Delinquência rodoviária, impunidade e compensação de danos
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- Matheus Henrique Canto Santos
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1 artigo de fundo Delinquência rodoviária, impunidade e compensação de danos José Manuel Alvarez Quintero Presidente da Comissão Executiva IDS/CRS O MAL DE FUNDO: A PRIMAZIA DA MÁQUINA SOBRE O HOMEM Numa ideia feliz, a Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados propõe considerar como ponto negro todos os locais onde os utentes se sentem em risco, quer seja uma estrada, uma passadeira ou o que as autoridades classificam como ponto negro: lanço de estrada com o máximo de 200m no qual se registaram, pelo menos, 5 acidentes com vítimas num ano. Lamentavelmente, se seguirmos este critério, a rede rodoviária em Portugal, nas cidades e fora delas, é um enorme ponto negro de km. Numa recente entrevista na televisão, um cientista português residente em Bruxelas corroborava esta afirmação ao manifestar sentir-se num pesadelo quando circulava na auto-estrada a caminho do Algarve. E que dizer dos peões a correr nas passadeiras pressionados pelos semáforos e pelos carros? Ou dos pais nas entradas e saídas das escolas, locais especialmente protegidos pela polícia em todos os países de Europa, que não merecem nem o cuidado no regular estacionamento dos veículos para evitar riscos acrescidos às crianças? O problema da (in)segurança rodoviária, em termos conceptuais, é simples: a sociedade portuguesa está a dar prioridade à máquina (o carro) relativamente ao homem (peão, condutor ou ocupante). Os sintomas desta doença estão à vista de todos: o reduzido número de ruas pedonais, o estacionamento dos carros nos passeios, quando estes existem, a circulação em excesso de velocidade ou o desrespeito mais absoluto pela distância de segurança, mesmo a velocidades de descolagem. Nós seguradores podemos confirmar esta realidade. Temos redes de peritos e oficinas para reparar tão rápido quanto possível o veículo danificado entregando-se quase de Página 1 de 14
2 imediato um veículo de cortesia (é um dos poucos países da Europa onde esta é uma prática habitual), enquanto temos grandes dificuldades para angariar médicos que acompanhem desde o primeiro dia as lesões dos acidentados. É muito mais provável vir a ter uma reclamação por reparar um pára-choques em lugar de substituí-lo do que por não ter tido um único contacto pessoal com o lesado durante anos. Enfim, estimamos que, nos sinistros de Responsabilidade Civil ocorridos em 2002, vamos destinar 65% dos custos a reparar os danos materiais e apenas 35% os danos corporais. Esta última percentagem nos países da União Europeia ultrapassa largamente 50%. Nos riscos associados à circulação de veículos há, em Portugal, importantes desequilíbrios que urge corrigir. O primeiro é o que se verifica entre os sujeitos activos da insegurança rodoviária e as suas vítimas. O segundo, a forma como os custos são suportados pela sociedade no seu conjunto e pelas vítimas, em particular. Às análises destes desequilíbrios e à formulação duma proposta para actualizar os procedimentos de indemnização, são destinadas as seguintes linhas. O HORROR EVITÁVEL As últimas estatísticas publicadas pela Comissão Europeia, relativas à segurança rodoviária, não deixam margem para optimismo. Sendo Portugal o país da UE que regista os piores índices de acidentes com vítimas nas estradas, no ano de 2002 estes indicadores pioraram em relação aos valores médios da Europa dos 15. O número de acidentes com vítimas no conjunto da UE diminuiu, de 2001 para 2002,em 4,8%, o número de mortos em 3% e o de feridos em 4,9%. Esta variação está muito influenciada pelos excelentes resultados da França e da Grécia, com decréscimos de 14 e 15%, respectivamente. O fraco desempenho económico também contribuiu para esta melhoria pois, como é sabido, há uma correlação muito estreita entre as duas variáveis. É estranho que Portugal, o primeiro país a entrar em