PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Rafael Fonseca Drumond

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social Rafael Fonseca Drumond ENTRE ESPAÇOS, UMA NOVELA: Teletopias de uma #avenida em trânsito Belo Horizonte 2014

2 Rafael Fonseca Drumond ENTRE ESPAÇOS, UMA NOVELA: Teletopias de uma #avenida em trânsito Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação. Área de concentração: Midiatização e Processos de Interação. Orientador: Maria Ângela Mattos e Eduardo Antônio de Jesus. Bolsista CAPES (Coordenação de Pessoal de Aperfeiçoamento de Nível Superior). Belo Horizonte 2014

3 FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais D795e Drumond, Rafael Fonseca Entre espaços, uma novela: teletopias de uma #avenida em trânsito / Rafael Fonseca Drumond. Belo Horizonte, f.: il. Orientadora: Maria Ângela Mattos Coorientador: Eduardo Antônio de Jesus Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. 1. Telenovelas. 2. Carneiro, João Emanuel - Avenida Brasil (Telenovela) Crítica e interpretação. 3. Interação social. 4. Twitter (Rede social on-line). 5. Subúrbios Aspectos sociais. 6. Espaços públicos. I. Mattos, Maria Ângela. II. Jesus, Eduardo Antônio de. III. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. IV. Título. CDU:

4 3 Rafael Fonseca Drumond ENTRE ESPAÇOS, UMA NOVELA: Teletopias de uma #avenida em trânsito Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação. Profa. Dra. Maria Ângela Mattos (Orientadora) PUC Minas Prof. Dr. Eduardo Antônio de Jesus (Co-orientador) PUC Minas Profa. Dra. Ângela Cristina Salgueiro Marques UFMG Profa. Dra. Vanessa Cardozo Brandão PUC Minas Belo Horizonte, 25 de fevereiro de 2014

5 4 RESUMO Nesta dissertação, exploro a teleficção brasileira a partir de sua dimensão espacial. Para tanto, proponho um estudo de caso da telenovela Avenida Brasil (Rede Globo, 2012) a partir de dois eixos estruturantes: sua produção narrativa e as dinâmicas de circulação/interação social a partir da trama. Diante dessa configuração, efetuo recortes analíticos voltados a cada eixo discriminado: no que se refere à novela, destaco a montagem de mundos sobre os espaços do subúrbio, bem como os modos de representação de uma possível identidade de classe (a nova classe média ); já em vista dos processos de circulação social, reflito sobre as dinâmicas de interação descortinadas pelas mídias digitais, com foco nos espaços de conversação gerados pelo Twitter. No decorrer desse percurso, proponho o conceito de teletopia como forma de dar a ver a relação mútuo-reativa que aproxima os mundos organizados pela ficção aos espaços do cotidiano, o que, por sua vez, sustenta o fundamento sociológico que atravessa as telenovelas brasileiras. Palavras-chave: Telenovela; Espaço; Teletopia; Interação; Subúrbio; Twitter.

6 5 ABSTRACT This dissertation explores the brazilian telefiction from its spatial dimension. In this regard, I propose a case study of the soap opera "Avenida Brasil" (Rede Globo, 2012) from two structural axes: its narrative production and the dynamics of circulation/social interactions from the plot. Given this setup, I make analytical approaches that address each of those axes: regarding the soap opera, I highlight the "montage of worlds" on spaces of the suburbs, as well as the modes of representation of a possible class identity (the "new middle class"); and referring to the processes of social circulation, I reflect on the dynamics of interaction unveiled by digital media, focusing on conversational spaces generated by Twitter. Along this journey, I propose the concept of "teletopia" as a way to see the mutual-reactive relationship that approximates the worlds organized by the fiction to spaces of everyday life, which, in turn, sustains the sociological foundation that crosses brazilian s soap operas. Keywords: Soap Opera; space; Teletopia; Interaction; Suburb; Twitter.

7 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÂO Sobre as Teletopias Sobre Avenida Brasil Sobre os Novos Trânsitos NOTAS METODOLÓGICAS TELETOPIAS Alguns Norteadores O que Entendo por Teletopia A Origem do Conceito O Espaço no (Com)Texto das Teletopias O Gênero como Fundamento da Experiência Teletópica Além dos Espaços Diegéticos: Contribuições de Mikhail Bakhtin Um Espaço de Multimediações: Contribuições de Jésus Martín-Barbero Crise dos Gêneros? Matrizes Sociais e Ficcionais do Espaço Espaços em Movimento Teleficção em Trânsito A Crescente Midiatização da Teletopias PERCORRENDO AVENIDA BRASIL Pré-lançamento Estreia Clímax Desfecho ESPAÇOS DE UMA NARRATIVA TELEVISIVA Uma Avenida de Entre Lugares O Espaço do Subúrbio

8 7 5.3 Um Novo Espaço para uma Nova Classe A Periferia como Recurso Mediativo A Paródia da Periferia O Lixão de Mãe Lucinda: à Margem da Margem Uma Novela entre Espaços ESPAÇOS DE CIRCULAÇÂO FICCIONAL Ficção em Doses de Cotidiano TV + web = novos circuitos de interação O Twitter como Dispositivo Interacional: Papo de Audiência Discursividades online: interações em 140 caracteres CONCLUSÂO REFERÊNCIAS CRÉDITOS AVENIDA BRASIL

9 8 #OIOIOI1 INTRODUÇÂO 1.1 Sobre as Teletopias Refletindo sobre qual seria o título mais adequado a este trabalho, cheguei à composição Entre espaços, uma novela, mas não sem antes cogitar o seu inverso: uma novela entre espaços. Apesar do preterimento, esta última opção contava com a vantagem de se apresentar como uma construção livre, dessas que percorrem o papel sem saltar vírgulas, travessões, parênteses. Contudo, o título ligeiro não dava a ver aquilo que, de fato, estava sendo colocado por esta dissertação, no caso, um sentido de trânsito cujo movimento foi ironicamente introduzido através da pausa de uma vírgula. Explico: ao meu ouvir, a opção descartada sugeria uma novela tensionada entre diferentes espaços, ou ainda, uma ficção que, justamente por estar em uma posição de entre, encontrava-se em uma perene condição de passagem. Em outra medida, o título escolhido parece dizer de uma novela que, no vácuo de uma pontuação, percorre e interliga diferentes espacialidades, sendo, em todas elas, novela. Considerando essa segunda leitura, proponho percorrer alguns espaços que atravessaram e foram atravessados pela telenovela Avenida Brasil 1 (Rede Globo, 2012). Tendo em vista a expressividade do folhetim um dos maiores fenômenos da mídia nacional nos anos recentes, volto minha reflexão para aspectos marcantes da narrativa e de sua reverberação, em busca por dinâmicas que evidenciem a complexidade dos processos comunicativos contemporâneos, sobretudo diante de um contexto no qual a convergência midiática vem rearticulando nossos modos de produção simbólica e de experimentação espacial. A partir desse preâmbulo, exponho os eixos fundantes do objeto desta pesquisa: o espaço de narrativização da novela, correspondente à trama televisiva exibida pela Rede Globo de Televisão e seus espaços de circulação, recortados a partir de interações entre 1 Novela escrita por João Emanuel Carneiro, direção de núcleo de Ricardo Waddington, direção geral de Amora Mautner e José Luiz Villamarim (créditos no final da dissertação). Ficha completa disponível em: <

10 9 internautas nas redes digitais, mais especificamente sobre o Twitter 2. Essa divisão, por sua vez, relaciona-se a uma abordagem que visa acercar-se de diferentes espacialidades que integram nossos processos comunicativos, permitindo, assim, uma leitura com trânsito entre as texturas midiáticas massivas (espaço televisivo) e as configurações de uma sociedade em rede (espaço digital). Por outro lado, importante dizer que a experiência que busco circundar não se assenta, de forma apartada, sobre tais esferas (produção/circulação), relacionando-se, ainda e fundamentalmente, aos modos de entrelaçamento que convertem esses e outros espaços discursivos em espacialidades do cotidiano processo aqui nomeado de teletopia. Nesse caso, a mesma vírgula que separa os termos do meu título, justamente para fazê-los convergir, atua sobre esse modo bipartido de operacionalizar o objeto; afinal, os dois eixos analisados dão a ver uma só dinâmica, ainda que moduláveis de acordo com a especificidade de cada espaço colocado em relevo. Trata-se, assim, de uma forma de atravessamento espacial que se coloca contra as dicotomias, particularmente aquelas que desvinculam agentes, apartam processos e unilateralizam juízos. Nessa direção, as teletopias rogam pelo reconhecimento de um espaço que seja não somente visível e socialmente concreto, mas também constituído por certa imaterialidade, localizado que está em um entre que só pode se converter em textos e contextos, ainda que, em sua origem simbólica, não pertença originalmente nem a um, nem a outro. Esse espaço de mediações, pela perspectiva à qual me filio, recebe o nome de gênero um modo de produzir sentidos que converte os circuitos de circulação em novelas do cotidiano, assim como, na direção contrária, transforma a dramaturgia social em ficção televisiva. Dentro dessa prerrogativa, parece-me importante reconhecer que nossa vivência espacial não se resume às modulações físicas dos espaços em que habitamos; ao contrário, o espaço é o resultado dinâmico de uma série de fluxos que estão, a todo tempo, rearticulando suas disposições, seus modos de agência e sua própria mutabilidade. Nas 2 O Twitter é uma ferramenta para a publicação de micromensagens na qual, originalmente, os usuários são convidados a responder à pergunta O que você está fazendo? em até 140 caracteres. Ali, é possível construir uma página e seguir e ser seguido por outros twitters. Cada Twitter seguido tem suas mensagens publicadas (também chamadas de tweets ) para os seguidores. É possível também optar por seguir outros usuários e acompanhar aquilo que publicam. As mensagens que utilizam seguida do nome de um usuário viram links e podem ser rastreadas pelo usuário citado, aparecendo para ele em uma aba Respostas ou Replies. (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011). Acrescento, ainda, que o Twitter é frequentemente identificado como um microblog, e que, apesar de certa controvérsia em relação à propriedade da nomenclatura (a plataforma não é um blog), opto por manejá-la em vista de sua usabilidade.

11 10 teletopias, esse trânsito espacial advém de um modo sutil de gerar sentidos a partir de um conjunto de interações entre sociedade e sujeitos. Esse modo de presença da teleficção, apesar de facilmente revertido em materialidades cotidianas (uma música, um bordão, um nome, uma roupa...), possui antes uma natureza simbólica, estética e afetiva: ele nos faz lembrar que o espaço, mesmo quando impositivo, nunca é dado; assim como a ficção, antes de ser espelho ou reflexo do real, é um projeto entre mundos, um modo de prescrever ou encerrar horizontes e, sempre, uma forma de conferir espaços ao olhar. Nesse contexto, minha proposta acerca das teletopias justifica-se como uma estratégia de angulação do gênero, uma maneira de abordá-lo a partir de um certo referencial, para, assim, solicitar novos aportes para pensar Avenida Brasil. O espaço, mais que um objeto propriamente teórico ou empírico, constituiu uma dimensão a partir da qual pude cartografar um fenômeno prenhe de urgências. Nessa medida, acredito que a reflexão espacial tenha me permitido entrelaçar uma série de objetivos e/ou questões que me interessam destacar nesta dissertação, entre os quais enumero: (1) propor uma forma de abordar a narrativa televisiva de Avenida Brasil a partir de suas singularidades (espaços de encenação, modos de construção narrativa fílmica e dramatúrgica, enquadramentos sociais); (2) sublinhar a característica mediativa que define as teletopias, em vista dos hibridismos que situam o gênero como dialética entre temporalidades sociais e subjetivas, bem como entre modos de enunciação; (3) trabalhar aspectos fundantes da atual cultura de mídias do país, na qual multiplataformas logo, múltiplas espacialidades são dinamizadas por diferentes práticas de produção recepcional; (4) apontar a expansão dos espaços de circulação e interação teleficcional, bem como refletir sobre a qualidade dos regimes de interação verificados nesses extensionamentos. 1.2 Sobre Avenida Brasil Avenida Brasil não poderia ter sido batizada com melhor título. Afinal, o folhetim, enquanto teletopia, caracterizou-se por trânsitos intensos entre diferentes lugares narrativos e sociais. Em seus percursos fabulativos e de circulação junto às audiências, a novela mostrou e deu a ver uma avenida de mão dupla, uma via de idas e vindas através da qual um país (aparentemente) conecta o seu eixo norte-sul. Nessa Avenida de novas periferias e velhos centros, o popular emergente encontrou o

12 11 popular de todos os tempos, resultando em uma narrativa do presente com sabor de estória conhecida. Talvez tenha sido esta, a propósito, a maior virtude da novela: promover espaços de trânsito responsáveis não somente em apresentar uma mudança de época, mas, ainda, em amalgamar, narrativamente, uma diversidade de tempos. A partir de uma colagem entre diferentes referências e variadas estratégias de enunciação, o espaço televisual da novela multiplicou sua oferta de lugares, isto é, aqueles pedaços confortantes de espaçoficção onde um sujeito encontra suas referências, não necessariamente no sentido de uma autorepresentação (direta ou contrafractual), mas em função daquilo que é identificado como repertório e que se afina a um juízo de gosto e/ou moral. Essa cultura da colagem dá a ver uma superposição de diferentes temporalidades, sendo ainda, uma manifestação muito visível das interações, adaptações e fusões que diversos setores sociais fazem do novo, do velho, do imprevisível. (OROZCO, 2006, p.86). Diante de outros trânsitos midiáticos da contemporaneidade através dos quais uma audiência está sempre à deriva da outra e o consumo simbólico reveste-se de valores distintivos, uma trama como Avenida reafirma o espaço da telenovela enquanto narrativa da nação (LOPES, 2007), suspendendo, ainda que temporariamente, os nomadismos de uma audiência dispersa. Nesse sentido, a novela de João Emanuel Carneiro, ao justapor diferentes elementos em uma só narrativa, ensejou modalidades interativas que ultrapassaram a relação espectador-novela, adquirindo um sentido interacional entre sujeitos (internautas ou não), que, a partir da novela, moviam discursividades sobre toda espécie de tema. Ainda no que se refere aos trânsitos, é significativo perceber que foram justamente as novas condições de produção e de interação que possibilitaram a ancoragem de Avenida Brasil sobre o campo das práticas anguladas historicamente pelo gênero. Do ponto de vista da narrativa, destaco que o folhetim tematizou aspectos típicos ao melodrama televisivo, como a vingança, a conflituosidade das relações familiares e a alternância entre núcleos cômicos e dramáticos. Contudo, no que tange à produção, a novela dialogou com outros lugares fabulativos, gerando intertextualidades oriundas do cinema, dos seriados estrangeiros, da literatura e do teatro. Desse processo, Avenida conjugou, em uma só espacialidade narrativa, fluxos advindos do tempo do melodrama (as vicissitudes construídas ao longo de muitos capítulos) e o dinamismo do mercado global das ficções, marcado, entre outros fatores, por tramas movimentadas, reviravoltas narrativas e uma edição rápida e eletrizante.

