PROTEGER E VALORIZAR O LITORAL CONSERVANDO A PAISAGEM PROTECTING THE COASTAL REGION PRESERVING SCENERY J. S. ANTUNES DO CARMO & F. J.
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2 PROTEGER E VALORIZAR O LITORAL CONSERVANDO A PAISAGEM PROTECTING THE COASTAL REGION PRESERVING SCENERY J. S. ANTUNES DO CARMO & F. J. SEABRA-SANTOS IMAR, Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Coimbra Coimbra, Portugal Tel.: Fax: jsacarmo@dec.uc.pt Resumo Como alternativa a esporões e quebra-mares aderentes ou destacados, tradicionalmente construídos com altura suficiente para não serem frequentemente galgados, a adopção de plataformas de dissipação submersas, quando devidamente projectadas, isoladamente ou em associação, poderão constituir boas soluções alternativas para a protecção de áreas sensíveis e a criação ou ampliação de zonas abrigadas. No dimensionamento destas plataformas deverão ter-se como objectivos: 1. provocar a dissipação de energia das ondas; 2. garantir declives suaves para as praias; 3. permitir o natural encaminhamento aluvionar após períodos de enchimento. Estas plataformas de dissipação, que se justificam em especial para proteger zonas ou construções de particular valor arquitectónico ou paisagístico, deverão permitir reduzir o potencial energético das ondas em situações prédefinidas, provocando a rebentação e a consequente diminuição do seu impacto agressivo. Importa por outro lado ter presente a acção dinâmica das ondas sobre a linha de costa, afectando em particular campos dunares e a geometria e volumetria de praias mais sensíveis. Recorrendo a simulações numéricas, apresentam-se neste artigo alguns resultados e comparações entre diferentes soluções práticas. Para o efeito, é utilizada uma estrutura computacional constituída por um modelo hidrodinâmico do tipo Boussinesq, o qual está preparado para funcionar acoplado a um modelo de dinâmica sedimentar constituído por uma equação do tipo Bailard para o cálculo dos caudais sólidos por arrastamento e em suspensão, e uma equação de balanço dos sedimentos do tipo Exner. Palavras-chave: Obras de protecção; Valores paisagísticos; Hidrodinâmica; Dinâmica sedimentar. Abstract Coastal defence measures are treated, with emphasizes on elevated and submerged breakwaters. Numerical results are compared, utilizing a computational structure composed by a Boussinesq-type hydrodynamic model, which is also prepared to run coupled to a sedimentary model, composed by a Bailard-type dynamic equation for the sediment transport and an extended transport bed-level changes equation of the Exner-type. Key-words: Coastal defence measures; Landscape; Seascape; Hydrodynamics; Sedimentary dynamics.
3 1. Introdução A construção de obras de protecção costeira nem sempre constituiu uma necessidade natural, mas estas obras justificam-se hoje em dia para colmatar frequentes e variadas agressões acumuladas ao longo de décadas em cursos de água naturais, estuários, praias e campos dunares. Em geral, estes são procedimentos com consequências mais ou menos graves a médio e longo prazos, aos quais devemos juntar outras agressões ambientais de grande impacto, registados em diferentes regiões do globo, que se vêm traduzindo numa elevação gradual do nível médio das águas do mar. Estamos assim perante necessidades criadas pelo próprio homem para a satisfação de compromissos de natureza puramente economicista. Naturalmente que perante agressões desta natureza, conducentes à modificação de um equilíbrio que a natureza levou milhões de anos a estabelecer, não serão simples intervenções pontuais que impedirão a contínua degradação das características ambientais das zonas costeiras e evitarão situações de elevada precaridade, com consequências imprevisíveis a longo prazo. À incessante procura de permanentes equilíbrios por parte da natureza responde o homem com novas e tímidas tentativas conducentes à artificialização de regimes de cursos de água naturais e à precária fixação de margens das regiões litorais. Sejam quais forem os contornos de análise desta batalha, que o homen iniciou na sua tentativa de domesticar os regimes naturais, é evidente que a mesma jamais terá fim. Poder-se-ão contemplar situações pontuais, todavia estas nada mais constituirão que simples desequilíbrios que a própria natureza se encarregará de reavaliar e ultrapassar com evidentes reflexos