EFEITO DA CIRCULAÇÃO DA AGUARDENTE DE CANA NO TEMPO DE ENVELHECIMENTO EM ANCOROTES DE CARVALHO (Quercus SP)
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- Isaac Fidalgo Farinha
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1 EFEITO DA CIRCULAÇÃO DA AGUARDENTE DE CANA NO TEMPO DE ENVELHECIMENTO EM ANCOROTES DE CARVALHO (Quercus SP) Fátima Cristina PADOVAN * Michelle de Caiado C. BORRAGINI ** João Bosco FARIA *** RESUMO: A maioria das aguardentes de cana consumidas atualmente no Brasil é comercializada sem envelhecer, apresentando portanto o sabor ardente e seco, típico da bebida recém-destilada. Assim, o produto final, acaba não se beneficiando dos ganhos sensoriais devidos ao envelhecimento. Artifícios visando reduzir o tempo de envelhecimento de bebidas destiladas têm sido constantemente testados em função da economia e também no caso da cachaça, como forma de estimular e difundir a adoção do envelhecimento como etapa da produção dessa bebida. Nesse sentido, amostras de cachaça bidestilada, oriundas de um mesmo lote, foram postas a envelhecer de forma tradicional em pequenos ancorotes de carvalho (5 L) ou utilizando-se um processo de circulação forçada (35 L) através de seis ancorotes ligados em série, com um reservatório de vidro de 7L contendo N 2 em seu headspace. Amostras coletadas durante seis meses foram então submetidas a determinações físicas, químicas e testes de aceitação em relação a cor, aroma, sabor e impressão global, utilizando-se para tanto um painel de 4 provadores, consumidores eventuais de aguardentes. Os resultados obtidos, não confirmaram a expectativa de aceleração do processo de envelhecimento devido à circulação forçada, porém, as variações observadas ao longo do experimento, sugerem a necessidade de novos estudos, relacionados com o papel da aeração da aguardente, no processo de envelhecimento. PALAVRAS-CHAVE: Cachaça; envelhecimento; ancorotes de carvalho; circulação forçada. Introdução A aguardente de cana, também chamada cachaça, caninha ou pinga é definida pelo decreto n 2314 de 4 de setembro de 1997, como a bebida com graduação alcoólica de 38% a 54% em volume, a 2 C, obtida do destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar, ou ainda pela destilação do mosto fermentado de cana de açúcar. Sendo o envelhecimento da cachaça considerado pela legislação brasileira (2), etapa opcional no processo de produção, a grande maioria das aguardentes brasileiras, não é envelhecida como as demais bebidas destiladas, consideradas nobres e que disputam o mercado internacional. O envelhecimento da cachaça é porém etapa fundamental, para a obtenção de um produto de qualidade, compatível com as exigências do mercado exterior (7), como também para conquistar fatias importantes do nosso mercado interno, dado o significativo aumento do consumo de cachaças de qualidade (7). O grande obstáculo à adoção da prática do envelhecimento está relacionado principalmente com o investimento e com o tempo, necessários para que ocorram as mudanças desejáveis (3,4,6). Nesse sentido, a redução do tempo de envelhecimento, pode representar alternativa válida, não só do ponto de vista da diminuição dos custos de produção, mas também como estimulo à adoção desse processo com vistas a incorporar à cachaça, características sensoriais de bebida envelhecida. O objetivo desse trabalho foi portanto, verificar a possibilidade de se reduzir o tempo de envelhecimento da aguardente de cana, utilizando-se um processo de circulação forçada da bebida, através de ancorotes de carvalho interligados em série. Material e métodos Foram avaliadas 12 amostras de cachaça, envelhecidas durante,,, 12, e 18 dias, em pequenos ancorotes de carvalho de 5 L, sendo 6 envelhecidas de forma tradicional e 6 utilizando-se um processo de circulação forçada, bem como de amostras controle, armazenadas em garrafão de vidro de 5 L. Para obtenção das amostras, um lote de aguardente de cana, com teor alcoólico próximo de 4% em volume, foi adquirido de um produtor da região e com vistas a obtenção de destilado com maior concentração de álcool, a * Mestre em Alimentos e Nutrição - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - UNESP Araraquara - SP - Brasil. ** Graduanda em Farmácia Bioquímica - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - UNESP Araraquara - SP - Brasil. *** Departamento de Alimentos e Nutrição - Faculdade de Ciências Farmacêuticas - UNESP Araraquara - SP - Brasil. Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 3, p ,
