Dinâmicas das Redes Criminais e as Políticas Públicas na Fronteira Brasil/Paraguai: o caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero

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1 35 Dinâmicas das Redes Criminais e as Políticas Públicas na Fronteira Brasil/Paraguai: o caso de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero Dynamics of Criminal Networks and Public Policies on the Border Brazil / Paraguay: the case of Ponta Porã and Pedro Juan Caballero Thalita Cordeiro Pereira, pereira.thalita95@gmail.com Camila Caldeira Nunes Dias, camila.dias00@gmail.com Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo, São Paulo Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo compreender a dinâmica das redes criminais relacionadas ao narcotráfico atuantes ao longo da fronteira entre Brasil e Paraguai, com foco na região de Ponta Porã (MS) e Pedro Juan Caballero (PY). Também foi realizado um levantamento sistemático das ações do poder público que são implementadas na região, além de uma análise dos possíveis impactos dessas ações em torno das dinâmicas criminais descritas a partir de relatórios oficiais nacionais e internacionais e de notícias da imprensa. Palavras chave: Dinâmicas Criminais. Narcotráfico. Fronteira. Políticas Públicas. Abstract: This research aimed understanding the dynamics of criminal networks related to drug trafficking along the border between Brazil and Paraguay, focusing on the region of Ponta Porã (MS) and Pedro Juan Caballero (PY). The research included a systematic survey of the public policies implemented in the region, besides an analysis of the impacts of these actions on criminal dynamics described from national and international official reports and press releases. Keywords: Criminal Dynamics. Drug Trafficking. Border. Public Policies.

2 36 1. Introdução As transformações promovidas pelas reformas políticas e econômicas ao longo da década de 90, em conjunto com as inovações tecnológicas, reestruturaram a sociedade global, a dilatação dos mercados, a desregulamentação de economias anteriormente fechadas ou fortemente controladas, a intensificação do fluxo e comércio de capitais, entre outras ações, ampliando a integração mundial. As redes criminais acompanharam esse processo, beneficiando-se diretamente dele, descentralizando redes hierárquicas fixas (além de haver um aumento de capilaridade), flexibilizando as relações transnacionais, adquirindo papéis cada vez maiores. A intensificação das atividades ilícitas provocou o aumento significativo do montante de dinheiro gerado ilegalmente, assim como o investimento desses valores na economia legal. A economia global viu uma integração das movimentações criminosas aos seus fluxos monetários. O Brasil imerso neste contexto global e em uma região com importantes cultivos e produções de alguns ilícitos, sofre impactos desta nova ordem. De acordo com a FLACSO 1 em seu relatório Crimen Organizado en América Latina y el Caribe, o país ingressou no tráfico de drogas primeiro no papel de corredor de exportação para a Europa e os EUA, para em seguida desenvolver um próspero mercado consumidor interno (2008, p. 231). Um exemplo disso é que da estimativa de 2.4 milhões de usuários de cocaína existentes na América do Sul, cerca de um milhão ou seja, quase 50% - são brasileiros (UNODC, 2010). De acordo com a mesma instituição, em 2012 o Brasil foi o maior consumidor latinoamericano de maconha, com 8,8% da população tendo consumido a droga naquele ano, tornando o Brasil o 16º país consumidor no mundo. Com o sucesso do empreendimento, uma nova demanda fez-se necessária: 1 A Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) é um organismo internacional, autônomo e de natureza intergovernamental, fundado em 1957 pelos Estados Latino-Americanos que acolheram uma recomendação da XI Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) visando a realização de atividades cooperativas realizadas pelos 19 Estados-membros.

