GENOCÍDIO E VITIMIZAÇÃO DO POVO NEGRO EM FEIRA DE SANTANA 1
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- Maria do Loreto Neves Aires
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1 GENOCÍDIO E VITIMIZAÇÃO DO POVO NEGRO EM FEIRA DE SANTANA 1 Ezequias Amorim Oliveira. UFRB Herbert Toledo Martins. UFRB Resumo O presente artigo tem por finalidade o estudo das relações entre raça, violência e vitimização no Brasil e, especificamente, em Feira de Santana-BA. E como estes se configuram numa das facetas do genocídio do negro brasileiro. A partir da análise dos dados oriundos da Pesquisa de Vitimização realizada pelo Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social - GPECS/UFRB, no município em tela. Dessa maneira, a partir do banco de dados proveniente dessa pesquisa de vitimização examina-se com mais acuidade os focos de violência, os perfis das vítimas e seus respectivos contextos sociais, buscando demonstrar as diferenças nos índices de vitimização entre negros e brancos em Feira de Santana, Bahia. A pesquisa de vitimização foi realizada entre os meses de abril e junho de 2012 e consistiu na aplicação de 625 questionários por amostragem domiciliar definida com um erro amostral de 4 com um intervalo de confiança de 95. O público-alvo foram os moradores da área urbana com 15 anos de idade ou mais. Norteado pelos princípios e métodos quantitativos, o survey aplicado permite conhecer além dos índices de vitimados da cidade, as características físicas, organizacionais e sociais que potencializam a vitimização ou não de uma região. Palavras-chaves: vitimização, raça, Feira de Santana. 1 Trabalho apresentado no III Seminário da Pós-Graduação em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdade e Desenvolvimento - realizado entre os dias 11 e 13 de novembro de 2013, em Cachoeira, BA, Brasil. 98
2 Introdução Abdias do Nascimento na obra O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado (1978) inaugura a utilização do conceito de genocídio, na tradição dos estudos sobre as hierarquias raciais no Brasil, para caracterizar a gama de violências perpetradas no povo negro. Posteriormente, sendo usado, sobretudo, pelos movimentos sociais negros e por alguns intelectuais, em especial, também negros e/ou militantes. João Costa Vargas (2010), por exemplo, chama a atenção para uma interpretação da diáspora negra como genocídio. Pereira (2011), por sua vez, observa a importância de explorar o potencial teórico de intelectuais orgânicos, e não somente suas contribuições na militância. No entanto, o uso desse conceito não ganhou tanto destaque na academia. Sobretudo nos estudos sobre a violência. O exame dos Mapas da Violência, do Instituto Sangari, nos permite perceber um crescimento vertiginoso das taxas de homicídio que atinge o país nos últimos 30 anos, caracterizando um verdadeiro genocídio do negro nesse país, a saber: em 2002, morreram proporcionalmente 45,8 mais negros do que brancos no país. Em 2006, esse índice pula para 82,7, e em 2010, morreram proporcionalmente 139 mais negros. (WAISELFISZ, 2011) Conforme Florestan Fernandes (1978), o conceito de genocídio trata-se de uma palavra terrível e chocante para a hipocrisia conservadora, muito presente ainda, apesar dos progressos com as recentes políticas de ações afirmativas, indicando uma certa inércia do mito da democracia racial, como bem disse Munanga (2012). O fato dele não ser sociólogo de formação não o deslegitima, nem o uso do conceito de genocídio para qualquer cientista social que pesquise as hierarquias raciais, pois, seu trabalho se fundamenta nos trabalhos de sociólogos e antropólogos da envergadura de Florestan Fernandes, Anani Dzidzienyo, Thomas Skdmore, Roger Bastide, Thales de Azevedo, e outros. O que propomos nesse trabalho é justamente a utilização do conceito de genocídio como ferramenta teórica para analisar a relação entre racismo e violência. Para Nascimento (1978) da classificação grosseira dos negros como selvagens e inferiores, ao enaltecimento das virtudes da mistura de sangue como tentativa de erradicação da mancha negra, além da operacionalização do sincretismo religioso, bem como a proibição legal da questão negra através da Lei de Segurança Nacional e da 99