recessão, apenas tenha decrescido 1% no número de acidentes e de feridos e tenha tido um acréscimo, também de 1%, no de mortes. Sempre que um país ou região apresenta elevados índices de acidentes, a primeira tentação é considerar que a causa reside nas deficiências ou insuficiências da rede rodoviária. Admitindo que uma boa rede viária, bem desenhada e bem sinalizada, contribui positivamente para melhorar a segurança, o principal factor continua a ser comportamental. Como interpretar então que a probabilidade de ter um acidente com vítimas numa auto-estrada em Portugal seja 7 vezes mais elevada que a de tê-lo no Reino Unido?, sendo a intensidade de uso neste país quase 3 vezes superior à de Portugal. Página 2 de 14
3 Fonte: EuroRAP. Dados 1999 Todos os minutos há um acidente de trânsito. Todas as horas há um acidente grave. Todos os dias morrem 5 pessoas e 16 ficam gravemente feridas, 40% das vítimas sem ter atingido os 30 anos. Nos últimos dez anos sofreram danos corporais em acidentes de viação nas estradas portuguesas pessoas. Dados assustadores que não estão a merecer a atenção necessária dos poderes públicos. Porém, as experiências do Reino Unido, França e Itália demonstram que quanto menor é a tolerância com as imprudências menor o número de vítimas. Olé Thorson, autor duma tese sobre a segurança rodoviária e vice-presidente da Asociación Española de Accidentes de Tráfico, em resposta à questão que o jornal El Pais lhe colocou sobre o facto das vítimas das imprudências graves se sentirem tão defraudados com a justiça espanhola, responde: Tratam-se os homicídios como se fossem faltas administrativas, quando na realidade se tratam de homicídios, embora involuntários...há dor e raiva das vítimas contra os políticos e a justiça porque não levam a sério o facto de se matar um cidadão na estrada. Muitas das vítimas de acidentes em Portugal concordaram com estas palavras. O Presidente Francês, Jacques Chirac, definiu como um dos grandes objectivos do seu mandato (os outros foram a luta contra o cancro e a inserção social dos inválidos) reduzir as mortes em acidentes de trânsito e é sem dúvida o que está a recolher melhores resultados. O instrumento escolhido foi uma legislação mais exigente que tipifica todos os acidentes com danos corporais como crimes. Os homicídios involuntários são punidos com penas de prisão até 5 anos. Esta pena pode chegar a 10 quando houver mais duas agravantes, como por exemplo, a condução temerária, álcool superior a 0,5 gramas ou circulação a mais de 50 km/h do que os limites autorizados. Os Página 3 de 14
4 objectivos deste agravamento nas penas são assim justificados no site da Securité Routière: Consciencializar os utentes da perigosidade intrínseca do acto de conduzir. Conduzir exige una prudência permanente, uma atenção acrescida para não correr o risco de provocar o irreparável. A jurisprudência assemelha em certas situações a perigosidade dum veículo à duma arma: todos os utentes devem ser conscientes que podem matar ou causar danos corporais pelo simples facto de guiar um carro. Pena máxima de prisão por homicídio negligente França Reino Unido Espanha Portugal 10 anos 10 anos 4 anos 3 anos Não é esta a mensagem que está a ser transmitida à sociedade portuguesa. Poucos são os condutores condenados a penas de prisão. É ao peão lesado que incumbe a alegação e prova dos factos que demostram a culpa do condutor atropelante e mesmo o álcool, presente em 29,7% dos acidentes mortais em França e em 43,2% em Espanha, continua a não ser uma circunstância agravante da qualificação do crime. A delinquência rodoviária tem de ser perseguida e castigada de forma mais eficaz. As condutas antisociais ligadas à condução têm de ser punidas exemplarmente, para dissuadir a prática de novas infracções e para compensar moralmente as vítimas. Porque não é pelo facto de ter de indemnizá-las que o causador vai ser penalizado. Este risco está obrigatoriamente transferido para as seguradoras e é o conjunto dos condutores, via