3 37 Com a droga, vieram as armas para proteger as atividades e servir aos diferentes bandos na disputa por território e influência. [...] As armas passaram a ser contrabandeadas do exterior, geralmente pelos mesmos canais das drogas, ou a serem desviadas do mercado legal até o ilegal dentro do país, sexto produtor de armas de pequeno porte do mundo. (FLACSO, 2008, p. 231) A intensificação dos fluxos de mercadorias, pessoas e valores fez com que as áreas de fronteira adquirissem uma importância crescente no cenário econômico e político contemporâneo. Com o incremento da circulação de mercadorias ilícitas, o problema da fronteira não se restringe mais à discussão acerca da soberania e defesa nacional e, sim, se coloca em termos de reflexões sobre a segurança pública e a criminalidade violenta presente nos grandes centros urbanos brasileiros. Com as novas atribuições e importâncias das cidades que fazem fronteira com outros países, se faz necessário destacar a diferença da concepção de faixa de fronteira e zona ou área de fronteira. Faixa de fronteira pode ser designada como uma linha geopolítica estipulada em acordos e tratados e que está referida a espaços delimitados concretamente e que dizem respeito à soberania nacional (SILVA & OLIVEIRA, 2008). A área de fronteira ou zona fronteiriça, por sua vez, é mais abrangente, menos formal e está referida a um cenário de fluxos e interações transfronteiriças que apresenta um conjunto de múltiplas relações econômicas, sociais, políticas, culturais etc. que se estabelecem num espaço transnacional (IDEM). A concepção de fronteira adotada nesta pesquisa está referida à área de fronteira, que remete a ideia de espaços de fluxos intensos, limites territoriais não demarcados rigidamente e dinâmicas sociais, econômicas e políticas peculiares. A partir da observação deste cenário, a seguinte pesquisa visou compreender pontos específicos de análise, podendo ser assim elencados: descrição dos principais mercados ilícitos presentes na região de Ponta Porã/Pedro Juan Caballero; levantamento das políticas públicas municipal, estadual e federal implementadas na região acima especificada;

4 38 análise dos impactos das ações do Poder Público sobre a região, com foco nos mercados ilícitos. Dada a natureza do objeto de estudo, a investigação foi baseada em dados obtidos por meio de fontes secundárias de informação. Através de relatórios oficiais e do cruzamento de informações apresentados por eles, consideramos que é possível fazer uma descrição das dinâmicas do comércio ilícito da região de Ponta Porã/Pedro Juan Caballero. Foram analisados relatórios atualizados de entidades internacionais, dentre eles o escritório sobre crime e drogas da Organização das Nações Unidas (UNODC), Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) e Instituto Latino-americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (ILANUD). Além de examinar pareceres e relatórios emitidos por órgãos nacionais, dentre eles a Polícia Federal e os Ministérios da Defesa, das Relações Exteriores e da Integração Nacional, nossa análise será baseada no estudo dos relatórios finais das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) referentes ao narcotráfico (ocorrida entre 1999 e 2001) e ao tráfico de armas (ocorrida entre 2005 e 2006). Além desses materiais, o acompanhamento sistemático de reportagens jornalísticas nacionais ou regionais, brasileiras ou paraguaias, foi essencial para atualizar as informações acerca das dinâmicas criminais transfronteiriças, a partir da elaboração de um banco de dados com estas fontes, assim como um banco de dados relativo às ações do poder público na região, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, considerando ações de caráter preventivo ou repressivo. A partir daí, foi construída uma análise voltada para as ações do estado no enfrentamento a essa modalidade de economia ilícita e os seus efeitos na região estudada. Literatura sobre o tema, relatórios oficiais e imprensa de fronteira foram primordiais para verificar o contexto da referida região em relação às medidas governamentais adotadas, as quais buscavam coibir ações ilegais nessas regiões limítrofes do Estado Nacional.

5 39 2. Desenvolvimento e Demonstração dos Resultados O consumo de drogas, segundo a UNODC 2, ao analisar a faixa de anos de idade, tem permanecido estável, sendo que em 2013 cerca de um quarto de bilhão de pessoas tenham utilizado algum tipo de droga. Quando se verifica a proporção de pessoas que são usuários ou que usaram drogas no ano de 2013 a partir das regiões do mundo, nota-se que na Ásia e na Europa, a proporção de drogas de produção característica da América do Sul, como a cocaína e a maconha ainda não são os maiores casos se comparado com África, América do Norte, América Latina e Caribe. É interessante salientar que, na América Latina e Caribe, é notado o quanto a maconha e a cocaína são mais utilizadas do que outras drogas, o que sugere que esse destaque se deve a facilidade com que as drogas podem ser encontradas, já que é na região da América do Sul em que há a concentração da produção mundial de cocaína e há, ainda, grande concentração de plantação de maconha em países como o Paraguai (World Drug Report, 2015). Com relação ao cultivo, o Relatório Mundial Sobre as Drogas de 2015 enfatiza que a Cocaína possui níveis mais baixos de cultivo desde o início do registro, apresentando uma queda de 18% no cultivo peruano de 2012 para 2013 e de 9% no boliviano. Contudo, esse resultado não garante uma redução no consumo, pois o avanço na tecnologia tem feito com o que se produzisse mais derivados dessas substâncias com um número menor de produto-base. É importante salientar em relação ao cultivo que, segundo Okamoto (2011), o Paraguai aparece como o maior produtor de maconha da América do Sul (aproximadamente 59% do total produzido no continente) e Colômbia, Peru e Bolívia juntos produzem praticamente 100% da cocaína 5 consumida em todo o planeta - 43%, 38% e 19%, respectivamente (lembrando que as porcentagens são relacionadas ao período de produção do trabalho). 2 A UNODC é a agência Nações Unidas que visa buscar um apoio aos países para o desenvolvimento de suas legislações nacionais com base nas três Convenções já realizadas pela ONU na temática sobre as drogas (a Convenção Única sobre Entorpecentes (1961), emendada pelo protocolo de 1972; a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (1971) e a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (1988)), assim como auxilia estes mesmos países a desenvolverem respostas para as problemáticas que envolvem as questões das drogas atualmente.