3 omissão censitária, a historia não oficial do Brasil registra o longo e antigo genocídio que se vem perpetrando contra o afro-brasileiro. (NASCIMENTO, 1978, p. 65). O autor entende o conceito de genocídio como a recusa do direito de existência a grupos humanos inteiros, pela exterminação de seus indivíduos, desintegração de suas instituições políticas, sociais, culturais, linguísticas e de seus sentimentos nacionais e religiosos. (DICIONÁRIO ESCOLAR DO PROFESSOR. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, BRASÍLIA, 1963, p. 580 apud NASCIMENTO, 1978, p. 15). No Brasil a Lei nº.2.889, de 1 de outubro de 1956, define o crime de genocídio: Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) Matar membros do grupo; b) Causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) Adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. Contudo, observamos como o conceito de genocídio pode ser fecundo para análise das hierarquias raciais, sobretudo, nesse momento em que os dados sobre a mortandade de negros e de negras estão sendo amplamente divulgados, em especial, pelos Mapas da Violência do Instituto Sangari, pelas mídias alternativas e movimentos sociais negros. Abdias do Nascimento não faz referência a dados sobre homicídios, e outras formas de violência, pois, não havia, ou pelo menos não havia fontes seguras que permitissem a análise sobre raça e violência. Nós, ao contrário, temos um arsenal de números que nos permite afirmar que continua em curso o genocídio do negro e da negra brasileira 100
4 através do extermínio e/ou homicídio, e de outras modalidades de violência, dessa população. O artigo se divide em duas seções. Na primeira caracterizo o genocídio que se expressa na vitimização do povo negro em Feira de Santana, sobretudo o homicídio, a partir de estudos que tratam da relação entre raça e violência no município em tela. Na segunda, analiso os dados da Pesquisa de Vitimização realizada pelo Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social - GPECS/UFRB, demonstrando como o genocídio se expressa de forma ainda mais complexa nas vitimizações diretas e indiretas de outras modalidades de violência. Na pesquisa foram aplicados 625 questionários no município entre os meses de abril e junho de Essa amostra foi definida com um erro amostral de 4 com um intervalo de confiança de 95. O público-alvo da pesquisa de vitimização são moradores da área urbana e com 16 anos de idade ou mais, do município de Feira de Santana. Entende-se como conceito de raça, nesse trabalho, seguindo Guimarães, como o conceito analítico sociológico capaz de explicar/compreender a essencialização da vida social a partir de diferenças pessoais, culturais e sociais tomadas como naturais ao longo do processo histórico da sociedade brasileira. Contudo, a partir desse conceito de raça, deriva, então a conceituação do racismo, qual seja: o racismo é, portanto, uma forma bastante específica de naturalizar a vida social, isto é, de explicar diferenças pessoais, sociais e culturais a partir de diferenças tomadas como naturais. (GUIMARÃES, 2005, p. 11) 1. Raça e violência em Feira de Santana. Alguns pesquisadores têm se debruçado sobre as relações entre raça e violência em Feira de Santana. Estes estudos ajudam-nos a caracterizar como se dá o genocídio do negro feirense através de raça e violência no município. Segundo José Maira Nóbrega Jr. (2013), dos municípios que existem no Brasil, 1712 deles estão no Nordeste. Sendo que desse total de municípios, apenas 56 possui 101
