A QUALIDADE DO LEITE NA REGIÃO NORDESTE DO BRASIL

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1 1 A QUALIDADE DO LEITE NA REGIÃO NORDESTE DO BRASIL Severino Benone Paes Barbosa 1, Raquel Bezerra Jatobá 2, Ângela Maria Vieira Batista 3 Programa de Gerenciamento de Rebanhos Leiteiros do Nordeste (PROGENE) Telefone: ; progene@ufrpe.br RESUMO Com a proximidade da implementação da Instrução Normativa 51 (IN51), que trata da qualidade e identidade do leite e de seu transporte, a região Nordeste do Brasil começa a se preparar para enfrentar esse novo desafio na cadeia produtiva leiteira. O Laboratório de Leite (PROGENE), da UFRPE, está se estruturando para efetuar as análises das indústrias na região. Enquanto isso, as primeiras análises efetuadas no laboratório, para composição e contagem de células somáticas, mostram que boa parte do leite produzido na região atende aos valores estabelecidos pela IN51, entretanto, isso por si só não garante um leite de qualidade, pois os índices descritos da normativa são bem flexíveis e os resultados alcançados confirmam o quanto ainda há de se melhorar. PALAVRAS-CHAVE: composição do leite, contagem de células somáticas, Instrução Normativa 51, PROGENE ABSTRACT With the introduction of 51 Normative Instruction, that talks about milk identity and quality and it s transportation, the Brazilian northwest region begins to prepared to face a new challenge on dairy productive chin. The milk laboratory (PROGENE), is structuring itself to make the analyses of the region industries. The first analyses made in this laboratory show that good part of the produced samples of milk in the region takes care of to the established values, however, this by itself does not guarantee quality milk, therefore the described indices are flexible and the reached results confirm how much still it has to improve. KEY-WORDS: milk composition, somatic cell count, 51 Normative Instruction, PROGENE INTRODUÇÃO Há muito a questão qualidade do produto deixou de ser uma opção para virar uma necessidade. Isso não é diferente para o leite e cada vez mais toda a sociedade mostra-se visivelmente preocupada no ponto seguridade dos alimentos, uma vez que o foco final é a saúde do consumidor. Isso envolve toda a cadeia produtiva, passando pelos complexos processos de produção, processamento e distribuição do leite e de seus derivados.

2 Com a proximidade da data para implantação da Instrução Normativa 51 (IN51), que reza sobre Regulamentos Técnicos de Produção, Identidade e Qualidade do Leite e seu Transporte a Granel, nas regiões Norte e Nordeste do País, há muito ainda o que se conhecer e se preparar a fim de que a IN51 venha, efetivamente, contribuir para o desenvolvimento sustentado do setor leiteiro dessas regiões. Na região Nordeste do Brasil constata-se o baixo nível de profissionalização da atividade leiteira e inúmeros problemas de relacionamento entre os elos da cadeia, o que favorece a informalidade do sistema. 2 DESENVOLVIMENTO a) o sistema agroindustrial do leite no Nordeste Na complexidade da pecuária leiteira, a região Nordeste corre por fora, driblando mazelas crônicas do cotidiano, na expectativa de se tornar, pelo menos, em uma região autosustentada na produção e distribuição de lácteos para toda a população. Nesse aspecto, é importante caracterizar a região: com área territorial de 1,5 milhões de quilômetros quadrados e uma população ao redor de 51 milhões de habitantes, a região está incrustada na zona denominada semi-árida (6%), de alta incidência de sol, clima seco, temperaturas médias anuais em torno de 25ºC e vegetação predominantemente de plantas xerófilas. A despeito dessas inclementes imposições edafo-climáticas, é importante lembrar que regiões semelhantes em outros países conseguiram desenvolver tecnologias apropriadas para o setor leiteiro, fazendo com que a atividade tivesse sustentabilidade e promovesse equilíbrio sócioeconômico, gerando melhor renda para o produtor, credibilidade no consumidor e divisas para o País. Certamente, o maior desafio a ser enfrentado pelos pecuaristas da região será a falta d água, aliada a questão da qualidade. Esse é o grande desafio a ser vencido, entretanto, qualquer proposta tecnológica passa antes, necessariamente, por um processo de formação ou treinamento, especialmente, na base da cadeia produtiva. Na Tabela 1 está descrito o desempenho produtivo leiteiro observado na região Nordeste, segundo dados da Produção Pecuária Municipal (24).

