Um Estudo do Perfil Psicológico de Trabalhadores Rurais em Assentamento do Estado do Rio de Janeiro

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1 Um Estudo do Perfil Psicológico de Trabalhadores Rurais em Assentamento do Estado do Rio de Janeiro Vilma A. da Silva 1,2, Aline S. de Aguiar 1, Kátia D. de Almeida 1, Luciana S Nogueira 2 1. Núcleo de Ciências Comportamentais e do Desenvolvimento (NCCD), Departamento de Fisiologia e Farmacologia, UFF; Rua Hernani Melo Niterói/RJ CEP: ; 2. Núcleo de Estudos da Saúde e do Uso da Terra (NESUT), PGCA, UFF ; Resumo - O objetivo do estudo foi investigar as características psicológicas dos moradores de uma região rural resultante da reforma agrária (assentamento rural) no estado do Rio de Janeiro, comparar os gêneros quanto ao perfil psicológico e analisar possíveis relações entre o perfil psicológico e a produtividade dos lotes. O instrumento foi o Inventário Multifásico Minesota de Personalidade (MMPI) e sua aplicação foi adaptada à situação especifica. Os resultados indicaram que as mulheres apresentaram mais escalas alteradas do que os homens. Hipocondria e hipomania foram predominantes, com apenas um caso de depressão. Este perfil psicológico sugere sofrimento físico predominando sobre o mental em situações de estresse. Não houve diferenças significantes em relação à produtividade, indicando desta forma que fatores ambientais são mais importantes do que fatores individuais neste aspecto. Palavras chaves: assentamento rural, MMPI, perfil psicológico Psychological profile of rural workers from a rural region deriving from agrarian reform in Rio de Janeiro State Abstract - The aim of the present study was to investigate the psychological characteristics of the dwellers of a rural region, deriving from agrarian reform in Rio de Janeiro State, and their relationship with gender of the voluntary and productivity of the land. The Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI) was the instrument, and its application was adapted to the specific situation. Results indicated that women presented more abnormal scales then men. Hypocondria (Hs) and hypomania (Ma) were predominant, thus suggesting physical suffering under stress in the population. There were no cases of depression (D) in the population, thus corroborating the above observation. There were no statistical significant differences related to productivity, thus indicating that environmental factors are more important than individual factors in this aspect. Key - words: rural establishment, MMPI, psychological profile Une Étude des résultats psychologiques de travailleurs ruraux d' établissement rural dans la province de Rio de Janeiro Résumé: L'objectif de cette étude est d analyser les charactéristiques psychologiques des habitants d'une région rurale, résultante d'une réforme agraire (établissement rural) dans la province de Rio de Janeiro, de comparer les genres de résultats psychologiques et d analyser les relations possibles entre les résultats psychologiques et la productivité de la terre. L' instrument utilisé fut l' Inventaire Multiphasique de Personnalité Minesota (MMPI) dont l'application fut adaptée à la situation spécifique. Les résultats ont indiqués que les femmes ont plus d' échelons alterés que les hommes. Hypochondrie et hypomanie prédominent, avec seulement un exemple de dépression. Il n'y a pas de différences significatives dans la relation avec la productivité de la terre, ce qui signifie que, sous cet aspect, l evironnement est plus important que l'individu. Mots-clés: établissement rural, MMPI, résultats psychologiques 1. INTRODUÇÃO O êxodo rural, levando ao super-povoamento das cidades foi um dos fenômenos responsáveis pelo crescimento dos problemas na área urbana, tais como a ampliação das favelas, a violência, a falta de infraestrutura