Vida nova Jovens contam como superaram doenças graves. Depois de um câncer de mama aos 23 anos, Dolores Cardoso teve um filho, escreveu um livro e

Transcrição

1 Sexta Vida nova Jovens contam como superaram doenças graves. Depois de um câncer de mama aos 23 anos, Dolores Cardoso teve um filho, escreveu um livro e mudou o rumo da vida profissional

2 FOLHA DA SEXTA FOLHA DE LONDRINA 7 DE NOVEMBRO DE 2014 COMPORTAMENTO EXEMPLOS Quando se fala em juventude dificilmente a palavra doença vem à cabeça. Ser jovem é sinônimo de energia, disposição e descobertas. Por isso, receber a notícia de que um amigo ou parente jovem está com uma doença grave causa tanta comoção. O segurança Jeferson Pereira, de 28 anos, a nutricionista Dolores Martins Cardoso, de 31, e a administradora hoteleira Helen Mendonça Orsi, de 32, descobriram DE VIDA Jovens que passaram por doenças graves falam sobre fé, superação e as experiências adquiridas que tinham câncer durante a juventude. Muito mais do que a doença, porém, os três têm em comum histórias de superação, otimismo e fé. Pereira tinha apenas 15 anos quando descobriu que tinha leucemia. Apesar de ter passado quase toda a adolescência em tratamento, o jovem nunca perdeu a 14

3 Transplante e esperança A administradora hoteleira Helen Mendonça Orsi tinha 29 anos de idade quando sua vida teve uma reviravolta de um dia para o outro. Logo após ser diagnosticada com leucemia, ela se mudou de Londrina para Curitiba, onde optou por fazer o tratamento e começou uma série de quimioterapias. Eu já era casada há quatro anos e meu marido e a minha mãe me acompanharam. Foi uma fase muito difícil, pois tinha que ficar internada e eram internações longas, muitas vezes sem poder receber visitas, relembra. Foi uma mudança de vida muito brusca. Saí de um hospital para ir para outro. Nem mala eu fiz para ir para Curitiba. Não tive tempo de me preparar, conta. O choque inicial, porém, logo foi superado por um imenso sentimento de confiança. A primeira coisa que eu perguntei para o médico foi: tem cura?, ele disse que sim e eu pensei, então é isso que eu vou buscar. Sempre imaginei que tudo ficaria bem. Sabia que seria difícil, mas pensei: não é o nome da doença que vai me assustar. Tomei aquele período como um ano sabático, uma pausa para conseguir atingir a cura, analisa. Além das quimioterapias, Helen também precisou de um Helen Orsi, de 32 anos, teve leucemia e passou por transplante de medula óssea: Sabia que seria difícil, mas pensei: não é o nome da doença que vai me assustar transplante de medula óssea. Como não havia familiares compatíveis, a administradora precisou esperar por um doador anônimo, que apareceu seis meses depois. Após passar pelo transplante, outro período de desafios começou. É uma fase muito delicada e de isolamento. O contato com as pessoas é restrito, pois a imunidade é muito baixa, explica. Para vencer essa etapa, ela se apoiou nos amigos que fez no hospital e no trabalho, que graças à internet pode ser feito de maneira remota, mesmo que de vez em quando. Curada e com sua fé fortalecida, hoje Helen quer realizar mais um sonho: conhecer a pessoa que lhe doou a medula. Como a doação é anônima, a única coisa que sei é que se trata de uma mulher, que mora no Brasil e da minha faixa etária. Só depois de 18 meses após o transplante é que permitem que se conheça o doador. Eu já manifestei a vontade de conhecê-la, mas ainda não tive resposta, conta. Seria um momento muito especial, pois é uma pessoa que, mesmo eu não conhecendo, está muito presente na minha vida e nas minhas orações. Durante o tratamento, vendo a falta de informação que ainda se tem sobre doação de medula, Helen criou um blog ( onde é possível saber tudo sobre como funciona a doação e o transplante de medula. O intuito é conscientizar as pessoas sobre a importância da doação, relata. (B.Q.) Foto: Ricardo Chicarelli

4 Luta na adolescência Com 15 anos de idade, Jeferson Pereira, que trabalha hoje como segurança, precisou interromper sua rotina de adolescente para enfrentar o tratamento contra a leucemia. Ao todo, foram quase três anos de quimioterapias frequentes. Eu tinha 15 anos e comecei a sentir muita fraqueza. Começaram a aparecer algumas manchas roxas no meu copo e fui fazer um exame de sangue. Quando a médica me deu a notícia foi o momento mais difícil. Ela disse para eu não me desesperar, que ia dar tudo certo, mas foi um baque. Pensei em tudo o que já tinha passado e cheguei a pensar no pior, relata. De acordo com Pereira, apesar do susto inicial, ele sempre foi positivo. Minha mãe e minha família foram a minha sustentação. Foi tudo de uma hora para outra. Eu jogava bola, estudava e tive que dar um tempo por causa do tratamento. Eu passava muito mal e precisava ficar internado, então só voltei a estudar depois que terminei tudo, conta. Segundo o segurança, o tratamento pelo qual ele passou era novo e havia começado há ser testado há poucos meses. Foram várias sessões de quimioterapia durante cerca de três anos. Teve uma época em que eu tomava os medicamentos quase todo dia, ou a cada dez dias. De três em três meses o tratamento era alterado e iniciávamos uma nova etapa. Já com 18 anos, Pereira recebeu a notícia de que o tratamento havia tido sucesso e de que ele estava curado. Foi uma sensação de alívio e de superação. Agradeci muito. Cheguei a fazer exames para ver se as minhas duas irmãs eram compatíveis, caso precisasse de um transplante, e as duas eram. Mas não foi necessário, relembra. Da experiência, o jovem tira várias lições. Acho que amadureci mais rápido. Além disso, muitas coisas que eu considerava como problema antes, hoje tiro de letra. Casado e pai de um menino de nove meses, Pereira comemora o fato de nunca ter desistido de lutar pela vida. Hoje vejo meu filho e até esqueço do sofrimento. Apenas agradeço muito e vejo que todos os momentos valeram a pena. (B.Q.) Foto: Rei Santos