negativos mais ou menos localizados. Assumindo que este é um percurso sem retrocesso, importa então procurar mitigar alguns dos impactos nefastos destas obras ditas de protecção costeira, reduzindo drasticamente os efeitos a sotamar e o impacto paisagístico de forte pendor negativo que estas obras frequentemente comportam, sem deixar de usufruir localmente de algumas das potenciais vantagens (embora porventura efémeras) inerentes à sua construção. Pela oportunidade que representa, reproduzo em seguida uma actual e interessante passagem de um texto de Carlos Canelhas, incerto no número 59 da Revista Forum Ambiente: Imaginemos a Terra com milhões de anos, uma idade no tempo um pouco inconcebível para nós. Por isso, imaginemos a Terra como uma pessoa em meiaidade, com 46 anos. Esta pessoa teve um amadurecimento tardio. Não se conhece nada da sua evolução até aos 42 anos e os próximos 35 são uma incógnita. Os dinossauros e os répteis só apareceram há um ano atrás, quando o planeta atingiu os 45 anos. Os mamíferos apareceram somente há oito meses, o homem do Neanderthal há apenas oito dias. No último fim-de-semana a última Era Glaciar envolveu a Terra. O Homem moderno existe há quatro horas! Descobrimos a agricultura na última hora e meia. A Revolução Industrial começou há um minuto! Nestes últimos sessenta segundos de tempo biológico, os seres humanos conseguiram fazer do paraíso... uma lixeira!. Para adequar este texto à realidade do presente artigo, importaria apenas alterar a última frase, passando a ter a seguinte redacção: Nestes últimos sessenta segundos, os seres humanos conseguiram fazer de um sistema quasiem equilíbrio... uma quasi-manta de retalhos.
4 2. Obras de protecção costeira Tradicionalmente, as obras de protecção costeira enquadram-se em algum dos seguintes tipos: 1. protecção frontal; 2. protecção transversal; 3. protecção mista. Estas obras são construídas isoladamente ou em associação, constituindo as obras de protecção mista associações das duas anteriores. As obras de protecção frontal poderão, em geral, justificar-se para proteger aglomerados populacionais. Naturalmente que estas obras apenas poderão justificar-se como medida de segurança de aglomerados já existentes, mas nunca como forma de proporcionar condições para a ocupação de outras zonas inundáveis, de praias ou de campos dunares. As obras de protecção transversal criam, em geral, efeitos contraproducentes. Com efeito, os esporões podem ser a solução para um problema a barlamar mas, em contrapartida, criam outro a sotamar. Estas obras são, regra geral, construídas com cotas de coroamento suficientemente elevadas acima do nível médio das águas do mar para não serem frequentemente galgadas. Tais soluções poderão justificar-se do ponto de vista da eficiência, como estruturas de dissipação da energia das ondas; todavia, comportam elevados impactos ambientais, não garantem o natural encaminhamento aluvionar nem a manutenção de declives suaves para as praias. Estes inconvenientes poderão, em geral, justificar a adopção de outras soluções, porventura não tão eficientes mas globalmente mais aceitáveis. 3. Plataformas de dissipação submersas Não sendo as plataformas de dissipação submersas tradicionalmente bem aceites, estas têm vindo a ser gradualmente consideradas uma boa solução e com plena justificação, em especial para a protecção de zonas sensíveis ou de construções com particular valor arquitectónico ou paisagístico. Não se reconhecem à priori efeitos contraproducentes que limitem a generalização destas estruturas, nomeadamente para efeitos de redução da acção dinâmica das ondas sobre a linha de costa, em particular sobre campos dunares e ainda sobre a geometria e a volumetria de praias mais sensíveis. Estas obras, quando devidamente projectadas, deverão permitir reduzir o potencial energético das ondas em situações pré-definidas, provocando a rebentação e a consequente diminuição do seu impacto agressivo. Uma estrutura deste tipo foi testada para a protecção da fortaleza de S. Lourenço, ou Farol do Bugio, localizado sobre o banco do Bugio, na embocadura do estuário do rio Tejo, contruído na primeira metade do século XVII (Seabra Santos et al., 1997). Os estudos efectuados no âmbito daquele trabalho tiveram por objectivos: i) a análise dos efeitos da ressuspensão, transporte e sedimentação das areias nas proximidades do Forte do Bugio, na situação de uma proposta de obra de