5 populações superiores aos 100 mil habitantes (número escolhido para calcular as taxas de homicídios). E é exatamente nestes que está concentrada a maioria dos assassinatos da região. Ou seja, em 3,3 dos municípios nordestinos estão concentrados em média 60 dos homicídios da região 2. Dessas 56 cidades, uma parcela maior está na Bahia. São 15 municípios deste estado que concentram a maioria de ocorrência de homicídios. Com exceção de Barreiras, todas as outras cidades desse porte apresentam uma taxa maior que a média nacional de 27, 4 3. Feira de Santana é uma dessas cidades, com taxa de 56,5, em Silva e Araújo (2010) investigaram no Departamento de Polícia Técnica da cidade de Feira de Santana óbitos por causas externas no período entre 1998 a Em acordo com os objetivos da pesquisa, foram selecionados para a análise apenas indivíduos para os quais havia registro de raça/cor preta, parda e branca, baseada na classificação adotada pelo IBGE. Segundo as autoras, os homicídios somam 55,3 das mortes violentas seguido de 31,4 de mortes em acidentes de trânsito e 13,3 por outras causas externas. Foram 955 homicídios, 543 mortes no trânsito e 238 diversas. O que chama a atenção é o fato de que o coeficiente de mortalidade por homicídio por habitantes, em Feira de Santana, nesse período, segundo Silva e Araújo (2010), nos permite chegar à conclusão de que a razão entre as taxas aponta para a seguinte afirmativa: que os pretos foram 4,2 vezes mais expostos ao risco de morrer que a população branca da cidade. 4 Analisando a questão dos homicídios de jovens negros constatamos uma situação ainda mais brutal. Segundo o autor, nenhum dos 100 municípios com mais de 50 mil habitantes com as maiores taxas de homicídio apresenta um índice inferior a 100, Feira 2 Dos homicídios ocorridos no Nordeste, foram registrados nessas cidades. 3 Os outros municípios são: Alagoinhas, com taxa de 50/100 mil; Camaçari com taxa de 58/100 mil; Ilhéus, com taxa de 63/100 mil; Itabuna, com taxa de 90,3/100 mil; Jequié, com taxa de 36,2/100 mil; Juazeiro, com taxa de 39,4/100 mil; Lauro de Freitas, com taxa de 92,3/100 mil; Paulo Afonso, com taxa de 60/100 mil; Salvador, com taxa de 69,2/100 mil; Simões Filho, com taxa de 98,2/100 mil; Teixeira de Freitas, com taxa de 75,8/100 mil; Vitória da Conquista, com taxa de 81,7/100 mil. 4 No Estado da Bahia enquanto, em 2010, a taxa de homicídio de brancos é de 10.8, a taxa de homicídio de negros é de A relação entre essas taxas produz um índice de vitimização negra de (WAISELFISZ, 2011, p. 65). 102
6 de Santana está entre estas cidades, ocupando 53º posição com uma taxa de homicídios de jovens negros de 151,4, e, 26,6 de jovens brancos. Em números absolutos, foram 198 homicídios de jovens negros e oito homicídios de jovens brancos. (WAISELFISZ, 2012, p ). E com relação à mortalidade perpetrada por arma de fogo. Em 2010 ocorreram 4818 homicídios por arma de fogo na Bahia. Dois municípios do interior deste estado superam a marca de 100 óbitos por arma de fogo em cada 100 mil habitantes: Simões Filho, com uma taxa média entre 2008 e 2010 de 141,5 e Lauro de Freitas com 106, 6, no mesmo período. Dos 100 municípios com mais de 20 mil habitantes, estes ocupam a primeira e a terceira colocação, respectivamente. Feira de Santana ocupa a 35º posição com uma taxa média, no mesmo período, de 61,7. (WAISELFISZ, 2013, p ). Os estudos citados até aqui se concentram mais na vitimização por homicídio. Poderíamos considerá-lo como último degrau do genocídio. No entanto, é preciso entender como se dá a vitimização de negros e brancos em modalidades de vitimização. Silva et al (2012), por exemplo, estudaram 16 bairros que foram considerados como composto por uma população de capital econômico baixo, com maior incidência de casos de agressão, e cujo qual a maioria da população é negra. A partir da análise dos dados referentes aos casos de agressão registrados no Departamento de Polícia Técnica de Feira de Santana entre , observaram que os bairros