APRESENTAÇÃO. Italo Calvino: A literatura como companheira de viagem. Este número 12 da Revista Outra Travessia dedica-se totalmente à analise da
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- Terezinha Gameiro Ramalho
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1 APRESENTAÇÃO Italo Calvino: A literatura como companheira de viagem Este número 12 da Revista Outra Travessia dedica-se totalmente à analise da múltipla obra do escritor italiano Italo Calvino ( ). Desde a sua redescoberta no Brasil em 1990, impulsionada pela constante publicação de seus livros pela Companhia das Letras, a obra calviniana ensaística, literária e epistolar essa ainda inédita em tradução no Brasil vem sendo cada vez mais tema e objeto de artigos, dissertações e teses. Sete dos dez artigos aqui publicados originam-se de comunicações apresentadas no Primeiro Simpósio Italo Calvino: Os Jardins dos Caminhos que se cruzam, promovido pelo Grupo de Estudos Italo Calvino UNB-UFSC-CNPQ, realizado na Universidade Federal de Santa Catarina, no dia 08 de abril de As colaborações foram divididas em 04 seções: Artigos; Resenhas, Entrevista em italiano e português com o estudioso italiano Fabio Pierangeli; Tradução do texto crítico-recreativo oulipiano Comment j ai écrit un de mes livres, a respeito da composição de Se una notte d inverno un viaggiatore. Como todos os artigos, de certo modo, perpassam por aspectos essenciais da obra calviniana como as suas propostas estéticas-literárias-políticas de intervenção no mundo, a relação literatura-ciência-filosofia, o mundo escrito e o mundo não escrito, a biblioteca como fonte do conhecimento das mais diversas áreas, a enciclopédia, o colecionamento, a tradução e sua relação com o próprio ato literário, o ensaísmo como meio de conhecimento mesmo em suas obras literárias, como Palomar, o diálogo de Calvino com os seus clássicos, procuramos organizá-los de modo a dar uma consistência ao conjunto. 1
2 Em Travessia do mundo não escrito ao mundo escrito: para ler Calvino e suas propostas para a literatura por vir, Bruna Fontes Ferraz & Eclair Antonio Almeida Filho apresentam, a partir de uma leitura de Lezioni americane: sei proposte per il prossimo millennio (1988), as considerações de Calvino sobre como combater a peste da linguagem e o dilúvio de imagens pré-fabricadas que estariam assolando a Modernidade. Os dois estudiosos apontam para uma pedagogia calviniana que nos ensinaria a pensar por imagens leves, exatas, memoráveis. Além disso, chamam a atenção para a essencial relação entre mundo escrito (a Literatura) e o mundo não escrito (a Realidade), de modo que se mostre Calvino como um escritor extremamente engajado e preocupado com a função social da Literatura. Nos três artigos seguintes, os autores dão ênfase às relações entre literatura, ciência e filosofia, que tomam corpo na obra calviniana principalmente durante toda a década de 1960 e nos primeiros anos da década de 1970, quando Calvino, já residindo em Paris, passa a fazer oficialmente parte do OULIPO (Ouvroir de Littérature Potentielle [Ateliê de Literatura Potencial]). Neles se ressaltam temas como o cósmico (a dimensão universal) e o cômico (a dimensão humana), a máquina literária que se baseia na arte combinatória, o apagamento do eu do autor, a crítica à subjetividade como motor da criação literária, a ironia. Em O cósmico e o cômico: ciência e ficção na poética de Calvino, Luiz Ernani Fritoli observa que, nos anos 60, ao instaurar com as histórias cosmicômicas um novo gênero narrativo, como projeto intelectual, Calvino busca captar na sociedade, ou melhor, nas sociedades do mundo, os valores essenciais, universais, que nos definem, seres efêmeros tentando eternizar-nos pela aquisição da ciência (conhecimento) e da consciência (conhecimento do eu no mundo). Segundo o pesquisador, enquanto o cósmico - como matéria e energia indiferentes ao humano 2