5 protecção do Forte implantada contra os efeitos da acção conjunta de ondas e de correntes de maré, e ii) análise da exequibilidade da solução proposta no que diz respeito à capacidade de realimentação da praia sob o efeito da agitação de Verão. Na sequência dos estudos efectuados com base em modelação matemática concluíu-se que a solução proposta, para além de produzir um importante impacto paisagístico, reduzindo fortemente a visibilidade do Bugio, não cumpria a totalidade dos objectivos para que foi projectada. Nesta conformidade, procedeu-se à análise de uma solução alternativa baseada numa plataforma de dissipação à cota ou (ZH), com uma forma sensivelmente circular e com cerca de 80 m de raio (na base), envolvendo o Forte nas direcções mais expostas. A Figura 1 representa a plataforma de dissipação submersa testada. Figura 1 Plataforma de dissipação submersa testada. Figura 2 Perspectiva da superfície livre em situação quasi-estabilizada.
6 Os resultados obtidos com base em modelação matemática (Figura 2), confirmados através de ensaios em modelo físico realizados no LNEC (Oliveira et al., 1999), permitiram verificar o comportamento satisfatório desta solução, cumprindo o requisito essencial de protecção através de uma plataforma submersa de dissipação; por conseguinte, impedindo a acção directa da agitação marítima sobre o Farol, sem prejudicar o natural valor paisagístico desta fortaleza. 4. Comparação de soluções Comparam-se em seguida resultados matemáticos relativos a uma praia contendo um molhe localizado próximo da secção central do domínio segundo a direcção de entrada de uma onda e em posição central relativamentre à direcção normal. O modelo matemático aqui utilizado resolve em sistema de equações do tipo Boussinesq, considerando ou não uma corrente ambiente, por um método de elementos finitos (para mais detalhes consultar Antunes do Carmo et al., 1993; Antunes do Carmo, 1995; e Antunes do Carmo e Seabra Santos, 1996). A praia tem 500 m de comprimento (segundo a direcção de propagação da onda) e 900 m segundo a direcção normal. Segundo a direcção de propagação da onda a praia tem uma inclinação de 2% nos primeiros 450 m, sendo nula nos restantes 50 m. O molhe tem dimensões de 300 m por 20 m e situa-se a uma distância de 220 m da fronteira de entrada da onda no domínio. Para os objectivos da presente comunicação o fundo é aqui considerado fixo. Com efeito, interessa-nos apenas comparar a eficiência de uma estrutura com altura suficiente para não ser frequentemente galgada com a eficiência de uma plataforma de dissipação submersa. Em conformidade com a situação que importa analisar, a cota de coroamento da estrutura submersa deverá situar-se a uma distância da superfície livre (nível de referência) da ordem de grandeza da amplitude da onda. Por conseguinte, neste caso, para efeitos de comparação, a plataforma submersa terá uma forma sensivelmente idêntica à da estrutura elevada e a cota de coroamento situar-se-á 1.0 m abaixo do nível de referência (Figuras 3 e 4). A onda aqui considerada tem 2.0 m de altura e um período de 8 segundos. Diversas sondas de nível e de velocidades instaladas em diferentes pontos do domínio permitem comparar as eficiências de ambas as soluções (Figura 5). Estas sondas foram instaladas nos mesmos pontos da malha de cálculo em ambas as simulações: os dois primeiros gráficos a 150 m da fronteira de entrada da onda no domínio, os dois gráficos centrais a 300 m desta fronteira e os dois últimos a 450 m. Interessa comparar, em cada gráfico, as amplitudes dos dois sinais representados (correspondentes à mesma posiçao da sonda nas duas simulações efectuadas). Como se verifica, não ressaltam diferenças significativas, em particular nas sondas instaladas nas proximidades da praia (a 300 m e a 450 m da origem). Para além de mais económica, a solução alternativa proposta, constituida por uma estrutura de dissipação submersa, não apresenta qualquer impacto agressivo em termos paisagísticos. Tal como as possíveis associações de molhes tradicionais, também a associação de estruturas ou plataformas de dissipação submersas, quando devidamente projectadas, deverá permitir proteger com vantagens acrescidas significativas extensões de praia e costa com particular valor paisagístico e/ou de elevada sensibilidade.
