Os benefícios cardiovasculares do Exercício Físico
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1 N.º 44 Abr-Jun 2017 Pág Manuel Oliveira Carrageta Presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia Presidente da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia Os benefícios cardiovasculares do Exercício Físico Palavras-Chave: Exercício; Benefícios cardiovasculares Resumo Está bem documentada a existência de uma relação entre o exercício físico e a redução do risco de desenvolvimento de algumas doenças cardiovasculares, como a doença coronária e os acidentes vasculares cerebrais, assim como de fatores de risco cardiovasculares comuns, como a hipertensão arterial, a obesidade, a diabetes, etc. Várias instituições internacionais recomendam pelo menos 150 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada por semana para todos os adultos. Os exercícios aeróbios devem ser praticados diariamente, durante pelo menos 30 minutos, que podem ser divididos ao longo do dia, em períodos de 10 a 15 minutos. Em geral, considera se que cada sessão de esforço para ter propriedades cardioprotetoras deve ter pelo menos a duração de 10 minutos. Um estudo recente efetuado pela Fundação Portuguesa de Cardiologia mostrou que 67% dos Portugueses são sedentários e cerca de metade destes considera que o exercício físico não é interessante ou importante para a sua saúde. A caminhada é a atividade física preferida por 50% dos portugueses não sedentários. Durante o exercício há um risco aumentado de arritmias nos doentes com patologia cardíaca subjacente. No entanto, o treino continuado pode reduzir a ocorrência de 30 arritmias. O risco de morte súbita durante ou logo após o exercício é muito baixo, pelo que os benefícios do exercício superam largamente os riscos, quer no individuo sem doença, quer nos com doença cardiovascular. A avaliação médica, antes do início de um programa de exercício, tem por objetivo excluir a presença de doença coronária ou outras patologias que ponham em risco a vida do desportista. Contrariamente aos Norte Americanos, os Europeus, com base nos bons resultados obtidos em Itália, incluem o eletrocardiograma no rastreio pré participação. Introdução O organismo humano foi desenhado para o desempenho de uma vida ativa e variada. A vida moderna tem nos forçado a ter um estilo de vida sedentário, em que passamos tempo excessivo na posição sentada, com as deslocações baseadas na utilização de meios de transporte. Devido às limitações que a vida moderna nos impõe, devemos compensar as necessidades do corpo humano, dedicando algum tempo diário ao exercício. Os exercícios aeróbios são particularmente importantes para a prevenção e até melhoria de todas as doenças crónicas, em particular das cardio-
2 vasculares. Este tipo de exercícios mobiliza as grandes massas musculares, em movimentos repetidos e contínuos, como a marcha, o ciclismo, a corrida, a natação, o remo e a dança, etc., levando por adaptação do treino, o coração a bater de forma mais eficaz, isto é, necessitando de bombear menos vezes para produzir o mesmo trabalho. Por outro lado, ocorrem várias alterações favoráveis no músculo esquelético, a nível respiratório, metabólico e vascular. Várias instituições internacionais recomendam pelo menos 150 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada por semana, para todos os adultos1,2. Os exercícios aeróbios devem ser praticados diariamente, durante pelo menos 30 minutos, que aliás não necessitam de ser seguidos. Podem ser divididos ao longo do dia, em períodos de 10 a 15 minutos. Em geral, considera se que uma sessão de esforço para ter propriedades cardioprotetoras deve ter pelo menos a duração de 10 minutos seguidos. Como regra, estes exercícios devem ter uma intensidade suficiente para acelerar o ritmo cardíaco e levar nos a respirar um pouco mais fundo, ativando quer a circulação quer a respiração. O nível de esforço que efetuarmos não nos deve impedir de sermos capazes de falar durante o esforço. Os benefícios do exercício estão também ligados à intensidade do esforço, sendo maiores para esforços mais intensos. No entanto, os estudos têm mostrado que a