Liberdade de Imprensa na China

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1 Liberdade de Imprensa na China Por Co-Grupo da China Amnistia Internacional Portugal 1. A situação de Direitos Humanos na República Popular da China A China actual apresenta um desenvolvimento económico imenso, graças à política de abertura ao exterior iniciada por Deng Xiaoping nos anos 90, assente nas seguintes dualidades: primeiro desenvolve-se o Leste e só depois o Oeste, a prioridade de desenvolvimento é o meio urbano e a população Han o meio rural e os não Han virão depois. Estes princípios resultaram nas enormes desigualdades económicas e sociais hoje existentes na China, entre regiões e entre populações e também nas tensões verificadas recentemente nas zonas rurais e entre as minorias étnicas (Tibetanos e Uigures), não Han e habitantes de zonas situadas no Ocidente da República Popular da China (RPC) A par deste sistema em que o fosso entre ricos e pobres é cada vez maior, o regime político continua a ser ferozmente repressivo e não respeita os compromissos internacionais assumidos nem as suas próprias leis a China não age como um estado de direito. São frequentes as detenções administrativas, as detenções dos defensores dos direitos humanos, jornalistas e utilizadores da Internet, as minorias étnicas são discriminadas e a pena de morte continua a ser amplamente utilizada, sendo que a China é responsável por mais de 72% das execuções efectuadas no mundo (atendendo apenas aos dados oficiais divulgados pela RP). Segundo o historiador chinês Qi Hui, professor da Universidade Qinghua, de Pequim, a ausência de direitos sociais é um dos factores determinantes da grande expansão económica chinesa dos últimos decénios. A falta de liberdade de imprensa A ausência de direitos sociais, num país onde a contestação laboral aumenta, por vezes de forma violenta, só persiste porque os direitos civis e políticos também são fortemente reprimidos. Entre eles, um dos mais importantes é o do direito de expressão, nomeadamente o da liberdade de imprensa. O amordaçar da liberdade de imprensa é uma tentativa de controlo da sociedade chinesa, calando as suas reivindicações, os seus justos protestos. São detidos e condenados a penas de prisão após julgamentos injustos pessoas que: - advogaram mudanças políticas e democráticas (Yang Tongyan, Huang Jinqiu, Liu Xiaobo) - divulgaram notícias através da Internet (Shi Tao, Wang Xiaoning, Li Zhi). - tentaram que fosse seja feita justiça por danos sofridos por familiares de vítimas (Tan Zuoren, Huang Qi). - tentaram defender vítimas de abusos e outros defensores dos direitos humanos (Chen Guangchen, Gao Zhisheng, Hu Jia e Zeng Jinyan). - por questões religiosas ou de nacionalidade: Tibetanos (budistas), Uigures (muçulmanos), adeptos do movimento espiritual Falun Gong (You Zhou e Xu Na). A comunicação social é usada para difundir as grandes realizações chinesas, com as quais a China pretende impor-se na sociedade global (Jogos Olímpicos de Pequim, 2008, comemorações do 60º 1