prémios de seguros, que vai pagar as consequências. A falta de ressarcimento moral das vítimas pela impunidade que rodeia a prática de infracções na condução está a transferir para a esfera civil o que tinha de ser tratado no âmbito penal. Como aconteceu em França, com o recente endurecimento das penas ou em Espanha, no ano 1995, com a publicação da Ley de Seguridad Vial, a simples informação e divulgação de normas mais severas para os infractores pode poupar milhares de vítimas. O CUSTO SOCIAL DOS ACIDENTES DE VIAÇÃO Os acidentes causam, além de dor e desolação às vítimas e às suas famílias, elevados danos económicos. Num estudo feito pela Universidade Politécnica de Madrid (UPM), em 1999, estimaramse em m de os custos directos dos acidentes rodoviários em Espanha, distribuídos entre Danos Materiais (55,2%), Perdas de Produção (19,9%), Despesas de Hospitalização e Reabilitação (16,4%) e Danos Morais (8,5%). Extrapolando estes valores para Portugal e corrigindo-os pelo número de acidentes e pelas diferenças nos níveis de rendimento dos dois países, a factura estimada, para 2002, é de milhões de, Página 4 de 14
5 ou seja 3% do PIB. Numa análise feita a partir dos dados do sector segurador e considerando que 40 a 50% dos custos são suportados em auto-seguro pelos utentes (danos nos veículos e nas pessoas não abrangidos pelo seguro de responsabilidade civil obrigatório ou sem seguro de danos próprios) chega-se a valores próximos de 2% do PIB. Os danos materiais nos veículos e nas coisas podem estimar-se em 1,1% do PIB (1.400 m de ); as despesas médicas e hospitalares em 150 m de ; os lucros cessantes (rendimentos vencidos e vincendos) e os danos morais em 750 m de. A estes valores teriam de ser acrescidas as perdas de produtividade das empresas e do capital humano do país (40% das vítimas têm menos de 30 anos). Pode-se concluir que os custos com sinistros representam anualmente entre 2 e 3% do PIB, custos estes que, nos próximos dez anos, superam os investimentos previstos no TGV. Fonte: Elaboração própria e dados da DGV No estudo da UPM, atrás referido, também foi avaliado o gap existente entre as indemnizações pagas e as indemnizações que as vítimas e familiares gostariam de ter recebido. Se fossem plenamente satisfeitos os valores pedidos, os custos desta rubrica multiplicar-se-iam por cinco e o total dos custos cresceria 40%. QUAL É O VALOR DA VIDA Como atribuir preço a algo que em si próprio é incomensurável? Qual é a indemnização justa por uma morte ou uma grande invalidez? Porém, todos os dias, são definidos estes valores em acordos extrajudiciais ou nos tribunais, com base nas leis, na jurisprudência e no costume. Compete às seguradoras distribuir entre os lesados, da forma mais eficiente e justa possível, os recursos recebidos dos seus segurados. Os direitos das vítimas, em teoria ilimitados, têm de ser conciliados com os recursos que a sociedade destina a este fim, Página 5 de 14
6 principalmente via prémios de seguros. A sociedade exige adaptar rapidamente as indemnizações pelas lesões corporais aos patamares dos países mais ricos da UE, porém, a mesma mostra-se renitente no pagamento do seu custo. As indemnizações têm aumentado a taxas superiores a 10% ao ano, e há evidências de que, nos anos mais recentes, podem mesmo ultrapassar os 20%, enquanto o prémio médio do seguro automóvel se tem mantido constante, em termos reais, nos últimos 7 anos. Esta tendência agravar-se-á com a entrada em vigor da 5ª Directiva, pela elevação dos limites do seguro obrigatório. O sistema caminha para a ruptura, se é que esta não se produziu já - o que acontece quando as provisões não são suficientes para pagar os sinistros e só se poderá inverter este trilho se se assistir a: a) uma diminuição acentuada no número de sinistros e na sua gravidade (a frequência de sinistros com vitimas diminuiu apenas à taxa de 6%/ano desde 1998, insuficiente para compensar os aumentos de custos); b) um aumento dos prémios do seguro, e/ou; c) uma reforma do sistema de indemnização, por forma a distribuir os recursos existentes de modo mais eficiente. Há uma correlação inversa entre o nível de riqueza dos estados e a segurança rodoviária, pelo que a legítima aspiração a uma homologação dos níveis de indemnização nos diferentes estados membros da UE apenas é possível, excluída a hipótese de aumentos incomportáveis de prémios, se os poderes públicos assumirem como assunto de Estado a diminuição drástica das mortes nas estradas. Fonte: Dados IRTAD e Eurostat. Ano 2000 JUÍZO CRÍTICO DO SISTEMA DE INDEMNIZAÇÃO EM PORTUGAL Página 6 de 14