6 40 O narcotráfico abriu espaço para uma variedade de outros comércios ilícitos desde o contrabando de mercadorias originais e pirateadas até o tráfico de órgãos e de pessoas e o crime organizado finalmente foi adquirindo proporções internacionais. Adota-se aqui a definição estabelecida pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, United Nations Convention against Transnational Organized Crime, que entrou em vigor em 2003 e considera como crime organizado transnacional qualquer ofensa internacional séria realizada por três ou mais pessoas com o intuito de obter ganhos materiais (UNODC, 2010). Podemos discutir as limitações desta definição, mas, a utilizaremos como um ponto de partida para esta análise. O comércio ilegal de armas está intrinsecamente articulado ao narcotráfico essencialmente em razão de seu caráter ilícito, portanto, da necessidade de manutenção de mercado e do domínio territorial, bem como pelo fato de que é comum a utilização das mesmas rotas e dos mesmos grupos no transporte desses dois tipos de mercadorias ilícitas ao Brasil. Números de uma pesquisa realizada pelo Instituto Viva Rio em 2005 mostram que armas estariam em circulação no Brasil, sendo que 90% seriam particulares, e não pertencentes ao Estado. Além disso, cerca de 50% delas, algo em torno de armas, não seria legalizada e estariam nas mãos do crime organizado. Constatou-se ainda que a grande maioria dessas armas, em geral de pequeno porte, foi vendida legalmente, chegando posteriormente à ilicitude (FLACSO, 2008). O aumento dos homicídios e da violência urbana no Brasil e análises corrente que associam esse incremento da violência com a entranda de armas e de drogas através das fronteiras brasileiras, fez com que nos últimos anos se intensificassem as iniciativas do governo federal no que diz respeito às regiões de fronteiras Políticas Públicas e fronteiras: repressão e desenvolvimento Com a importância de se buscar maior interesse da classe política e da sociedade civil, projetos como a Estratégia Nacional de Defesa (END), assinada em 2008, apareciam como um progresso no tema em questão. A iniciativa colombiana por trás da Combifron, a qual visa estabelecer acordos bilaterais com países que faz fronteira, principalmente, pela busca de informações acerca da

