio dos dados do Censo. O quinto passo pode assumir dois caminhos diferentes. Dado as possíveis áreas que nos restaram do quarto passo, podemos distribuir os trabalhadores informais aleatoriamente entre elas, uma vez que não temos mais informações diretas de sua distribuição. Mas também podemos assumir que estes assumem uma distribuição similar aos trabalhadores formais de mesma origem se controlarmos para um mesmo nível de escolaridade e setor de atividade, e com isso criar probabilidades de locais de destino para cada tipo de informal. Hipóteses

4 plausíveis ou não, na ausência de melhores dados, é com o que podemos trabalhar para ter alguma ideia do que ocorre a essa grande parte da força de trabalho. A execução desse algoritmo de cinco passos foi feita através de programas estatísticos. Primeiramente através do Stata e em seguida por meio do R. Os códigos para sua execução estarão disponíveis ao final do texto. Os dois primeiros passos, que envolvem apenas cortes na amostra são feitos inteiramente no Stata. A partir daí o programa é usado para preparar os dados e as variáveis usados nos passos seguintes que serão executados usando o R. Infelizmente para a execução do algoritmo até o momento usou-se apenas o Censo e bases fictícias seguindo o formato de bases que virão a ser preparadas com dados de outras fontes, como a RAIS. A primeira base fictícia que está sendo usada até o momento é uma matriz tempo-deslocamento entre as diferentes áreas de ponderação da Região Metropolitana do RJ, e a segunda é uma simulação de dados da RAIS. Nesta criamos uma aleatorização para quantidade de trabalhadores formais para cada área de ponderação do Censo dado sua escolaridade e setor. A probabilidade de o indivíduo estar em uma dada área de ponderação é construída pela razão entre o número de trabalhadores formais de mesmas características nessa área e o número de trabalhadores formais de mesmas características em todas as áreas de destino possíveis para o indivíduo em questão. Devido ao fato de que o algoritmo ainda está funcionando com bases fictícias, não há conclusões a serem tiradas estritamente a partir dele. No entanto, em mãos das informações fornecidas pelo Censo, podemos nos debruçar sobre algumas características da população de trabalhadores informais. Por exemplo, observemos a distribuição dos trabalhadores formais que pertenciam à nossa população-universo entre os munícipios da Região Metropolitana em termos de residência, e em seguida observemos os informais: Formais código do município proportions Belford_.0334 Duque_de.0647 Guapimir.0031 Itaborai.0159 Itaguai.0081 Japeri.0056 Mage.0141 Mangarat.0025 Marica.0084 Mesquita.0124 Nilopoli.0123 Niteroi.0457 Nova_igu.0554 Paracamb.0029 Queimado.0097 Rio_de_j.5774 Sao_gonc.0849 Sao_joao.0362 Seropedi.0053 Tangua.0018 Total 1

5 Informais código do município proportions Belford_.0406 Duque_de.0713 Guapimir.0057 Itaborai.0212 Itaguai.0093 Japeri.0081 Mage.0221 Mangarat.004 Marica.0149 Mesquita.0153 Nilopoli.0125 Niteroi.0409 Nova_igu.0701 Paracamb.0039 Queimado.0113 Rio_de_j.5152 Sao_gonc.084 Sao_joao.0392 Seropedi.0078 Tangua.0026 Total 1 É fácil enxergarmos que os trabalhadores informais estão relativamente mais espalhados entre os munícipios mais periféricos da Região Metropolitana do que os formais. O Rio de Janeiro é o município de origem de 57% dos trabalhadores formais da região, mas ao olharmos apenas para os informais o número se reduz para 51%. Uma forma mais clara de vermos essa maior presença relativa de informais na periferia da região é verificarmos qual a participação dos informais entre os trabalhadores de cada município. Pode-se ver isso na próxima tabela: Linearized Over Mean Std. Err. [95% Conf. Interval] informal Belford_roxo Duque_de_caxias Guapimirim Itaborai Itaguai Japeri Mage Mangaratiba Marica Mesquita Nilopolis Niteroi Nova_iguacu Paracambi Queimados Rio_de_janeiro Sao_goncalo Sao_joao_do_meriti Seropedica Tangua