5 Apenas agradeço muito e vejo que todos os momentos valeram a pena, diz Jeferson Pereira, com a esposa Bruna e o filho Kauan fé. Não pensava muito nas coisas que estava deixando de fazer. Meu foco era superar aquilo. Me curar. Minha família me deu muito apoio e eu nunca desanimei. Ao final dos quase três anos de tratamento, Pereira fez questão de agradecer pela saúde e pela vida. Eu e minha avó fizemos promessa e fomos até Aparecida do Norte para pagar. Nesse período de tratamento aprendi muito. A gente passa a dar valor em muitas outras coisas, reflete. No caso de Dolores, que descobriu um câncer de mama aos 23 anos, não foi diferente. Foi a fé e o apoio da família que deram suporte à jovem durante o período de tratamento. Independentemente da religião, ter fé de que tudo vai dar certo ajuda muito a superar esse período, assim como o apoio dos amigos e da família. Sempre tentei pensar que ia ser só uma fase e que eu ia sair melhor de tudo isso, conta. Hoje sinto que Deus me manda sinais nítidos da presença Dele o dia inteiro, acrescenta. Para Helen, que teve leucemia aos 29 anos, a luta contra o câncer significou uma aproximação ainda maior com a religiosidade. Sempre tive muita fé, mas consegui me entregar mais a Deus neste momento. Você passa a ver que não é ninguém e que não faz nada sozinho. Não consigo me imaginar passando por um momento tão difícil sem ter fé. Por isso, desde o começo confiei muito e pedi a Deus para que ele realizasse em mim a cura, valoriza. Hoje, além de estar curada, vejo minha família muito mais unida. A gente acaba sendo transformado por uma experiência como essa, afirma. Bruna Quintanilha Reportagem Local Hoje sinto que Deus me manda sinais nítidos da presença Dele o dia inteiro Tomei aquele período como um ano sabático, uma pausa para conseguir atingir a cura Foram várias sessões de quimioterapia durante cerca de três anos

6 O Miguel veio na hora certa para expulsar tudo de ruim de mim.ele nasceu um ano depois de eu ter terminado a quimioterapia Novos rumos Dolores Martins Cardoso tinha 23 anos e estava no último ano da faculdade de direito, quando, tomando banho, sentiu um nódulo em seu seio. Fiz exames e descobri que precisaria fazer a cirurgia, conta. Como o tumor era grande, Dolores precisou fazer quimioterapia durante seis meses, antes de se submeter à operação. Quando descobri fiquei em choque. Não tinha histórico nenhum na família e ficava pensando por que?. Mas nunca fui negativa. Queria que tudo terminasse logo para nunca mais ter que passar por aquilo, conta. Segundo Dolores, o momento mais difícil foi o da quimioterapia. Sempre fui muito vaidosa e perder o cabelo foi horrível. Quando ele começou a cair foi tão desesperador que resolvi raspar. Ver que eu não tinha mais cabelos, sobrancelhas e cílios foi ter certeza de que eu estava doente. Me olhar no espelho era muito difícil, explica. Mas depois os dias vão passando, você vê que consegue se recuperar, vê que consegue passar pelas dificuldades e tudo vai melhorando. Neste período, ela iniciou um blog, o Paz, Amor e Quimioterapias, que posteriormente deu origem a um livro, com o mesmo nome. No livro, Dolores divide a narrativa com a sua mãe para contar sua história. Para ela, passar pela doença significou uma grande mudança de vida. Dolores e o marido, Mário Henrique Cardoso, se conhe- Dolores Cardoso, de 31 anos, com o marido, Mário Henrique Cardoso e o filho Miguel: guinada na vida após câncer de mama no auge da juventude ceram dias antes dela ser diagnosticada. Ele ficou ao meu lado durante todo o tratamento. Me levava para passear, para viajar, sempre me dando apoio. Os dois oficializaram a união um ano depois, quando Dolores descobriu que estava grávida. Descobri a gravidez meses depois da cirurgia, e já estava de 12 semanas. Apesar de ter ficado preocupada e de ter sido inesperado, tive a certeza de que aquilo era um presente. O Miguel (hoje com 6 anos) veio na hora certa para expulsar tudo de ruim de mim. Ele nasceu exatamente um ano depois de eu ter terminado a quimioterapia. A vida profissional também mudou de rumo e, em 2010, Dolores entrou no curso de nutrição. Me formei no ano passado. Resolvi fazer nutrição para entender como funcionam os alimentos. O fato de ter perdido a saúde por um tempo me fez querer levar a vida da melhor forma, valorizando hábitos saudáveis. Hoje, a nutricionista é sócia de um restaurante de refeições saudáveis e tenta levar para mais pessoas o estilo de vida que adotou para si mesma. (B.Q.) Foto: Saulo Ohara