com as taxas de incidência mais elevadas desta modalidade de vitimização (Sobradinho, Subaé e Pampalona) possuem os maiores percentuais de população negra em sua composição, confirmando a hipótese da associação positiva entre negritude e vulnerabilidade às agressões. Em contrapartida, os bairros com o maior percentual de população não negra (Parque Ipê, Lagoa Salgada, Jardim Cruzeiro e Caseb) possuem as menores taxas de incidência dos casos de agressão. Contudo, os resultados sugerem que em Feira de Santana residir em uma localidade com maior percentual de população negra pode representar um fator de risco em relação aos casos de agressão. Como verificamos acima o risco relativo de homicídios cresce na população negra, sugerindo o aumento das desigualdades. (FILHO, 2011, p. 1). Ou seja, as desigualdades raciais constituem-se num elemento determinante para a vitimização homicida. Nesse sentido, como se dá o papel da desigualdade racial em outras 103
7 modalidades de vitimização? A resposta a essa pergunta pode indicar que o genocídio pode ser expresso também nessas outras formas de violência sofrida pelo povo negro. Nesse sentido, analisando os dados da Pesquisa de Vitimização do Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social - GPECS/UFRB será problematizado como se dá a vitimização por raça de outras modalidades de violência em Feira de Santana. 2. Vitimização direta e indireta em Feira de Santana. Nanci Cárdia (2011), em um artigo intitulado Raça, Vitimização e Direitos Humanos, dá uma demonstração de como ocorre a distribuição da violência levando-se em consideração a raça, utilizando dados de pesquisas de vitimização coletados em 1999, 2001 e Conforme a autora, a exposição à violência deve ser entendida como: A experiência direta com a violência - ser vítima de algum ato violento; e a experiência indireta - testemunhar atos de violência, ou ainda casos que envolvem parentes ou amigos próximos e sobre os quais ouvem falar. Têm-se assim formas de vitimização direta e indireta, ambas produzindo efeitos negativos sobre as pessoas. (grifo nosso). (CÁRDIA, 2011, p. 1) No que diz respeito às formas de vitimização direta não foi constatada associação entre as variáveis, segundo teste Qui-quadrado de Pierson. Isso quer dizer que segundo a amostra dessa pesquisa não é possível afirmar que a categoria raça é uma variável que altera as vitimizações diretas consideradas no questionário, que são as seguintes modalidades: furto, roubo, insulto, humilhação ou xingamento, ameaça de bater, empurrar ou chutar, batida, empurrão ou chute, lesão provocada por algum objeto que lhe foi atirado, espancamento ou tentativa de estrangulamento, esfaqueamento ou tiro, ameaça com faca ou arma de fogo, amedrontamento ou perseguição e ofensa sexual. Além das vitimizações citadas acima os dados tratam do contato com as Polícias Militar e Civil. A análise desse contato direto muitas vezes implica na vitimização direta institucional. Dentre estas foram consideradas no questionário: linguagem grosseira/ xingamento/ humilhação, empurrão, tapa, soco, pontapé, ameaça, intimidação, apontou a arma em direção, tentativa de extorsão e se os policiais foram racistas. Apenas linguagem grosseira apresentou significância segundo o teste Qui-quadrado. 104
8 Apesar de os dados referentes ao questionário sobre racismo exercido pelos policiais não terem tido significância, como já havia dito antes, na tabela abaixo fica patente que os que se autodenominaram pretos e pardos são mais vitimizados por linguagem grosseira/xingamento e humilhação pelos policiais, correspondendo respectivamente a 42,9 e 28,6 do total daqueles que responderam que já sofreram essa violência. Tabela 1. Raça/cor por último contato com a polícia, houve linguagem grosseira/xingamento/humilhação Raça No último contato com a polícia houve linguagem grosseira/xingamento/humilhação Sim Não Total Branca (n) da cor? 16,7 83,3 100,0 contato 20,0 14,4 15,1 Preta (n) da cor? 17,6 82,4 100,0 contato 42,9 28,8 30,6 Parda (n) da cor? 7,4 92,6 100,0 contato 28,6 51,4 48,6 Total (n) da cor? 12,6 87,4 100,0 contato 100,0 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de Vitimização GPECS/UFRB,