para acomodar enormes populações que se deslocaram para a periferia das grandes cidades. No Estado do Rio de Janeiro chegou-se a ter apenas 3% da população no campo enquanto o restante se aglomerava nas cidades (Castro, 1999). A concentração da propriedade fundiária gerada pela penetração do capitalismo no campo passou a gerar conflitos pela terra que se estendem aos dias de hoje. A luta pela terra passou a ser forte campo de atuação de importantes movimentos (Giuliani et al, 1995). Durante a ditadura militar, entre , o movimento dos trabalhadores rurais foi duramente reprimido e um desenvolvimento acelerado do capitalismo na agricultura foi implementado (CIDAP, 1991). Como resultado, mais de 28 milhões de brasileiros deixaram o meio rural à procura da cidade (CIDAP, 1991). As lutas entretanto, continuaram. Com o inicio da implantação de assentamentos rurais, em resultado da reforma agrária, surge o desafio de fazer 33

2 com que essa iniciativa realmente estabeleça um modelo de desenvolvimento mais equilibrado e socialmente mais justo. Atualmente existem 24 assentamentos no Estado do Rio de Janeiro com capacidade para 3000 famílias (dados do INCRA, 1996, obtidos por Paixão, 2000). O risco de que após a implantação ocorra novamente o abandono da terra por falta de condições do assentado estabelecer uma economia que viabilize sua manutenção e a de sua família é presente e se constitui num dos desafios a serem enfrentados. Escolhemos para esse estudo o assentamento rural de São José da Boa Morte por ser considerado pelas autoridades locais (prefeitura e agentes do INCRA) como um assentamento que vem dando certo na medida em que seus assentados lá permanecem, embora desenvolvendo novas estratégias de sobrevivência econômica, conforme abordado por Paixão (Paixão, 2000) em sua tese de mestrado. O trabalho de saúde mental foi realizado dentro de um projeto maior do NESUT-PGCA/UFF (Núcleo de Estudos da Saúde e do Uso da Terra do Mestrado em Ciência Ambiental da UFF) que procurou caracterizar o assentamento de acordo com vários fatores, incluindo desde análise da procedência, motivação para permanecer na terra, dificuldades encontradas, condições de vida, proporção de terra cultivada, composição familiar, mortalidade infantil, escolaridade, alcoolismo e demais doenças prevalentes até a participação social e percepções sobre a questão ambiental, e a saúde da mulher. Trabalhos parciais com esses dados estão sendo preparados para publicação e seus resultados estão disponíveis em livros de resumos de congressos onde foram apresentados (Paixão, 1997; Pires, 1996).Além disso, deles resultaram 3 teses de mestrado defendidas pelo Mestrado em Ciência Ambiental, PGCA, da Universidade Federal Fluminense: Castro, 1999 (ver resumo 6 p.56), Paixão, 2000 (ver resumo 12 p.58) e Menezes, 2001 (ver resumo 21 pp.61-62). As informações obtidas do banco geral de dados deste grande estudo apontavam para a importância de aprofundar a investigação da saúde mental já que 38% das famílias referiam doença dos nervos entre seus membros. Além disso, embora os dados gerais indicassem a viabilidade do assentamento como um todo, era visível para o visitante sensível que chegava ao assentamento, e era comprovado na análise sistemática, a diferença individual entre os assentados na capacidade de desenvolver o lote que receberam, o que se refletia em sua renda familiar e condições de vida. Diferenças individuais são inerentes ao ser humano e decorrem de fatores tão variados quanto condições intra-uterinas, condições ambientais em que 34 se deu o desenvolvimento, fatores hereditários, educação e influências sócio - culturais. O conjunto de diferenças, quando caracteriza um padrão consistente de comportamento constitui as chamadas diferenças de personalidade. As personalidades podem constituir algumas