13 12 Além disso, pela perspectiva do meu segundo eixo de análise (campo de circulação/interação social), a audiência encontrou novas modalidades de assistir Avenida Brasil e de interagir a partir da trama, o que lhe permitiu revestir um velho hábito com diferentes tonificações. Ainda que Avenida não tenha sido pioneira no trânsito TV e web, por outro lado, a novela foi o primeiro folhetim coqueluche das redes sociais como coloca o crítico e blogueiro Nilson Xavier, sendo os fluxos online, em grande parte, responsáveis por agenciar o sucesso da trama, até mesmo diante daqueles que não possuem hábitos de navegação digital. Nas redes dessa natureza, o que vimos foi um conjunto de novas interacionalidades entre a audiência, caracterizadas por uma criativa produção recepcional e, sobretudo, por redes de socialização e conversação a partir do folhetim. Em vista desses trânsitos, Avenida Brasil construiu uma trama ágil, multifacetada, que envolvia sua audiência à moda de Sherazade a mãe das narrativas seriadas, cuja sedução através das palavras lhe rendeu a vida. No caso do folhetim de João Emanuel Carneiro, as técnicas de enredamento narrativo valeram-se não apenas do bom enredo construído por seu universo ficcional, mas, ainda, da promoção de uma cultura de engajamento da audiência em relação ao folhetim. A combinação entre esses elementos respondem pela elevação da novela ao patamar de marco da teledramaturgia brasileira. (LOPES; MUNGIOLI, 2013). Por esses e outros fatores que serão explorados no conjunto dessa reflexão, Avenida Brasil firmou-se como uma teletopia digna de análise, sobretudo em vista do seu modo particular de trafegar e tensionar as texturas midiáticas de um Brasil contemporâneo, um país cujas as minorias, as elites e as coletividades, articulam-se, cada vez mais, em redes. 1.3 Sobre os Novos Trânsitos Se as mídias integram a textura geral da experiência (SILVERSTONE, 2002), na contemporaneidade, essa presença vem se recrudescendo a cada dia, sobretudo diante das recentes rearticulações introduzidas pela cultura digital. Em vista desse contexto de intensa midiatização, as teletopias no Brasil estão sendo reconfiguradas, particularmente no que se refere às novas passagens, ou brechas, que interligam os espaços narrativos das novelas às espacialidades concretas do cotidiano. Por conseguinte, na última década, a experiência teleficcional modificou-se velozmente, segundo fatores que estão

14 13 reestruturando a estética da circulação comunicacional em sua acepção mais ampla espaço carregado de sentidos sociais. No intuito de localizar esses reordenamentos em relação ao contexto das teletopias, estabeleço um panorama dividido em sete frentes que, confluídas, ilustram as complexidades midiáticas da contemporaneidade, particularmente no que se refere ao mercado teleficcional. São elas: (1) O aumento da oferta de ficção televisiva, em vista de fatores como: o acesso online a produções de todo mundo, tanto atuais quanto de outras épocas; a expansão dos canais a cabo e do número de antenas receptoras, de forma legalizada 3 ou clandestina; o surgimento de produtoras de conteúdo exclusivamente para a web e os novos circuitos de difusão de ficções independentes. Diante desses e outros fatores, o consumo teleficcional tem se tornado cada vez mais dinâmico e multifacetado, sendo, assim, caracterizado por condições de fácil acessibilidade (a um click) e pronta disponibilidade (em qualquer tempo). Em outra medida, o crescimento dessa oferta e, sobretudo, sua transnacionalização, implica em diferentes intertextualidades ao jogo ficcional das narrativas televisivas, o que concorre para a diversificação dialógica dos formatos, uma vez que diferentes estéticas são incorporadas ao imaginário dos agentes midiáticos em questão. Pontuo, ainda, que a abertura a esse mercado simbólico vem trazendo novas textualidades à dramaturgia do melodrama, e mediando, de forma intensa, as relações entre a dimensão histórico-nacionalista da telenovela e os processos de globalização das imagens-mundo. (2) Novas tecnologias e novos modos de produção. Nas novelas atuais, câmeras potentes criam efeitos surpreendentes, além de gerar texturas inusitadas a uma imagem que, no âmbito televisivo, passa por um processo de reinvenção. Nesse contexto, as possibilidades de edição, inclusive sonora, são mais acionadas enquanto recurso de construção da linguagem televisiva: os longos planossequência, de câmera parada e diálogo bate-e-volta, cedem espaço a uma filmagem interagente e criativa. Além dessas realterações de caráter televisual, 3 Segundo a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicação), em junho/2013, quase 17 milhões de brasileiros tinham registro de TV por assinatura domiciliar. Disponível em: <

15 14 destacam-se, ainda, os deslocamentos ocorridos no âmbito da audiência, tanto pelo surgimento de novos mecanismos de interação e socialização a partir da teleficção, quanto pela introdução de novas agências simbólicas a produção e a circulação dos conteúdos gerados por receptores em meio às plataformas digitais. (3) Crossmidiação e transmidiação da ficção televisiva. Crossmidiação e transmidiação são termos próximos utilizados para referenciar o movimento centrífugo das narrativas midiáticas em direção a multiplataformas. A diferença entre eles, sumariamente, reside no fato de que a crossmidiação é uma migração semântica que não envolve uma extensão narrativa, constituindo-se, portanto, na tradução de um mesmo universo ficcional para diferentes suportes. Já o conceito de transmidiação remonta à obra de Henry Jenkins, Cultura da convergência (2009), na qual o autor propõe que as narrativas transmídias caracterizam-se pela filiação a uma narrativa-mãe, a relativa autonomia da parte frente ao todo ficcional, e, ainda, por uma originalidade responsável pelo extensionamento da obra de referência. Sobre esses termos paira certa discussão teórico-conceitual 4, sendo que, independente das formas de nomear o fenômeno, o que me parece mais profícuo é apontar o espraiamento das obras de ficção televisiva por múltiplas plataformas, tanto de forma oficial e controlada, administrada pelas emissoras, quanto de maneira difusa e espontânea, através da atividade criativa de fãs e/ou internautas que selecionam e editam textos, imagens e vídeos a fim de colocá-los em circulação na web. (4) Novas tecnologias de veiculação, representadas, por exemplo, pela digitalização do sinal de transmissão (a partir de 2007/2008), e pela sofisticação da aparelhagem televisiva, que se tornaram não só mais funcionais, como também mais acessíveis. Além disso, a disponibilização dos capítulos online vem gerando uma recepção em trânsito dotada de mobilidade espaço-temporal, o que estende as narrativas teleficcionais para além dos domínios televisivos, implicando em uma reestruturação nos modos de agenciamento do palimpsesto 5. Ressalvo, assim, a 4 A Rede Obitel Brasil (Observatório Ibero-americano da Ficção Televisa) tem se dedicado a explorar as possibilidades teórico-conceituais do termo transmidiação, além de mapear possíveis experiências transmídias sobre o campo da teleficção nacional. Nesse contexto de pesquisa, destacam-se uma variedade de propostas cross/transmidiáticas: a partir do site da novela, das redes sociais, de blogs, das lojas virtuais, entre outros. Além disso, os pesquisadores envolvidos no projeto identificam, em cada estratégia, um tipo de interação (visualização, interação na rede, co-presença...), assim como diferentes níveis de interatividade (passiva, ativa, ativa/criativa) e variados tipos de competências acionadas (interpretação, consumo, ludicidade, compartilhamento, discussão...).

16 15 proliferação em múltiplas telas dos conteúdos teleficcionais e a promoção de diferentes formas de ver novela: da TV propriamente dita até o computador pessoal, passando pelos espaços já conquistados nos veículos impressos e pelos novos suportes de difusão midiática, como os dispositivos portáteis. (5) Diferentes regimes de conversação informal, inaugurados, particularmente, pelas tecnologias destacadas nos itens anteriores. Nesse sentido, destaco a intensificação da recepção em rede articulada em torno de um conjunto de usuários (internautas), que, de diferentes pontos territoriais, passam a gerir e ocupar um mesmo espaço de interações sobre a novela. A geração desse espaço dá a ver um território midiático que amplia os lugares mediativos do gênero, estendendo as tradicionais redes da família, dos amigos, do bairro e do trabalho para outras engenharias interativas: nesse novo modelo, a relação com o outro receptor ultrapassa as relações físicas de proximidade, o que sugere a introdução de novas mediações e a diversificação das competências de apropriação teleficcional. Nessa direção, as teletopias sofrem alterações profundas em suas dinâmicas recepcionais, uma vez que, fundidas à trama das tecnicidades operantes, surgem ritualidades que agenciam modos inéditos de estar junto e de estar em relação aos conteúdos televisivos. Na esteira desse processo, as sociabilidades também são deslocadas, abarcando não somente as relações domésticas de cotidianidade, mas também os laços sociais mediados pelas formas eletrônicas e digitais de visibilidade estendida. (6) Acirramento da competitividade no mercado interno, isto é, disputa por público entre as empresas nacionais que atuam em redes abertas. Nesse âmbito, destaco os investimos recentes da Rede Record de Televisão na produção de telenovelas. Essa crescente profissionalização, apesar de não abalar a liderança da Rede Globo, trouxe novas configurações ao mercado teleficcional brasileiro, tanto em relação à conquista da audiência, quanto à geração de outros mapas profissionais ao setor (quadro de atores, escritores, diretores, técnicos). (7) Renovação profissional. A última década da televisão brasileira foi marcada pela emergência de novas figuras ficcionais e de modos diversos de operacionalizar a 5 O termo palimpsesto faz referência aos pergaminhos ou papiros nos quais um texto é apagado para permitir novas escrituras. No contexto da novela, o uso do termo evidencia um dispositivo de memória que aponta para o jogo ficcional entre sucessivas dramaturgias, uma após a outra, sempre nos mesmos horários programados pela emissora.

17 16 linguagem televisiva. Especulo que esse processo de renovação das estratégias de comunicabilidade da telenovela deva-se, entre outros fatores conjunturais, à contratação de profissionais filiados a gerações mais recentes, tendo em vista a mobilização de energias e repertórios que estão redinamizando os modos de fazer TV no Brasil. A própria audiência nacional, nos últimos anos, tem afirmado sua preferência por narrativas que tragam certa inventividade, tendo em vista o preterimento de autores e fórmulas que, em outros tempos, mobilizavam grandes audiências. Esse processo, a meu ver, elucida parte do sucesso de João Emmanuel Carneiro um novelista até pouco tempo desconhecido que se tornou tão popular quanto sua trama. A partir desse panorama de fundo, contextualizo minha reflexão acerca de Avenida Brasil enquanto teletópos nacional, assim como seu modo de estruturação no presente trabalho. Minha problematização de base orbita em torno de aspectos emergentes da relação telenovela e espaço, tendo vista os dois eixos já colocados nesta introdução: o espaço narrativo da trama e o espaço de circulação nas redes digitais, especificamente o Twitter. Para tanto, apresento, na sequência, notas metodológicas com relação aos percursos desta pesquisa, evidenciando, particularmente, algumas especificidades da cartografia online. No capítulo seguinte, combino diferentes perspectivas teóricas em torno do conceito de teletopia, exercício através do qual reporto ao conceito de heterotopia desde a origem do termo inspiração em Michel Foucault, bem como referências extraídas das perspectivas de Mikhail Bakhtin, Jésus Martín-Barbero, Milton Santos e José Luiz Braga, entre outros. No quarto capítulo, apresento Avenida a partir de sua composição narrativa e circulatória, no caso, orientado por um compilado de informações sobre a novela, responsáveis não só em situar a trama de João Emanuel Carneiro, mas também de oferecer subsídios para as análises tecidas em torno dessa telenovela. Os textos analíticos, por sua vez, encontram-se divididos em dois capítulos, um relativo à cada eixo de problematização: o capítulo 5 refere-se a uma leitura narrativa de Avenida, com ênfase sobre a guinada espacial em direção ao subúrbio do Divino e suas derivações sociomidiáticas; por fim, no capítulo 6, traço uma análise dos espaços de circulação da novela, com foco nas redes sociais digitais, especificamente o Twitter. Acredito que, tal como a novela que me serve de empiria, esta dissertação percorre diferentes lugares de pertencimento, tendo em vista trânsitos teórico-conceituais e uma colagem de referências que circulam entre o midiático e o acadêmico. Espero, assim, não

18 17 apenas gerar um modo de ler e refletir sobre Avenida Brasil, mas também oferecer uma contribuição para que novos espaços sejam entrevistos aos estudos críticos de televisão. À título de conclusão inicial, diria que, uma vez solto pelo espaço, pude percorrer as longitudes de um objeto complexo: uma tentativa de espalhar vírgulas sobre o vento das sociabilidades contemporâneas, sem me deixar de ater ao asfalto que, da cidade à ficção, aparta o norte do sul.