7 41 movimentação de guerrilhas e do narcotráfico (o grande problema atual do país) aparecia como uma ação governamental nas ações de colaboraçào estratégica entre os países da América Latina. Partindo para uma análise continental, um dos grandes motivos para a falta de interesse, elaboração, conclusão de grandes projetos de Defesa nacionais e bilaterais nos países da América do Sul, por exemplo, pode ser a ausência de conflitos na região. A Política Nacional de Defesa (BRASIL, 2012) admite que a ausência de conflitos armados em território brasileiro ao longo do século XX tem feito com que a percepção de ameaças esteja desvanecida para muitos brasileiros. Provavelmente essa ocorrência deve existir nos países vizinhos também. Geralmente, em países latino-americanos, há a dificuldade de interesse da classe política pelo tema da defesa e, de acordo com Pion-Berlin e Trinkunas (2007), os governos civis acabam por delegar aos militares a tomada de decisão nos diversos setores de defesa. A partir disso, nota-se a importância das Forças Armadas que, atualmente, vem ganhando cada vez mais força no aspecto de defesa das fronteiras nacionais brasileiras. Como observado na pesquisa concluída em 2014, por motivos que parecem estar intrinsecamente ligados ao maior patrulhamento na fronteira Centro-Sul do país, encarecendo o transporte de ilícitos, aliado a busca de maiores investimentos na infraestrutura de cidades do Norte do país, como a Estrada do Pacífico (a qual visa fazer uma ligação do Brasil com o Oceano Pacífico), as facções criminosas têm começado a olhar para a região Norte do país como um potencial corredor para o transporte de ilícitos, porém, enquanto que em outras regiões as apreensões de drogas são muito mais comuns e em quantidades extremamente maiores, a utilização do Norte parece ainda estar no seu início (podendo vir a tornar-se importante no futuro). Assim, pode-se observar que no Brasil as políticas públicas de fronteira voltam-se para aspectos territoriais clássicos, há certo consenso entre as autoridades políticas de que a guerra com países da América do Sul é improvável, abrindo janelas de oportunidade para que os militares voltem-se a temas como recursos naturais ligados à Amazônia e a Amazônia Azul, tema de muita preocupação atualmente. Na fronteira do Centro-Oeste nota-se que há uma ausência de ameaças de guerras formais, porém, existe uma notória fragilidade no controle estatal e alto grau de violência social na faixa de fronteira.

8 42 As cidades-gêmeas (como Ponta Porã (MS) e Pedro Juan Caballero (PY)) historicamente surgiram como a busca pelos Estados de garantir a soberania Nacional em meio a localidades que em séculos anteriores já foram motivos de cobiça e conflitos armados (como o exemplo histórico entre Brasil e Paraguai na região de fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, onde esta seria uma região estratégica para a invasão paraguaia no Brasil, que não ocorreu). Com o advindo da globalização, essas regiões passaram a marcar a oportunidade de maiores relações (econômicas e sociais) entre os países fronteiriços (como exemplo, tem-se o apoio bilateral firmado entre o ex- Governador do Mato Grosso do Sul com o Governador do departamento de Amambay para o desenvolvimento da região de fronteira, assim como, a notícia da construção do polo industrial em Pedro Juan Caballero, que deve movimentar a economia da região de fronteira, anexadas na planilha de Imprensa de Fronteira no final desse relatório). Dentre as políticas públicas desenvolvidas na região, pode-se notar a predominância de políticas para a segurança e defesa e, em menor volume, políticas que buscam mesclar estes pontos com o desenvolvimento socioeconômico da região. A Política de Defesa Nacional (PDN) e a criação do Ministério da Defesa em 1999 entram como grandes passos na Estratégia Nacional de Defesa (END). O PDN é uma estratégia de defesa unicamente defensiva, buscando a manutenção da paz na América do Sul. De acordo com Medeiros: A PDN (2005) destaca o fato das 'fronteiras e limites' serem 'perfeitamente definidos e reconhecidos internacionalmente', além do 'estreito relacionamento com os países vizinhos', baseado na confiança e no respeito mútuos, e considera a América do Sul 'uma região relativamente pacífica'. Apesar disso, chama-se a atenção para o fato de que a 'existência de zonas de instabilidade e de ilícitos transnacionais pode provocar o transbordamento de conflitos para outros países da América do Sul'. (Medeiros, 2013, pg. 73)