7 Figura 3 Estrutura com altura suficiente para não ser frequentemente galgada. Figura 4 Estrutura de dissipação com cota de coroamento situada 1.0 m abaixo do nível da superfície livre.
8 Figura 5 - Comparação de níveis da superfície livre atingidos em diversos pontos do domínio. Comparam-se nas Figuras 6 e 7 perspectivas da superfície livre obtidas no mesmo instante de propagação da onda.
9 Figura 6 Perspectiva da superfície livre: estrutura elevada. Figura 7 Perspectiva da superfície livre: estrutura de dissipação submersa.
10 5. Conclusões Apresenta-se neste artigo uma solução alternativa às tradicionais obras de protecção frontal destacadas. Compara-se a eficiência de uma molhe tradicional, estrutura suficientemente elevada para não ser frequentemente galgada, com a eficiência de uma estrutura de dissipação submersa. Recorre-se, para o efeito, a um modelo numérico que utiliza um método de elementos finitos para a resolução de um sistema de equações do tipo Boussinesq. O modelo numérico utilizado permitiu comparar o desempenho hidráulico destas obras de protecção numa situação idealizada, mas já suficientemente próxima de condições reais para validar os resultados obtidos. Conclui-se assim que uma estrutura de dissipação submersa, ou qualquer associação de estruturas deste tipo, poderá substituir com vantagens os tradicionais molhes elevados, com fortes impactos negativos de natureza paisagística. De igual modo, também o desempenho de quaisquer outras obras de protecção costeira, designadamente de estruturas transversais submersas, na totalidade ou em parte, poderá ser facilmente avaliado utilizando o mesmo modelo computacional hidrodinâmico acoplado a um modelo de dinâmica sedimentar. REFERÊNCIAS Antunes do Carmo, J.S., Seabra-Santos, F.J. e Barthélemy, E. (1993). Surface waves propagation in shallow-water: a finite element model. Int. J. Num. Meth. in Fluids, Vol. 16, No. 6, Antunes do Carmo, J.S. (1995). Contribuição para o Estudo dos Processos Morfodinâmicos em Regiões Costeiras e Estuarinas. Tese de Doutoramento, Universidade de Coimbra, Abril. Antunes do Carmo, J.S. e Seabra-Santos, F.J. (1996). On breaking waves and wave-current interaction in shallowwater: a 2DH finite element model. Int. J. Num. Meth. in Fluids, Vol. 22, No. 5, Oliveira, E.M., Fortunato, A.B., Fortes, J., Silva, L.G., Vicente, C.E e Pereira, M.C. (1999). Protecção do Farol do Bugio Contra a Acção de Ondas e Correntes. In Actas do Seminário Os Estuários de Portugal e os Planos de Bacia Hidrográfica, LNEC, de Outubro. Seabra Santos, F.J., Antunes do Carmo, J.S. e Avilez Valente, P. (1997). Protecção do Forte do Bugio: Dinâmica dos Sedimentos sob a Acção Conjunta das Ondas e das Correntes de Maré. IMAR - Instituto do Mar (Pólo de Coimbra). Estudo efectuado para o LNEC, Março.
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