Universidade de Brasília Faculdade de Direito Teoria Geral do Processo II
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1 Universidade de Brasília Faculdade de Direito Teoria Geral do Processo II Trabalho 1 Denunciação à Lide das Pessoas Jurídicas de Direito Público Prof. Vallisney de Souza Oliveira Fernando Lagares Távora 11/ Mateo Scudeler 11/ Brasília 2013
2 I. Introdução Denunciação à lide constitui-se em espécie de intervenção de terceiros, que ingressa no feito por ter sido convocado, regra geral pelo réu da demanda judicial, podendo o pedido partir do autor, exigindo-se que trate de fundamentos ligados à causa principal. A lógica seria garantir o direito de regresso em favor do réu contra o denunciado (o terceiro), na própria sentença que impôs a condenação contra o primeiro, e na hipótese da evicção. A ideia por trás do instituto seria de produzir economia processual, uma vez que a relação jurídica seria servil para resolver duas pendências: uma do autor contra o réu, e outra do réu contra o denunciado. As hipóteses estão elencadas no art. 70 do Código de Processo Civil CPC: Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória: I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta; II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada; III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda. Nos termos do CPC, a citação do denunciado será requerida, juntamente com a do réu, se o denunciante for o autor; e, no prazo para contestar, se o denunciante for o réu. Feita a citação suspende-se o processo. Se feita a denunciação pelo autor, o denunciado, comparecendo, assumirá a posição de litisconsorte do denunciante e poderá aditar a petição inicial, procedendo-se em seguida à citação do réu. 1
3 Feita a citação pelo réu, ocorrendo de o denunciado a aceitar e contestar o pedido, o processo prosseguirá entre o autor, de um lado, e de outro, como litisconsortes, o denunciante e o denunciado; se o denunciado for revel, ou comparecer apenas para negar a qualidade que lhe foi atribuída, cumprirá ao denunciante prosseguir na defesa até final; se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor, poderá o denunciante prosseguir na defesa. Prosseguindo o processo com a denunciação efetivada o juiz deverá voltar-se para duas relações processuais na sua sentença: a primeira, entre autor e réu originários, e a segunda entre denunciante (autor ou réu) e denunciado (terceiro). Assim, de acordo com o CPC, a sentença que julgar procedente a ação, declarará, conforme o caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo judicial. No presente trabalho, será discutida a aplicação da denunciação à lide às pessoas jurídicas de direito público. Para tanto, a seção seguinte irá discutir aspectos ligados à aplicação do instituto a essas pessoas jurídicas com base em estudo de bibliografia e análise de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). II. Discussão doutrinária MORELO (2013) apresenta as duas posições doutrinárias acerca do entendimento sobre a denunciação à lide nos casos de responsabilidade civil do Estado. A primeira, denominada corrente restritiva, entende que o Estado não é obrigado denunciar a lide e nem deve fazê-la, uma vez que, com esta intervenção de terceiros, ingressará novo thema decidendum, o que ofenderiam os princípios da economia e celeridade processual, além da dignidade da pessoa humana. O certo, portanto, seria usar a ação regressiva para que a Administração Pública tenha seu direito tutelado. A segunda, denominada corrente ampliativa, argumenta que em toda intervenção de terceiros haverá introdução de causa de pedir nova na lide principal, uma vez que o denunciado há de se defender com base no princípio da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, não podendo ser restringido em seu direito de defesa. Além disso, para essa corrente, a denunciação à lide não ofenderia a economia e a celeridade processual, pois o fato de ter causa de pedir nova em nada demoraria a efetiva prestação jurisdicional, pois o 2
4 processo não pode se desenvolver para satisfazer o autor a qualquer custo, deve-se atentar ao fato de que o réu também pode ser titular de direito. THEODORO JÚNIOR (2009) defende a tese de que a denunciação à lide pelo Estado contra funcionário faltoso não seria obrigatória, mas se exercida não poderia ser recusada pelo juízo. Para o autor, àquele que estiver obrigado a indenizar em face da lei ou do contrato, em ação regressiva, o prejuízo do que venha a perder com a demanda, como é o caso do Estado por força do art. 37 da Constituição Federal, não estaria proibido de usar o recurso de litisdenunciação. O autor cita julgado de 1996 (STJ, 1ª T., R. Esp 594/RS), em que assevera que é todo recomendável que o agente público, responsável pelos danos causados a terceiros, integre, desde logo, a lide, apresente sua resposta, produza prova e acompanhe a tramitação do processo. Assim, o autor reafirma que pode e deve a entidade pública promover a denunciação à lide ao preposto, nas ações indenizatórias (os julgados citados são todos da