vezes padrões patológicos: os transtornos de personalidade. Para aprofundar o estudo da saúde mental no assentamento realizamos um estudo específico escolhendo como instrumento o Inventário Multifásico Minesota de Personalidade (MMPI) que permite detectar desde apenas traços de personalidade considerados normais até desvios já dentro da faixa patológica. Os dados deste trabalho específico foram, no presente estudo complementados pelo estudo maior de forma a tentar compreender até que ponto o perfil de personalidade poderia interferir na resistência às adversidades e capacidade de adaptação com conseqüente melhor desempenho na produção do assentado. Observou-se que algumas vezes os assentados com maior renda eram analfabetos, o que nos impediria de utilizar o MMPI. Para viabilizar o estudo o trabalho desenvolveu-se dentro dos seguintes objetivos: 1. Padronização de uma metodologia para possibilitar a aplicação do MMPI a assentados de alta renda e analfabetos; 2. Verificar através das escalas de validação do próprio inventário, a viabilidade da utilização deste instrumento em assentamento rural; 3. Uma vez viável, verificar quais escalas clínicas são prevalentes no assentamento; 4. Estudar comparativamente o perfil dos assentados que se destacavam pela melhor renda contra o restante da amostra; 5. Avaliar características específicas da amostra feminina comparando-a à masculina. 2. MATERIAL E MÉTODOS O estudo foi realizado construindo-se em primeiro lugar um banco de dados a respeito do assentamento. O instrumento utilizado foi um questionário multidisciplinar abordando várias questões indo desde a identificação do assentado até seu imaginário sobre questões de meio ambiente e saúde. O uso da terra e técnicas de cultivo ou pastoreio foram também investigados. O questionário foi publicado na íntegra como anexo das teses de Paixão (Paixão, 2000) e Menezes (Menezes, 2001). Aproximadamente 50% dos lotes (n=128) foram abordados, tendo sido escolhidos por sorteio, e o entrevistado era o(a) proprietário(a) do lote ou seu(sua) companheira(o). Os entrevistadores eram todos universitários da área de saúde supervisionados em campo por professores incluindo uma profissional da área de estatística.

3 Tabela 1. Características gerais dos assentados das 1 a e 2 a fases. parâmetro 1 a fase 2 a fase Estatística * Renda Média 751,36 287,75 P<0,005 * Escolaridade (mediana) 4 a série 4 a série (mínima e máxima) (0 7 a série) (4 a série - 2 a série do 2º grau) NS Idade (média) (mínima e máxima) (27 48 anos) (21 49 anos) NS Religião (MODA) Evangélica Católica e Evangélica NS Assentado com melhor casa 25% 27,2% NS Produção agrícola (média) 15,6 12,5 (mínima e máxima) (8 21) (0 19) NS Participação social 91,6% 90,6% NS *Análise Estatística: prova U de Mann-Whitney NS: não estatisticamente significativo A partir daí delineou-se o estudo de saúde mental que se desenvolveu em duas partes: Primeira Parte: Solicitamos aos entrevistadores da fase inicial que nos indicassem aqueles lotes que na percepção subjetiva se destacavam como sendo distintamente melhor sucedidos do que seus vizinhos. Posteriormente procuramos identificar os fatores que levaram a essa percepção. Entre os indicados havia analfabetos o que levou a uma elaboração metodológica para viabilizar essa primeira fase. Segunda Parte: Avaliamos todos os assentados com escolaridade suficiente para realizar o inventário (no mínimo 4 anos de estudo). 