9 Teste 1: Teste de significância Qui-Quadrado. Value Df Asymp. Sig. (2-sided) Pearson Square Chi- 10,432 a 4,034 Likelihood Ratio 10,637 4,031 N of Valid Cases 278 Fonte: Pesquisa de Vitimização GPECS/UFRB, Isto evidencia que há uma seletividade que se baseia em critérios raciais por parte dos policiais no contato com os moradores de Feira de Santana. Além disso, expressa um maior contato das polícias com os negros. O que corrobora com os trabalhos de Adorno (1996), que indica que há uma vigilância maior nessa população. Estando em consonância, também, com os estudos de Reis (2002) e Barros (2008), que sustentam que há uma filtragem racial na seleção do suspeito. Este recebe, conforme os dados, um tratamento com base na linguagem grosseira, no xingamento e humilhação. Com relação à vitimização indireta foi possível observar quatro modalidades que apresentaram, segundo o teste Qui-quadrado, associação entre as variáveis. A primeira trata da exposição à violência no bairro onde moram os entrevistados e diz respeito ao fato de eles virem ou terem tido informação de pessoas andando com arma de fogo que não fossem policiais ou seguranças, nos 12 meses que antecederam a pesquisa. Tabela 2. Raça/cor porque viu ou teve informação no seu bairro de pessoas andando com arma de fogo que não fossem policias ou seguranças. Raça Viu ou teve informação no seu bairro de pessoas andando com arma de fogo que não fossem policias ou seguranças? 106
10 Sim Não Total Branca (n) a cor 33,0 67,0 100,0 12,0 22,0 17,2 Preta (n) da cor 59,9 40,1 100,0 36,2 22,0 28,8 Parda (n) da cor 45,0 55,0 100,0 47,5 52,6 50,2 Total (n) da cor 47,6 52,4 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de Vitimização GPECS/UFRB, Teste 2: Teste de significância Qui-Quadrado Value DF Asymp. Sig. (2-sided) 107
11 Pearson Square Chi- 20,470 a 4,000 Likelihood Ratio 20,710 4,000 N of Valid Cases 580 Fonte: Pesquisa de Vitimização GPECS/UFRB, Observamos novamente que pretos e pardos são mais vitimizados também nessa modalidade de violência indireta. A tabela nos permite afirmar que mais pretos e pardos veem ou têm informações de pessoas portando arma que não sejam policiais ou seguranças, com as seguintes porcentagens respectivamente, 36,2 e 45. Sendo que do total de pretos mais da metade, 59,9, são vitimizados desta forma e pardos 45. Enquanto entre os brancos o número é bem inferior de 33, e do total de vitimizados correspondendo a apenas 12. Isso implica dizer que nos bairros em que residem esses pretos e pardos há mais pessoas que não são policiais ou seguranças, portanto arma de fogo, o que incide numa exposição maior da violência, haja vista os números supracitados relacionados ao homicídio provocado por arma de fogo. A segunda modalidade de vitimização trata também da exposição à violência no bairro e diz respeito a ver ou ter informação de mulheres sendo agredidas por seus companheiros ou parentes. Tabela 3. Raça/cor porque viu ou teve informação no seu bairro de mulheres que residem na sua vizinhança, sendo agredidas por seus maridos ou companheiros ou por parentes. Raça Viu ou teve informação no seu bairro de mulheres que residem na sua vizinhança, 108
12 sendo agredidas por seus maridos ou companheiros ou por parentes? Sim Não Total Branca (n) da cor? 19,2 80,8 100,0 10,9 19,8 17,1 Preta (n) da cor? 41,9 58,1 100,0 40,0 24,0 28,8 Parda (n) da cor? 27,1 72,9 100,0 45,1 52,5 50,3 Total (n) da cor? 30,2 69,8 100,0 viu/ informação 100,0 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de Vitimização GPECS/UFRB, Teste 3: Teste de significância Qui-Quadrado. Value Df Asymp. Sig. (2-109