19 18 #OIOIOI2 NOTAS METODOLÓGICAS Durante a exibição de Avenida Brasil, dividi minhas atenções entre a televisão e o computador, certo de que, em ambos as telas, verificava práticas bastante interessantes de experimentação teleficcional. Enquanto na TV acompanhava a proposta diferenciada da equipe de produção da novela, no ambiente digital mais especificamente, nas redes sociais dava-me conta da potência criativa dos internautas, que, a partir do universo de Avenida, engendravam formas diversificadas de interação e sociabilidade. Em vista desses macro recortes (televisão e web), adotei estratégias de observação orientadas a cada espacialidade. Quanto à narrativa televisiva, passei a acompanhar diariamente o folhetim, o que ocasionou minha inserção junto ao universo fabular de Avenida Brasil. Por intermédio desse procedimento, coloquei-me a par da textualidade da novela (cerca de 160 horas de conteúdo), para, daí, antecipar questões, testar hipóteses e avaliar possíveis direcionamentos às análises que viria tecer. Já o âmbito da circulação, a meu ver, trouxe maiores complexidades quanto à escolha do objeto, motivando, em parte, a escritura deste capítulo. Assim, no intento de clarificar esse e outros recortes, reporto algumas particularidades que atravessaram meu percurso reflexivo, sobretudo, no que se refere às estratégias de observação e análise dessas interações online. Importante dizer, então, que minha primeira estratégia de pesquisa na web envolveu a tradicional técnica de ir a campo : no caso, empreendi incursões regulares aos espaços online, acionando como norte navegador todo e qualquer discurso que remetesse à novela. Executei, assim, uma netnografia sobre alguns dos espaços de circulação digital percorridos por Avenida, colocando-me, portanto, em uma situação de imersão através da qual buscava sondar as conexões e interações que dinamizavam esses ambientes comunicacionais. Nessa etapa, minha observação era difusa, uma vez que, tal como os conteúdos gerados por usuários, ela circulava entre multiplataformas, principalmente o Facebook, Twitter, YouTube, sites de notícia e blogs. Em certo sentido, essa netnogrofia multiespacial persistiu até o final do trabalho sobre a web, ainda que, durante a exibição do folhetim, tenha-me focado no Twitter como espaço de acompanhamentos mais regulares. Algumas observações inerentes a essas incursões

20 19 digitais (relatos de campo) encontram-se dispostas na construção do objeto empírico desta pesquisa, por sua vez, apresentado em detalhes no capítulo 4. 6 Considerando as interações mediadas por cada um desses espaços digitais, efetuei recortes que atenderam a seguinte escala de restrição: (1) opção por analisar uma rede social, tendo em vista as relações de sociabilidade alimentadas por e nessas plataformas; (2) escolha do Twitter, em desfavor do Facebook, como espacialidade digital analisada, ainda que ambas sejam igualmente expressivas no que se refere às formas de reverberação teledramatúrgica. Nesse caso, minha decisão justifica-se por diferenças entre as modalidades de conversação verificadas em cada plataforma e os seus modos de trânsito entre as esferas do público e do privado 7 ; (3) concentração, no escopo do Twitter, sobre as interações em torno das hashtags 8 da novela. Exponho, ainda, que o microblog oferece uma ambiência mais propícia à consecução de regimes conversacionais diretos, sobretudo em função da geração de um espaço de interação entre a audiência durante a exibição da novela: no caso, através das hashtags (#oioioi, por exemplo), um usuário pode acessar outras postagens identificadas pela tarjeta, sem necessariamente seguir os internautas envolvidos na dinâmica. Nesses espaços de interação, a utilização de uma mesma hashtag cria um território 6 Esta é a segunda pesquisa na qual faço uso de metodologia etnográfica, sendo que a anterior iniciação científica caracterizava-se pelo trabalho de campo junto a contextos domésticos de recepção. Nesse sentido, registro, a partir da comparação entre as duas abordagens, alguns benefícios e limitações do método aqui adotado: (1) o trabalho netnográfico não envolve deslocamentos físicos por parte do pesquisador, o que evita desconfortos e perigos oriundos do mundo da rua ; (2) por outro lado, enquanto a etnografia traz os sujeitos interagentes, em corpo, para o espaço da interação, no campo da web, o pesquisador lida com processos mediados por avatares, discursos, materiais midiáticos... Contudo, friso que ambas as situações são igualmente indiciadoras de processos subjetivos e sociais de interação midiática, ainda que de formas distintas. (3) Cada espaço requer suas técnicas de sondagem, sendo que, na web, o anonimato é uma ferramenta que traz ubiquidade e invisibilidade ao pesquisador, que pode se colocar de fora dos fenômenos interativos, sem romper com suas processualidades cotidianas (ao contrário da etnografia doméstica, que lida não só com relação sujeitos-mídia, mas também com os modos de vinculação entre pesquisador-pesquisado). 7 O Facebook sugere uma articulação em torno de redes de contato e de amizade, o que, de alguma forma, envolve laços de sociabilidade atravessados por certo nível de proximidade entre os interagentes (no sentido dos usuários possuírem relações para além da rede social). Essa dinâmica privada sobre a rede pública pode ser percebida a partir de fatores, como: o nome da plataforma propõe que a imagem dos interagentes seja o seu rosto, isto é, que se traga o sujeito, através de imagens faciais, ao contexto da interação; o ato de se tornar amigo de alguém indica algum nível de solidariedade (em geral, são pessoas que o usuário conhece a partir de relações extra ou mesmo intraweb). Já no Twitter, além da impessoalidade do seguir e ser seguido não solicitar qualquer vínculo mais estreito entre os internautas, a lógica da comunicação rápida imprime um fluxo de informações que transita, com mais porosidade, entre as dimensões do público e do privado. 8 Hashtags são palavras-chave antecedidas pelo símbolo "#" que designam o assunto que está se discutindo em tempo real no Twitter. No contexto dessa pesquisa, as hashtags funcionam como chaves de acesso a um determinado espaço/lugar informativo e interacional, acionado pelos usuários de acordo com seus interesses.

21 20 comunicacional onde usuários de todas as partes do mundo compartilham opiniões e replicam conteúdos (fotos, montagens, vídeos, links). Conforma-se, assim, uma espécie de espaço público no Twitter no qual os telespectadores conversam sobre a novela que estão assistindo na televisão. Outros fatores justificam ainda a recorrência de regimes de conversação sobre o microblog: sua microdiscursividade (posts de poucos caracteres) traz rapidez e oralidade à plataforma, e ainda, os tweets podem ser comentados (conversa direta entre usuários) ou retweetados, o que amplia a visibilidade de um discurso e/ou espaço de conversação para um número maior de usuários. Também destaco que a escolha do Twitter relaciona-se à centralidade ocupada pelo espaço no que se refere à proposta de interação do microblog. Nele, o ato de se vincular a outro interagente, recebe nomenclaturas espaciais ( seguir e ser seguido ), sendo que, desse processo de linkagem, define-se quais serão os espaços de navegação do usuário, isto é, suas possibilidades de trânsito entre discursos e informações. Ou seja: seguir ou não um usuário pelos espaços do Twitter não implica, necessariamente, em vínculos interpessoais estreitos; por outro lado, especulo, o gesto de seguir outros usuários nesta rede social tende a conformar circuitos interativos em torno de uma cesta de consumo e de participação midiática (sigo pessoas que admiro, veículos de comunicação que, editorialmente, me interessa etc.). Outro fator importante a ser destacado é que, como resultado de sua política de micromensagens (texto de no máximo 140 caracteres), o microblog é permeado por links que apontam para outros domínios da internet, funcionando, portanto, como uma plataforma altamente remissiva. Nesse sentido, destaco a expressividade do Twitter como lócus de pesquisa, tendo em vista que sua lógica produz, a um só tempo, um espaço interno de conversação e um diálogo com outras espacialidades digitais, o que, no caso deste trabalho, permitiu um foco de análise e uma visão de conjunto. Acrescento, ainda, que tanto no que diz respeito à constituição da empiria, quanto das análises, os espaços de circulação da novela também contam com material retirado de outras plataformas e sites, apesar da centralidade do Twitter. Essa estratégia visa oferecer um panorama das interações dinamizadas pela telenovela Avenida Brasil, assim como qualificar, através de certos contrastes, as dinâmicas propriamente analisadas. Pelo exposto, tomo como apresentado meus dois objetos de análise: o discurso da narrativa televisiva de Avenida Brasil e as interações desenvolvidas nos espaços digitais, com foco sobre o Twitter e nas hashtags que aludiam à novela. Em vista desse

22 21 dimensionamento, apresento, de forma sistematizada, o desenho metodológico estruturado nesta dissertação: (1) Nível narrativo de Avenida Brasil - trama veiculada pela Rede Globo de Televisão, composta por 179 capítulos, veiculada de 26/03/2012 a 19/10/2012. Nesse caso, apresento o folhetim a partir de um compilado de informações/elementos narrativos, tais como: espacialidades de destaque, principais personagens, momentos emblemáticos, estéticas videográficas e proposta dramatúrgica. Para tanto, utilizo-me de textos, veiculação de cenas (DVD em anexo) e edição de imagens. Opto por não trabalhar Avenida Brasil a partir da produção institucional de narrativas cross ou transmídias, já que, na trama em relevo, a emissora não investiu em estratégias significativas de extensionamento ficcional. Busco, ainda, percorrer a novela a partir de diferentes momentos de veiculação (pré-lançamento, estreia, clímax, desfecho), visando, assim, oferecer uma visão panorâmica da telenovela, capaz de abarcar seus diferentes fluxos de narrativização e formas de vinculação. (2) Circulação de Avenida Brasil conjunto de discursos produzidos a partir da novela e que circularam nas redes sociais. Busco caracterizar esse material de forma ampla, visando registrar parte dos conteúdos e discursividades gerados em torno de Avenida. Além disso, em vista da análise sobre as interações mediadas pelo Twitter, efetuei uma coleta de postagens a fim de discriminá-las quanto suas motivações discursivas. Para tanto, efetuei uma codificação aberta (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p.96) focada na identificação, descrição e categorização do fenômeno encontrado em campo. A coleta de dados contou com três amostras aleatórias de 300 tweets cada, em diferentes períodos da trama: (1) estreia da novela, hashtag #AvenidaBrasil; (2) centésimo capítulo, hashtags #AvenidaBrasil e #Oioioi100; (3) último capítulo, hashtags #AvenidaBrasil e #Oioioi179. Tendo em vista os resultados de implementação dessa estratégia, avalio que, por um lado, foi positivo e metodologicamente viável trabalhar o campo da circulação a partir dos discursos disponibilizados no universo online. Acredito que este desenho metodológico (tanto em termos de exposição, quanto de análise) abarque a envergadura

23 22 sociológica e midiática que me interessa elucidar, sobre a qual reitero um ponto: ainda que as instâncias da produção e da circulação possam ser decupadas e, metodologicamente, separadas, esse processo deve ser visto a partir de uma angulação, de fato, interacional, no sentido do reconhecimento da intensidade dialógica que transforma a telenovela em uma dinâmica entre espaços e entre sujeitos. Nesse contexto, o Twitter e as dinâmicas interativas aqui analisadas funcionam como links que nos enviam a um mundo dinâmico e complexo, sendo, o próprio microblog, uma espécie de micromensagem acerca da multiplicidade das experiências contemporâneas. Apenas uma dentre muitas pistas a se seguir.

24 23 #OIOIOI3 [TELE]TOPIAS 3.1 Alguns Norteadores Tendo apresentado as principais questões mobilizadas por esta pesquisa, exponho, no presente capítulo, algumas explorações possíveis em torno do conceito de teletopia, particularmente no que se refere a uma abordagem sobre as matrizes espaciais articuladas em torno da teledramaturgia brasileira. Conforme aprofundado na sequência, esse percurso é derivado das proposições de Michel Foucault acerca dos espaços heterotópicos, reflexão a partir da qual busco problematizar o contexto da experiência teleficcional brasileira em suas diferentes alçadas. Instigado pelas perspectivas do geógrafo Milton Santos, tramo uma noção dinâmica de espaço, pautado pela heterogeneidade das matrizes que conformam as experiências dessa natureza. Nessa direção, ressalto que, por um viés epistemológico, o reconhecimento da interrelação entre ficção e espaço sugere uma revisão sobre o estatuto dos gêneros discursivos, movimento capitaneado por Mikhail Bakhtin. Segundo tal orientação, os gêneros passam a ser entendidos não somente como domínios narrativoestilísticos, mas, sobretudo, como mediações de natureza sociológica, conforme proposto por Jésus Martín-Barbero. Já no campo da Comunicação, esse reposicionamento sinaliza uma concepção interacional sobre os fenômenos midiáticos, implicando, no contexto da teleficção, em modos de interrelacionar os folhetins aos componentes da experiência cotidiana, ou ainda, em formas de significar o espaço a partir dos seus mais variados fluxos de circulação narrativa. Em vista desse arranjo mútuo-reativo, reflito acerca da experiência espaçoficcional segundo diferentes orientações, que, amalgamadas, apontam para a complexidade característica aos espaços contemporâneos, sejam eles sociais, midiáticos ou teletópicos. Diante de tal projeção, a partir da segunda metade do capítulo, traço sumários percursos que interpelam as matrizes espaciais a partir do âmbito geral da experiência, inclusive no que se refere aos processos diretamente mobilizados pela teleficção

25 24 brasileira. Mediante tal retomada, sublinho algumas características que atravessam os hodiernos modos de produção social do espaço, entre as quais destaco uma espécie de efervescência espacial alimentada por novos arranjos sociotécnicos. No caso das teletopias, dimensiono esse processo em vista da pluralização dos fluxos interativos e discursivos ensejados pelas novelas, tendo em vista, notadamente, as condições cada vez mais complexas de produção e circulação dessas narrativas, assim como a intensificação das atividades recepcionais em plataformas online. 3.2 O que Entendo por Teletopias Cada telenovela aborda em suas narrativas um conjunto de espaços ou espacialidades 9. Na maior parte das vezes, esses espaços possuem referentes no mundo real, tornando-se facilmente reconhecíveis a partir de nossas experiências diárias seja por aí vivermos, por já termos estado neles ou por sua veiculação através de outras formas de representação, midiáticas ou não. É o caso da orla carioca, dos arranha-céus de São Paulo, das praias do Nordeste, dos pampas gaúchos, entre outros. Também é comum, sobretudo nos primeiros capítulos de um folhetim, a narrativização sobre espaços estrangeiros, quase sempre cartões-postais mundiais, como as cidades históricas da Europa, as regiões exuberantes do Oriente, as belezas naturais e museológicas da América Latina. Ademais, a teleficção costuma retratar lugares imaginados, espaços concebidos a partir da colagem de múltiplas referências que compõem ambiências francamente ficcionalizadas. As espacialidades narrativas das telenovelas implicam ainda em modos de olhar e experimentar os espaços reais, uma vez que os fluxos significantes da ficção não se restringem à textualidade dos folhetins; ao contrário, integram um raio mais amplo de ação sobre o qual se fundamentam práticas sociais e subjetivas. Nessa medida, cada espaço televisionado conota, em nível social e moral, uma série de valores, tensões e conflitos responsáveis por desencadear diferentes formas de receptividade e apropriação ficcional. Logo, a heterogeneidade da audiência desencadeia modos variados de perceber 9 Não opero uma distinção necessária entre os conceitos de espaço e espacialidade, tendo em vista a complexidade filosófica que envolve precisar as fronteiras entre tais dimensões. Por outro lado, pontuo, na esteira do pensamento de Milton Santos (1997, p.73), que o espaço é o resultado da soma e da síntese, sempre refeita, da paisagem com a sociedade, através da espacialidade. Nesse sentido, o geógrafo pontua que o espaço apresenta características estruturais e históricas, enquanto a espacialidade revela traços funcionais ligados à experiência individual e/ou coletiva.