3 Tabela 1. Número de vacas ordenhadas, quantidade de leite produzido e desempenho médio por vaca, no Brasil e nos Estados do Nordeste Vacas ordenhadas % Quantidade (1 litros) Média por vaca % Brasil ,4 Nordeste , ,6 11,5 MA , ,3 1,6 PI , ,3 2,8 CE , , 13,4 RN , ,3 7,4 PB , ,9 5,1 PE , ,2 14,7 AL , , 9, SE , ,7 5,8 BA , ,4 31,1 Fonte: Produção Pecuária Municipal (24) Constata-se, a princípio, que a atividade na região é bastante heterogênea, em que se observa o Estado da Bahia produzindo mais de 3% do total da região, enquanto o estado do Piauí contribui apenas com 2,8%; por outro lado, a despeito da maior quantidade de leite observada na Bahia, a produtividade alcançada é ao redor de um terço daquela observada no estado das Alagoas, uma das maiores do País, enquanto o estado do Piauí tem a menor produtividade da região (25% da produtividade alcançada em Alagoas). Esses números refletem o baixo nível tecnológico empregado, ainda, na atividade e, considerando a população acima de 5 milhões de pessoas, define o Nordeste como uma região francamente importadora de leite e produtos lácteos. Para melhor compreensão e caracterização da atividade leiteira da região Nordeste serão apresentados alguns dos principais resultados obtidos por NOGUEIRA FILHO et al. (21), que desenvolveram pesquisa de campo, na qual o interesse maior era apresentar um perfil dos proprietários e das propriedades ligadas ao setor. Na Tabela 2 encontra-se um resumo sobre o estrato dos proprietários, em função da quantidade de leite produzida por dia, e o número de questionários respondidos. Tabela 2. Estrato de produtores em função da quantidade de leite produzida e número de questionários respondidos Estrato em função da produção diária (litros) Quantidade de produtores % % (acumulada) < ,2 16,2 De 51 a ,8 38, De 11 a ,7 57,7 De 21 a ,9 8, De 51 a ,8 93,4 > ,6 1, Total 593 Fonte: Pesquisa Banco do Nordeste do Brasil/EMBRAPA Agroindústria Tropical (21) 3

4 Observa-se que o maior estrato apresentado está na faixa de 21 a 5 L/dia e, segundo os autores, contraria a expectativa de maior presença de produtores de até 5 L/dia, mas é coerente com a tendência atual dos laticínios em selecionar, como seus fornecedores, produtores que lhes assegurem maior volume e regularidade na entrega. Entretanto, há de se observar que quase 6% dos produtores produzem até 2 L/dia. A seguir, são apresentadas as principais conclusões da pesquisa: 55,8 % dos entrevistados apresentam baixo nível de escolaridade (sem instrução, apenas alfabetizados e 1º grau, completo ou incompleto); mais de 33% dos entrevistados está na atividade há mais de 2 anos; 33% das propriedades pesquisadas não dispõem de fonte permanente de água; 8,1% das propriedades utilizam a eletricidade como fonte de energia, seguida de óleo diesel (1,6%); 13,7% não possui qualquer tipo de fonte energética; apenas 29,2% tem telefonia rural; 1,6% dispõe de serviços dos correios e 11,1% de rádio; 82% dos proprietários administram a fazenda, entretanto, apenas 48% reside nelas; 18% dos capatazes não são alfabetizados; 55% dos produtores efetuam apenas uma ordenha/dia; 59,% realizam no curral; 97% entregam leite em latão; 85% não possui nenhum sistema de resfriamento de leite; apenas 11% tem tanque de resfriamento de leite e 4% faz uso de resfriamento natural; apenas 8,6% faz uso da monta controlada; 66% desconhece o custo do litro de leite produzido; 48,9% dos produtores afirmaram que há trocas de experiências; 78% afirma que não há pontos negativos nessa relação, entretanto, foram colocados como problemas a falta de encontros, a desunião e a concorrência; ponto forte: a fidelidade no pagamento, entretanto, todas as categorias foram enfáticas com relação ao baixo preço pago pelas cooperativas e industrias; insipiente relacionamento com os sindicatos e associações de classe; falta de divulgação e dificuldade de acesso, principalmente, pelos pequenos produtores foram os pontos negativos com relação às pesquisas no setor; o crédito foi colocado como fator positivo, entretanto, os juros cobrados e a excessiva burocracia foram os principais pontos negativos revelados. b) qualidade do leite Praticamente, há muito pouca informação gerada no intuito de se apresentar um perfil que defina a qualidade do leite produzido na região Nordeste. Em trabalho desenvolvido por LIMA et al. (26), no Estado de Pernambuco, onde foram analisadas amostras de leite de vacas puras e mestiças, submetidas a ordenhas manual e mecânica, os autores concluíram que a maioria do leite produzido na região Agreste do estado apresentava contagem de células somáticas e valores dos parâmetros físico-químicos dentro dos padrões exigidos pela IN51; por outro lado, os resultados das análises microbiológicas demonstraram falhas no manejo higiênico-sanitário na obtenção do leite. 4