maior parte dos benefícios cardiovasculares e metabólicos são obtidos com níveis de esforço de intensidade moderada. A este propósito convém esclarecer que existem diferenças entre o estado de saúde e a aptidão física (estar em forma). A saúde cardiovascular pode obter se praticando 30 minutos de marcha diária, enquanto a boa forma física exige a prática de exercícios mais intensa e alargada, cujos objetivos se inscrevem nos princípios do treino e que implicam uma progressiva adaptação a nível da complexidade, intensidade e duração do treino3,4. Um estudo recente efetuado pela Fundação Portuguesa de Cardiologia verificou que 67% dos Portugueses são sedentários e cerca de metade destes considera que o exercício físico não é interessante ou importante para a sua saúde. A caminhada é a atividade física preferida por 50% dos Portugueses não sedentários3. Benefícios do exercício físico Está bem documentada a existência de uma relação entre o exercício físico e a redução do risco de desenvolvimento de algumas doenças cardiovasculares, como a doença coronária e os acidentes vasculares cerebrais, assim como de fatores de risco comuns, como a hipertensão arterial, a obesidade, a diabetes, etc. 31
3 N.º 44 Abr-Jun 2017 Pág A maior parte da evidência dos benefícios do exercício baseia se em estudos observacionais, que sugerem que a prática regular de exercício reduz a mortalidade total 6,7. Os benefícios do exercício parecem ser dose dependentes. A evidência sugere que doses acima de 100 minutos/dia de exercício parecem não se associar a reduções adicionais das taxas de mortalidade 8. No estudo dos Harvard College alumni, com um seguimento de 12 anos, verificou se que os homens mais ativos tiveram uma redução de 23% do risco de morte em relação ao grupo de homens menos ativos 9. Também os dados do Framingam Heart Study mostraram que os indivíduos que desenvolviam mais exercício, quando comparados com o grupo com pouca atividade física, tinham, em média, um aumento da esperança de vida de 3,7 anos 10. O simples andar a pé também parece ser benéfico mesmo nos homens idosos. No Honolulu Heart Program foram estudados 707 homens com idade média de 69 anos, que participaram num programa de marcha diária 11, durante um período de 12 anos. Os homens que andaram mais de 3,2 km diários tiveram uma redução significativa da mortalidade relativamente ao grupo que andou menos de 1,6 km diários (23,8% versus 40,5%). Com base nos estudos atrás referidos, estima se que, por cada hora de exercício físico praticado, seja possível aumentar a longevidade em cerca de duas horas. Apontam se os seguintes mecanismos fisiológicos para explicar os benefícios do exercício físico: Alterações do perfil lipídico com redução dos triglicéridos e aumento das lipoproteínas de alta densidade; Melhoria dos fatores hemostáticos associados à trombose, com redução do fibrinogénio plasmático, dos fatores VIII, IX e de von Willebrand e o aumento do ativador do plasminogénio tecidual; Diminuição dos marcadores de inflamação (PCR e interleucina 6). É cada vez mais aceite que a inflamação desempenha um papel importante nos processos de aterosclerose 12 ; Redução da pressão arterial. Está documentada uma redução da pressão arterial em cerca de 5 a 14 mmhg, ao fim de quatro semanas de atividade física regular; Melhoria do controlo glicémico e da sensibilidade à insulina, assim como redução da taxa de progressão para diabetes. A síndrome metabólica foi avaliada num estudo prospetivo com 5,7 anos de seguimento, em 9007 homens e 1491 mulheres, que não tinham síndrome metabólica no momento de inclusão no estudo. Ao fim dos 5,7 anos de seguimento, a síndrome metabólica desenvolveu se em 15% dos homens e 3,8% das mulheres. Observou se um risco de síndrome metabólica significativamente mais alto nos grupos com menores índices de atividade física 13 ; Prevenção e redução da obesidade. Estudos comparando uma dieta para perda de peso com a mesma dieta associada a exercício físico, verificaram, no caso da intervenção conjunta, uma mais favorável modificação da composição corporal, com maior diminuição da gordura. Riscos cardiovasculares do exercício Durante o exercício há um risco aumentado de arritmias nos doentes com patologia cardíaca subjacente. No entanto, o treino continuado pode reduzir a ocorrência de arritmias, nomeadamente, através da atenuação da atividade simpática. A morte súbita ocorre raramente durante o exercício 14,15. No Physicians Health Study, 32