26 25 e interagir com tais espaços narrativos, tendo em vista, entre outros fatores de semantização, os contextos de mediação relativos a cada telespectador. E ainda: no atual contexto de sociedades midiatizadas, o uso das redes digitais para circulação de conteúdos vem ampliando e remodelando fluxos interativos a partir da teledramaturgia, particularmente em função de novas manifestações de sociabilidade e da promoção de outros regimes interativos. Em decorrência desse processo, a circulação ficcional sobre domínios online produz espaços inéditos de aproximação e/ou dissociação entre diferentes agentes midiáticos, agora, capazes de promover intensa produção recepcional, amplamente comunicante e disseminada por múltiplas plataformas. Considerando esses novos arranjos espaciais definidos pelo cruzamento das imagens televisivas aos espaços concretos e virtuais da experiência cotidiana, proponho sondar, teórico e empiricamente, o teletópos da novela Avenida Brasil. Conforme exposto na introdução, as teletopias são urdiduras espaciais, formas de significar e experimentar o espaço que parte tanto do âmbito das novelas, quanto das práticas recepcionais que, no campo da circulação e das multimediações sociais, operacionalizam tais narrativas. Trata-se, assim, de pensar como a atual ecologia midiática no caso deste estudo, a partir das mídias televisiva e digital imprime outra densidade à experimentação dos espaços da contemporaneidade, sobretudo diante da vertiginosa centralidade das lógicas midiatizadas quanto à produção de sentidos sobre a experiência em sociedade (segundo apontado por teóricos da midiatização, entre eles: SODRÉ, 2002; BRAGA, 2006; FAUSTO NETO, 2008). O esforço de mobilizar perspectivas teórico-conceituais em torno das teletopias deriva da aplicabilidade da abordagem espacial ao estudo de caso da telenovela brasileira particularmente, no sentido de nortear a elaboração de uma cartografia atenta às fronteiras hibridizadas 10 (LOPES; MUNGIOLI, 2013) que complexificam as agendas metodológicas das pesquisas em Comunicação. Busco, assim, uma sintonia em relação a uma agenda holística que abarque tanto a peculiaridade de experiências inovadoras (como aquelas verificadas sobre o campo digital), quanto práticas socioculturais tradicionais, e, 10 O termo híbrido remete à proposição teórico-conceitual de Néstor García Canclini (1997). Segundo o sociólogo, o processo de modernização na América Latina não gerou sociedades modernas, mas sim, sociedades modernizadas que carregam uma marca de heterogeneidade na constituição de suas identidades culturais, expressa desde a desigualdade social até a diversidade de etnias, imaginários e vivências, individuais ou coletivas. O autor articula esses hibridismos a partir da interrelação entre culturas populares e as mediações tecnomassivas, em vista da complexidade do consumo simbólico e da multitemporalidade característica a essas experiências.

27 26 ainda, a forma como tais dimensões imbricam-se, mutuamente, em torno de processos sociais, comunicativos e ficcionais. Nesse sentido, a categoria do espaço mostrou-se, em sua natureza filosófica, uma forma de entrever a experiência em sociedade segundo essa amálgama temporal: um recurso para abordar passado, presente e futuro a partir de uma lógica sincrônica, desprovida de falsas contradições (SANTOS, 1986). Assim sendo, o liame que conecta as atuais práticas teleficcionais das mais emergentes, como a transmidiação espontânea empreendida por uma comunidade de fãs, às mais residuais, como a repetição dos clichês melodramáticos torna-se sintomático dessa multitemporalidade que, dos textos televisivos às textualidades cotidianas, conforma o arranjo híbrido de nossas experimentações teletópicas. Em sintonia com essa reflexão, o sociólogo André Jansson (2013) ressalta que pensar a midiatização enquanto um conceito socioespacial implica no reconhecimento de que as dinâmicas emergentes imbricam-se a um campo de pré-condições (sociais, espaciais, comunicativas), processo este que fomenta distintas configurações e texturas midiáticas. Nessa direção, o teórico adverte que (...) a apropriação dos novos meios de comunicação (que também operam como meios de espacialização) podem, de fato, alterar os padrões da vida social, como uma força de moldagem (Heep, 2009), mas a forma dessas alterações depende de arranjos socioespaciais pré-existentes, que são, por sua vez, saturados por valores arraigados ou metafísicos, relacionados aos espaços/lugares, à mobilidade e à comunicação. (JANSSON, 2013, p.280). 11 Tendo em vista essa dialética entre temporalidades, conforma-se, em torno das teletopias brasileiras, um instigante conjunto de processos comunicacionais, tanto do ponto de vista da produção quanto da circulação narrativa. A criação dos folhetins, por exemplo, segue o ritmo e as regras do mercado, sendo que, no Brasil, a baixa concorrência entre os canais abertos conforma um cenário marcado pela concentração empresarial e por intensos investimentos sobre o setor; em outra medida, o irrompimento de contextos recepcionais cada vez mais complexos e diversificados traz à tona outras tonificações aos 11 Livre tradução. Trecho original: (...) the appropriation of new means of communication (also operating as means of spatialization) may indeed alter the patterns of social life, as a molding force (Heep, 2009), but the shape of this alterations are dependent on pre-existing sociospactial arrangements, which are, in turn saturated with deep-seated values, or metaphysics, related to space/place, mobility and communication (cf. Cresswell, 2006). Acrescento as referências citadas pelo autor no fragmento: HEPP, Andreas. Differentiation: Mediatization and cultural change. In: LANG, Peter. Mediatization: Concept, changes, consequences. New York: K. Lundby (Ed.), CRESSWELL, Tim. On the move: Mobility in the modern Western world. London: Routledge, 2006.

28 27 hibridismos culturais da atualidade, definindo, assim, novos arranjos espaço-temporais entre tradições e modernidades, processos de individualização e formas de sociabilidade. De modo correlato, as audiências vêm desenvolvendo, de modo aleatório, porém cada vez mais dinâmico e efetivo, seus mecanismos de interação midiática, descortinando processos que complexificam as possibilidades de trânsito entre espaços socioficcionais. Nesse sentido, percebe-se o acionamento de dispositivos, que, a partir da instauração de novos espaços discursivos (notadamente, os digitais), intensificam, através de múltiplas telas, o campo simbólico das disputas e dos vínculos entre os atores sociais. Pelo exposto, ressalvo que o enfoque analítico-reflexivo sobre as teletopias afinase à perspectiva interacional da Comunicação, abordagem a partir da qual busco aproximar as dinâmicas de produção e recepção midiática, sem, contudo, perder de vista o tensionamento necessário entre as diferentes competências e estratégias que conformam a especificidade de cada forma de agência. Essa perspectiva, por sua vez, filia-se ao paradigma relacional dos fenômenos comunicativos, entendido por Vera França (2012, p.39) como uma dinâmica de globalidade, caracterizada por sua natureza práticosimbólica 12. Dessa forma, as teletopias voltam-se à uma dialética que conjuga diferentes matrizes culturais, discursivas e tecnológicas em torno de um mesmo produto midiático dinâmica através da qual os espaços reais da audiência enredam-se às espacialidades concebidas por diversas mídias a partir de um conjunto extenso de atividades interativas A Origem do Conceito O termo teletopia foi cunhado a partir da reflexão de Michel Foucault sobre as heterotopias 13 conceito proposto pelo filósofo em vista dos diferentes modos de 12 Ainda nas palavras da autora: A comunicação é da ordem das relações: compreende um processo interativo entre sujeitos (individuais ou coletivos) marcado pela flexibilidade e pela mútua afetação. Este pressuposto afasta definitivamente o modelo linear emissor mensagem receptor e a crença em cadeias fechadas de determinação (emissores com poder de manipulação; mensagens que provocam efeitos definidos; receptores autônomos que reagem a partir de posicionamentos individuais ou de grupos, etc.). Inversamente ele indica a presença atuante de vários elementos sujeitos emissores e receptores, produto, meio, situação e sua interpendência, estabelecendo uma dinâmica circular e um sentido de totalidade. (FRANÇA, 2012, p.39-40). 13 Utilizo-me como fonte bibliográfica a conferência radiofônica proferida por Michel Foucault em 1966, intitulada Utopias e Heterotopias. Como tal pronunciamento não foi traduzido para o português, recorro à versão em espanhol disponibilizada online pela Revista Fractal ( O filósofo também discorre sobre as heterotopias no texto Outros espaços, publicado no Brasil no terceiro volume da série Ditos e Escritos (Editora Forense Jurídica, 2001).

29 28 organização e experimentação do espaço social (no caso, articulados a partir de uma breve historiografia do Ocidente, organizada sobre as variações entre as matrizes espaciais mais próprias à cada época). Para o filósofo francês, as heterotopias constituem-se como espaços diferentes, lugares outros nos quais os sujeitos não se encontram, mas que os referenciam em suas respectivas situcionalidades. Tratam-se, assim, de contraespaços: (...) lugares que se opõem a todos os demais e que de alguma maneira estão destinados a apagá-los, compensá-los, neutralizá-los ou purificá-los 14 (FOUCAULT, 2008, s/p). Em vista desse entendimento, o teórico propõe uma reflexão centrada na heterotopologia, (...) ciência cujo objeto seriam esses espaços diferentes, esses outros lugares, essas impugnações míticas e reais do espaço em que vivemos 15. (FOUCAULT, 2008, s/p). Seguindo rastros dessa formulação teórico-conceitual, entendo as teletopias como espacialidades marcadas por relações de telealteridade, isto é, certas formas de referência psicossociais operadas a partir de dinâmicas de ficção. Proponho, assim, que as texturas teletópicas desenvolvem-se a partir dos exercícios imaginativos que compõem a virtualidade dessas experiências (as heterotopias da imagem, das múltiplas telas e da dramaturgia ficcional), assim como dos mecanismos que realizam tais universos em meio às matrizes estruturantes de uma realidade socialmente compartilhada. Desse processo de mútua-afetação no qual espaços reais geram espacialidades ficcionais, e estas, por sua vez, redimensionam as experiências cotidianas resultam as heterotopias que almejo destacar, mais precisamente, as espacialidades sociais e subjetivas que atravessam as teletopias de Avenida Brasil. Trabalho, portanto, com a perspectiva de que a teleficção atua sobre a configuração dos espaços concretos, sendo próprio a cada sociedade o desenvolvimento de seus processos de fabulação sobre o contexto social, cultural e psíquico experimentado por seus integrantes. Nessa direção, as teletopias compõem espaços de interação sobre os quais se projetam formas de existência, que, mesmo não sendo necessariamente factíveis, acabam por referenciar os sujeitos na consecução de seus atos e na constituição de suas mundividências. Essa relação explica como o consumo de bens simbólicos pode estruturar modos de ver e interagir com a vida social, desde sua dimensão mítica, 14 Livre tradução: Entre todos esos lugares que se distinguen los unos de los otros, hay aquellos que son absolutamente diferentes; lugares que se oponen a todos los demás y que de alguna manera están destinados a borrarlos, compensarlos, neutralizarlos o purificarlos. 15 Livre tradução: Pues bien, yo sueño con una ciencia y sí, digo una ciencia cuyo objeto serían esos espacios diferentes, eses otros lugares, esas impugnaciones míticas y reales del espacio en que vivimos.

30 29 espiritual ou cosmológica, até práticas mais triviais, como o entretenimento e a distração. Afinal, as faculdades criativas da linguagem permitem que os homens criem seus mecanismos de transbordamento existencial, suas formas de ir além das arbitrariedades da natureza, garantindo-lhes fugaz e imprescindível residência sobre os mundos suspensos da ficção; o que, por ventura, acaba por apagar, compensar, neutralizar e purificar os dias feitos de real. Essa suspensão frente aos fluxos de cotidianidade é sugestiva daquilo que Foucault chama de heterocronia formas de suspender ou cortar o tempo que acompanham à experiência heterotópica. Nessa medida, enquanto exercício de imagem e fabulação, as narrativas dessa ordem operam uma inevitável dissociação entre o tempo cronológico da experiência diária e a temporalidade suspensa da ficção. Desse modo, parece-me plausível conceber a fruição teledramatúrgica, em sua eventualidade, como uma faísca de heterocronia; algo que, mesmo assentado sobre o campo das práticas cotidianas, abarca uma temporalidade especial, suscetível a oferecer o que Foucault define como formas de impugnação ao real e fonte de imaginário. Este é o ponto no qual, indubitavelmente, nos aproximamos do mais essencial das heterotopias. Estas são uma impugnação de todos os demais espaços, que podem exercer de duas maneiras: (...) criando uma ilusão que denuncia o resto da realidade como se fosse ilusão, ou então, ao contrário, criando outro espaço real tão perfeito, meticuloso e arranjado como o nosso está desordenado, mal disposto e confuso. (FOUCAULT, 2008, s/p). 16 Nesse contexto, as teletopias erigem-se como lugares nos quais realidade e ilusão se tensionam, na medida mesma em que se complementam. Frente à desencantada rotina dos espaços cotidianos avenidas feitas de asfalto, engarrafamento e violência, a ficção televisiva ainda desempenha o papel heterotópico de territorializar parte de sua audiência em espaços outros, no caso, lugares imaginativos atravessados por diferentes temporalidades e formas de conceber o mundo. Mediante aos processos de mercantilização das relações sociais, esses espaços de representação tornam-se cada vez mais estratégicos no sentido de restabelecerem, pelas vias sensíveis da imaginação, o elo com as razões de encantamento da vida. No caso da telenovela brasileira, no qual as imagísticas e as narrativas televisivas respondem por parte significativa do consumo 16 Livre tradução: Es en este punto en donde indudablemente nos acercamos a lo más esencial de las heterotopías. Éstas son una impugnación de todos los demás espacios, que pueden ejercer de dos maneras: (...) creando una ilusión que denuncia al resto de la realidad como si fuera ilusión, o bien, por el contrario, creando otro espacio real tan perfecto, meticuloso y arreglado cuanto el nuestro está desordenado, mal dispuesto y confuso.