2 aniversário da fundação da República Popular da China, 2009, Exposição de Xangai, 2010), ajudando-a a conquistar mercados. Mas a comunicação social é alvo de inúmeras restrições no seu trabalho e de perseguições logo que tenta difundir informação considerada não favorável aos interesses do Governo Chinês. Visando os Jogos Olímpicos de 2008, em Setembro de 2006 foram introduzidas regulamentações que reforçavam o controlo oficial sobre o conteúdo e distribuição na China das notícias das agências estrangeiras. Se por um lado a China parecia mostrar uma maior abertura para os jornalistas estrangeiros, com a concessão de inúmeras licenças de entrada no país a partir de 1 de Janeiro de 2007 e com a promessa de que poderiam circular livremente na China e realizar reportagens, a prática contradizia esta pseudo abertura mal os jornalistas abordavam áreas sensíveis. Um exemplo é o do correspondente da Reuters, Chris Buckley que em Setembro de 2007 foi atirado ao chão e pontapeado nas costas por vários indivíduos não identificados quando investigava centros de detenção secreta de peticionários (pessoas que procuram justiça através de petições dirigidas directamente aos dirigentes chineses) em Pequim. A sua câmara de fotos, o caderno de apontamentos, o telemóvel e a carteira foram-lhe roubados e ele foi ameaçado de morte devido à sua investigação. Também Clifford Coonan, jornalista do Irish Times e um fotógrafo que o acompanhava foram obrigados a apagar a reportagem que tinham feito com os familiares de uma criança morta sob os escombros da sua escola durante terramoto de Sichuan. As derrocadas das construções escolares foram atribuídas à má construção devido a corrupção. Eles tiveram de limpar o cartão de memória da sua máquina fotográfica e foram obrigados a deixar a zona. A Exposição de Xangai que abriu no dia 1 de Maio de 2010 tem como lema Uma melhor cidade uma vida melhor. Contudo este é uma palavra de ordem enganadora para mais de famílias que foram despejadas das suas casas para preparar o grande show tecnológico e de inovação da China. Desde o fim de Fevereiro que muitos activistas do direito à habitação têm sido detidos ou estão sob apertada vigilância para os impedir de falar com os jornalistas. As três mulheres da figura seguinte são, da esquerda para a direita: Shen Peilan, Mao Hengfeng e Jin Yuehua. Todas foram perseguidas, detidas e maltratadas por defenderem o direito à habitação dos habitantes de Xangai. Shen Peilan Mao Hengfeng Jin 2

3 2. A perseguição aos utilizadores da Internet Em fins de 2007 estimava-se em 210 milhões o número de utilizadores de internet, o que torna a China um mercado apetecível para as grandes multinacionais (Yahoo, Microsoft, Google). Os chineses vêem na Internet uma via de acesso/abertura ao mundo e também um meio de comunicação interna e de denúncia de injustiças. O uso da Internet na China está condicionado por mais de 60 regras e regulamentos e os servidores utilizam poderosos filtros (na sua maioria fornecidos pelas multinacionais que providenciam os serviços) para bloquearem notícias, sites, blogs, redes sociais em que apareçam palavras como: direitos humanos, democracia, liberdade, Tiananmen, Falun Gong, Tibete, Dalai Lama, Urumqi, etc. Segundo um estudo de Harvard, pelo menos sites estavam bloqueados na China em Os chineses tentam contornar estes obstáculos, a que chamam a Great Firewall of China, utilizando servidores com base em Hong Kong e no estrangeiro ou utilizando redes sociais tais como o Twitter, o Flickr, o YouTube. No início de 2010 a Google deixou de operar na China (mainland) após ter detectado a tentativa de intrusão nas suas redes através de potentes computadores chineses, deslocando as suas instalações para Hong Kong. A Amnistia Internacional tem provas de que pelo menos 54 internautas chineses estão detidos por utilizarem a Internet em actos como: - pugnar pela democracia através de textos colocados na Internet (Yang Tongyan, Huang Jinqiu, Liu Xiaobo) - divulgar notícias para fora da China (Shi Tao) - divulgar a repressão e pedir justiça para as vítimas (Huang Qi, Tiananmen) - pedir o fim da corrupção (Li Zhi, Sichuan) Tentativa de controlo de SMS Durante as manifestações no Tibete em 12 de Março de 2008 e durante os confrontos em Urumqi e em Kashgar, no Xinjiang, com início em 5 de Julho de 2009, as autoridades chinesas ameaçaram com prisão as pessoas que fossem apanhadas a enviar mensagens SMS pois que muitas das notícias da repressão foram dadas a conhecer por este meio. Construir uma Internet chinesa Apesar de todos os meios técnicos utilizados e de mais de pessoas a trabalharem continuamente para tentar filtrar e bloquear as notícias na Internet, o sucesso destas acções é apenas parcial. Por isso a China construiu um sistema de Internet que funciona com as suas próprias regras de modo a substituir-se aos fornecedores de serviços estrangeiros, nomeadamente às Yahoo, Microsoft e Google é a IPv4 (Internet Protocol version 4). Contudo este sistema tem uma pequena capacidade para acolher os endereços IP chineses de modo que o sistema acolheu apenas 125 milhões, contra os 1,4 mil milhões que foram acolhidos por empresas ou particulares americanos. Neste momento a China trabalha afincadamente no sistema IPv6 capaz de dispor de milhares de milhões de endereços e que também pretende controlar os SMS enviados ou recebidos na China. 3