década de 1990). DINAMARCO (2007) alega que se a denunciação à lide venha a ser não aceita, a coisa julgada formada em processo anterior pode ser colocada em dúvida no caso de eventual ação regressiva, uma vez que nesta ação é possível ao agente tentar desconstituir a coisa julgada da primeira demanda, tornando, portanto, contraditória a atividade jurisdicional. III. Discussão jurisprudencial No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a matéria já fora atacada no início da década de 1980, e foi verificada a prevalência da tese de que não comportaria denunciação obrigatória à lide em casos de responsabilidade objetiva do estado. (RE / RJ - RIO DE JANEIRO - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator: Min. DÉCIO MIRANDA - 01/12/ Segunda Turma - DJ ) 1) CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SEUS PRESSUPOSTOS. 2) PROCESSUAL CIVIL. A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO, FUNDADA 3
5 EM RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO, POR ATO DE FUNCIONÁRIO (CONSTITUIÇÃO, ART. 107 E PARAGRAFO ÚNICO), NÃO COMPORTA OBRIGATORIA DENUNCIAÇÃO A ESTE, NA FORMA DO ART. 70, III, DO COD. PROC. CIVIL, PARA APURAÇÃO DE CULPA, DESNECESSARIA A SATISFAÇÃO DO PREJUDICADO. Atualmente, a questão tem sido discutida principalmente no STJ, em face de sua competência constitucional. Em face dessa situação, escolhemos três acórdãos daquela Corte, de diferentes datas, para avaliar a questão que envolve a denunciação à lide nos casos em que estão presentes as hipóteses de responsabilidade objetiva do Estado: i) REsp 16024/DF; ii) RESP /RN; e iii) AgRg no AREsp 63018/RJ (todas as ementas estão reproduzidas a seguir). No primeiro dos processos de 1993, aquele colendo Tribunal indeferiu recurso alegando que embora cabível e até mesmo recomendável a denunciação à lide do servidor público causador do dano, seria injustificável a anulação do processo, em atenção aos princípios da economia e celeridade processuais. PROCESSUAL CIVIL - DENUNCIAÇÃO A LIDE - PROCEDIMENTO SUMARISSIMO - ACIDENTE DE TRANSITO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA. EMBORA CABIVEL E ATE MESMO RECOMENDAVEL A DENUNCIAÇÃO A LIDE DO SERVIDOR PUBLICO CAUSADOR DO DANO, UMA VEZ INDEFERIDO TAL PEDIDO, INJUSTIFICAVEL SE TORNA, NESTA OPORTUNIDADE, A ANULAÇÃO DO PROCESSO PARA REFERIDA PROVIDENCIA, EM ATENÇÃO AOS PRINCIPIOS DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS. RECURSO IMPROVIDO. (REsp / DF RECURSO ESPECIAL 1991/ Relator Ministro GARCIA VIEIRA - PRIMEIRA TURMA - 17/05/ DJ 28/06/1993) 4
6 Em 2009, o mesmo Tribunal já apresentava entendimento doutrinário no sentido de que a denunciação da lide só seria obrigatória em relação ao denunciante que, não denunciando, perderia o direito de regresso, mas não estaria obrigado o julgador a processá-la, se concluísse que a tramitação de duas ações em uma só oneraria em demasia uma das partes, por ferir os princípios da economia e da celeridade na prestação jurisdicional. Além disso, o Tribunal entendeu que seria desnecessária a medida porque a ação fundada na responsabilidade prevista no art. 37, 6º, da CF/88, estaria baseada na culpa objetiva e a segunda, na subjetiva, que deveria ser suscitada em fundamento novo não constante da lide originária. Por fim, o Estado não perderia o direito de regresso se não denunciasse a lide o seu preposto. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO (ART. 541 DO CPC E ART. 255 DO RISTJ) INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC DENUNCIAÇÃO DA LIDE DIREITO DE REGRESSO CPC, ART. 70, III OBRIGATORIEDADE AFASTADA PRECEDENTES REDUÇÃO DO QUANTUM DA INDENIZAÇÃO SÚMULA 7/STJ. 1. É entendimento sedimentado o de não haver omissão no acórdão que, com fundamentação suficiente, ainda que não exatamente a invocada pelas partes, decide de modo integral a controvérsia posta. 2. Não havendo o recorrente demonstrado, mediante a realização do devido cotejo analítico, a existência de similitude das circunstâncias fáticas e do direito aplicado nos acórdãos recorrido e paradigmas, resta desatendido o comando dos arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ. 3. A denunciação da lide só é obrigatória em relação ao denunciante que, não denunciando, perderá o direito de regresso, mas não está obrigado o julgador a processá-la, se concluir que a tramitação de duas ações em uma só onerará em demasia uma das partes, ferindo os princípios da economia e da celeridade na prestação jurisdicional, sendo desnecessária em ação fundada na responsabilidade prevista no art. 37, 6º, da CF/88, vez que a primeira relação jurídica funda-se na culpa objetiva e a segunda na subjetiva, fundamento novo não constante da lide originária. 5