13 sided) Pearson Chi-Square 19,022 a 4,001 Likelihood Ratio 18,903 4,001 N of Valid Cases 579 Fonte: Pesquisa de Vitimização GPECS/UFRB, Nota-se mais uma vez que os pretos e pardos são mais vitimizados correspondendo a 40,0 e 40,1, do total, respectivamente. Enquanto os brancos representam apenas 10 dos que veem ou ficam sabendo de violência de gênero no seu bairro. Do total de negros 41,9 afirmaram que viram ou ficaram sabendo de tal violência. Por sua vez, do total que se autodenominaram pardos 27,1 afirmaram a mesma coisa. Já os brancos somaram o percentual de 19,2 do total de brancos que viram ou tiveram informação de mulheres sendo agredidas no seu bairro. Isso implica dizer que nos bairros onde pretos e pardos residem há uma maior exposição a essa violência indireta, como também que mais mulheres desses bairros sofrem agressão de seus companheiros ou parentes. Podemos dizer, também, que mais mulheres negras são agredidas, pois, estão mais próximas destes que são vítimas indiretas de tais violências. Portanto, se revela aqui a importância dos estudos de gênero e vitimização em Feira de Santana. Tabela 4. Raça/cor porque viu ou teve informação no seu bairro de pessoas se agredindo fisicamente? Raça Viu ou teve informação no seu bairro de pessoas se agredindo fisicamente? Sim Não Total 110
14 Branca (n) da cor 29,3 70,7 100,0 12,3 20,3 17,1 Preta (n) da cor 47,6 52,4 100,0 33,6 25,3 28,7 Parda (n) da cor 40,8 59,2 100,0 50,6 50,3 50,4 Total (n) da cor 40,6 59,4 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de Vitimização GPECS/UFRB, Teste 4: Teste de significância Qui-Quadrado. Value DF Asymp. Sig. (2-sided) Pearson Chi-Square 10,042 a 4,
15 Likelihood Ratio 10,308 4,036 N of Valid Cases 579 Fonte: Pesquisa de Vitimização GPECS/UFRB, A terceira modalidade vitimização indireta trata-se também da exposição à violência no bairro dos entrevistados, e diz respeito a ter visto ou ouvido falar de pessoas se agredindo fisicamente. Mais pretos e pardos veem pessoas se agredindo fisicamente no bairro onde moram em comparação com brancos. Como podemos ver na Tabela 4, pretos e pardos correspondem, na ordem, a 33,6 e 50,6 do total de vitimizados indiretamente por verem ou obterem a informação de pessoas se agredindo fisicamente no bairro onde residem. Enquanto os brancos representam apenas 12 desse total. Da população de pretos 47,6 são vitimizados, da população dos pardos 40,8, e dos brancos 29,3. Podemos generalizar que pretos e pardos são mais vitimizados que brancos e que no bairro onde moram há uma maior exposição à violência que nos bairros em que os brancos residem. A quarta e última modalidade de vitimização indireta, trata da exposição a homicídio por arma de fogo. Ou seja, se no bairro onde residem os entrevistados viram ou tiveram a informação de homicídio por arma de fogo nos 12 meses que antecederam a entrevista. Como podemos observar, na Tabela 5, logo abaixo, também pretos e pardos são mais vitimizados por verem ou ouvirem informações de pessoas sendo mortas por arma de fogo. Do total de vitimizados indiretamente, pretos e pardos correspondem a 33,0 e 48, na sequência. Brancos correspondem a somente 15,5 do total. Do universo populacional de pretos 72,9, foram vitimizados dessa maneira nos 12 meses considerados na pesquisa. Entre os pardos 59,9. E entre os brancos 57,0. Apesar deste último número ser bastante significante pois implica dizer que mais da metade dos brancos pesquisados foram vitimizados dessa maneira, os números dos pretos são bem 112