31 30 ficcional de milhões de telespectadores, essa dimensão revela-se marcante, tendo em vista que sobre tais teletopias transitam fluxos de significação perpassados por construções simbólicas que alcançam o imaginário de todo um país. Ainda no que se refere à relação de impugnação ao real e fonte de imaginário, pergunto: não seria o último capítulo de um folhetim, com sua moral de justiça e correção social, a manifestação dessas heterotopias assentadas sobre certa dose de ilusão? Mesmo que, de alguma forma, o ethos de cristandade da teledramaturgia venha sofrendo deslocamentos inserindo-se, cada vez mais, em outra economia simbólica (menos óbvia e nem tão politicamente correta), o último capítulo segue exercendo uma garantia utópica de controle e regência sobre os processos pouco orquestráveis do cotidiano. Afinal, ao menos na novela, a imagem que se congela sob a chancela do ponto final permite uma ilusão de completude que escapa à experiência ordinária, mas que, fortuitamente, a ficção simula com a competência que lhe é própria. Ainda nesse âmbito de reflexão, resgato a inspirada comparação de Foucault entre a atividade novelesca (uma referência à origem literária do gênero novela ) e as práticas de jardinagem exemplo elencado pelo filósofo, ao lado dos tapetes orientais, como heterotopias nas quais o mundo inteiro é convocado a cumprir sua perfeição simbólica 17. Tendo em vista que, nesses espaços, busca-se justapor elementos que garantam, simetricamente, a representação de todas as belezas existentes, Foucault desenvolve que (...) o jardim, desde a mais remota Antiguidade, é um lugar de utopia. Quiçá tenhamos a impressão de que as novelas se situam facilmente em jardins; é que, de fato, as novelas nasceram da mesma instituição dos jardins: a atividade novelesca é uma atividade de jardinagem. (FOUCAULT, 2008, s/p) Livre tradução: Pero quizás el más antiguo ejemplo de heterotopia sea el jardín: el jardín, creación milenaria que ciertamente tenía una significación mágica en Oriente. El tradicional jardín persa es un rectángulo dividido en cuatro partes, las cuatro partes representan las regiones del mundo, los cuatro elementos de los cuáles éste se compone; y en el centro, en el punto en el que se unen esos cuatro rectángulos, había un espacio sagrado, una fuente, un templo; y alrededor de ese centro, toda la vegetación de mundo debía hallarse reunida. Ahora bien, si pensamos que los tapetes orientales están en el origen de las reproducciones del jardín ( ), comprendemos el valor legendario de los tapetes voladores, de esos tapetes que recorrían el mundo. El jardín es un tapete en el que o mundo entero es convocado para cumplir su perfección simbólica, y el tapete es un jardín que se mueve a través del espacio. 18 Livre tradução: El jardín, desde la más remota Antigüedad es un lugar de utopía. Quizás tenemos la impresión de que las novelas se sitúan fácilmente en jardines; y es que, de hecho, las novelas nascieron sin duda de la institución misma de los jardines: la actividad novelesca es una actividad de jardinería.

32 31 No meu entender, Foucault sinaliza através dessa passagem que as heterotopias podem operar a contraditória missão de espacializar esses sítios que não pertencem a nenhum lugar, mas que são concebidos pelos homens ( ) no interstício de suas palavras, na espessura de seus relatos, ou melhor, no lugar sem lugar dos sonhos, na vacância de seus corações (FOUCAULT, 2008, s/p) 19. A novela como atividade de jardinagem (aproximada às telenovelas pela mútua filiação ficcional, e não pela coincidência homônima) aponta para o efeito de cultivo sobre o campo simbólico dos espaços de representação, lugar de imaginários onde se fabricam outras cartografias do real. Nesse contexto, ressalto que, apesar da dimensão industrial e lucrativa da telenovela, sua função social remete aos espaços onde as ilusões e as impugnações ainda vivem, sobretudo quando tomamos como referência um folhetim de sucesso no qual milhões de telespectadores acomodam-se sobre os tapetes volantes da ficção. 3.3 O Espaço no (Con)Texto das Teletopias No estudo das narrativas ficcionais, sejam elas televisivas ou não, o espaço é correntemente abordado como traço composicional de um exercício de montagem de mundos ways of worldmaking (GOODMAN apud ISER, 1996). Nesse âmbito, toma-se como premissa que os espaços narrativos não se reduzem a uma condição neutra diante de eventos supostamente testemunhados por ambiências aleatórias. Ao contrário, as escolhas dessa natureza implicam em formas específicas de narrar, em estratégias voltadas à construção de personagens e conflitos, em singularidades linguísticas e poéticas, enfim, em um modo basilar de proposição do jogo comunicativo de uma obra ficcional. Nessa medida, o espaço assume diferentes graus de entrelaçamento aos aspectos dramatúrgicos de uma narrativa, podendo desempenhar funções como: gerenciar informações sobre uma obra, na medida em que as estruturas físicas e psicológicas de 19 Livre tradução: Hay pues países sin lugar alguno e historias sin cronología. Ciudades, planetas, continentes, universos cuya traza es imposible de ubicar en un mapa o de identificar en cielo alguno, simplemente porque no pertenecen a ningún espacio. No cabe duda de que esas ciudades, esos continentes, esos planetas fueron concebidos en la cabeza de los hombres, o a decir verdad en el intersticio de sus palabras, en la espesura de sus relatos, o bien en el lugar sin lugar de sus sueños, en el vacío de su corazón; me refiero, en suma a la dulzura de las utopías.

33 32 seus personagens imbricam-se a um espaço de enunciação e vice-versa (tal como realizado pela corrente realista-naturalista na Literatura Brasileira, cujas heranças encontram-se, ainda hoje, presentes na estética da teledramaturgia 20 ); marcar lugares de consciência subjetiva e/ou social, assim como distribuir, espacialmente, relações de poder e conflitos de classe (dimensão marcante em Avenida Brasil, como sugerido pelo próprio nome da trama, um espaço de passagem que conecta Zona Sul e Zona Norte, centro e periferia, elite e classes populares); evidenciar certa camada semiológica (FOUCAULT, 2001) de um enredo a partir das simbologias espaciais (em Avenida, o lixão idílico de Mãe Lucinda desempenhou esse papel metaforizante: situado em um plano de densa simbolização, desprovido de um interesse mimético frente às dinâmicas reais do espaço referenciado, tal ambiência apresentou uma suspensão espaço-temporal em relação à própria ficção). Nessa medida, vale destacar a importância de se pensar o espaço como possível centro organizador de uma narrativa, sobretudo em função de operações autorais atravessadas pela seleção 21 e pela combinação 22 de elementos que, no mundo concreto, encontram-se dispostos de maneira bastante distinta. Nesse sentido, Iser coloca que esses procedimentos evidenciam uma intencionalidade que faz com que determinados sistemas de sentido da vida real se convertam em campos de referência do texto e estes, por sua vez, se transmutem no contexto de interpretações recíprocas (ISER, 1997, p.118). Essa intencionalidade, pensada sobre o ponto de vista da seleção e da combinação de espaços, revela que a ambiência narrativa de uma ficção pode extrapolar um traço representativo (o que demandaria apenas uma caracterização cenográfica mais ou menos 20 A meu ver, o jogo realista-naturalista da teleficção possui uma dimensão mais estética composição imagística e narrativa que simula uma situação como real do que ética no sentido da representação calcada em um compromisso de registro frente às experiências concretas do cotidiano. De qualquer forma, a ideia positivo-determinista do meio como ambiência formatadora da psique dos personagens ainda é estruturante das narrativas teledramatúrgicas, responsável, em certa medida, por algumas das estereotipações que permeiam os enredos dessa natureza. 21 Como produto de um autor, cada texto literário é uma forma determinada de acesso ao mundo (Weltzuwendung). Como esta forma não está dada de antemão pelo mundo a que o autor se refere, para que se imponha é preciso que seja nele inserido. Inserir não significa imitar as estruturas existentes de organização, mas sim decompô-las. Daí resulta a seleção, necessária a cada texto ficcional, dos sistemas contextuais preexistentes, sejam eles de natureza sócio-cultural (sic) ou mesmo literária. (ISER, 1997, p.16, grifos do autor). 22 Como ato de fingir, a seleção encontra sua correspondência intratextual na combinação dos elementos textuais, que abrange tanto a combinalidade do significado verbal, o mundo introduzido no texto, quanto os esquemas responsáveis pela organização dos personagens e suas ações. A combinação é um ato de fingir porque também ela possui a caracterização básica: ser transgressão de limites. (ISER, 1997, p.18-19, grifos do autor).

34 33 cuidadosa), relacionando-se, ainda, a um campo de atuação que modaliza a experiência fictícia e é por ela modulado. Nessa medida, destaco que a intencionalidade matriciadora da construção de espaços narrativos pode ser entendida como uma pré-mediação que conecta a lógica da montagem textual aos fluxos cotidianos, uma vez que, ainda segundo Iser (1997; 2011), o fictício é um objeto transicional que opera entre a dimensão real e a dimensão imaginária da experiência. Essa mediação relaciona-se a um exercício criativo e composicional que regula certos modos de operacionalização fictícia, tendo sido abordada, no contexto mais amplo da produção midiática, nos estudos de pesquisadores como Martín Serrano e Guillermo Orozco 23. Nesse contexto, coloco que, no decorrer da história da telenovela brasileira, a mediação operada pelo fictício revelou uma intencionalidade marcada pela conjugação entre diretrizes autorais (sobretudo de novelistas 24 ) e práticas consolidadas pelo gênero teledramatúrgico no país. No primeiro caso, podemos citar diversos exemplos de marcas autorais que construíram nossos modos de teleficcionalização, como o extraordinário esforço de modernização narrativa, empreendido por Janete Clair a partir do final da década de 60, o realismo fantástico de seu marido, Dias Gomes, ou ainda, mais contemporaneamente, a marca bossanovista de Manoel Carlos, o orientalismo de Glória Perez e as tramas policialescas de Gilberto Braga (entre outros). Por outro lado, a autoria na telenovela brasileira encontra-se fortemente vinculada ao ethos de teleficcionalização 23 Na obra La Mediación Social (2008, [1978]), o teórico espanhol Martin Serrano um dos pioneiros na abordagem do conceito de mediação no campo comunicacional propõe um modelo de análise dos meios de comunicação de massa a partir da interferência cognitiva dos produtores midiáticos nos processos criativos. Serrano aponta três tipos de mediações relacionadas à elaboração dos produtos e discursos midiáticos. São elas: (1) mediação institucional, aquela que seleciona o que ganhará visibilidade e veiculação; (2) mediação cognitiva, relacionada à construção de relatos que apresentam representações e noções de mundo; (3) mediação estrutural, relativa às condições de produção disponibilizadas pelos suportes midiáticos. Já o teórico Guillermo Orozco (apud JACKS; ESCOSTHEGUY, 2005) nomeia o processo de formatação das mensagens televisivas como pré-mediações, relacionando-as, por sua vez, à forma pela qual a TV produz significados sociais que operacionalizam a relação entre o mundo real e as representações veiculadas. Nesse segundo caso, a utilização do prefixo pré deve-se ao fato de que a teoria comunicacional acionada por Orozco situa as mediações no campo das práticas sociais, isto é, nos processos circulatórios que conformam o comunicativo a partir do jogo complexo da produção de sentidos entre os diversos participantes da cultura midiática. 24 Os traços de autoria dos escritores/novelistas não são os únicos que compõem a estética da teledramaturgia, já que tais obras encontram-se inseridas em uma engenharia criativa ampla e complexa da qual outros agentes produtivos fazem parte. Entretanto, Maria Carmen Jacob de Souza aponta que, no caso da telenovela brasileira, (...) a autoria ou a expectativa de controle sobre a passagem da estória/roteiro para imagens e sons tende a estar centrada no roteirista-autor que trabalha com diretores que exercem a função de produtores, os diretores de núcleo e os diretores gerais. (SOUZA, 2013, p.12). Porém, a autora ressalva que (...) o grau de autonomia de roteiristas-autores de telenovelas depende do modelo da gestão empregado nas empresas em que atuam (p.14).

35 34 operante no Brasil, isto é, às práticas narrativas e socioculturais ancoradas na memória e no cotidiano da televisão brasileira, tanto em seus aspectos produtivos, quanto recepcionais. Essa modulação, proveniente das práticas mais ou menos estáveis do gênero, é responsável pela dinamização da teledramaturgia e, a partir de sua atuação, a criatividade autoral passa a ser constituída, quando não constrangida, por uma série de intencionalidades sociais como, por exemplo, as lógicas mercantis das empresas, os valores e as moralidades do público, a amplitude (sobretudo etária e geracional) da audiência e a exequibilidade das filmagens. Nessa direção, saliento que a memória espacial do gênero exerce forte influência sobre a criatividade produtiva quanto à montagem dos mundos teleficcionais. Apesar das exceções que consolidam a regra, a espacialização dessas narrativas foi repetidamente articulada em torno do contraste entre certos espaços, no caso, tomados a partir de diferenças entre paisagens geográficas e práticas culturais (como, por exemplo: o rural e o urbano, o interior e a cidade, o bairro dos ricos e o aglomerado dos pobres). Na montagem dos mundos contemporâneos, as tramas dificilmente escapam ao circuito Rio São Paulo, e, quando o fazem, migram para as representações postais que, quase sempre, reduzem as expressões regionalistas à caricatura de um país bonito por natureza. E ainda, a questão da diferença de classe força motriz para as narrativas melodramáticas, independente do espaço montado, introduziu, no cerne das narrativas teleficcionais, a moral espacial da casa grande e da senzala, sendo que, das matrizes oriundas dessas espacialidades, desponta a energia criativa que orienta de forma distinta parte das relações de drama e comicidade dos folhetins. Exponho, assim, que o gênero teleficcional pensado a partir de sua dimensão imaterial, porém, socioculturalmente reverberante 25 atua não só como mediação incidente sobre o vir a ser dos folhetins, em termos de espacialidade ou de qualquer outro componente narrativo, mas, ele próprio constitui-se como um espaço multimediado por distintos vetores sociais sistematizados e apresentados na sequência por Martín-Barbero (2004, 2006a) como um cruzamento entre matrizes culturais, formatos industriais, lógicas produtivas e competências recepcionais. 25 Sobre essa condição imaterial, François Jost (2007) escreveu que o gênero é uma promessa (ontológica e pragmática) de um mundo organizado em função da coerência do conjunto. Este mundo, por sua vez, é remissivo a outros mundos (arquigêneros). Em suas palavras: Em vez de partir da imagem, que não é senão a superfície visível do mundo (o fenômeno), parece-me preferível partir do gênero, que é seu fundamento inteligível. (...) Todo gênero repousa sobre a promessa de uma relação com o mundo, cujo modo ou nível de existência condiciona a adesão ou a participação do receptor. (JOST, 2007, p.91, grifos meus).