9 43 A END busca aumentar a presença do Exército, da Marinha e da Força Aérea e trouxe a implantação do Sistema Integrado de Monitoramento das Fronteiras (Sisfron), objetivando vigiar e monitorar toda a faixa de fronteira brasileira a partir de novas tecnologias que instrumentalizarão os militares. A primeira cidade sul-matogrossense a ter a implementação do Sisfron foi a cidade de Dourados, a qual ganhou a instalação de 12 radares, cada um com alcance de 60 quilômetros no ano de O Sisfron, mais especificamente, é um sistema de Comando e Controle, Comunicações, Computação, Inteligência, Vigilância e Reconhecimento que visa dotar a Força Terrestre de meios habilitadores a uma presença efetiva na faixa de fronteira brasileira. A partir dele, o Exército busca parcerias com instituições como outras Forças (Marinha e Aeronáutica), Polícia Feral, Receita Federal, Polícia Militar Estadual, IBAMA, FUNASA, FUNAI, entre outros. O Plano Estratégico de Fronteiras (PEF) foi coordenado pelos Ministérios da Justiça e da Defesa e busca unir ações de forças federais e estaduais como Forças Armadas e Polícia Federal. De acordo com Medeiros (2013), a repressão à entrada de drogas e armas em território brasileiro é uma das principais frentes do plano. Além das ações policiais, o plano prevê investimentos em tecnologia e inteligência (p. 76). Dentro dessa diretriz, houve a realização da Operação Ágata (que no ano de 2014 teve sua 8ª edição, sendo que as Operações 2, 3, 5, 6, 7 e 8 ocorreram na área abrangida pelo estado do Mato Grosso do Sul, estando hoje na 10ª edição). De acordo com o site do Ministério da Defesa: A Operação Ágata é uma ação militar, de natureza episódica, conduzida pelas Forças Armadas em pontos estratégicos da fronteira terrestre brasileira. A iniciativa faz parte do Plano Estratégico de Fronteiras do Governo Federal, criado para prevenir e reprimir a ação de criminosos na divisa do Brasil com dez países sul-americanos, além de intensificar a presença do Estado nessa região. Ao longo da operação, militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica realizam missões táticas destinadas a coibir delitos como narcotráfico, contrabando e descaminho, tráfico de armas e munições, crimes ambientais, imigração e garimpos ilegais. (DEFESA, 2014) Após a realização da Ágata, houve a Operação Sentinela, sob o comando do Ministério da Justiça. Também de acordo com o site do Ministério da Defesa, a Operação Sentinela, tem ações centradas no trabalho de investigação e

10 44 inteligência e na atuação conjunta de órgãos federais de segurança (DEFESA, 2014). Ambas Operações são as maiores que ocorrem no país atualmente, porém, são muito pontuais. Considerando as políticas com viés no desenvolvimento regional, tem-se o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF) desenvolvido pelo Ministério do Interior, que, de acordo com Medeiros (2013): (...) tem por objetivo, para além das questões tradicionais de soberania e ocupação territorial, desenvolver ações prioritárias de desenvolvimento regional e projetos transfronteiriços, em articulação com os países vizinhos da América do Sul. (Medeiros, 2013, pg. 78) O que se pode perceber é que, por mais que existam grandes Planos para a Defesa e Segurança Nacional as ações estatais na região se notabilizam pelo seu caráter repressivo, militarizado e defensivo, com pouca atenção às ações voltadas ao desenvolvimento socioeconômico das regiões fronteiriças o que enfraquece qualquer pretensão de transformar as dinâmicas criminais destas regiões. Além disso, permanecem sendo grandes desafios a construção de diálogo entre os Governos Federal, Estadual e Municipal, uma maior comunicação com os países que fazem fronteira com o Brasil, além de investimentos em tecnologia e em políticas de longo prazo Redes ilícitas e modalidades criminais Abaixo segue um quadro que sintetiza as principais modalidades criminais em dois estados brasileiros da região centrooeste e que apresentam uma vasta área de seus territórios situados em áreas de fronteira, Mato Grosso do Sul (MS) e Mato Grosso (MT):

11 45 Quadro 1: modalidades de ilícitos mais comuns MS/MT E com os resultados das pesquisas, pode-se notar que atualmente a região foco de estudo conta com uma rede criminal cada vez mais difundida a partir de contrabando de diversos tipos de mercadorias, tráfico de armas e drogas com grandes apreensões de cocaína e maconha e, algumas vezes, roubo de cargas e, sobretudo, presença de automóveis roubados ou furtados de diversas regiões do país (Sudeste e, mais especificamente, o estado de São Paulo). Através da análise da lista dos principais ilícitos e observando a dinâmica local, conclui-se que o contrabando está muito presente na região de Ponta Porã. Anualmente são realizadas diversas apreensões de caminhonetes e caminhões lotadas de diversos tipos de produto, desde roupas, brinquedos, até produtos eletrônicos e cigarros ilegais. Os carregamentos partem do Paraguai e podem resultar em grandes lucros aos proprietários. De acordo com o relatório final da CPI do Tráfico de Armas (2006, pg. 40), as fronteiras secas estão povoadas do sul até a Amazônia, sendo que em muitas cidades são ruas que estabelecem os limites internacionais: Pedro Juan Caballero Ponta Porã e Guarajá-Mirim Guayara-Mirim, são rotas conhecidas de entrada de armas contrabandeadas. Este fenômeno pode ser observado facilmente nas notícias veiculadas pela imprensa de fronteira (expostas ao fim deste relatório) quando, em muitos casos de apreensões realizadas pela Polícia, são encontrados diferentes tipos de munições e armamentos.