16 mais expressivos e o de pardos, ainda que apenas um pouco maior, continua seguindo a tônica das outras vitimizações acima. Ou seja, pretos e pardos são mais vitimizados que brancos, e nos bairros que residem há uma exposição maior a vitimização indireta por homicídio perpetrado por arma de fogo. Esse vitimização está em plena consonância com os dados exemplificados na seção anterior. Não podia ser diferente, pois, se mais negros, ou seja, pretos e pardos, são mais vítimas de homicídios por arma de fogo que brancos também, mais pretos e pardos seriam vítimas indiretas desses homicídios. Tabela 5. Raça/Cor porque viu ou teve informação no seu bairro de pessoas sendo mortas por arma de fogo Raça Viu ou teve informação no seu bairro de pessoas sendo mortas por arma de fogo? Sim Não Total Branca (n) da cor? 57,0 43,0 100,0 15,5 20,0 17,2 Preta (n) da cor? 72,9 27,1 100,0 33,0 20,9 28,5 Parda (n) da cor? 59,9 40,1 100,0 48,0 54,9 50,5 Total (n) da cor? 63,1 36,9 100,0 113
17 100,0 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de Vitimização GPECS/UFRB, Teste 5: Teste de significância Qui-Quadrado sided) Pearson Square Value Df Asymp. Sig. (2- Chi- 9,984 a 4,041 Likelihood Ratio 10,258 4,036 N of Valid Cases 582 Fonte: Pesquisa de Vitimização GPECS/UFRB, Contudo, podemos observar que o genocídio do negro feirense se dá não somente pela vitimização direta, mas também pela vitimização indireta. Isto é, os números da violência perpetrada nas populações negras são ainda maiores e mais devastadores. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo desse trabalho buscou-se analisar as relações entre raça e violência no Brasil e, especificamente, em Feira de Santana, Bahia, e como esses caracterizam o genocídio do negro brasileiro. Do ponto de vista teórico, as conclusões da pesquisa são importantes, pois avançam no conhecimento e nas informações sobre o debate das desigualdades raciais no Brasil. Em especial, para a discussão sobre raça e violência, 114
18 considerou-se de suma importância a obra O genocídio do negro brasileiro: um processo de racismo mascarado (1978), do intelectual negro Abdias do Nascimento. Este demonstrou que o genocídio se fez presente desde o princípio de nossa história. Estando presente tanto de forma declarada, com políticas de Estado voltadas para o extermínio da população negra, como as políticas de imigração de brancos, como também, de forma velada, na proibição da discussão, na exaltação de um nacionalismo moreno, e na não existência de dados estatísticos sobre a população de cor. Torna-se de extrema importância, dessa forma, considerar os estudos sobre violência e raça no Brasil e como esse genocídio está caracterizado nas dinâmicas da violência. Portanto, como podemos constatar, se há um campo onde as desigualdades entre brancos e negros se mostram absurda, e o genocídio se expressa de forma mais explicita, e, por isso, academicamente mais instigante, este é o da vitimização. Neste aspecto, os resultados da pesquisa demonstram que, em termos de vitimização direta, em Feira de Santana, não foi constatada associação entre as variáveis. Ou seja, que segundo a amostra desta pesquisa não é possível afirmar que a categorial raça é uma variável que altera as vitimizações direta consideradas no questionário, que são as seguintes modalidades: furto, roubo, insulto, humilhação ou xingamento, ameaça de bater, empurrar ou chutar, batida, empurrão ou chute, lesão provocada por algum objeto que lhe foi atirado, espancamento ou tentativa de estrangulamento, esfaqueamento ou tiro, ameaça com faca ou arma de fogo, amedrontamento ou perseguição e ofensa sexual. Outros tratamentos estatísticos que não teste Qui-quadrado de Pierson podem possibilitar outras interpretações e generalizações. Entretanto, foi analisado, também, o contato direto entre as vítimas e as organizações policiais, esse muitas vezes implica na vitimização direta institucional. Dentre estas foram consideradas no questionário: linguagem grosseira/ xingamento/ humilhação, empurrão, tapa, soco, pontapé, ameaça, intimidação, apontou a arma em direção, tentativa de extorsão e se os policiais foram racistas. Apenas linguagem grosseira apresentou significância segundo o teste Qui-quadrado. Os números representam que, apesar dos dados referentes ao questionário sobre racismo exercido pelos policiais não terem tido significância, é possível afirmar que pretos e pardos são mais vitimizados por linguagem grosseira/xingamento e humilhação pelos 115