3 responderia a uma multiplicidade ordenada que constitui um grande mistério, o cômico dá o filtro humano, o olhar míope e perplexo diante da multiplicidade ordenada do cosmos. No entanto, Fritoli enfatizará, ao longo de todo o seu artigo, que Calvino nunca se quis como cientista, mas sim como escritor interessado na linguagem científica como uma das mais eficazes linguagens múltiplas possíveis. Por sua vez, em Literatura e ciência no ensaio Cibernética e fantasmas, de Italo Calvino, Vanina Sigrist Carrara adverte que é preciso abarcar sob a mesma nomenclatura de ciência livros propriamente de ciências exatas, físicas e biológicas ou de história das ciências, estudos etnológicos e antropológicos, presentes nos textos ensaísticos, epistolares e literários calvinianos desde que começou a ser acusado por certa crítica de ter deixado de ser narrador ou romancista, após justamente As Cosmicômicas. Além disso, trazendo à tona a tríade Literatura- Ciência-Filosofia, a estudiosa observa que Calvino ainda tenta nuançar os territórios, porque insiste em afirmar que escrever romances para deliberadamente fazer filosofia (e todas as outras combinações do ménage à trois) é não respeitar a própria literatura, que não deve ser conceitual e tem seu modo particular de operar a linguagem. Em Um crime à décima segunda potência: considerações sobre a arte combinatória em Italo Calvino, Cláudia Maia propõe-se um exercício de análise da arte combinatória na construção do conto policial O incêndio da casa abominável publicado na coletânea póstuma O general em sua biblioteca (e na edição italiana Prima che tu dica pronto), escrito em 1972, segundo Esther Calvino, a pedido da IBM. Ao estruturar seu texto como um conto policial, mas que se baseia em combinações permitidas pelo uso do computador, Calvino filiar-se-ia a uma tradição de autores como Edgar Allan Poe, Raymond Chandler e Jorge Luis Borges, que 3
4 consideram a literatura fato intelectual, como obra da inteligência e não mais como obra de uma subjetividade ou do espírito ou do gênio (romântico). O quinto e o sexto artigos partem para as cidades invisíveis na tentativa de ouvir as múltiplas vozes em Calvino e entender a literatura como espaço de colecionamento de conhecimentos das mais diversas áreas. Em As Cidades Invisíveis e a dupla polifonia, Augusto Rodrigues Jr. analisa o livro As cidades invisíveis a partir da noção de dupla, primeiramente Kublai Khan- Marco Polo, expandindo-a, internamente à obra, para outras combinações como Cidades Invisíveis-O livro das maravilhas de Marco Polo, Narrador-Leitor, Marco Polo-Cidades. Baseando-se nos ensaios O narrador e Teses sobre a filosofia da História, de Walter Benjamin, o pesquisador percebe que em As cidades invisíveis observador e rememorador, contador e narrador de histórias, Marco Polo e seu imperador-ouvinte são personagens que representam a possibilidade de um retorno da faculdade de intercambiar experiências. No artigo O personagem tradutor e o leitor na rede de Italo Calvino, Alessandra Matias Querido problematiza a relação do tradutor e, também, do próprio escritor com o próprio ato criador, a partir da presença do personagem tradutor Ermes Marano em Se um viajante numa noite de inverno. Desempenhando o papel tanto de detetive quanto o de bandido, o tradutor seria em Calvino aquele que conhece bem as regras do jogo literário para assim sempre manter a atenção do seu leitor, no caso, a atenção de Ludmilla. Querido considera que A tradução serve como metáfora para a solução do mistério e o tradutor, por sua vez, exerce nas narrativas policiais o papel de detetive ou de bandido. Em Margens, fronteiras: a noção de biblioteca em Italo Calvino, Maria Elisa Moreira Rodrigues vai também às cidades invisíveis para investigar a busca de 4
5 Calvino pela multiplicidade de conhecimentos. Lembra-nos a estudiosa que é nesse livro que Calvino afirma haver dito mais coisas, talvez por ter conseguido concentrar em um único símbolo todas as minhas reflexões, experiências e conjecturas. Lendo as cidades como livro livro enciclopédico a se acrescentar à biblioteca, Maria Elisa considera, também apoiando-se em Walter Benjamin e sua noção de colecionamento, que [a] biblioteca, assim, seria uma coleção na qual os objetos mantêm sua funcionalidade original, de modo que pensar a biblioteca como um modelo possível de produção de conhecimento é também pensar o saber como um processo contínuo e infindável, múltiplo e dinâmico. Em O polígrafo e as ondas, Adriana Iozzi Klein investiga as origens sobretudo italianas, francesas e inglesas - e as características do ensaísmo em Calvino, que assume um tom peculiar da segunda metade da década de 1970 até a publicação de Palomar em 1983 e de Collezione di Sabbia em A estudiosa salienta que as duas obras em questão, além de terem sido escritas no mesmo período e terem sido publicadas próximas uma da outra, possuem relevantes espelhamentos e ressonâncias entre si, pois nelas há a descrição das impressões de viagens do Sr, Palomar reconhecidamente como alter ego do escritor - na obra homônima e de Calvino em Collezione di Sabbia. A pesquisadora também ressalta que nessas duas obras Calvino leva ao extremo uma escrita baseada na descrição sem perder de foco a narração e a meditação com vistas a alcançar o conhecimento múltiplo. Os dois últimos artigos tratam do diálogo de Calvino com seus clássicos, no caso, Maquiavel e Leopardi. Em A presença de Maquiavel em Italo Calvino, Eliziane Mara de Souza e Karine Simoni realizam um exímio e minucioso trabalho de investigação da presença de Maquiavel na obra ensaística e epistolar de Italo Calvino. Apresentam a 5