12 46 Ainda segundo o relatório final da CPI do Tráfico de Armas, a cidade de Ponta Porã é uma das rotas do crime (rota tradicional), sendo uma das portas sul-matogrossenses de armas ilegais em grande parte procedentes do Paraguai e que são levadas para as regiões sul e leste do país: (...) a fiscalização praticamente não existe na fabricação, no transporte, no comércio e no controle de armas de fogo e munições. Somente depois que as armas transpõem os limites da legalidade é que as instituições correm atrás do rastreamento. A quantidade de ônibus de carga que trafegam na fronteira com o Paraguai deixam como única alternativa de fiscalização a vistoria por amostragem. Mas não é só em Foz do Iguaçu. Há outras cidades, como Ponta Porã e mais, ao longo de km de fronteira com a Bolívia e km com a Colômbia. (CPI do Tráfico de Armas, 2006, pg. 50) Tais informações destacadas causam grandes preocupações, já que parte extremamente considerável das armas de fogo no país estão na mão de grupos criminais armados. Quando se analisa a questão do Tráfico de Drogas na região, pode-se concluir que a dinâmica do transporte e apreensões na região ocorre a partir da produção que ocorre nas proximidades. O Paraguai como o maior produtor de maconha, exporta para o Brasil grande quantidade do entorpecente, sendo ele o que é mais apreendido e em maiores quantidades pelas instituições estaduais e federais no município de Ponta Porã. A Cocaína aparece como o segundo entorpecente mais apreendido pela Polícia e há algumas quantidades de haxixe na lista. O transporte é, geralmente, formado por veículos furtados ou roubados de diversas localidades como citado anteriormente. Desde carros de passeio, caminhonetes, ônibus e, até mesmo, as tradicionais mulas (indivíduos pagos para transportar quantidades mais reduzidas de algum entorpecente de um lugar para outro). Na grande maioria dos casos, os transportadores buscam camuflar a droga no meio de transporte utilizado, seja criando fundos falsos, colocando nas rodas de caminhão ou tentando camuflar nas roupas ou bolsas.

13 47 Existem diversos pontos para os quais as drogas são distribuídas. No caso de consumo interno são enviadas para os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, mas, também, são enviadas para fora do país, principalmente, o continente Europeu (já que o Brasil, inicialmente, foi utilizado apenas como corredor para escoar os produtos). Com a popularidade cada vez maior de entorpecentes no país, fazendo do Brasil um mercador consumidor em potencial, diversas facções locais viram no Tráfico de Drogas uma oportunidade de lucro e emporderamento. O Primeiro Comando da Capital (PCC), que nasceu em presídios de São Paulo, alcançou poder nacional e presença em outros países da região. Atualmente o grupo parece contar com contatos diretos com os produtores, o que facilita a venda de drogas no país. Para facilitar a fabricação das drogas, refinarias se instalam nas próprias cidades fronteiriças, garantindo que o refino das drogas não precise ser feito há quilômetros de distância de onde foi produzido e fazendo com o que após chegar em cidades interioranas, elas logo possam ser despachadas para as cidades com seus grandes públicos-alvo O que dizem os dados provenientes da impressa: um panorama Em termos quantitativos em relação à coleta realizada com notícias de Imprensa, foram levantadas 171 notícias entre 17/03/2011 e 15/08/2015, sendo sete sem data definida. Dentre estas, 93 lidam apenas com Ponta Porã; outras 22 envolvem o município em conjunto com outras cidades ou regiões; Dourados apresenta sete notícias exclusivas e outras 11 em conjuntos. Para mostrar o importante fluxo de drogas na região, das notícias recolhidas, o tráfico de drogas está presente em 109 notícias, sendo quatro juntas ao tráfico de armas, duas ao contrabando, uma ligada ao roubo de carros e uma ligada a contrabando e tráfico de armas concomitantemente. Estes fatos de certa maneira indicam que as diferentes atividades ilícitas estão interligados na região, mesmo que nem sempre isso se reflita diretamente nas operações policiais. Com relação ao contrabando, 25 notícias lidam com esse tipo de ilegalidade, uma em relação ao tráfico de drogas e uma ligada a contrabando e tráfico de armas concomitantemente, mostrando que, mesmo que sem a mesma ocorrência que o tráfico de drogas, o contrabando está muito presente nas dinâmicas da região, sobretudo por conta dos produtos muito baratos que podem