36 35 Diante dessa condição mediativa do gênero, faz-se importante sublinhar a multiplicidade dos lugares ocupados pela ficção televisiva em contextos diversos de recepção. Entendo o conceito de lugar em consonância à proposição de Fábio Duarte e Rodrigo Firmino (2010): tipo de espacialidade definida por sua dimensão simbólica, caracterizada pelo afeto e pela escolha, em contrapartida à esfera instituída do território, este constituído por suas marcações de poder, conduta e constrangimento. Para os autores, evidencia-se, na primeira ocorrência, um caráter afetivo pelo qual valores culturais são projetados sobre uma determinada porção do espaço. Segundo eles: um lugar é o reino da simplicidade, onde algumas pessoas ou grupos se sentem culturalmente ligados a uma parte geográfica do espaço. (DUARTE; FIRMINO, 2010, p.34). No caso das teletopias, essa multiplicidade de lugares deve-se a especificidade do papel sociocultural desempenhado pela telenovela no Brasil e na América Latina sintomático daquilo que Martín-Barbero (2006a, p.306) definiu como a expressividade social e a materialidade cultural desempenhada pela televisão. Em tal contexto, os sentidos ficcionais enredam-se, intimamente, à produção de sentidos subjetivos e socialmente compartilhados, levando o teórico a apontar que o gênero melodramático, mais do que um operador narrativo, é uma unidade de análise sociológica, sendo que a diversidade de usos e apropriações da teledramaturgia geram variantes recepcionais correlatas à heterogeneidade de seus espaços de consumo e circulação. Na América-latina, onde a tardomodernidade importou modelos de desenvolvimento de culturas mundializadas, sem, contudo, renunciar à cimentação social das solidariedades tradicionais, e ainda, sem superar as heranças coloniais da pobreza e da desigualdade, a diversidade dos lugares teledramatúrgicos manifesta-se através de dialéticas que arranjam, de formas mais ou menos anacrônicas, hibridismos e diferenças; mediações simultâneas entre a mitologia do campo e a racionalidade da cidade, entre o lugar sagrado da casa e o espaço profano da rua; mediações que situam a TV como palco de representações sociais e esfera de visibilidade às minorias; e ainda, que conectam emoções genuínas da audiência à estética comercial dos mercados globalizados. Nessa medida, as teletopias configuram-se, a um só tempo, como espacialidades e formas de experimentação do espaço; intencionalidade autoral convertida em montagem de mundos ficcionais e, por conseguinte, materialidades reverberantes na projeção de mundos cotidianos; constructo mediado tanto pelo percurso histórico-diacrônico das práticas do gênero, quanto pelas formas contemporâneas de produzir imagens e discursos sobre experiência do presente.

37 O Gênero como Fundamento da Experiência Teletópica Além dos Espaços Diegéticos: Contribuições de Mikhail Bakhtin Em sua origem literária, os gêneros foram interpretados como propriedades textuais. Nesse contexto, foram relacionados às características autorais e/ou escolásticas que, narrativo e estilisticamente, organizavam experiências de mundo. Este entendimento conferiu relevos artísticos ao conceito, uma vez que a estética composicional mais ou menos comum a uma série de textos seria supostamente capaz de evidenciar um horizonte de perspectivas subjetivas, políticas, sociais e filosóficas. Filiado a esta tradição, Tzvetan Todorov (apud BORELLI, 1996, p.172) afirma que os gêneros são a própria vida da Literatura; reconhecê-los inteiramente, ir até o fim do sentido próprio de cada um, mergulhar profundamente na sua consciência produz verdade e força. Sem refutar a pertinência desta ou de outras acepções artísticas do conceito, o gênero que venho sublinhando nesta reflexão escapa à composição intratextual das obras ficcionais, tendo em vista que, no caso teledramatúrgico, o complexo sígnico capaz de expressar estado de consciência reside, particularmente, nos modos de conversão que transformam as narrativas ficcionais em teletopias de um país. Em vista dessa multitude, a possível verdade, força e poética da teledramaturgia extrapola as intencionalidades matriciadoras dos textos televisivos, compondo-se, inextricavelmente, de um emaranhado perceptivo que interrelaciona diferentes agentes midiáticos durante os meses de produção/exibição de uma telenovela. Essa discussão sobre a natureza do gênero remonta às reflexões filosóficas tecidas em torno da linguagem, dentre as quais destaco o pensamento histórico-pragmatista de Mikhail Bakhtin (2003) como uma importante matriz de suspeição frente à centralidade das análises diegéticas sobre os gêneros do discurso sobretudo no que diz respeito às reservas deste autor em relação ao estruturalismo linguístico de Ferdinand Saussure. Enquanto este defendia perspectivas sistêmicas que subordinavam os atos de fala ao universo abstrato de suas possibilidades expressivas, Bakhtin busca situar a produção de discursos no campo histórico e prático das enunciações, apostando, assim, na eventicidade dos fenômenos como potencial de realização da língua. Nos estudos sobre os diversos gêneros discursivos, essa diferenciação implica na consideração de que os sentidos organizados por um texto não se restringem a uma materialidade enunciadora supostamente capaz de se aproximar, com maior ou menor

38 37 êxito, à essência saussuriana da linguagem; ao contrário, esses sentidos encontram-se profundamente ligados às dinâmicas anteriores e ulteriores de produção textual, notadamente, àquelas que conferem ancoragem espaço-temporal aos seus enunciados. Essa concepção alargada sobre os gêneros pode ser entendida como um esforço de Bakhtin em trabalhar a organicidade da produção discursiva, localizando-a no campo vivo da produção de linguagem, e não apenas nos limites intergenéricos do campo literário. Sendo todo enunciado (...) um elo na cadeia da comunicação discursiva (BAKHTIN, 2003, p.217), o teórico afirma que (...) toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo, é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso), toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna um falante. (BAKHTIN, 2003, p. 217). Assim, Bakhtin reconhece os atos de linguagem, a produção de discursos e, logo, a composição dos gêneros (sejam eles textuais ou não 26 ) como práticas imanentemente dialógicas, uma vez que nenhuma leitura é passiva, uma vez que o alocutário ouvinte, leitor, telespectador gera sempre respostas, isto é, engaja-se em diferentes níveis e planos de interpretação; assim como, em outra medida, todos os enunciados encontramse previamente ancorados em um campo de interações moduladas sócio-historicamente (de cunho pessoal, no nível da autoria, e cultural, do ponto de vista das práticas habitualizadas pelo gênero). Nessa medida, o dialogismo da linguagem constitui, reciprocamente, locutores e alocutários, tendo em vista que, nos atos comunicativos, aquele que fala é interceptado pela figura, real ou pressuposta, de um outro que constitui e funda o seu lugar de enunciação. Na teledramaturgia, a composição dialógica dos folhetins gera uma produção de discursos francamente inclinada às prerrogativas das alteridades. No caso, a composição indistinta e heterogênea da audiência (em níveis etários, geracionais, étnicos, classistas, culturais) multiplica os perfis possíveis de alocutários, o que torna as práticas dialógicas tão extensas quanto delicadas quanto mais atores sociais, mais complexo será o lugar de enunciação fundado a partir do outro. Além disso, as diferentes formas de 26 No sentido de evitar um equívoco ao qual o próprio Bakhtin se coloca em desencontro (a redução do gênero às características internas do texto, obliterando sua dimensão circulatória), o filósofo faz uma importante distinção conceitual. Trata-se da divisão entre gêneros primários entendidos como gêneros simples, manifestados em situação de comunicação discursiva imediata, a partir das ideologias não formalizadas ou do cotidiano e os gêneros secundários práticas complexas oriundas de formas diferenciadas de sociabilidade e nexos culturais organizados, portadores de ideologias formalizadas como a literatura e a ciência.

39 38 receptividade do público e a memória do palimpsesto ( outras teleficções) fundamentam parte dos princípios da produção industrial e social dos textos televisivos. E ainda: com a reconfiguração sociotécnica colocada em marcha pelo atual estágio da midiatização, sobretudo a partir da diversificação e da intensificação das formas de retorno midiático, a incorporação do discurso do outro sulca as enunciações teleficcionais de vozes oriundas do campo da recepção, além de gerar um espaço de conversação social no qual a interlocução entre membros da audiência suscita novas competências interativas no caso das interações online a partir da novela, competências mediadas pela lógica de um sistema que é, a um só tempo, recepção dos conteúdos televisivos e produção de outros discursos colocados em circulação. Eis por que a experiência discursiva individual de qualquer pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados individuais dos outros. Em certo sentido, essa experiência pode ser caracterizada como processo de assimilação mais ou menos criador das palavras do outro (...). Nossos discursos, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) são plenos de palavras dos outros, de um grau variado de alteridade ou assimilabilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância. (BAKHTIN, 2003, p.294-5, grifos do autor). Nessa medida, o caráter dialógico revela-se inerente à condição comunicante da linguagem, uma vez que, através dele, os sujeitos em situação interativa (interpessoal, social ou midiática) constroem uma série de pontes móveis que conectam o eu falante a outros alocutários. Assim, o dialogismo (factual ou possível, explícito ou latente) cava espaços que aproximam distintas consciências, uma vez que, através dos fluxos simbólicos da linguagem (seja na forma de fala, texto, vídeo, performance...), cria-se uma zona de interação interpessoal e/ou social atravessada por variadas manifestações de afetos, conflitos, interesses e engajamentos. Estas pontes móveis, entendidas como espaços modalizados por fluxos interacionais, evidenciam o que Foucault (2000, p.167) denomina como ser espacial da linguagem, uma vez que, segundo o filósofo, (...) de fato, o que se está descobrindo hoje, por muitos caminhos diferentes, além do mais quase todos empíricos, é que a linguagem é espaço. Tinha-se esquecido isso simplesmente porque a linguagem funciona no tempo, é a cadeia falada que funciona para dizer o tempo. Mas a função da linguagem não é o seu ser: se sua função é tempo, seu ser é espaço. Espaço porque cada elemento da linguagem só tem sentido em uma rede sincrônica. Espaço porque o valor semântico de cada palavra ou de cada expressão é definido por referência a um quadro, a um paradigma. Espaço porque a própria sucessão dos elementos, a ordem das palavras, as flexões, a concordância das palavras ao longo da cadeia falada obedecem, mais ou menos, às exigências simultâneas, arquitetônicas, por conseguinte, espaciais, da sintaxe. Espaço,

40 39 enfim, porque, de modo geral, só há signos significantes, com seu significado, por leis de substituição, de combinação de elementos, portanto, por uma série de operações definidas em conjunto, por conseguinte, em um espaço. (FOUCAULT, 2000, p.168). A espacialidade da linguagem refere-se, assim, a sua condição de fluxo significante, à energia criativa que parte de uma consciência e de uma intencionalidade para atingir outras, transmutando-se nesse processo. A condição de fluxo de ir e vir, ou de ir e circular transforma os processos de interação em matrizes espaciais que aproximam ou distanciam temporalidades distintas, sejam elas de natureza subjetiva, social ou histórica. Dessa maneira, o dialogismo configura-se como uma forma de espacialização a partir da linguagem, tendo em vista à consecução de pontes interativas que geram outros desenhos à arquitetura visível e invisível dos espaços, assim como, por extensão, à forma através da qual os experimentamos. No caso da teledramaturgia, a produção de espaços a partir da linguagem e das narrativas televisuais possui uma origem histórico-diacrônica, caracterizada tanto pelos fluxos de narrativização oriundos da matriz melodramática (com seu enfoque sobre as relações desenvolvidas a partir do âmbito da casa, da família e das vicissitudes de classe), quanto pelas funções sociais desempenhadas pelo consumo dos folhetins (de forma análoga, relacionadas ao espaço doméstico, à cotidianidade familiar e a outras formas de socialização). Além disso, a modulação dos espaços no contexto das teletopias tem se intensificado mediante à intensificação dos processos de midiatização social, em função de fatores como: a proliferação de múltiplas telas e a migração dos conteúdos televisivos para outras plataformas, sobretudo, digitais e móveis; as novas possibilidades de conceber e trabalhar os aspectos imagéticos dos textos televisivos, o que acarreta outros grafismos à experiência ficcional dos espaços narrados; o aumento da disponibilidade de ferramentas criativas que permitem aos receptores atuarem, mais incisivamente, como usuários/produtores de conteúdos midiáticos, gerando pontes interativas que descortinam espaços inéditos de interação. Esse processo de reconfiguração torna-se, a meu ver, uma dinâmica fundamental dos processos contemporâneos de experimentação teledramatúrgica, sobretudo no que diz respeito à reflexão sobre a verticalidade simbólica imputada pelas lógicas produtivas e por formatos narrativos. Conforme exposto com mais detalhes adiante a partir das contribuições de Jésus Martín-Barbero, o gênero opera múltiplas mediações, o que, por certo, implica na consideração de que os formatos engendrados pela indústria não sintetizam apenas uma forma específica de intencionalidade, mas, dialogicamente,