2 aguardente de cana foi então diluída a 29 GL e re-destilada em um alambique de cobre de 2 litros, sendo obtida assim ao final de algumas destilações, um lote de 55 litros de aguardente com graduação alcoólica em torno de % de álcool em volume. Uma parte do lote de aguardente assim obtida (1L), foi posta a envelhecer de forma tradicional, em dois ancorotes de carvalho (Quercus sp) de 5 litros, em ambiente aberto, mantido entre 25 e C. Outra parte do lote de aguardente (35 litros), foi posta a envelhecer em um sistema de circulação forçada, através de seis ancorotes e de um reservatório de vidro, interligados entre si em circuito fechado. Para tanto, foi utilizada uma bomba submersa, com vazão aproximada de 24,6L/h, que ficava no reservatório de vidro e funcionava ininterruptamente por 16 horas, era desligada nos finais de semana (62 horas) e novamente religada. Visando evitar aeração excessiva da aguardente, cada vez que a bomba era religada, o headspace do reservatório de vidro era preenchido com gás nitrogênio. Uma terceira fração (5L), representando a amostra controle, foi também armazenada em um garrafão de vidro e mantida também nas mesmas condições das aguardentes postas a envelhecer. Amostras representativas de cada tratamento (7mL) foram coletadas mensalmente, acondicionadas em garrafas PET e armazenadas sob refrigeração até o momento das análises. Antes porém de serem analisadas, as amostras eram diluídas com água destilada a 4% de álcool em volume e então submetidas aos ensaios físicos, químicos e sensoriais, descritos a seguir: - A graduação alcoólica foi determinada de acordo com metodologia do Instituto Adolfo Lutz, (8), utilizando-se um alcoômetro de Gay-Lussac. - O ph aparente das amostras foi determinado por leitura direta em phmetro Tecnal modelo Tec-2 e os valores de acidez total fixa e volátil e do resíduo seco, também conforme metodologia do Instituto Adolfo Lutz, (8). - A determinação dos teores de compostos fenólicos totais, foram realizadas utilizando-se o reagente Folin-Ciocalteau e medidas de absorbância a 7 nm (1) e a intensidade de cor das amostras, determinadas a 4 nm, em espectrofotômetro BECKMAN mod. DU 64, utilizando-se cubetas de quartzo, com 1 mm de percurso óptico (9). As determinações acima descritas, foram realizadas em triplicata. As amostras de aguardente de cana correspondentes ao controle, envelhecimento tradicional e envelhecimento forçado, coletadas durante os 6 meses do estudo, foram também avaliadas sensorialmente, em relação à aceitação de aroma, sabor, cor e impressão global (4,1). Para tanto, foi formada uma equipe de 4 (quarenta) provadores, consumidores eventuais de cachaça, recrutados entre alunos docentes e funcionários da FCF-UNESP de Araraquara e escolhidos com base em um questionário. Os testes foram conduzidos em cabines individuais, utilizando-se uma escala hedônica não estruturada de 9 (nove) pontos, ancoradas nos extremos pelos termos, gostei muitíssimo e desgostei muitíssimo. As amostras eram apresentadas de forma monádica em cálices de vidros transparentes, codificados com algarismos de três dígitos e cobertos com vidros de relógio, que eram retirados no momento do teste. Os dados obtidos nos testes de aceitação, foram avaliados por análise de variância (ANOVA) e testes de médias de Tukey (5). Resultados e discussão As graduações alcoólicas das amostras, determinadas após,,, 12, e 18 dias de envelhecimento, estão apresentadas na Tabela 1. Dentre as amostras envelhecidas com circulação forçada, observou-se um aumento de 1,2% no teor alcoólico, valor este, menor que o observado nas amostras envelhecidas tradicionalmente (2,8%). Com relação à