Sobre a Contribuição de Bancos de Germoplasma para a Conservação On-farm nas Comunidades Mbya Guarani no Rio Grande do Sul

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1 Sobre a Contribuição de Bancos de Germoplasma para a Conservação On-farm nas Comunidades Mbya Guarani no Rio Grande do Sul On the Contribution of Germplasm Banks to the On Farm Conservation at Mbya Guarani Communities in Rio Grande do Sul State, Brazil ANTUNES, Irajá Ferreira 1 ; FEIJÓ, Cristiane Tavares 2 ; ³VILLELA, Alexandre Terracciano; 4 FONSECA, Cristine da. 1 Embrapa Clima Temperado, Pelotas, RS, iraja.antunes@embrapa.br; 2 Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, cristavaresfeij@gmail.com; 3 Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, villelaat@hotmail.com; 4 Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, cristinefonseca@hotmail.com. Resumo: Este artigo relata a experiência da instituição pública de pesquisa agropecuária compartilhada com os agricultores indígenas no que diz respeito à disponibilização de material genético crioulo para a manutenção da agrobiodiversidade Mbya Guarani. A troca de experiências e saberes ocorreu no dia treze de setembro de 2013, quando estiveram presentes na Embrapa oito agricultores Guarani e três técnicos da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (FAPEU) Santa Catarina. Sementes de diferentes variedades crioulas foram submetidas aos Guarani para que, mediante seus critérios, fossem selecionadas. Assim, foram selecionadas seis variedades de feijão, sete de milho, cinco de amendoim, cinco de abóbora, duas de melão e duas de melancia. O compartilhamento de experiências resultou no aperfeiçoamento da parceria entre Embrapa e Mbyas Guarani e no entendimento do significado que adquirem os bancos de germoplasma da Embrapa como fonte de sementes no aperfeiçoamento dos processos que conduzem à segurança alimentar dos diversos segmentos que constituem o universo rural brasileiro. Palavras-chave: indígenas, sementes crioulas, Embrapa. Abstract: This paper reports the shared experience of a public institution of agricultural research with indigenous farmers with regard to the provision of genetic landrace material for the maintenance of Mbya Guarani agrobiodiversity. The exchange of experiences and knowledge occurred on September 13, 2013, when eight Guarani farmers and three technicians from the University Foundation for Research and Extension (FAPEU) - Santa Catarina were present at Embrapa. Seeds of different landraces were submitted to the Guarani, which, by their criteria, were selected. So, six varieties of common bean, seven of corn, five of peanut, five of pumpkin, two of melon and two of watermelon, were selected. The sharing of experiences resulted in improving the partnership between Embrapa and Mbyas Guarani and in the understanding of the meaning of Embrapa gene banks as a source of seeds in the improvement of the processes leading to food security of various segments that make up the Brazilian rural world. Keywords: indigenous, landraces, Embrapa 1