6 Enquanto no Rio de Janeiro os informais representam 33% dos moradores empregados, essa estatística salta para 49% em Maricá, 46% em Mangaratiba e chega a 50% em Guapimirim. Essa diferença na presença de trabalhadores informais entre os municípios, é bom lembrar, é uma das evidências de que não devemos simplesmente verificar os efeitos de mudanças no sistema de transporte para os formais e assumir o mesmo comportamento para informais. Pois ao tratarmos os formais como representantes de toda a população estaríamos sobre-estimando o Rio de Janeiro, por exemplo, e reduzindo a relevância de outros municípios da Região Metropolitana. Os trabalhadores informais também não estão distribuídos igualmente conforme grau de escolaridade na população metropolitana. E podemos enxergar tal a partir do seguinte gráfico: Entre os trabalhadores que não chegaram a completar o Ensino Médio, os informais chegam a representar algo um pouco superior a 45% da população. Conforme avançamos em níveis de escolaridade a porcentagem de informais diminui. Menos de 30% de trabalhadores com Ensino Médio Completo estão na informalidade, e para aqueles de Ensino Superior Completo a participação cai ainda mais, chega a 25%. Algo representativo da baixa adequação da legislação trabalhista brasileira para as camadas menos educadas da população, geralmente também de menor renda. Como resultado acabam mais desprotegidos pelo aparato legal. Podemos também verificar o grau de informalidade entre os setores da economia da região. Conforme pode-se ver no gráfico a seguir, a informalidade é especialmente alta no setor de Construção Civil, beirando 60% dos trabalhadores desse tipo de atividade. O segundo setor de maior informalidade é o Comércio, porém com um percentual bem menor que o primeiro colocado, mesmo que ainda alto, 40%. Serviços, Agropecuária e Indústria por vez giram entre 29% e 33%.

7 A não-homogeneidade na distribuição de informais entre setores e níveis de escolaridade evidenciada nos dois últimos gráficos demonstram a importância de controlarmos por estes fatores no momento de gerar as probabilidades da distribuição dos informais entre as áreas de ponderação da Região Metropolitana. Conclusões O estudo permitiu chegar a uma melhor estimativa da distribuição espacial dos trabalhadores informais na região metropolitana do Rio de Janeiro. Ao fazermos isso podemos avaliar melhor também o efeito de políticas de mobilidade urbana sobre esse grupo, usualmente mais vulnerável da população e que representa parcela muito relevante da mesma. Através disso esperamos captar melhor os efeitos gerados pelas mudanças no sistema de transporte da região metropolitana. Uma vez feito, esperamos que a avaliação encontre utilidade prática na determinação de políticas futuras, tendo em vista seus efeitos sobre população e trabalho. Códigos de Stata e R Disponíveis em: < Bibliografia 1 - IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Disponível em: < sultados_gerais_amostra_tab_uf_microdados.shtm>. Acesso em: 12 jun MARTÍNEZ,L; VIEGAS, J. Effects of Transportation Accessibility on Residential Property Values: Hedonic Price Model in the Lisbon, Portugal, Metropolitan Area. Journal of the Transportation Research Board. 3 - IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Economia Informal Urbana 2003: Manual de Entrevista.

8 4 DOS SANTOS, R.T. et al. Demanda por investimentos em mobilidade urbana no Brasil. BNDES Setorial 41, p ALMEIDA, R.A.P; BIANCHINI, Z.M. Aspectos de Amostragem da Pesquisa de Economia Informal Urbana 97. Textos para discussão, ISSN PERO, V.; MIHESSEN, V. Mobilidade Urbana e Pobreza no Rio de Janeiro. BNDES e ANPEC: Working Paper 46. Rio de Janeiro.