7 Se a prioridade número um é melhorar a segurança rodoviária, não menos importante é a actualização dos critérios e procedimentos que vigoram no pagamento das indemnizações. Três são os grandes vectores que determinam os sistemas de indemnizações no seguro automóvel na UE: 1) a complementaridade ou sobreposição com os sistemas públicos de segurança social e de acidentes de trabalho; 2) o maior ou menor peso do dano moral no valor das indemnizações; 3) o quadro jurídico no qual o sistema está baseado, se no do risco ou no da culpa do lesante. Considerando os dois últimos vectores, o sistema português está determinado pela preponderância do dano patrimonial relativamente ao dano moral e pelo princípio da culpa. É o lesado quem tem o ónus de provar a culpa do lesante, em contraposição ao principio do risco que transfere para o condutor do veículo a obrigação de demonstrar que tudo fez para evitar que o acidente ocorresse. A existência dum regime de culpa presumida para as situações de condução por comissário e dum regime especial de responsabilidade objectiva não altera as considerações anteriores. Este último, porque os limites são insuficientes para indemnizar as lesões graves, e o primeiro pelo seu carácter discriminatório. Porém, é de salientar que a uniformização dos limites de indemnização do regime especial de responsabilidade objectiva com os limites do seguro obrigatório, sem as devidas cautelas, poderá ter consequências imprevisíveis. Página 7 de 14
8 As tendências sociais em concordância com o carácter obrigatório do seguro automóvel empurram os sistema situados no primeiro quadrante para o quadrante dos sistemas de maior justiça social e de gestão mais simples, com menor recurso aos tribunais por se estar perante a objectivação da responsabilidade. Quando comparados os valores da indemnização standard pela morte de um homem de 40 anos (casado com dois filhos) em França, Espanha e Portugal, podemos observar como é neste último país onde as diferenças nos níveis de rendimento influenciam mais os valores. Para um salário de face a um salário de 1.000, em Portugal a indemnização é 2,3 vezes superior, em França 2,2 e em Espanha apenas 1,4. Criança de 5 anos de idade (Pai, mãe e irmão menor e 2 filhos) Homem de 40 anos, com mulher Página 8 de 14
9 Na morte duma criança, onde apenas é possível indemnizar os danos morais, a indemnização em Espanha é 73% superior à que é devida em Portugal. O desequilíbrio entre a indemnização por danos morais e patrimoniais, vigente no nosso sistema, num contexto de impunidade penal, incentiva o recurso a expedientes vários para obter indemnizações superiores. Como o recurso sistemático a rendimentos extras fiscalmente não declarados, a fabulação de rendimentos futuros (praticantes de desporto que chegariam a ser campeões na sua especialidade...) ou a transmutação abusiva de incapacidades genéricas (que implicam um dano moral, que pode ser importantíssimo) em incapacidades profissionais (porque são as que determinam a perda de rendimentos). Quando o sistema deixa de ser transparente e objectivo, e é, aliás, facilmente manipulável, pagam-se indemnizações injustas e desproporcionadas em relação às dos mais necessitados, nomeadamente os grandes inválidos. Os dados reais de indemnizações pagas nos três países atrás indicados a grandes incapacitados (IPP>70%) mostram diferenças impossíveis de justificar. Página 9 de 14