14 48 ser adquiridos do outro lado da fronteira. Em um número menor, 11 notícias são ligadas a investimentos em segurança pública e melhoria na infraestrutura, mostrando que o Poder Público, mesmo que muitas vezes de maneira tímida, observa a necessidade de melhorar a infraestrutura da cidade, tanto para os moradores, quanto para os visitantes e, ao mesmo tempo, busca investir em segurança. O Tráfico de armas está presente em 12 notícias, sendo quatro associadas ao tráfico de drogas e 1 ligada a contrabando e tráfico de armas concomitantemente. Quatro notícias são ligadas a furtos de veículos, que ocorrem, muitas vezes, em outras regiões do país, como já mencionado. Duas notícias ligadas a exploração ilegal de madeira, já que crimes ambientais continuam sendo uma prática não muito incomum há décadas. Como resultado da violência, existem duas notícias ligadas a homicídios e quatro notícias ligadas à defesa e fiscalização. Para assuntos diferenciados e em menor número, uma notícia está relacionada ao desenvolvimento da região; uma a diplomacia; uma a definição de cidades-gêmeas; uma a acordo bilateral; uma ligada à comunicação e mídia local e uma ligada à imigração. Com relação aos tipos de produtos, no tráfico de drogas, 39 notícias têm relação com a cocaína e 54 com a maconha. Há uma lógica na diferença entre os números de apreensões, já que a maconha é plantada em larga escala e mais próximo da cidade brasileira. Já para o contrabando, nove estão relacionadas ao contrabando de cigarros; duas ao contrabando de brinquedos; quatro ao contrabando de eletrônicos; uma ao contrabando de anabolizantes; uma a medicamentos; e três a contrabando de cosméticos. Por fim, para as organizações do Poder Público ligadas ao combate de ilícitos, há 35 notícias ligadas ao DOF; 15 ligadas à Polícia Rodoviária Estadual; sete ligadas à Polícia Civil; seis ligadas à Polícia Federal; quatro à Polícia Militar; oito a Polícia Rodoviária Federal; duas a Receita Federal; quatro a Secretaria de Justiça; uma as Forças Armadas; uma a Força Nacional; uma ao Gaeco e; uma ao Defron. Houve a tentativa de busca da situação das refinarias de drogas que pudesse responder se há uma tendência de localização destas em relação à região fronteiriça. A partir das pesquisas encontradas, percebeu-se que há refinarias na fronteira, tanto do lado paraguaio, quanto do lado brasileiro, mas

15 49 tais locais para refinos de droga também estão concentrados em outras cidades que podem fazer parte de possíveis rotas do tráfico e nas próprias grandes cidades que são alvo desse tipo de mercadoria. Em Pedro Juan Caballero, agentes da Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai fecharam um laboratório de refino em 2013, que contava com diversos quilos de maconha e cocaína, além de algumas gramas de haxixe e de uma substância que provavelmente era misturada à cocaína. Na mesma cidade, em 2015, foi fechado outra refinaria, esta apenas de cocaína, com mais de 120 kg da droga e grande quantidade de bicarbonato de sódio. Ponta Porã também teve um laboratório fechado no ano de 2014 que recebia drogas vindas de avião da Bolívia. Meses depois, pessoas de Porto Alegre foram presas, indicando uma ligação entre o laboratório de refino e um mercado consumidor no Sul do país. Ainda no estado do Mato Grosso do Sul, uma pequena refinaria foi fechada no munício de Três Lagoas. Diferente dos laboratórios já citados, este apresentava uma quantidade bem menor de drogas, com cerca de 2,7 quilos de cocaína divididos em diversas porções, com tamanhos e formatos variados. Além de droga em formato bruto (tijolos) e inúmeros apetrechos utilizados para a mistura, preparo e embalagem de entorpecentes. Já o fechamento de laboratórios de refino no estado de São Paulo também acontecem e se deram em municípios do interior relativamente próximos à capital paulista (como Sorocaba) ou mesmo na região do ABC (em Santo André). Curioso dizer que em Sorocaba um grande refino foi fechado, onde trabalhavam cerca de 15 pessoas e onde produziam cerca de 600 kg de cocaína por mês. Já em Santo André, um ex-vereador de Ponta Porã foi um dos presos encontrados na refinaria. Esta produzia cocaína e drogas sintéticas como LSD. 3. Considerações finais Com o cenário apresentado, pode-se concluir que as redes criminais vem complexificando suas ações ao passo que a globalização se intensifica, gerando novas modalidades de crime - inclusive, no Brasil - sobretudo a partir da década de O país é visualizado primeiro como corredor para escoamento de drogas produzidas na América do Sul e, aos poucos, tornou-se importante mercado consumidor regional. O desenvolvimento dessas redes acarretou