redução do volume, os resultados revelaram, conforme esperado, perda considerável por evaporação no caso da circulação forçada (38,1 %), perda um pouco menor no caso do envelhecimento tradicional (31,5 %) e nenhuma perda no controle. As variações dos valores de ph ao longo do envelhecimento (Figura 2), revelam que em ambos tratamentos houve redução constante, porém mais acentuada no caso do tratamento tradicional. Comportamento semelhante foi também observado, no caso dos aumentos da acidez fixa (Figura 3) e volátil (Figura 4), sempre maiores no caso do processo tradicional, indicando ter havido provavelmente, no caso do processo de circulação forçada, diminuição da aeração da aguardente em relação ao processo tradicional. As variações dos teores de compostos fenólicos totais, da intensidade de cor e dos teores de resíduo seco das amostras envelhecidas, apresentados nas Figuras 5 e 6 e na Tabela 1, revelam claramente ter havido no processo tradicional, uma maior extração de componentes da madeira dos ancorotes. Os resultados dos testes de aceitação, avaliados por análise de variância (ANOVA) e testes de médias de Tukey (p,5), estão apresentados na Tabela 3. Os resultados obtidos não revelaram diferenças significativas quanto a aceitação, entre as amostras envelhecidas de forma tradicional e utilizando-se a circulação forçada, sendo somente observadas diferenças entre as amostras envelhecidas e o controle. Os resultados dos testes de aceitação das aguardentes envelhecidas pelos dois processos, forçado e tradicional, confirmam os resultados obtidos nas determinações físicas e químicas, já que a maior aceitação esperada no caso do processo forçado, também não se confirmou. Uma possível explicação para tais resultados, pode estar relacionada com o uso do N 2 gasoso, no headspace do reservatório ou com uma possível diminuição do contato esperado entre a bebida e as paredes dos ancorotes, devido 268 Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 3, p , 24
3 a formação de canais preferenciais de circulação do fluxo da aguardente no interior dos ancorotes. Estudos posteriores deverão esclarecer as causas das diferenças observadas entre os dois tratamentos. 5 Valores de ph Tabela 1 - Graduação alcoólica das amostras antes e após o processo de envelhecimento. de Envelhecimento Amostras 18 Graduação Alcoólica % de variação ph Zero Tempo de Armazenamento 58 62,8 + 8, ,8 + 1,38 FIGURA 3 - Valores de ph das amostras de cachaça Compostos Fenólicos Totais Acidex Fixa Acidez Fixa Tempo de Amazenamento FIGURA 1 Valores de acidez fixa das amostras de cachaça. Concentração de CFT (ppm ácido tânico) Tempo de Armazenamento 18 FIGURA 4 Valores de compostos fenólicos totais (expressos em ppm de ácido tânico) das amostras de cachaça. Acidez Volátil Acidez Volátil Tempo de Armazenamento 18 Absorbância (4 nm) 1,4 1,2 1,8,6,4,2 Intensidade da Cor à 4 nm 12 Tempo de Envelhecimento 18 FIGURA 2 Valores de acidez volátil das amostras de cachaça. FIGURA 5 Intensidade da cor a 4 nm das amostras de cachaça. Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 3, p ,
4 Tabela 2 - Resíduo seco à 15 C por cento p/v, foi utilizado 5 ml de amostra e cápsula de porcelana.,156,348,322,528,352,72 12,54,8,658,776 18,782,1228 Tabela 3 Valores médios, com relação a cor, aroma, sabor e impressão global das cachaças envelhecidas sob as formas tradicional e forçada. Cor Aroma 7,3 a 7,65 a 7,85 a 7,325 a 7,325 a 7,5 a 6,75 b 7,75 a 7,9 a 6,875 b 7,275 a, b 7,5 a 6,525 b 7,75 a 7,8 a 6,5 b 7,2 a 7,425 a 12 6,525 b 7,775 a 7,925 a 6,575 b 7,275 a 7,375 a 6,65 b 7,7 a 7,75 a 6,925 a 7,4 a 7,375 a 18 6,65 b 7,775 a 7,875 a 7,75 b 7,25 a, b 7,65 a Sabor Imp. Global 6,8 a 6,625 a 6,825 a 6,8875 a 6,825 a 7,1375 a 6,275 a 6,7 a 7,5 a 6,45 b 7,125 a 7,2375 a 5,3375 b 6,875 a 7,25 a 5,675 b 5,675 a 7,875 a 12 6 a 6,9 b 6,8 a, b 6,2 b 6,9625 a 7,5 a 6,475 a 6,7 a 7,15 a 6,5375 a 6,975 a 7,2 a 18 6,4 a 6,525 a 7,25 a 6,75 a 6,7 a 7,225 a *Médias seguidas de letras diferentes nas linhas, diferem entre si significativamente no teste de Tukey (p,5). Conclusões Com base nos resultados obtidos, podemos concluir que: 1 O processo de circulação forçada não apresentou nas condições estudadas, tanto do ponto de vista físico-químico como sensorial, resultados que indiquem sua adoção, como forma válida de reduzir o tempo de envelhecimento da cachaça. 