2 Contexto Há mais de 15 anos na Embrapa Clima Temperado localizada em Pelotas no estado do Rio Grande do Sul (RS), vêm sendo desenvolvidas pesquisas com sementes crioulas. Inicialmente o projeto de pesquisa (hoje denominado genericamente como Projeto Sementes Crioulas ) tinha apenas o objetivo de estudar as propriedades biológicas destas plantas caracterizando a biodiversidade das mesmas. No processo de evolução do mesmo houve a percepção da importância do papel exercido pelo agricultor que mantém essas sementes, que se convencionou denominar guardião de sementes. Tal importância deve-se a intrínseca relação entre a semente e seu guardião, integrando aí ambiente e a perspectiva do agricultor. Atualmente o Projeto Sementes Crioulas tem mantido relações com diversos grupos sociais. Entre eles, estão os coletivos indígenas Mbya Guarani e Kaingang, agricultores familiares, e quilombolas. A partir desse reconhecimento, no que diz respeito à importância do papel do agricultor na conservação do germoplasma crioulo e tradicional, visou-se conhecer o trabalho dos guardiões indígenas Mbya Guarani na manutenção das variedades tradicionais, como parte de um trabalho de pesquisa de mestrado vinculado ao Projeto Sementes Crioulas. Para isso, em maio de 2013 estabeleceu-se relação com o presidente do Conselho de Articulação do Povo Guarani (CAPG), Mauricio Gonçalves, com o objetivo de entender o atual contexto social e econômico em que vivem as aldeias Mbya Guarani no litoral do estado do RS. Essas famílias Mbya Guarani ainda no inicio desse ano, localizavam-se às margens da rodovia federal BR-116, no estado do RS. Com o projeto de duplicação dessa estrada, por meio do Plano de Aceleração do Crescimento Econômico (PAC) do Estado brasileiro, sob a coordenação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), estabeleceu-se a necessidade da remoção destas famílias. Buscando cumprir a legislação nacional, que visa por meio de ações compensatórias atenuar os impactos da obra sobre as comunidades indígenas, foi criado o programa de apoio às comunidades Guarani que estão inseridas no contexto da obra. Esse projeto tem sido executado pelos técnicos da Fundação Universitária de Amparo a Pesquisa e Extensão (FAPEU) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) contratada pelo DNIT, onde um dos principais objetivos do programa é a aquisição de novas áreas para a remoção das famílias Guarani. Nesse sentido, acompanharam-se as reuniões mensais, desde junho de 2013, que ocorrem entre as famílias e lideranças Guarani, técnicos da FAPEU, FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e outros parceiros do projeto, onde conseguiu-se conhecer parte da situação socioeconômica desse coletivo indígena. Simultaneamente, constatou-se que os Mbya Guarani, com as novas áreas, careciam de sementes para a constituição de suas roças. Desta forma, foi estabelecida a relação do Projeto Sementes Crioulas da Embrapa com os Mbya Guarani e técnicos da FAPEU, visando contribuir com a diversidade de espécies 2

3 alimentícias, por meio do acesso às variedades crioulas existentes nos bancos de germoplasma da Embrapa Clima Temperado. Descrição da Experiência No dia 13 de setembro de 2013 estiveram presentes na Embrapa Clima Temperado, em Pelotas, no estado do RS, oito agricultores Mbya Guarani e três técnicos da FAPEU (figura 1). Neste dia os Guarani puderam conhecer alguns trabalhos realizados na instituição, tais como: pesquisas com as variedades de sementes crioulas e com os agricultores guardiões; pesquisas voltadas a sustentabilidade da agricultura familiar; ao desenvolvimento socioeconômico, etc. Para isso, houve a disponibilização do material genético e a troca de experiências que ocorreram nos períodos da manhã e tarde do mesmo dia. Figura 1. Registro sobre a chegada dos técnicos da FAPEU e dos Mbya Guarani na Embrapa Clima Temperado Pelotas/RS. Para a disponibilização dos materiais dos bancos de germoplasma crioulo (conservação ex situ que estão fora do habitat natural) existentes na Embrapa, primeiramente foram realizadas conversas entre pesquisadores e as comunidades Mbya Guarani da região litorânea do RS, com o intuito de que estes conhecessem as sementes crioulas existentes nos bancos de germoplasma da instituição. Nesse diálogo, algumas lideranças, como os caciques e principalmente os Guarani mais experientes, solicitaram aquelas espécies mais utilizadas na alimentação tradicional 3

4 Mbya Guarani, como exemplo, milho (Zea mays L.), feijão (Phaseolus Vulgaris L.) amendoim (Arachis hypogaea L.), abóbora (Cucúrbita moschata) e melancia (Citrullus lanatus). Na Estação Terras Baixas onde os Guarani foram recepcionados, estes mesmos tiveram a oportunidade de observar 34 variedades de feijão crioulo (figura 2). Destas, os Guarani selecionaram seis, dentre elas as conhecidas popularmente na região sul como: Rim de Porco; Unha de Princesa; Preto Comprido; Vermelho Anchieta; Amendoim Unaic e Fogo na Serra. Percebeu-se que a seleção realizada pelo grupo deu por meio da observação e de conversas entre eles. Figura 2. Seleção de variedades crioulas a partir da perspectiva Mbya Guarani. Embrapa - Estação Terras Baixas, Pelotas/RS. Já na Sede da Embrapa as sementes de milho crioulo, assim como ocorreu com as variedades de feijão, foram expostas para que os Mbya Guarani pudessem selecionar os materiais de interesse. Dentre as variedades crioulas de milho, o grupo selecionou sete: Palha Roxa; Bagualão Amarelo; Brazino; Colonial Santa Eulália; Farináceo Branco; Farináceo Amarelo; Catete Branco/ Rio Grande. Também foram selecionadas cinco variedades crioulas de amendoim e variedades crioulas de cucurbitáceas (sendo cinco de abóbora; duas de melão e duas de melancia). Dessas variedades foram apenas expostas as imagens de seus frutos (inteiros e abertos ao meio), pois, devido à época (setembro) do ano no RS, não seria possível disponibilizar os frutos in natura, apenas suas sementes. 4