10 (1) Elaboração própria (2) Dados 1998/99 (3) Dados 1997/98 OS TRÊS PILARES PARA MODERNIZAR OS PROCEDIMENTOS DE INDEMNIZAÇÃO É necessário insistir no conceito de que a função social das seguradoras é distribuir da forma mais eficiente e justa possível os recursos recebidos dos seus segurados. E para ser justa tem de ser célere. E só se pode atingir este último objectivo se houverem critérios objectivos que permitam evitar o recurso aos tribunais. O sistema de indemnizações deve ter, no entender das seguradoras, três pilares: a arbitragem médica, a definição de tabelas de referência para a atribuição de valores e a aplicação, no direito interno, do princípio da oferta razoável consagrado na 4ª Directiva e previsto, também, na 5ª Directiva. Arbitragem Médica: Em Portugal existe uma longa tradição de utilização de tabelas médicas de desvalorização para a quantificação das sequelas decorrentes de acidentes. Pelo contrário, não há esta tradição nos países anglo-saxónicos ou é relativamente recente noutros, como em Espanha, onde a utilização de Baremos tem apenas 15 anos de história. A Tabela Nacional de Incapacidades foi desenvolvida no âmbito dos acidentes de trabalho e visa medir a perda de capacidade produtiva da pessoa como consequência das limitações funcionais resultantes do acidente. Este enfoque centrado no produtivismo tem vindo a ser questionado no âmbito da reparação integral dos danos Página 10 de 14
11 em sede do direito civil, quer porque perto de 50% das vítimas não estão integrados no mercado laboral, quer pelo seu carácter limitativo. Coincidindo com estas preocupações, o Parlamento Europeu aprovou recentemente o Barème Européen para promover a reparação tabelada dos prejuízos de carácter pessoal, nomeadamente resultantes de acidentes de viação, seguindo o princípio de a sequelas idênticas, graus idênticos, reparação idêntica. Estão criadas todas as condições para que a avaliação dos danos físicos e psíquicos possa ser feita por via de acordos ou por arbitragem, sem recurso aos Tribunais. Há uma tabela de âmbito europeu que valoriza as sequelas, a utilização de tabelas é social e judicialmente aceite e aliás Portugal tem merecida reputação científica na avaliação do dano corporal. Esta solução exige das companhias de seguros o desenvolvimento de uma rede de peritos médicos. Rede capilar e altamente qualificada, especialista na avaliação do dano no âmbito do direito civil, que possa acompanhar todas as vítimas de acidentes de viação. Também os lesados devem ter ao seu dispor uma ampla rede de peritos médicos que garanta uma relação de equilíbrio entre as partes. Finalmente, os Gabinetes de Medicina Legal desempenhariam o papel de árbitro nos casos em que existam divergências, o que obrigaria a renunciarem aos serviços que prestam de avaliação médico-legal a pedido de terceiros, que não os Tribunais. As divergências na culpabilidade e as diferenças nos graus de IPP são os motivos que mais dificultam as transacções extrajudiciais, sendo que a solução supra referida poderia agilizar o pagamento das indemnizações às vítimas, retirar trabalho aos Tribunais e diminuir o grau de incerteza das companhias no cálculo das provisões para sinistros. Oferta Razoável: Embora não tenham sido muito divulgados, sendo pouco conhecidos dos utentes, o certo é que vigoram no direito português, para os não residentes, direitos mais alargados do que para os residentes. O Decreto-Lei 72-A/2003, de 14 de Abril, que transpôs para o direito interno a 4ª Directiva estabelece procedimentos especiais para os acidentes que envolvam lesados não residentes. Obviamente estes mesmos direitos têm os portugueses em sinistros ocorridos noutros países da UE: 1. Num prazo de três meses a contar da data em que o lesado apresente o seu pedido de indemnização directamente à empresa de seguros da pessoa que causou o sinistro ou ao seu representante para sinistros, devem estes, em alternativa: a. No caso de a responsabilidade não ser contestada e o dano sofrido estar quantificado, apresentar uma proposta de indemnização fundamentada; b. No caso de a responsabilidade ter sido rejeitada ou não ter sido claramente determinada ou os danos sofridos não estarem totalmente quantificados, dar uma resposta fundamentada quanto aos pontos invocados no pedido. Página 11 de 14