2 O uso de nitrogênio e a forma de fazer circular a aguardente pelo sistema, adotado no caso da circulação forçada, visando evitar aeração excessiva da aguardente, conforme os resultados obtidos, parecem indicar um importante papel da aeração não só no processo de envelhecimento, mas também na extração de componentes da madeira, hipótese que será considerada em trabalhos posteriores. PADOVAN, F.C.; BORRAGINI, M.C.C.; FARIA, J.B. Effect of sugar cane spirit circulation on the aging time in miniature oak casks. Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 3, p , 24 ABSTRACT: The most part of the traded Brazilian cachaça are non-aged, showing consequently alcoholic and aggressive flavor and aroma, characteristic of the new distilled spirits, without the sensory characteristics acquired during the aging process. Efforts in order to reduce the aging time of 27 Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 3, p , 24
5 distilled beverages, were often justified by economic reasons, but for cachaça, may also represent a way to stimulate the adoption of aging as part of cachaça production. In this way, samples of bi-distilled cachaça from the same lot, were stored in glass recipients or put to aging in miniature oak casks (5L) in the traditional way, or utilizing a forced circulation process, through six miniature oak casks linked together. Samples collected during six months were submitted to physical and chemical analyses and acceptance tests, in relation to aroma, flavor, color and global impression, accomplished by a 4 judges panel, recruited among distilled spirits consumers of the FCF- UNESP staff.the tests were carried out in individual cabins using a non structured hedonic scale of 9 points and the samples presented monadically in transparent cups, covered with glass, that were withdrew at the moment of the test. The results didn t show significant differences between the traditional and the forced circulation process, but variations related to composition and others physical and sensory properties, suggest more studies related to the role of the aeration in the aging process. KEY-WORDS: Cachaça ; aging; miniature oak casks; forced circulation. Referências bibliográficas 1. BOSCOLO, M. Estudo sobre envelhecimento de aguardente de cana-de-açúcar f. Dissertação (Para Obtenção do Título de Mestre em Ciências Química Analítica) Instituto de Química, USP, São Carlos. 2. BRASIL. Decreto nº 2.314, 4 set Regulamenta a Lei nº de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas. Diário Oficial, Brasília, v. 171, p , seção II, Artigo 91, CARDELLO, H.M.A.B.; FARIA, J.B. Análise descritiva quantitativa de aguardentes de cana durante o envelhecimento em tonel de carvalho (Quercus album L.) Ciênc. Tecnol. Alim., v.18, 1998, p CARDELLO, H.M.A.B.; FARIA, J.B. Análise da aceitação de aguardentes de cana por testes afetivos e mapa de preferência interno. Ciênc. Tecnol. Aliment., v.2, n.1, COCHRAN, W.G.; COX, G.M. Experimental design. 2 ed. New York: J. Wiley, p. 6. FARIA, J. B.; LOYOLA, E.; LOPEZ, M.G.; DUFOUR, J.P. Cachaça, pisco and tequila. In: LEA, A. G.; PIGGOTT, J.R. (Eds) Fermented beverage production. New York: Kluwer Academic/Plenum Pub., 23. cap. 15, p FARIA, J.B.; FRANCO, D.W.; PIGGOT, J.R. The quality challenge: cachaça for export in the 21st century. In: BRYCE, J.R.; STEWART, G.G. Distilled spirits: tradition acid innovation. Nothinghan: Nothinghan University Press. 24. p INSTITUTO ADOLFO LUTZ. Normas analíticas do Instituto Adolfo Lutz. Ed. São Paulo, 1985.v.1, p REAZIN, G. H. Chemical mechanisms of wisky maturation. Am. J. Enol. Vitic. V.32, p STONE, H.; SIDEL, J. Sensory evaluation practices. London: Academic Press p. Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 3, p ,
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