4 em que mais de homens foram seguidos durante 12 anos, o risco de morte súbita durante o exercício físico foi baixo (uma morte por 1,51 milhões de episódios) 16. No Nurses Health Study, que seguiu mais de mulheres, esse risco ainda foi mais baixo, (apenas uma morte por 36 milhões de horas de esforço) 16 e a prática continuada do exercício regular reduziu o risco de morte súbita. As causas que podem levar à morte súbita incluem a doença coronária, as arritmias, a doença estrutural cardíaca, as miocardites, etc. Nos indivíduos jovens as causas de morte mais frequentes são as doenças congénitas tais como a cardiomiopatia hipertrófica, as anomalias das coronárias e as miocardites, ao passo que nos indivíduos mais velhos, a causa dominante é a doença coronária. Como o risco de morte durante ou logo após o exercício é muito baixo, os benefícios do exercício superam largamente os riscos, quer no indivíduo sem doença, quer nos com doença cardiovascular 17. Embora os doentes com patologia coronária tenham maior risco de sofrer um enfarte do miocárdio quando sujeitos a grandes esforços, estes doentes quando participam num programa de atividade física têm menor risco de reenfarte e morte súbita do que aqueles que não praticam atividade física significativa. Um estudo prospetivo, com a duração de 12 anos, verificou que os doentes do tercil com atividade física mais intensa tiveram uma redução significativa de 40% do risco de sofrer enfarte do miocárdio relativamente ao tercil menos ativo 18. De igual modo, os benefícios da reabilitação cardíaca em doentes com patologia coronária foram comprovados numa metanálise de 63 ensaios aleatorizados com o total de doentes. Observou se uma redução de 17% do enfarte do miocárdio recorrente ao fim de um ano e de 47% da mortalidade total aos 2 anos 17. Uma outra metanálise de 48 ensaios aleatorizados, com o total de 8940 doentes com patologia coronária, mostrou uma redução significativa da mortalidade total de 20% 20. Num estudo mais recente de doentes da Medicare, hospitalizados por síndrome coronária aguda, submetidos a intervenção coronária percutânea ou a cirurgia de bypass, participaram num programa de reabilitação cardíaca. Ao fim de um ano, as taxas de mortalidade foram de 2,2% nos participantes no programa de reabilitação e de 5,3% nos não participantes. Este benefício manteve se ao fim de cinco anos 21. Avaliação médica antes do exercício O objetivo da avaliação médica antes do início de um programa de exercício, procura excluir a presença de doença coronária ou outras patologias que ponham em risco a vida do desportista. As Sociedades Científicas dos Estados Unidos e da Europa têm publicado recomendações para a avaliação clínica prévia dos jovens atletas, que são praticamente coincidentes 22,23. No entanto, há uma discordância relativamente à realização do eletrocardiograma, com os Europeus a favor da sua utilização e os Norte Americanos contra. A posição Europeia baseia se nos bons resultados obtidos em Itália com a inclusão do eletrocardiograma no rastreio pré participação 14. Por outro lado, existe consenso que a prova de esforço não é necessária nos doentes assintomáticos com baixo risco de doença coronária. Contudo, justifica se em alguns subgrupos. Embora os dados disponíveis não sejam sólidos para se atingir um consenso, muitos clínicos consideram vantajoso realizar uma prova de esforço nos indivíduos assintomáticos com múltiplos fatores de risco, como a hipercolesterolemia, a hipertensão arterial, a diabetes, o tabagismo ou com história familiar prematura de enfarte do miocárdio ou morte súbita. 33