2.1 Instrumento Utilizamos o Inventário de Personalidade Multifásico de Minnesota (MMPI), conforme a versão validada para a população brasileira pelo Centro Editor de Psicologis Aplicada CEPA (Hathaway, 1967). Procurando descrevê-lo de forma resumida, o inventário consta de 566 frases que devem ser classificadas pelo voluntário como certo, errado e não sei. As respostas obtidas permitem obter valores numéricos em escalas de validação, onde se verifica se a compreensão foi suficiente (escala não-sei -?), se houve erro (escala F), se houve mentiras (escala L), se houve coerência entre as respostas a 16 perguntas iguais distribuídas pelo questionário (taxa de randomização - TR) e se o resultado deve ser corrigido em função de possível inibição do voluntário diante do aplicador (escala K). Uma vez validado, passa-se à análise das escalas clinicas onde são analisadas, personalidade antisocial (Pd), esquizofrenia (Sc), hipocondria (Hs), depressão (D), hipomania (Ma), histeria (Hy), tendência sexual (Mf) e introversão (Si). Os resultados são expressos em gradações variando na gravidade sendo que acima de determinado nível (70) indica-se a avaliação clinica com o especialista. Quando dentro da normalidade, os resultados das escalas são vistas como tendências de comportamento dentro do espectro variável do comportamento humano. 2.2 Procedimento Primeira fase: Constou da padronização da metodologia de forma a ser possível testar assentados que embora analfabetos constavam entre os mais bem sucedidos. O MMPI é auto aplicável, devendo portanto ser lido pelo avaliado. Os assentados analfabetos que compunham esta amostra demonstravam ter, durante as entrevistas que precederam o estudo, inteligência normal e eram verbalmente fluentes e capazes de compreender a proposta de pesquisa apresentada. Todos os 12 casais indicados como responsáveis pelos lotes mais bem sucedidos foram testados. Desta forma adaptamos o procedimento de forma que o investigador (estudantes de medicina, enfermagem ou nutrição previamente treinados) lia as questões para o voluntário. Esta leitura era feita à distância, estando o voluntário de costas para o avaliador. Cada uma das perguntas do inventário foi convertida em uma ficha numerada. Como os avaliados eram capazes de ler números, embora alguns fossem analfabetos, eles mesmos determinavam o ritmo do teste pedindo a próxima ficha para o avaliador que lia a questão. Uma vez escolhida a opção, certo, errado ou não sei, a ficha era depositada em um dos três sacos plásticos identificados para cada uma das três opções. Após a aplicação as fichas eram processadas conforme recomendado pelo CEPA. Todos os assentados deste grupo, analfabetos ou não, foram avaliados por essa metodologia. 35

4 Segunda fase: O inventário foi aplicado a todos os assentados da amostra geral com escolaridade mínima equivalente à quarta série do ensino fundamental e com capacidade de leitura. A forma coletiva de aplicação, conforme estabelecida pelo CEPA foi utilizada sem adaptações. O convite para participar era feito no domicilio e na data marcada o voluntário era levado a uma escola pública do assentamento para realizar o teste. De 44 convidados, 26 compareceram na data marcada, ou seja, 18 recusaram ou faltaram ao convite. Cada assentado, caso não encontrado da primeira vez, foi visitado por um número padronizado de 3 vezes, após o que consideramos como não encontrado. Isso ocorreu em 5 casos. Para avaliar as condições de vida e uso da terra pelos assentados, foi criado um índice relacionado às condições de moradia e produção agrícola. A análise da moradia foi feita pontuando-se os seguintes aspectos: casa de alvenaria, coberta por telha, relação de duas a três pessoas por dormitório, ter banheiro no domicílio, ter sido reformada desde a chegada ao assentamento, ter água canalizada e ter eletrodomésticos. Foi analisada a proporção de assentados que possuía uma casa com estas características. Quanto à produção agrícola, criamos um índice cujo máximo era de 21 pontos, estando esta pontuação dividida da seguinte forma: proporção de terra cultivada (100% = 9 pontos); venda da produção (50% = 7 pontos); uso de empreitada (1 ponto); equipamentos próprios (1 ponto), máquina e veículos também próprios (1 ponto para cada item) e se havia cômodo, no assentamento, para guardar a produção (1 ponto). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Tabela 1 ilustra algumas características gerais das duas amostras (partes 1 e 2), procurando identificar os fatores que influenciaram a percepção subjetiva dos entrevistadores. Incluímos informações como qualidade da casa, produção média e participação social, para compreender melhor os fatores que influenciaram a percepção dos entrevistadores como sucesso. Ficou evidente que ainda que a renda seja considerada inadequada na avaliação das condições de vida em assentamento, pois não inclui itens como consumo familiar de alimentos produzidos (Castro, 1994) foi este o parâmetro que influenciou a percepção de nossos entrevistadores universitários. A participação social nos dois grupos é definida aqui como ser membro de uma das Associações ou Sindicato. Neste assentamento esta vinculação é alta, embora a existência de mais de uma Tabela 2. Análise dos questionários inválidos da 1 a fase. ESCALAS 1 a fase NÚMERO %?L 2 9 TR? 2 9 TRL 1 4,5 Erro da equipe - - Desistências - - TOTAL 5 22,5 Número de inventários: 22; Número de Inventários válidos: 17 ;?: não-sei ; L: mentira ; TR: Taxa de Randomização Tabela 3. Análise dos questionários invalidados da 2 a fase. ESCALAS 2 a fase NÚMERO %?L - - TR? 1 3,8 TRL - - Erro da equipe 1 3,8 Desistências 4 15,3 TOTAL Número de inventários: 26 ; Número de inventários válidos: 20 Tabela 4. Distribuição dos questionários invalidados e validados por nível de escolaridade. escolaridade inválidos(%) 1 válidos(%) 2 Nenhuma 0 13 (n=5) a < 4 série 36,3 (n=4) 20 (n=7) a 4 série 63,6 (n=7) 67 (n=25) 1- Porcentagem calculada sobre o total de questionários inválidos (n=11) 2- Porcentagem calculada sobre o total de questionários válidos (n=37) entidade fragmente o poder de organização (eram na época, duas associações, além do sindicato de trabalhadores rurais). 36

5 Tabela 5. Distribuição das escalas clínicas dos inventários válidos da 1 a e 2 a fases, em relação ao sexo. Pontos de corte >60, >70, >80. ESCALAS N 0 HOMENS (n=17) N 0 MULHERES (n=20) >60 >70 >80 >60 >70 >80 Hs (hipocondria) D (depressão) Hy (histeria) Pd (desvio psicopático) Mf (Masculinidadefeminilidade) Pa (paranóia) Pt (psicastenia) Sc (esquizofrenia) Ma (hipomania) Si (introversão/extroversão) Número total de inventários: 37 Nas Tabelas 2 e 3 apresentamos os índices de validação do MMPI na 1 a e 2 a partes do estudo, respectivamente e na Tabela 4 os dados referentes à distribuição dos inventários inválidos e válidos de acordo com a escolaridade. As Tabelas 2 e 4 são portanto a avaliação da metodologia adaptada para a aplicação em analfabetos. Observa-se que o número de inventários válidos em relação ao número total não difere entre as 2 partes, sendo 77% para a 1 a e 76% para a 2 a parte, e que não houve inventários inválidos entre os analfabetos. Os resultados obtidos para as taxas de validação neste trabalho são semelhantes aos encontrados por Sampaio (Sampaio e Soratto, 1994) em trabalhadores da cana de açúcar e permitem concluir que a análise desta população pelo MMPI é viável. A Tabela 5 mostra a distribuição das escalas clínicas alteradas no conjunto das amostras da Primeira e da Segunda partes. Os resultados são apresentados por gênero. Observa-se maior número de escalas alteradas entre as mulheres quando comparadas aos homens. No total, enquanto que na amostra masculina houve apenas 10 casos em que as escalas estavam alteradas, na feminina o número foi de 49, lembrando que há indivíduos com alteração em mais de uma escala. Chama a atenção a baixa freqüência de depressão na amostra total. Predominam entre as mulheres, as escalas masculinidade-feminilidade (Mf), hipocondria (Hs) e hipomania (Ma). Entre