7 4. Não perde o Estado o direito de regresso se não denuncia a lide ao seu preposto. 5. É pacífico nesta Corte o entendimento de que a revisão do valor da indenização nos casos de responsabilidade civil do Estado esbarra no óbice da Súmula 7/STJ, exceto nos casos de valores irrisórios ou exorbitantes, o que não se afigura no caso concreto. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido. (RESP Nº RN (2007/ ) RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON 18/06/ DJe: 29/06/2009) Em recente julgado, de 2013, o Tribunal rejeitou agravo regimental com base no entendimento de que, nas ações de indenização fundadas na responsabilidade civil objetiva do Estado (CF/88, art. 37, 6º), não é obrigatória a denunciação da lide do agente público supostamente responsável pelo ato lesivo. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. ATO PRATICADO POR MILITARES. DENUNCIAÇÃO À LIDE. ARTS. 70, III E 76 DO CPC. NÃO OBRIGATORIEDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no entendimento de que, nas ações de indenização fundadas na responsabilidade civil objetiva do Estado (CF/88, art. 37, 6º), não é obrigatória a denunciação da lide do agente público supostamente responsável pelo ato lesivo. 2. Agravo regimental da UNIÃO desprovido. (STJ - AgRg no AREsp / RJ / Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO - PRIMEIRA TURMA - 19/03/ DJe 03/04/2013) 6
8 IV. Conclusão A nosso ver, ainda a matéria se encontra em debate no âmbito jurisprudencial. Da bibliografia consultada e que trata com propriedade da questão, há posicionamentos que defendem ambas as teses. Mas a tese de que seria adequada a denunciação à lide nos casos de responsabilidade objetiva parece estar perdendo força. Observe-se que os seus defensores DINAMARCO (2007) e THEODORO JÚNIOR (2009), por exemplo se apóiam em julgados da década de Parece ter havido evolução da jurisprudência do STJ no sentido de que, nas ações de indenização fundadas na responsabilidade civil objetiva do Estado (CF de 1988, art. 37, 6º), não é obrigatória a denunciação da lide do agente público supostamente responsável pelo ato lesivo. Poderíamos ir além para afirmar que, talvez, não seria nem mesmo a melhor alternativa do ponto de vista processual. Para tanto, nos filiamos às seguintes competentes observações de MORELO (2013): i) só caberia denunciação à lide em casos de ação de garantia, pois a derrota nessa ação já geraria responsabilidade do garante, automaticamente, como ocorre nos casos de evicção. Já na hipótese de ação de regresso, que é o caso da responsabilidade civil do Estado, não caberia a denunciação da lide, pois o agente público teria direito de se defender em outra ação, ele não terá seu direito tolhido; ii) a denunciação à lide poderia ferir o princípio da lealdade processual, pois, se a intervenção de terceiros ocorresse, seria uma confissão da responsabilidade civil do Estado, na medida em que ele reconhece expressamente a conduta dolosa ou culposa de seu agente. Além disso, a 3ª Turma do STJ ampliou a aplicação do art. 88 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe a denunciação da lide nas ações indenizatórias ajuizadas com fundamento nos arts. 12 a 17 do Código. 7
9 Até então, a Corte entendia que a vedação não abrangia os casos de defeito na prestação do serviço. Ao vedar a denunciação nesse processo, o STJ destacou que a empresa não teria dificuldade de exercer seu direito de regresso em outro processo e que a denunciação, em último estágio, só seria protelatória. Observe-se que, para esse caso, a decisão representou mudança jurisprudencial daquela Corte. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO A CONSUMIDOR. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 88 DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. 1. A vedação à denunciação da lide prevista no art. 88 do CDC não se restringe à responsabilidade de comerciante por fato do produto (art. 13 do CDC), sendo aplicável também nas demais hipóteses de responsabilidade civil por acidentes de consumo (arts. 12 e 14 do CDC). 2. Revisão da jurisprudência desta Corte. 3. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ - RECURSO ESPECIAL Nº SP (2009/ ) - Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO - TERCEIRA TURMA - 22/05/ DJe: 28/05/2012) Guardadas as devidas proporções, já que se trata de regras de direito privadas com proteção ao consumidor, sendo a litisdenunciação assim aplicada para a empresa privada, com muito mais razão deveria para o setor público ter sua restrição, uma vez este mantém intacto seu direito de regresso. Portanto, em se prevalecendo essa posição jurisprudencial, estariam respeitados os princípios do devido processo legal, da economia processual, da celeridade do processo e, com base na teoria do risco administrativo, o Estado estaria protegido porque, como já decido 8
10 pelo STJ, não perde seu direito de ação regressiva contra eventual culpa ou dolo na atuação de seus agentes, sendo essa a forma mais adequada de garantia de seu direito. Bibliografia MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Denunciação da lide ou ação regressiva em face do agente público nos casos de responsabilidade civil do Estado. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3541, 12 mar Disponível em: < Acesso em: 26 abr DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Revista Eletrônica de Jurisprudência. Julgados Diversos,
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