5 Com a montagem do laboratório de leite (Programa de Gerenciamento de Rebanhos Leiteiros do Nordeste PROGENE), na Universidade Federal Rural de Pernambuco, participante da Rede Brasileira de Qualidade do Leite, instituída pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (MAPA), abrem-se novas perspectivas na avaliação da qualidade do leite e, por conseqüência, fomentar novas e promissoras estratégias para melhoria do setor leiteiro de toda a região Nordeste. O PROGENE já está em funcionamento e localiza-se no Departamento de Zootecnia, da UFRPE, e tem condições, atualmente, de atender análises de composição do leite (gordura, lactose, proteína e sólidos totais), contagem de células somáticas (CCS) e contagem bacteriana total (CBT). Para composição e CCS o laboratório está apto a realizar até 3 mil amostras/mês, enquanto para CBT é possível o atendimento ao redor de 15 mil análises/mês. A seguir, são apresentados alguns resultados preliminares de análises da qualidade do leite efetuadas no PROGENE, no ano de 26. A Tabela 3 mostra um resumo das análises realizadas até o presente momento: Tabela 3. Quantidade de amostras, média e desvio-padrão das principais características da qualidade do leite processadas no PROGENE Característica analisada Nº de amostras Média ± desvio-padrão Gordura 17 2,86 ± 1,19 Proteína ,42 ±,51 Lactose 187 4,29 ±,55 Sólidos totais ,32 ± 1,28 Células somáticas (contagem) ,6 ± 2236,7 (x1) Células somáticas (escore) ,2 ± 2,6 Nas Figuras 1,2,3,4,5,6,7, 8, 9 e 1 são apresentados os resultados para análises da composição e CCS do leite, a partir de amostras do animal e de tanques recebidas dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. 5

6 6 8 Gordura (%) Figura 1. Porcentagem de gordura em função do mês de coleta do leite, em alguns estados da região Nordeste, no ano de 26 Proteína (%) Figura 2. Porcentagem de proteína em função do mês de coleta do leite, em alguns estados na região Nordeste, no ano de 26

7 7 6 5 Lactose (%) Figura 3. Porcentagem de lactose em função do mês de coleta do leite, em alguns estados da região Nordeste, no ano de 26 Sólidos totais (%) Figura 4. Porcentagem de sólidos totais em função do mês de coleta do leite, Em alguns estados da região Nordeste, no ano de 26

8 CCS (x1) Figura 5. Contagem de células somáticas, de acordo com o mês de coleta do leite, em alguns estados da região Nordeste, no ano de CCS (x1) Fazenda Figura 6. Contagem de células somáticas, de acordo com a fazenda de coleta do leite, em alguns estados da região Nordeste, no ano de 26

9 ECS Figura 7. Escore de células somáticas, de acordo com o mês de coleta do leite, em alguns estados na região Nordeste, no ano de 26 5, Composição (%) 4, 3, Gordura Proteína Lactose 2, Figura 8. Composição do leite, de acordo com o mês de coleta do leite, realizada em tanque, em alguns estados da região Nordeste, no ano de 26

10 1 6 5 CCS (x1) Fazenda Figura 9. Contagem de células somáticas, de acordo com a fazenda de coleta do leite, realizada em tanques, em alguns estados da região Nordeste, no ano de CCS (x1) Figura 1. Contagem de células somáticas, de acordo com o mês de coleta do leite, realizada em tanques, em alguns estados da região Nordeste, no ano de 26 Os resultados até agora alcançados permitem concluir que: a) amostras obtidas em animais:

11 11 54,6% das análises de porcentagem de gordura estavam abaixo do índice limite estabelecido pela IN51; já as análises de porcentagem de proteína apresentaram um resultado de, apenas, 14,3% abaixo do valor de 2,9% estabelecido pela IN51; 74,4% das análises de contagem de células somáticas apresentou valores dentro do índice estabelecido pela IN51. b) amostras obtidas em tanques: 16,7% das análises de sólidos não gordurosos estavam abaixo de 8,4% (IN51); 3,3% das análises de proteína estavam com valores abaixo de 2,9% (IN51); 6,7% das análises gordura apresentaram valores abaixo de 3,% (IN51). CONSIDERAÇÕES FINAIS O setor leiteiro da região Nordeste prepara-se para enfrentar o desafio da IN51. O laboratório de leite, da UFRPE, já está apto para receber amostras das industrias para realização das análises do leite. A parceria entre todos os participantes da cadeia produtiva, produtor, consumidor, industria e setores governamentais, é o principal mote para o sucesso do setor e almejar a tão desejada sustentabilidade do sistema. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 24. Produção pecuária municipal, v. 32, p LIMA, M.C.G.; SENA, M.J.; MOTA, R.A. et al. Contagem de células somáticas e análises físico-químicas e microbiológicas de leite cru C produzido na região Agreste do Estado de Pernambuco. Arq. Inst. Biol., v. 73, n. 1, p , jan./mar., 26. NOGUEIRA FILHO, A.; PIMENTEL, J.C.M.; CARVALHO, J.M.M. et al. A produção dentro do sistema agroindustrial do leite no Nordeste. Acessado em 13/6/26. RODRIGUES, M.T.; EVANGELISTA, F.R.; NOGUEIRA FILHO, A. et al. Avaliação estratégica do sistema agroindustrial do leite no Nordeste uma visão de agronegócios. Acessado em 13/6/26.