os homens, o número de escalas alteradas foi pequeno, com ocorrências em hipocondria, histeria, hipomania e paranóia. Interessante observar que a escala Mf define um padrão de feminilidade estabelecido em primeiro lugar para a população americana, de onde procede o MMPI. Embora validado para a população brasileira, é possível que tal padrão seja variável para mulheres brasileiras da zona rural. Em uma tese de mestrado, realizada com as mulheres do mesmo assentamento, Menezes (Menezes, 2001) chamou a atenção para a participação destas mulheres no trabalho do campo, para o quanto valorizam a possibilidade de manter a saúde e a força física e para seu desejo de mais conforto e mais acesso a recursos materiais. Beleza e saúde, preservação da força física são colocados no mesmo nível como bens desejáveis que na sua percepção seriam oferecidos pela cidade. Há poucos estudos de campo que consideram a escala Mf em sua avaliação. Vistas individualmente, mulheres com altos graus na escala Mf são vistas, por seus pares, e se autodefinem como pouco emotivas, não sonhadoras, rudes e rebeldes. Excluem de sua auto-avaliação os termos gentis, emotivas, sentimentais, comunicativas, pacíficas, e não relatam ter interesses estéticos (Dahlstrom, 1986). A grande limitação destes poucos dados apesar do interesse que despertam na compreensão da mulher do assentamento em sua individualidade e enquanto grupo de grande importância na formação de novas gerações e na fixação do homem à terra, indicam a necessidade de estudos posteriores. Alta pontuação na escala Ma, hipomania, não indica necessariamente doença. Abaixo de 80, referese, principalmente, a um padrão de comportamento onde predomina a atividade. O manual do CEPA cita 37

6 que um nível alto nesta escala poderia indicar um indivíduo capaz e produtivo, e seria favorável se o MMPI fosse usado para seleção de empregados. Dada a ocorrência desta escala no assentamento e nosso objetivo de tentar correlacionar características individuais com sucesso no assentamento, analisamos, comparativamente, valores obtidos nestas escalas entre assentados com renda acima e abaixo da mediana da renda da amostra total (R$ 256,00). Consideramos o fator renda por ter se revelado a medida mais sensível na avaliação subjetiva (Tabela I). Os resultados indicaram um escore bruto para Ma em média de 18,1 para assentados de renda inferior a mediana e de 19,2 para aqueles acima da mediana, sem diferença estatisticamente significante pela prova de U de Mann- Whitney. Em relação à hipocondria (Hs), referindo-se às somatizações, pensamos que possa ser o resultado das baixas proporções para depressão (D). Em outras palavras, é possível que nesta população o estado depressivo se manifeste como somatizações. Este fenômeno necessita de maior investigação. Estudos que analisaram a ocorrência conjunta de Hs com Ma, definiram os indivíduos como tensos, inquietos e ambiciosos. Tinham tendência a apresentar sintomas gastrointestinais, sentiam-se frustados pela falha em atingir seus altos níveis de aspiração. Havia uma correlação clara entre seus problemas hipocondríacos e as dificuldades situacionais. Entretanto, estes indivíduos eram relutantes em aceitar estas explicações psicogênicas. Nenhum padrão específico foi identificado entre os assentados com renda mais alta dentro do assentamento. Detectamos 5 lotes com renda maior do que R$500,00, a mediana da 1 a parte. Nestes lotes havia 1 casal em que tanto o marido como a esposa apresentavam um perfil bastante alterado; 3 casais onde ao menos um dos cônjuges apresentava completa normalidade psíquica e 1 casal em que ambos apresentavam traços hipomaníacos (escala Ma alterada). 