5 N.º 44 Abr-Jun 2017 Pág Referências 1. Pate RR, Pratt M, Blair SN, et al. Physical activity and public health. A recommendation from the Centers for Disease Control and Prevention and the American College of Sports Medicine. JAMA. 1995; 273: World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Geneve, Kodama S, Sato K, Tanaka S, et al. Cardiorespiratory fitness as a quantitative predictor of all- -cause mortality and cardiovascular events in healthy men and women: a meta-analysis. JAMA. 2009; 301: Andersen LB, Schnohr P, Scholl M, et al. All- -cause mortality associated with physical activity during leisure time, work, sports, and cycling to work. Arch Intern Med. 2000; 160: Inquérito Nacional sobre atividade física. Fundação Portuguesa de Cardiologia. Mês de Maio, Leitzmann MF, Park Y, Blair A, et al. Physical activity recommendations and decreased risk of mortality. Arch Intern Med. 2007; 167: Wen CP, Wai JP, Tsai MK, et al. Minimum amount of physical activity for reduced mortality and extended life expectancy: a prospective cohort study. Lancet. 2011; 378: Arem H, Moore SC, Patel A, et al. Leisure time physical activity and mortality: a detailed pooled analysis of the dose-response relationship. JAMA Intern Med. 2015; 175: Paffenbarger RS Jr, Hyde RT, Wing AL, et al. The association of changes in physical-activity level and other lifestyle characteristics with mortality among men. N Engl J Med. 1993; 328: Franco OH, de Laet C, Peeters A, et al.effects of physical activity on life expectancy with cardiovascular disease. Arch Intern Med. 2005; 165: Hakim AA, PetrovichH, Burchfiel CM, et al. Effects of walking on mortality among nonsmoking retired men. N Engl J Med. 1998; 338: Hamer M, Sabia S, Batty GD, et al. Physical activity and inflammatory markers over 10 years: follow-up in men and women from the Whitehall II cohort study. Circulation. 2012; 126: LaMonte MJ, Barlow CE, Jurca R, et al. Cardiorespiratory fitness is inversely associated with the incidence of metabolic syndrome: a prospective study of men and women. Circulation. 2005; 112: Corrado D, Basso C, Pavei A, et al. Trends in sudden cardiovascular death in young competitive athletes after implementation of a preparticipation screening program. JAMA. 2006; 296: Dahabreh IJ, Paulus JK. Association of episodic physical and sexual activity with triggering of acute cardiac events: systematic review and meta-analysis. JAMA. 2011;305: Albert CM, Mittleman MA, Chae CU, et al. Triggering of sudden death from cardiac causes by vigorous exertion. N Engl J Med. 2000;343: Thompson PD, Franklin BA, Balady GJ, et al. Exercise and acute car-diovascular events placing the risks into perspective: a scientific state ment from the American Heart Association Council on Nutrition, Physi cal Activity, and Metabolism and the Council on Clinical Cardiology. Circulation. 2007;115: Whang W, Manson JE, Hu FB, et al. Physical exertion, exercise, and sudden cardiac death in women. JAMA. 2006; 295: Clark AM, Hartling L, Vandermeer B, et al. Meta- -analysis: secondary prevention programs for patients with coronary artery disease. Ann Intern Med. 2005;143: Taylor RS, Brown A, Ebrahim S, et al. Exercise- -based rehabilitation for patients with coronary heart disease: systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Am J Med. 2004;116: Hammill BG, Curtis LH, Schulman KA, et al. Relationship between cardiac rehabilitation and long-term risks of death and myocardial infarction among elderly Medicare beneficiaries. Circulation. 2010;121: Maron BJ, Thompson PD, Ackerman MJ, et al. Recommendations and considerations related to preparticipation screening for cardiovascular abnormalities in competitive athletes: 2007 update: a scientific statement from the American Heart Association Council on Nutrition, Physical Activity, and Metabolism: endorsed by the American College of Cardiology Foundation. Circulation. 2007; 115: Corrado D, Pellicia A, Bjornstad HH, et al. Cardiovascular preparticipation screening of young competitive athletes for prevention of sudden death: proposal for a common European protocol. Consensus Statement of the Study Group of Sport Cardiology of the Working Group of Cardiac Rehabilitation and Exercise Physiology and the Working Group of Myocardial and Pericardial Diseases of the European Society of Cardfiology. Eur Heart J. 2005; 26:
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