16 50 também a produção de novos ilegalismos, direta ou indiretamente ligados à economia da droga, destacando-se o tráfico de armas, diretamente relacionado ao caráter ilícito das mercadorias e a necessidade de proteção deste comércio, tanto em relação à indivíduos ou grupos rivais, quanto no que diz respeito à atuação de agentes públicos, especialmente policiais. Através dos dados apresentados é possível indicar que a centralidade do Brasil como mercado consumidor de maconha e cocaína produziu alterações na dinâmica do crime e, neste sentido, destaca-se o aumento de refinarias para a produção da cocaína em pó e do crack em regiões próximas às cidades fronteiriças e até mesmo em centros urbanos. Nota-se uma apropriação, por parte de alguns grupos brasileiros, do conhecimento técnico e de acesso às substâncias necessárias para a realização do processamento químico que, até poucos anos atrás, era restrito aos grupos que controlam a produção da coca. Por fim, com uma vasta área de fronteira terrestre e marítima, o Brasil possui problemas muito complexos para efetivamente garantir fiscalização e controle dessas áreas. Neste sentido, o Plano Estratégico de Fronteiras apresentou-se como uma proposta inovadora uma vez que articula a dimensão da repressão à perspectiva do desenvolvimento ecônomico-social das cidades fronteiriças. Contudo, ao observar as políticas públicas executadas dentro do ambito do Plano Estatégico, é possível verificar que prevaleceram as intervenções estatais de caráter repressivo, através do uso das policias, das forças armadas e da força nacional. Ou seja, limitou-se ao mais do mesmo naquilo que vem sendo feito nestas áreas: ações pontuais, desarticuladas e sem efeitos de médio e longo prazos e que praticamente se limitam à apreensões de mercadorias e de pessoas. Diante do que foi observado, pode-se observar que enquanto a lógica de atuação do Estado mantiver-se limitada pelo ângulo da guerra às drogas que aponta para um enfrentamento bélico e estritamente repressor à questão da economia ilícita da droga, será muito difícil superar o atual quadro de agravamento da violência no país inteiro

17 51 Referências ALMEIDA, C. W. de. Políticas Públicas de defesa no Brasil: considerações do ponto de vista das políticas públicas. Opinião Pública, Campinas, vol. 16, nº 1, Junho, 2010, p FLACSO Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (2008). Crimen Organizado em América Latina y El Caribe. MEDEIROS, A. K. M. Direitos Indígenas entre Fronteiras: Cidadania, Presença e Mobilidade Ticuna na Tríplice Fronteira do Brasil, Colômbia e Peru. Dissertação de Mestrado, UEA, MINISTÉRIO DA DEFESA. O que é a Operação Ágata. Disponível em: Acesso em 14 de junho de MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Guia ENAFRON. Vol II. Disponível em: Acesso em: 14 de setembro de OKAMOTO, F. (2011) O Grupo Fronteira do GNCOC e o combate ao narcotráfico na região de fronteira. In: Messa, A.F. & CARNEIRO, J.R.G. (Orgs.) Crime Organizado. São Paulo: Saraiva. RELATÓRIO DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DESTINADA A INVESTIGAR AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS DO TRÁFICO DE ARMAS. Brasil, Novembro de Disponível em: Acesso em: 14 de março de SILVA, Ricardo M. & OLIVEIRA, Tito M. de (2008). O mérito das cidades-gêmeas nos espaços fronteiriços. Revista OIDLES, Vol.2, no.5, Dezembro. Disponível em: Acesso em 25 de março de UNODC United Nations Office on Drugs and Crime (2010). The Globalization of Crime: A Transnational Organized Crime Threat Assessment. Disponível em: Acesso em 15 de julho de UNODC United Nations Office on Drugs and Crime. World Drug Report. New York, Disponível em: Acesso em: 20 de julho de 2015.