6 semelhança de caminhos seguidos pelos dois escritores italianos, tanto na vida quanto na literatura, ao se exercitarem nos mais diversos gêneros como o romance, o ensaio, o conto, as cartas. Segundo as autoras, Calvino admirava Maquiavel porque ele lhe parecia ter visto o seu tempo e o ser humano na sua dimensão mais próxima à realidade e sem ilusões. Por sua vez, em Calvino e suas afinidades eletivas: o Zibaldone em Lezioni americane, as pesquisadoras Andréia Guerini & Tânia Mara Moysés ressaltam a importância de Leopardi para todo o percurso de Calvino, não só para Lezioni americane, obra em que o autor de Zibaldone aparece citado como exemplo primordial de valores a serem preservados no nosso século como a Leveza e a Exatidão. Num exímio trabalho de consulta às cartas de Calvino, as pesquisadoras nos fazem saber que Calvino ficava contente quando algum crítico apontava referências leopardianas em sua obra, uma vez que le Operette morali sono il libro da cui deriva tuto quello che scrivo. Assim, com o olhar e a atenção voltados para o passado presentificado de seus clássicos, Calvino extrai os valores que deseja que sejam preservados neste nosso milênio. Na seção das resenhas, o leitor encontrará análises de dois estudos sobre Calvino lançados em 2007 e em 2009, a saber, O saber narrativo (2007), de Maria Elisa Moreira Rodrigues, por Daniela Campos e Il gioco del labirinto: figure del narrativo nell opera di Italo Calvino (2009), da estudiosa espanhola Covadonga Fouces Gonzáles, por Andréia Guerini e Tânia Mara Moysés. Nesses dois livros, o leitor se deparará, sobretudo, com a literatura e seu saber narrativo em Calvino como uma rede intrincada e labiríntica de relações que visam o conhecimento do Mundo. Além disso, temos uma resenha sobre o livro de ensaio Coleção de areia (2010), de Italo Calvino, por Bruna Fontes Ferraz, na qual a resenhista vislumbra em meio às 6
7 impressões de viagens de Calvino um convite para irmos em direção ao diverso, ao inusitado, ao inesperado, renovando o nosso olhar. Na entrevista do estudioso italiano Fabio Pierangeli, procurou-se, antes de tudo, mapear o estado atual das pesquisas sobre Calvino na Itália, bem como o diálogo de Calvino tanto com a literatura italiana quanto com literaturas estrangeiras. Além disso, os entrevistadores perguntaram a Pierangeli qual a contribuição da obra calviniana ele consideraria a mais importante, ao que o estudioso respondeu que seria a leve imagem reflexa e oblíqua que só a Literatura pode fornecer do Mundo não escrito, exemplarmente citada por Calvino na proposta da Leveza com o mito de Perseu e Medusa. Na seção Tradução, apresentamos o texto crítico-recreativo oulipiano Como escrevi um dos meus textos, traduzido por Eclair Antonio Almeida Filho e apresentado por Maria Elisa Moreira Rodrigues & Bruna Fontes Ferraz. Nesse seu texto, Calvino explica os dozes capítulos numerados de Se una notte d inverno un viaggiatore (traduzido no Brasil como Se um viajante numa noite de inverno), respectivamente, em doze capítulos escritos em versos, o que configuraria Como escrevi como um livro, pois ele traz inclusive um sumário. Embora se proponha como um texto crítico (e, por isso, sério), Como escrevi traz as marcas da ironia e da inventividade oulipianas. Nesse sentido, em sua nota à tradução, o tradutor afirma que a tradução portuguesa desse texto calviniano, publicada em anexo à edição portuguesa de Se una notte d inverno un viaggiatore (traduzido em Portugal como Se uma noite de inverno um viajante) teria omitido tais marcas oulipianas, o que, a seu ver, justificaria a sua retradução. 7
8 Acreditamos, assim, trazer com este número monográfico uma importante contribuição para os estudos calvinianos no Brasil. Agora, então, nos resta desejar a você, Leitor, uma ótima viagem pelas trilhas calvininas. Andréia Guerini UFSC Eclair Antonio Almeida Filho UNB 8
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