5 Dessa maneira, constatou-se que a seleção do germoplasma crioulo realizada pelos Mbya Guarani, nos bancos da Embrapa Clima Temperado, ocorreu conforme as experiências anteriores vivenciadas com suas famílias nas aldeias como também foram de fundamental importância o juízo formado pelos mais velhos sobre as variedades crioulas ali expostas. Portanto, essas variedades foram escolhidas pela aplicação do conhecimento tradicional oral e prático dos Guarani, onde as escolhas do material crioulo para a recuperação e manutenção da sua agrobiodiversidade foram aquelas que mais se pareciam morfologicamente com as sementes que eles (familiares indígenas, seus bisavós, avós e pais) mantinham e plantavam em outros espaços de países como o Paraguai, Argentina e Uruguai. Resultados Constatou-se que a disponibilização do germoplasma crioulo, por meio da conservação ex situ, realizada na Embrapa, possibilitou aos Mbya Guarani conhecerem a instituição e parte dos trabalhos desenvolvidos, além da autonomia de selecionar as variedades consideradas essenciais para a constituição da sua agrobiodiversidade. A troca de experiências realizada entre pesquisadores da Embrapa, estudantes de pós-graduação dessa instituição e técnicos da FAPEU, em conjunto com os Mbya Guarani, permitiu que aqueles compreendessem a necessidade que os Guarani tem de visualizar, observar, discutir e selecionar as variedades crioulas que de alguma maneira, seja ela por escolha cultural ou nutricional, contribuirão com a diversidade das espécies e a conservação on-farm em seus roçados além de contribuir com a segurança alimentar de suas famílias. Por outro lado, encontrou-se algumas dificuldades no momento da seleção das variedades crioulas de cucurbitáceas, pois os Guarani ainda não haviam selecionado espécies alimentares por meio de imagens digitalizadas. Percebeu-se que os Guarani ficaram confusos, influenciando assim, o processo da escolha. Outro fator negativo encontrado também foi a época (setembro) da disponibilização do material genético, que decorreu alguns dias após a realização do plantio realizado pelos Guarani. Porém, alguns Mbya Guarani que participaram da seleção realizaram o plantio fora da época do calendário agrícola tradicional possibilitando a adaptação dessas variedades em seus roçados. Identificou-se nas diferentes aldeias do litoral gaúcho (daqueles Guarani que participaram da seleção) que os Guarani não cultivam suas sementes tradicionais no mesmo roçado das sementes crioulas; para isso foram abertas outras roças para o plantio das variedades crioulas. Contudo, as técnicas de manejo aplicadas nos 5

6 roçados das sementes tradicionais são as mesmas que decorrem sobre o manejo das espécies crioulas, ou seja, os Guarani realizam o plantio em consórcio e não utilizam insumos sintéticos. No final do ano de 2013 e no inicio de 2014, no RS, ocorreram temperaturas elevadas e períodos de forte estiagem, prejudicando parte da produção tradicional e crioula no sistema de roçado Mbya Guarani. Portanto julgou-se necessária a realização de uma nova etapa de seleção de variedades crioulas por parte dos Guarani no ano de Como resultado positivo, constata-se a integração entre pesquisadores e Mbyas Guarani, pelo entendimento recíproco da importância dos papéis que ambos exercem no cuidado com as sementes crioulas. Ao mesmo tempo, reafirma-se o significado que adquirem os bancos de germoplasma da Embrapa como fonte de sementes no aperfeiçoamento dos processos que conduzem à segurança alimentar dos diversos segmentos que constituem o universo rural brasileiro. 6