4 3. Casos individuais: Yang Tongyan, escritor, escreveu ensaios apoiando mudanças políticas e democráticas na China. Condenado a 12 anos de prisão por subversão em Maio de Huang Jinqiu, escritor e jornalista, detido em 2003, está a cumprir uma sentença de 12 anos de prisão, após ter colocado na internet ensaios políticos, incluindo um plano para fundar o Partido Democrático Patriótico da China. Foi acusado de subversão. Liu Xiaobo, intelectual, co-autor e primeiro signatário da Carta 08 que, em analogia com a Carta 77 lançada pela dissidência checa em 1977 (Václav Havel), pretende pressionar os dirigentes chineses para que respeitem os direitos humanos, o estado de direito e a liberdade (de expressão, de associação, de manifestação, de liberdade religiosa) e em que se apela à democratização do regime. A Carta 08 foi colocada na Internet na véspera do 60º aniversário da declaração universal dos Direitos Humanos. Em uma semana a Carta 08 foi assinada por milhares de chineses. Liu Xiaobo foi detido em 8 de Dezembro de 2008 e foi acusado de incitar à subversão Shi Tao, jornalista, escritor e poeta, foi condenado em 2005 a 10 anos de prisão por ter enviado um para os EUA em que dava a conhecer um comunicado do Departamento Central de Propaganda Chinês, sobre a forma como os jornalistas deviam abordar o 15º aniversário do massacre da Praça de Tiananmen. Foi acusado de fornecer ilegalmente segredos de estado a entidades estrangeiras. A Yahoo contribuiu para a sua prisão, abrindo a sua conta de utilizador às autoridades chinesas que aí foram recolher provas. Huang Qi, activista dos direitos humanos. Esteve preso entre Agosto de 2001 e Junho de 2005 por ter divulgado na Internet os nomes de pessoas detidas depois da repressão de 4 de Junho na Praça de Tiananmen. Voltou a ser detido em Junho de 2008 por ter prestado assistência jurídica a 5 famílias, cujos filhos morreram debaixo dos escombros das suas escolas durante o terramoto de Sichuan. As famílias acreditam que a corrupção das autoridades locais resultou na má qualidade de construção de edifícios públicos, entre os quais as escolas sob as quais morreram os seus filhos. Foi acusado de uso indevido de documentos classificados como secretos e condenado em 23 de Novembro de 2009 a 3 anos de prisão, num julgamento à porta fechada e ao qual os seus advogados foram impedidos de assistir 4

5 Hu Jia, activista que iniciou as suas actividades advogando os direitos dos portadores de HIV/SIDA, tendo sido um dos fundadores do Instituto Aizhixing de Educação para a Saúde, em Pequim. Posteriormente alargou as suas actividades a outros direitos humanos. Em Novembro de 2007 participou, via webcam, numa audição do Parlamento Europeu, em Bruxelas durante a qual afirmou que a China tinha falhado em cumprir as suas promessas de melhorar os direitos humanos. Hu Jia Defensor dos direitos humanos. A cumprir pena de prisão Zeng Jinyan Mulher de Hu Jia Foi acusado de incitamento à subversão e condenado em 3 de Abril de 2008 a 3 anos e 6 meses de prisão, após um julgamento em que o seu advogado quase não poude intervir. A sua mulher, Zeng Jinyan, esteve sob prisão domiciliária, com o seu bébé então com um ano. Hu Jia tinha hepatite B aquando da sua detenção e a sua saúde tem-se vindo a deteriorar de uma forma preocupante, tendo-lhe sido detectada na prisão uma massa de 3cm no fígado que a família teme que possa ser cancro. Embora, à luz da lei chinesa, esteja em condições para ser libertado condicionalmente para tratamento médico, os requerimentos feitos pela mulher têm sido rejeitados. 3 de Maio de 2010 Maria Teresa Nogueira (Co-Grupo da China da Amnistia Internacional) 5