41 40 interagem com uma série de matrizes que o situam socioculturamente. Por outro lado, o reconhecimento dessa dialética dos produtos culturais não deve incorrer no risco de considerar seus processos interacionais a partir de uma perspectiva homeostática, obliterando, assim, o espaço de luta, tensão e assimetrias que também é constituinte das pontes da linguagem e, consequentemente, das espacialidades descortinadas pela teleficção. Nesse contexto, coloco que, se, por um lado, o espaço produzido pela linguagem é sempre dialógico na medida em que essa é a própria natureza da linguagem, por outro, a comunicação entre o eu falante e sua exterioridade ( outros alocutários) nem sempre gerará espaços polifônicos. Afinal, de acordo com Bakhtin (2003), a polifonia ocorre não somente pelo diálogo (que pode ser assimétrico, superficial ou desinteressado), mas pela condição de equipotência que aproxima e contrapõe diferentes vozes narrativas no nível de uma mesma enunciação. Neste caso, o outro torna-se um fundamento da experiência enunciativa (um grau profundo de assimilabilidade), uma força que configura relações entre isotopias e exotopias (lugares comuns e lugares de diferença), formando, assim, pontes de linguagem dotadas de consistência e complexidade. Essa discussão demonstra-se bastante fértil ao caso teledramatúrgico, no qual o expressivo dialogismo sociocultural de seus produtos parece obscurecer um índice nem tão considerável de polifonia. Nesse sentido, uma pergunta que, em grande parte, motiva esta pesquisa relaciona-se aos novos fluxos de circulação ficcional: estariam eles sendo capazes de gerar espaços ou criar brechas que intensifiquem a qualidade das vozes e dos discursos que giram em torno das telenovelas? Um Espaço de Multimediações: Contribuições de Jésus Martín-Barbero O reconhecimento da dimensão espacial do gênero, particularmente em seus domínios extratextuais, possibilitou um salto epistemológico quanto ao tratamento do conceito, capaz de entrevê-lo não apenas em seus estratos narrativos e diegéticos, mas também a partir de sua vocação sociológica no que se refere à construção de uma realidade compartilhada. Na esteira dessa prerrogativa e afinado às proposições de Bakhtin, Jésus Martín-Barbero a partir de um lugar de escritura latino-americano, reforça a importância das reflexões sobre o gênero transcenderem à semântica e a sintaxe

42 41 textual, uma vez que, segundo o teórico, suas dinâmicas situam-se, mais propriamente, sobre os jogos socioculturais que atravessam os modos de organização dessas narrativas. Nessa medida, Martín-Barbero refuta a redução taxonômica empreendida pelo estruturalismo, assim como abdica da noção de gênero como propriedade de um texto ; ao contrário, afirma que, no sentido que lhe interessa, um gênero não é algo que ocorra no texto, mas sim pelo texto, pois é menos uma questão de estrutura e combinatórias do que de competência. (MARTÍN-BARBERO, 2006a, p.313-4, grifos do autor). Nessa direção, Martín-Barbero empreende uma revisão epistemológica que transcende ao estatuto do gênero enquanto conceito, exprimindo, através da especificidade desse objeto teórico e empírico, um movimento mais amplo que abrange o próprio campo comunicacional. Os gêneros não podem ser estudados sem uma redefinição da própria concepção que se teve da comunicação. Pois seu funcionamento nos coloca diante do fato de que a competência textual narrativa, não se acha apenas presente, não é unicamente, condição de emissão, mas também da recepção. (MARTÍN-BARBERO, 2006a, p.304, grifos do autor). O reconhecimento da amplitude social do gênero afina-se, assim, à perspectiva interacional que, há algumas décadas, vêm se consolidando enquanto paradigma dos estudos em Comunicação Social. Afinal, tanto Bakhtin quanto Martín-Barbero articulam o conceito de gênero a partir das práticas de interação, isto é, com foco no terreno empírico das relações que se angulam sócio-historicamente e que se atualizam em meio a diversas esferas de ação discursiva. A redução dos fenômenos dessa natureza ao domínio do texto, ao contrário, possui equivalentes nas perspectivas comunicacionais mediacêntricas, na medida em que, em tal concepção, a engenharia produtiva dos media sobrepõe-se às sondagens recepcionais e suas atividades criativas de apropriação. Nesse contexto, o conceito de gênero assume a dimensão de uma categoria cultural estratégica a partir da qual Martín-Barbero experimenta, no nível empírico e metodológico, as premissas tracejadas por seu mapa noturno (no sentido de exploratório) sobre o campo das relações entre comunicação e cultura. Na busca pela compreensão da natureza comunicativa das relações culturais isto é, a processualidade que insere as práticas de comunicação em um universo pragmático de condicionantes ou estruturantes de distintas naturezas o teórico propõe um deslocamento analítico das articulações mediacêntricas em direção ao lugar estratégico das mediações. Endosso, portanto, que o lugar mediativo desempenhado pelo gênero não se refere apenas às competências de

43 42 interpretação e/ou apropriação do âmbito recepcional, perspectiva sugestiva de um racionalismo dualista (produção recepção) que pouco contempla a globalidade do processo comunicativo (GOMES, 2011). Dessa forma, as mediações, para Martín- Barbero, representam, entre outras acepções 27, um espaço de atravessamento no qual se imbricam formas distintas de produzir sentidos, onde atores sociais e práticas culturais se urdem a partir de uma heterogeneidade de lógicas e competências. É nesse sentido das mediações enquanto espaço e não apenas como processo de cognição subjetiva, destreza discursiva ou competência recepcional que o teórico situa a complexidade dos gêneros, particularmente, a dos gêneros televisivos, objeto empírico nucleador de suas investigações. Por esse viés, o gênero projeta uma arquitetura comunicacional que opera mediações entre a lógica dos formatos princípios gramaticalizados pelo ritmo industrial e pela competividade de mercado e as lógicas do uso ou consumo 28 habitus de leitura orientados pelas práticas cotidianas de recepção e pelos circuitos de circulação. (MARTÍN-BARBERO; MUÑOZ, 1992; MARTÍN-BARBERO, 2003; MARTÍN- BARBERO; 2006a). Assim, Martín-Barbero articula o gênero a partir das matrizes históricas de um horizonte prescrito socioculturalmente, inscrevendo-o, concomitantemente, no jogo relacional que confere sentidos práticos aos processos comunicativos. Dessa forma, o pesquisador aborda o conceito como ato pragmático de enunciação, assim como processualidade sedimentada por saberes narrativos, técnicos e expressivos. Através de caracteres transmissivos e recicláveis, essa dupla ancoragem (nas matrizes históricas e nas dinâmicas contemporâneas) garante as condições de atualização e permanência do gênero, o que, no caso da teleficção latino-americana, aponta para heterogeneidade discursiva própria a tais arranjos de linguagem. 27 O termo mediação é aplicado por Martín-Barbero com flexibilidade conceitual, assim como a amplitude semiológica de sua obra permite níveis variados de análise. Logo, tal operador suscitou, entre pesquisadores e comentadores, tantas significações quanto críticas metodológicas. Explicito, assim, que a angulação matriciadora deste trabalho relaciona-se, mais diretamente, à noção de lugar mediativo como zona de enunciação e tensionamento de sentidos sociais. Sobre os sentidos possíveis relativos ao conceito de mediação, ver o trabalho de Luiz Signates, Estudos sobre o conceito de mediação, publicado pela Revista Olhares (2008). Disponível em: < 28 Consumo entendido em sentido complexo, isto é, (...) no sólo reproducción de fuerzas sino producción de sentido: lugar de una lucha que no se agota en la posesión de los objetos pues pasa aún más decisivamente por los usos que les dan forma social y en los que se inscriben demandas y dispositivos de acción que provienen de las diferentes competencias culturales. (MARTÍN-BARBERO; MUÑOZ, 1992, p.5). Livre tradução: (...) não apenas reprodução de forças mas também produção de sentido: lugar de uma luta que não se esgota na posse dos objetos pois passa ainda mais decisivamente pelos usos que lhes dão forma social e nos quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação que provêm das diferentes competências culturais.

44 43 Nessa medida, o gênero teledramatúrgico transforma-se em uma terceira via a partir da qual se costura um emaranhado de intencionalidades sociais, o que engendra espaços de urdidura entre formatos e imaginários, textos e textualidades, narrativas e sociabilidades. Logo, o gênero não se resume às obras teleficcionais, nem mesmo aos seus fluxos de circulação e tampouco à junção dessas práticas. Ainda que cada novela movimente e atualize a teledramaturgia de uma forma específica, o gênero, em sua dimensão imaterial, constitui uma terceira margem mediadora das linguagens mobilizadas por certas condições enunciativas, tanto no âmbito das televisualidades, quanto das narratividades colocadas em circulação pelas práticas recepcionais. Nesse contexto, apresento a cartografia das mediações publicada por Martín- Barbero no prefácio à 5ª edição espanhola do livro Dos meios às mediações (2006a, [1999]), desenvolvida, posteriormente, em Ofício de cartógrafo (2004). Aqui, interessame situar o conceito de gênero no bojo articulador de todas as categorias propostas pelo teórico o centro ocupado no desenho original pela interseção entre comunicação, cultura e política, entendendo que este exercício sinaliza um esforço em particularizar um modelo de ampla envergadura a partir dos traços de um jogo específico de linguagem. Essa conjunção entre a dimensão abstrata da cartografia (especulativa ou tentativa do ponto de vista teórico-metodológico) e um conjunto de manifestações empíricas, sustenta parte considerável das reflexões do próprio autor, o que sinaliza a pertinência em retomar, neste espaço, tais categorias. Figura 1: Mapa das mediações (Adaptado). Fonte: MARTÍN-BARBERO, 2006a, p.16. Localizo, assim, o gênero sobre os dois principais eixos que compõem o mapa representado na Figura 1: o eixo diacrônico estabelecido entre Matrizes Culturais (MC)

45 44 e Formatos Industriais (FI) e o eixo sincrônico situado entre as Lógicas de Produção (LP) e as Competências de Recepção (CR). O primeiro desses eixos caracteriza-se por uma relação de diacronia entre seus operadores, isto é, pelo caráter trajetivo que, a partir de um nexo espaço-temporal, dá forma a sucessivos estados narrativos e socioculturais. Situar o gênero teledramatúrgico sobre tal dialogismo histórico implica na consideração, por exemplo, das origens teatrais do melodrama, das estratégias de comercialização dos folhetins impressos, dos recursos expressivos da radionovela, das condições produtivas e recepcionais dos primórdios da televisão e das diferentes fases da teledramaturgia nacional. Em contrapartida, a sincronia entre as lógicas produtivas e as competências recepcionais conforma-se a partir das mediações práticas que, em situações concretas do cotidiano, modulam o jogo de discursividades do gênero. Nesse sentido, interessam as condições sociais, políticas, econômicas, culturais e comunicacionais que, num dado período, concorrem para o funcionamento da economia teleficcional. A partir das relações suscitadas pelo cruzamento desses eixos, Martín-Barbero propõe quatro instâncias de mediação dos processos comunicativos. Seccionando o mapa em seu eixo sincrônico, percebe-se que o teórico aponta a atuação de duas mediações em cada um dos polos evidenciados. Nesse esquema, as lógicas produtivas encontram-se mediadas por relações de institucionalidade que, imbricadas às matrizes culturais, traduzem uma trama densa de interesses e poderes contrapostos e de tecnicidade relacionadas aos formatos industriais desencadeadores de diferentes competências comunicativas; na outra secção, as competências recepcionais encontram-se mediadas pela sociabilidade complexo interacional estabelecido a partir de um conjunto de relações cotidianas e pela ritualidade nexo simbólico que sustenta as práticas de comunicação em função da relação público/formato. Por fim, destaco que Martín-Barbero vem trabalhando, desde o início da última década, a partir da mediação da tecnicidade, com foco na variante da visualidade. Sobre tal angulação, o teórico situa a tecnologia em um lugar cada vez mais operante dentro da cultura e das sociedades contemporâneas, articulando-a a partir da condição estruturante de seus aparatos, já que, a tecnologia remete hoje não a novas máquinas ou aparelhos, mas a novos modos de percepção e linguagem, a novas sensibilidades e escritas. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p.35, grifos do autor). Nessa direção, o pesquisador pontua que (...) a envergadura atual das hibridações entre visualidade e tecnicidade (...) resgata as imagísticas como lugar de uma estratégica batalha cultural. (MARTÍN-BARBERO;

46 45 REY, 2002, p.16). Nesse contexto, diante do enfraquecimento da cifra simbólica que interrelaciona passado e futuro processo desencadeado pela des-ordem cultural e pela fragmentação social, a mediação efetuada pelas imagens passa a desempenhar um duplo papel: de um lado, o espetáculo transforma o desejo de saber em pulsão de ver, o que deflagra a encenação de uma liberação perversa do desejo cujo outro não é mais que o simulacro fetichista de um sujeito que, ele próprio, se tornou objeto. (MARTÍN- BARBERO; REY, 2002, p.16, 17, grifo dos autores). Em outra medida, o pesquisador vislumbra novas formas de organização do espaço público a partir da complexificação do circuito midiático: afinal, a mediação da visibilidade estendida por múltiplas telas abre brechas à representação e ao reconhecimento de minorias, fazendo emergir figuras de cidadania que pluralizam a arena política. (MARTÍN-BARBERO; REY, 2002; MARTÍN-BARBERO, 2006b). Assim, constata-se que a visualidade eletrônica abriga os anseios de uma visibilidade cultural, empreendendo novos modos de simbolização e ritualização dos laços societários a partir dos espaços gerados pelas redes de interação e por fluxos audiovisuais Crise dos Gêneros? Em decorrência das reconfigurações resultantes das práticas de globalização, Martín-Barbero (2006b) sugere que os movimentos de desterritorialização estão minando lugares tradicionais de pertencimento sociocultural. Enquanto, por um lado, o teórico enquadra a lógica da proliferação dos formatos no campo das estratégias comerciais combinatória sem conteúdo, arranjo puramente sintático, por outro, busca mensurar o gênero a partir de sua densidade simbólica e da conservação dos efeitos de reconhecimento em uma comunidade cultural. Nessa medida, chega à conclusão de que, em um contexto de crescente des-ordenamentos, os gêneros estariam em crise e formatos expandindo-se. Entretanto, interponho que, a meu ver, o que parece estar em crise não é a concepção de gênero enquanto espaço de mediações, mas sim, a perspectiva do gênero como instrumento mediador de certa forma de produzir e consumir narrativas. Assim, torna-se fundamental investir em uma distinção entre o gênero como instância, fator ou instrumento de mediação e o gênero como lugar mediativo. A primeira dessas acepções abrange a dimensão do gênero como horizonte de espera (TODOROV apud BORELLI,