12 2. Em caso de incumprimento do dever fixado no número anterior, serão devidos juros em dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso, contados sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal, ou, na sua falta, sobre o montante da indemnização proposta pela empresa de seguros, e a partir da data da aceitação da proposta. (...) O intuito desta disposição e, aliás, de outras disposições similares que vigoram noutros estados membros, é garantir o ressarcimento atempado das vítimas, penalizando as condutas dilatórias das seguradoras. A proposta de 5ª Directiva aprovada no Acordo Político da Comissão Europeia alarga estes procedimentos a todos os sinistros de viação, intervenham ou não residentes noutros países. Portugal poderia introduzir, desde já, esta disposição, no seu direito interno, sem esperar pela transposição da 5ª Directiva. Seriam as seguradoras a formular a proposta global de indemnização ao lesado, nos três meses seguintes à data do acidente. Se a cura clínica se verificasse para além dos 30 dias seguintes à data do acidente, o prazo de três meses só se iniciaria a partir da data da sua verificação. O lesado, no prazo de 30 dias após a recepção da proposta indemnizatória, deveria declarar a sua concordância ou fundamentar a sua discordância, indicando a indemnização considerada devida. O incumprimento destes prazos implicaria juros de mora e as penalidades previstas nas normas reguladoras da actividade seguradora. Para que esta medida fosse efectiva, o recurso aos tribunais, considerado desnecessário, deveria ser desincentivado e os prazos de prescrição reduzidos. Tabelas de referência para a definição do quantum indemnizatório: É pacífico que as indemnizações por danos não patrimoniais, direito à vida, dor, dano estético, prejuízo de afirmação pessoal, sexual etc., possam ser tabeladas. Não são passíveis de quantificar a reparação dum dano, pelo que os valores são calculados a forfait, dia a dia nas sentenças e nos acordos extrajudiciais. Definir estes valores numa norma de carácter obrigatório reduziria drasticamente as arbitrariedades e contribuiria, na mesma medida, à indemnização atempada às vítimas. Esta norma deveria ter em linha de conta a gravidade do dano (dias de incapacidade, graus de IPP,..) assim como as circunstâncias agravantes e atenuantes da indemnização. Por exemplo, a indemnização pelo dano moral para uma criança pela morte dos seus pais não pode ser igual ao dobro do que lhe corresponderia pela morte de um dos progenitores, porque o desamparo familiar agrava-se terrivelmente. Atribuir valores adequados à indemnização destes danos poderia contribuir para evitar a deslocação de danos morais para danos patrimoniais tal como acontece quando as Página 12 de 14
13 incapacidades genéricas se transformam em incapacidades profissionais. Já não é consensual a utilização de tabelas para o cálculo do dano patrimonial. Em teoria este dano é susceptível de ser medido, caso a caso, seguindo o princípio jurídico da reparação integral do dano. Porém, a primeira dificuldade é como medi-lo de forma justa e equitativa. A experiência indica que os valores da indemnização estão mais influenciados pelos rendimentos - reais às vezes, presumidos a maioria e declarados integralmente à Administração Fiscal a excepção - que pela gravidade das lesões, com diferenças tão injustas que a simples divulgação de algumas sentenças criaria alarme social. Sendo o seguro automóvel um seguro obrigatório, que socializa os custos da reparação dos danos entre todos os segurados, independentemente do seu nível de rendimento, também as indemnizações devem atender às necessidades médias da sociedade portuguesa, excluindo os extremos que, pela