19 policiais, correspondendo respectivamente a 42,9 e 28,6 do total daqueles que responderam que já sofreram essa violência. Isto evidencia que há uma seletividade que se baseia em critérios raciais por parte dos policiais no contato com os moradores de Feira de Santana. Do ponto de vista da vitimização indireta a pesquisa observou quatro modalidades que apresentaram, segundo o teste Qui-quadrado, associação entre as variáveis, que são, sinteticamente, vitimização por ter visto ou tido informação: 1. pessoas portando arma de fogo; 2. mulheres sendo agredidas; 3. pessoas se agredindo fisicamente e 4. Pessoas sendo mortas por arma de fogo. Em todas essas modalidades de vitimização revelou-se que os negros são mais vitimizados do que os brancos, em um grau significativamente relevante, o que demonstra que negros estão mais expostos a situações de violência do que brancos. O que isso significa? Do ponto de vista teórico, que o processo de discriminação e de desigualdades que fez do negro o algoz e a vítima da criminalidade, desenhado sob a influência das teorias racialistas não foi estancado. Do ponto de vista prático, que precisamos continuar incorporando, mais do que nunca, em nossa agenda de luta pela cidadania, a tarefa de debater o modelo de segurança pública que temos em curso na sociedade brasileira que expõe o negro à violência criminal e segue exterminando os negros e negras desse país num processo genocida. Contudo, observamos que a vitimização indireta do povo negro, que implica numa das facetas do genocídio do negro no Brasil, representa um agravamento deste. Pois, são mães, pais, irmãos, amigos, vizinhos, desconhecidos negros que estão mais sujeitos a essas vitimizações indiretas. Isso é muito grave, pois em que medida uma mãe ou pai continua vivo ao verem seus filhos assassinados? Ou em que medida qualquer ser humano pode viver dignamente tão exposto a essas violências? Este, também, é o arame farpado onde negro sangra a sua humanidade (NASCIMENTO, 1978, p. 76). É salutar, dessa maneira outras pesquisas de vitimização em Feira de Santana e em outras localidades no Brasil. Assim como se fazem necessárias pesquisas que relacionem raça, segregação residencial e violência para averiguar quais mecanismos e instituições operam no sentido da manutenção das hierarquias raciais e desse genocídio e quais as representações dos vitimizados sobre tais violências em seus contextos residenciais. 116
20 REFERÊNCIAS CÁRDIA, Nanci. Raça, Vitimização e Direitos Humanos. Núcleo de Estudos da Violência. Universidade de São Paulo Disponível em: &Itemid=96 CHANGE, J.J. et al (2003) The role of repeat victimization in adolescent delinquent behaviors and recidivism, Journal of Adolescent Health. 32: FERNANDES, Florestan. Prefácio. In: NASCIMENTO, Abdias do. O Genocídio do Negro Brasileiro: processo de um racismo mascarado. Ed. Paz e Terra: Rio de Janeiro, pp FILHO, Adauto Martins Soares. Vitimização por homicídios segundo características de raça no Brasil. Revista Saúde Pública 2011; 45 (4): GUIMARÃES, Antonio Sérgio. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. São Paulo: Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo. Ed. 34, ª Edição HOPE, T. et al. The phenomena of multiple victimization. British Journal of Criminology. 2001; 41: MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação-PENESB-RJ, 05/11/03.. Nosso racismo é um crime perfeito. Memorial Lélia Gonzalez em Ações Afirmativas. Edição 77. Agosto de Disponível em: NASCIMENTO, Abdias do. O Genocídio do Negro Brasileiro: processo de um racismo mascarado. Ed. Paz e Terra: Rio de Janeiro, NÓBREGA JR., José Maira. Violência Homicida no Nordeste Brasileiro: um olhar breve Disponível em: 117
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