4. CONCLUSÃO O presente trabalho permite concluir que a aplicação do MMPI em trabalhadores rurais é viável, desde que o nível de compreensão permita. O fato de ser analfabeto não impossibilita a realização do teste. Os resultados sugerem uma diferença entre a população masculina e feminina, tendo as mulheres apresentado maior freqüência de escala alteradas do que os homens. Entretanto as escalas que predominam são semelhantes entre os gêneros. Os dados sugerem que esta população tende a somatizar mais frustrações, o que aparece nos altos níveis das escalas de 38 hipocondria (Hs), e baixo nível da escala indicadora de depressão (D). Concluímos também que embora o fator renda seja criticável como parâmetro indicativo do desenvolvimento na zona rural, ele é percebido na avaliação subjetiva, feita por universitários, como o mais forte, mesmo quando comparado a fatores mais visíveis como condições de moradia e produtividade rural. Não detectamos características psicológicas que pudessem ser relacionadas à renda. Portanto, as diferenças encontradas nesta população, onde mesmo aqueles mais bem sucedidos apresentam uma renda modesta, provavelmente são conseqüências de fatores sócio-culturais e outros fatores ambientais presentes nas vidas destas pessoas. 5. AGRADECIMENTOS As estagiárias de Iniciação Científica e mestrandas do NESUT que auxiliaram na coleta de dados. Em particular: Miriam S. Carvalho; Isabel Cristina M. Gouveia; Ana Cristina C. Menezes; Maria Lúcia P. Martins. Ao professor Cícero Mauro Fialho Rodrigues que na função de diretor do CEG apoiou as visitas de campo. Ao motorista Sr. Mário Adalberto Selanio, pelo carinho com os pesquisadores durante todo o trabalho. Ao professor Dr Wanderley Codo pela orientação inicial no uso do MMPI. Em especial à comunidade de São José da Boa Morte pela paciente e generosa acolhida. 6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS CASTRO JSM. Práticas de Uso de Agrotóxicos no Município de Cachoeiras de Macacu: um estudo de Saúde Ambiental. Pós Graduação em Ciência Ambiental, PGCA/ UFF, Dissertação de Mestrado (1999). CASTRO MHM. A mensuração da renda nos assentamentos rurais: contribuição ao debate. In: ROMEIRO A, GUANZIROLI C, LEITE S (orgs): Reforma Agrária. Produção, Emprego e Renda - O relatório da FAO em debate, 2 a ed, Ed Vozes. Rio de Janeiro: IBASE/FAO. p71-74 (1994). CIDAP. Os assentamentos no estado do Espírito Santo. In: GORGEN, FS, STEDILLE, JP. Assentamentos. A Resposta Econômica da Reforma Agrária, Ed. Vozes. Petrópolis. p (1991). DAHLSTROM WG, WELSH GS, DAHLSTROM LE. An MMPI Handbook, Volume I, Clinical Interpretation. Minneapolis, University of Minnesota Press, HATHAWAY SR, MCKINLEY JC. Inventário Multifásico Minnesota de Personalidade. CEPA: Centro Editor de Psicologia Aplicada LTDA, 1967.

7 GIULIANI GM, CASTRO EG, DIAS UTJ. A origem dos assentados: um problema ou uma questão? 87f. Monografia realizada em colaboração NUER (UFRJ-IFCS), IDACO, AMAR. Institut Belleville en France, MENEZES ACC. A situação da mulher em um assentamento rural: um enfoque a partir da saúde reprodutiva. Pós-Graduação em Ciência Ambiental, PGCA/ UFF, Dissertação de Mestrado (2001). PAIXÃO RL. A Pecuária Bovina no Assentamento Rural de São José da Boa Morte (Cachoeiras de Macacu). Pós-Graduação em Ciência Ambiental, PGCA/ UFF, Dissertação de Mestrado (2000). PAIXÃO RL, PIRES IO, NASCIMENTO MGO, DA- SILVA VA. Aproveitamento do Espaço Agrário em um assentamento Rural do Rio de Janeiro. Anais do XXV Congresso Brasileiro de Medicina Veterinária (1997). PIRES IO, DA-SILVA VA, PAIXÃO RL, LONTRO SMG, PEREIRA P.M.: Diagnóstico sócioeconômico ambiental de um assentamento rural de Cachoeiras de Macacu. XI Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (1996). SAMPAIO JJC, SORATTO LH. Saúde Mental e trabalho: trabalhadores industriais de usina de açúcar e álcool. In: CODO W, SAMPAIO JJC orgs. Sofrimento psíquico nas organizações: saúde mental e trabalho. Ed Vozes. p (1995) 39