sua singularidade, bem podem ser amparados noutros esquemas de cobertura privada. A elevada dispersão das indemnizações pagas em Portugal, sem correlação com a gravidade das lesões, está a prejudicar os mais desprotegidos, os sem poder em expressão afortunado do Dr. Bagão Félix. Para superar estas desigualdades, a prova dos rendimentos teria de tornar-se muito mais exigente, sendo os valores declarados fiscalmente de referência obrigatória. Também é necessário fixar valores mínimos (o salário mínimo) e máximos (10 salários mínimos?). Embora possa parecer que estes limites atentam contra o ordenamento jurídico português, nomeadamente o princípio geral da reparação integral consagrado no Código Civil, o certo é que no mesmo diploma também se consagra o princípio, seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça, do direito dos herdeiros à pensão de alimentos que a vítima lhe assegurava e não à totalidade dos seus rendimentos. Esta posição é muito mais aceitável do que o laxismo na aceitação de rendimentos inusuais para determinação de perdas futuras que agravam, ainda mais, as desigualdades sociais existentes. Há uma terceira via por explorar, mais arrojada, e que tem sido implementada com sucesso no país vizinho. Trata-se de uma tabela única de valores de indemnização para os danos morais e patrimoniais. Esta tabela, de utilização obrigatória nos tribunais, tem servido para indemnizar perto de um milhão de vítimas desde o ano 1995 e pode afirmar-se com segurança que a protecção das vítimas melhorou, quer pelos valores pagos, quer pelo drástico encurtamento dos prazos de indemnização, quer ainda pelo efeito de distribuição mais justa de valores entre as vítimas. A tabela ou Barème espanhol, assenta nos seguintes princípios: a) aplicação obrigatória b) os valores resultantes compensam os danos morais e os danos patrimoniais; c) a avaliação das sequelas é feita por tabela médica que pode ser equiparada nas grandes linhas à tabela aprovada pelo Parlamento Europeu; d) a cada grau de IPP corresponde um valor económico, crescente com a gravidade da lesão e decrescente com a idade; e) Página 13 de 14
14 definição casuística dos beneficiários, variando os valores conforme a situação familiar; f) factores de agravamento em função dos prejuízos económicos, circunstancias familiares especiais, grandes incapacidades etc. Para o sucesso deste modelo de indemnização contribuíram decisivamente a objectivação da responsabilidade - inversão do ónus da prova - e as penalidades associadas à falta de regularização atempada. Aos três meses do acidente a companhia deve depositar nos tribunais o valor que considera deverem ser pagos à vítima ou, em alternativa, indemnizar antecipadamente por acordo. Se nos primeiros meses esta norma foi contestada por alguns advogados e juízes, agora está bem enraizada na sociedade espanhola. O temor de alguns advogados perderem clientes não se verificou - até cobram os seus honorários mais depressa - e ainda uma especialidade médica pouco desenvolvida até inícios dos anos 90, a avaliação do dano corporal, vive dias de glória. As vítimas são indemnizadas mais depressa, os sinistros são geridos numa óptica mais humanista - predominam os critérios médicos curativos e de reabilitação face a critérios administrativos - e as companhias de seguros diminuiriam o grau de incerteza relativamente aos seus compromissos futuros. A adopção de norma semelhante em Portugal, ou no mínimo, de algumas das medidas aqui elencadas, pode, sem dúvida, melhorar a protecção às vítimas e, em simultâneo, aproximar o sector segurador das necessidades dos cidadãos, tornando-o mais solvente. Apenas faltaria, para mudar de outlook negativo a positivo melhorar a segurança nas ruas e nas estradas, tarefa que começa por cada um de nos. É desejável que por altura do Euro 2004 estes problemas estivessem encaminhados, para receber em segurança os milhares de veículos que nos visitarão. Página 14 de 14
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