47 ) ou horizonte de expectativas (JAUSS, 2011), remetendo, assim, às características estáveis que padronizam a fabulação a partir das promessas produtivas e recepcionais. Em certa medida, o gênero como instrumento de mediação das projeções e identificações na relação com o público receptor (BORELLI, 1996, p.180) sinaliza um importante aspecto heurístico dos textos produzidos sobre certa alçada narrativa e estilística. Tal horizonte que acredito ser constitutivo da experiência genérica, mas não em sua completude relaciona-se, no âmbito da produção, ao conforto da padronização (modus operandi que operacionaliza fórmulas de sucesso), enquanto, pela ótica da recepção, ancora-se no princípio do reconhecimento narrativo este, colocado por Martín-Barbero (2006a) como fonte de legitimidade das matrizes melodramáticas através da ativação de competências culturais fundadas sobre estratos da memória coletiva. Por outro lado, essa dimensão mediativa do gênero é diferente daquela que venho articulando preferencialmente nesta reflexão. Nesse sentido, destaco não apenas as mediações que se dão a partir do gênero (como atributo de cognição, seja da produção competência comunicativa, seja da recepção competência leitora), mas, particularmente, as mediações que se desenrolam sobre o nível do gênero isto é, o liame comunicativo que revela a natureza interacional desse tipo de experiência, as marcas dialógicas de sua presença sócio-histórica, e ainda, as formas de espacialização que conectam produtores e receptores a partir de diversas textualidades. Nesse âmbito, Silvia Borelli (1996, p.188) afirma que a reposição de matrizes culturais tradicionais por meio dos gêneros ficcionais colabora na salvação das origens, no resgate da memória individual e coletiva, e na restauração da experiência. Ainda no entendimento da autora, esta suposta salvação das origens só seria possível a partir de um processo de aclimatação 29, isto é, pela renovação da ecologia midiática sobre a qual se fundam as relações em torno do gênero. Contanto, aquilo que, a princípio, figuraria uma contradição a mudança como fator de manutenção de uma origem evidencia uma lógica constitutiva da própria experiência teledramatúrgica, a saber, as condições de transmissibilidade que deslocam certa família de narrativas pelo eixo das diacronias 29 Sílvia Borelli aponta que, em perspectiva mais abrangente e antropológica, os gêneros ficcionais se revelam como elementos de constituição do imaginário e das mitologias contemporâneas, através dos quais concorrem para reposição arquetípica, aclimatação do padrão originário a uma nova ordem e instrumento de mediação das projeções e identificações na relação com o público receptor. (BORELLI, 1996, p.180, grifos meus). Tais facetas traduzem o jogo entre a produção industrial das narrativas teleficcionais e os canais de infiltração das demandas populares nas brechas do entretenimento massivo. Nesse sentido, destacam-se os mecanismos de (re)composição da memória e do imaginário coletivo, responsáveis em acionar, a partir de competências narrativas e textuais, matrizes culturais que alimentam diversos grupos e temporalidades sociais.

48 47 espaço-temporais, conferindo-lhe espessura e densidade simbólica a partir de sucessivas transmutações, para, assim, assentá-la sobre o campo da memória e da tradição social. Nessa medida, pergunto se a alegada crise dos gêneros não pode ser interpretada como sintoma dos movimentos que lento e diacronicamente, ou rápido e sincronicamente reconfiguram o campo prático de produção, veiculação e circulação ficcional. Afinal, conforme coloca Bakhtin (2003, p.293), os gêneros do discurso, no geral, se prestam de modo bastante fácil à reacentuação. Os atuais deslocamentos teleficcionais seriam, assim, um reflexo dessa mobilidade narrativa ou, em razão contrária, sinalizariam outros fluxos ficcionais, responsáveis até mesmo pelo rompimento frente certas origens da telenovela? Sem adotar nenhuma resposta definitiva, coloco que, a meu ver, algumas mudanças abalam e/ou readequam tradições teledramatúrgicas, tanto no nível produtivo quanto recepcional/circulatório. Por outro lado, reafirmo que a alegada crise no gênero se dê, mais perceptivelmente, em suas formas instrumentais de mediação, isto é, nas tipicidades que condicionam, textualmente, fórmulas narrativas e modos de apropriação. Nesse sentido, os gêneros em geral, e a teledramaturgia em particular, sofrem violenta crise quando comparados aos formatos bem delineados de décadas atrás. Entretanto, valendo-se da condição pragmática que semantiza as manifestações genéricas princípio teórico presente tanto em Bakhtin, quanto em Martín-Barbero essa suposta crise parece refletir um conjunto mais amplo de mudanças abarcado pela contemporaneidade (em nível narrativo, social, cultural e comunicacional), sendo sua manifestação um indício da afinidade intrínseca entre as telenovelas e as condições extratextuais que lhe garantem ancoragem no presente. Ao que me parece, no caso da telenovela, a crise do gênero sinaliza apenas um esforço, consciente ou não, em prol de sua sobrevivência. 3.5 Matrizes Sociais e Ficcionais do Espaço Espaços em Movimento A experiência espacial de uma sociedade não pode ser analisada à parte do conjunto de práticas que, simbólico ou materialmente, confere uma série de usos, funções e valores a um dado contexto histórico-social. Nesse sentido, as sociedades de poucos séculos atrás inscreviam-se em uma dimensão espaço-temporal radicalmente diferente daquela

49 48 vivenciada hoje. Desse comparativo emerge um revés curioso, definido por condições nas quais (...) se o sujeito da modernidade primeira estava feito de tempo, o de hoje em dia também está, e ainda mais, de espaço 30. (MARTÍN-BARBERO, 2006c, s/p). Percebe-se, assim, que os espaços não correspondem apenas ao conjunto de fisicalidades que compõem certa paisagem geográfica seus aspectos visíveis, mas relacionam-se ainda aos fluxos sociais que lhes permitem distintas configurações e possibilidades de experimentação. Logo, as matrizes espaciais advêm de diversas origens, relacionando-se tanto às condições naturais e/ou artificiais de modulação paisagística, quanto aos fluxos criativos que geram formas de espacialização a partir dos usos, apropriações e trânsitos sociais (configurações oriundas da organização dos meios de produção, das relações de sociabilidade, dos horizontes morais, da mobilização de imaginários, entre outros). Essa reflexão filia-se às perspectivas espaciais de Milton Santos, para quem o espaço é constituído pela interação entre um sistema de objetos e um sistema de ações, sendo que, a partir da mútua afetação entre tais fatores, o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma. (SANTOS, 2008, p.52). O teórico afirma ainda que esses objetos e ações encontram-se arranjados por uma lógica que é, ao mesmo tempo, a lógica da história passada (sua datação, sua realidade material, sua causação original) e a lógica da atualidade (seu funcionamento e sua significação presentes) 31. (SANTOS, 2008, p.63). Por sua vez, essas dialéticas espaciais entre objetos e ações, ou fluxos e fixos (SANTOS, 1997), e ainda, entre múltiplas temporalidades nos leva a inferir acerca da natureza histórica e multicondicionada da experiência social. Seguindo os rastros foucaultianos em direção às trilhas históricas de diferentes composições espaciais, interponho que, séculos atrás, o espaço marítimo era tão misterioso e desafiador quanto, contemporaneamente, nos é a infinitude do espaço sideral. Em decorrência de um período no qual o desenvolvimento tecnocientífico ainda não permitia condições amplas de mobilidade, o mundo da vida do homem comum àquela 30 Livre tradução. Trecho original: (...) si el sujeto de la modernidad primera estaba hecho de tiempo, él de hoy en día está hecho también, y tanto más, de espacio. 31 Acredito que a mudança do binômio fixos/fluxos para sistema de objetos/sistema de ações deva-se, particularmente, a uma revisão de Milton Santos acerca do estatuto das condições materiais do espaço. Nesse sentido, substituir o termo fixo sugestivo de uma ideia de enraizado pela expressão sistema de objetos traduz uma perspectiva epistemológica que relativiza a positividade das modulações geográficas sobre as formas de produção espacial. Por outro lado, no caso desta reflexão e da aplicação do termo às teletopias da ficção, opto por trabalhar com o par conceitual fixos/fluxos, tendo em vista a simplicidade da notação e, logo, a possibilidade de utilizá-la de forma mais corrente.

50 49 época atrelava-se fortemente ao contato com a terra e ao determinismo de suas raízes ou seja, ao solo mãe a partir do qual se desenhava a geografia física e humana de uma porção de planeta que lhe valia como a totalidade do globo. Nesse espaço de limites onde, a dimensão do lugar ampliava-se em função de contingências territoriais (nos termos de DUARTE; FIRMINO, 2011), as temporalidades profundas das heranças campesinas assomavam-se ao fascínio temerário despertado pelos espaços outros dos marinheiros, o que o filósofo Walter Benjamin (1993) identificou como matéria-prima para narração da experiência forte. A partir da guinada cientificista iniciada na transição entre os séculos XVII e XVIII, percebe-se o princípio de uma mudança nas condições de produção e, logo, experimentação espacial, marcada, progressivamente, pela passagem da ruralidade de outrora para a potência de uma tecnoracionalidade em curso. Nesse processo, inscrevemse os primeiros movimentos de emancipação frente as hierarquias espaciais que, até então, cartografavam a vida em sociedade os chamados espaços de localização 32 (FOUCAULT, 2006), tendo vista o surgimento de novos fluxos que alteraram os sistemas arranjados pelas hegemonias feudais e pelas cartilhas de poder. Já nos séculos recentes, inaugura-se um novo regime de experimentação social, caracterizado, entre outros fatores, por múltiplas formas de espacialização arranjos mais flexíveis que friccionam diferentes matrizes espaciais, na medida mesma em que promovem uma densa economia de intercâmbios entre culturas e sociedades. Mediante as rearticulações da contemporaneidade, outras configurações espaciais tomam forma social, no caso, os chamados espaços de posicionamento (FOUCAULT, 2006) modos flexíveis de articulação e conversão de uma experiência espaço-temporal em outra, o que, a todo tempo, aproxima e afasta diferentes matrizes sociais e subjetivas. Na avaliação de Foucault, esse dinamismo espacial faz com que nossa época seja, sobretudo, a época do espaço. Diz ele: (...) vivemos na época da simultaneidade: nós vivemos na época da justaposição, do próximo e do longínquo, do lado a lado e do disperso. (FOUCAULT, 2006, p.54). 32 Os espaços de localização remetem à Idade Média, ao conjunto hierarquizado de lugares: lugares sagrados e lugares profanos, lugares protegidos e lugares, pelo contrário, abertos e sem defesa, lugares urbanos e lugares rurais (onde acontece a vida real dos homens); para a teoria cosmológica havia lugares supra celestes opostos ao lugar celeste e o lugar celeste, por sua vez, opunha ao lugar terrestre; havia o lugar onde as coisas se encontravam colocadas por elas tinham sido violentamente deslocadas e depois os lugares, pelo contrário, onde as coisas encontravam sua localização e seu repouso naturais. Toda essa hierarquia, essa oposição, esse entrecruzamento de lugares era o que se poderia chamar bem grosseiramente de espaço medieval, espaço de localização. (FOUCAULT, 2001, p.57).

51 50 As formas de gerar e entrever os espaços sofrem, portanto, intensos deslocamentos, tendo em vista o desenvolvimento de condições que amplificam os modos de interação social, gerando, por consequência, espacialidades estendidas que englobam contextos que distam léguas entre si. Diante dos processos mais hodiernos marcados pela sofisticação tecnológica e pela intensificação da cultura digital online, Pierre Lévy (1999) sublinha que a esfera cada vez mais generalizada do virtual vem alterando concepções espaçotemporais a partir de fluxos de desterritorialização e desprendimento, que, valendo-se de operações tecno-imagísticas, concorrem para certas formas de reinventar o mundo (afinal, a mediação das visualidades é cada vez mais espessa e constitutiva dos regimes contemporâneos de sociabilidade). A virtualidade arma-se, portanto, como uma dimensão modalizadora da experiência, o que revela fecundas intersecções entre os fluxos significantes que compõem a materialidade do cotidiano e suas projeções imagísticas e discursivas. Nesse contexto a dimensão virtual adquire a condição de extensionamento das experiências sociais como coloca Muniz Sodré (2002), uma função reguladora de prótese pela qual a organização das formas de bios (costumes, condutas, cognição, sensorialismo) passa a ser ordenada por exterioridades técnicas que hipersimbolizam (e, não raro, dessemantizam) os vínculos sociais 33. Ressalvo, porém, que tal análise evoca certa disparidade quanto às perspectivas crítico-reflexivas lançadas sobre as experiências contemporâneas, particularmente, no tocante à virtualização das práticas de interação social. Por um lado, denuncia-se a banalização dos atuais mecanismos de sociação, bem como sua subserviência econômica, cultural e midiática aos princípios do capital estes ligados às estruturas de poder de natureza supranacionalista, à lógica padronizante da cultura do entretenimento e ao esvaziamento das relações interpessoais. Por outra visada, menos delatória, os regimes espaciais e as dinâmicas de socialização da atualidade são vistos em razão de sua multiplicidade constitutiva, sendo variáveis de acordo a cada contexto interacional, e, ainda, condizentes a processos diacrônicos que lhes conferem espessura histórico-social. Nessa direção, as atuais matrizes espaciais não podem ser colocadas em razão de 33 Interponho que a ideia de um espaço virtual criação computadorizada de ambientes artificiais e interativos (SODRÉ, 2002, p.16) não deve, conforme adverte o próprio Pierre Lévy, ser interpretada com base numa oposição simplista às chaves oferecidas pela realidade concreta. Afinal, o intercruzamento das experiências de mundo com as mediações tecnológicas constitui a própria natureza humana, sendo a técnica uma dimensão da linguagem que revela as razões de ser de nossa racionalidade. Esta conclamação de esforços para um pensamento único global sobre a dimensão simbólico-material da experiência almeja, entre outros objetivos, evitar a polarização valorativa que ufaniza os entes do real em contrapartida à pejoração dos fenômenos virtuais, estes reduzidos à condição vicária de mentira ou simulação.

52 51 suspensão frente às diacronias que lhe assentam sobre condições pragmáticas de socialização, isto é, um conjunto de condicionantes que permitem a operacionalização de certas transformações em meio a uma formação sociocultural. Um exemplo dessa variedade de implicações das atuais disposições sociotécnicas foi diagnosticado por André Jansson (2013) através de trabalho empírico junto a famílias de classe média de uma pequena cidade sueca. A partir de entrevistas em profundidade, o pesquisador concluiu que (...) a natureza social e moralmente moldadora das texturas transmídias (...) tende a reforçar mais os padrões sociais centrípetos do que os centrífugos 34 (JANSSON, 2013, p.282). Ao contrário do pressuposto à individualidade das tecnologias digitais (no sentido da portabilidade/pessoalidade dos suportes e do fascínio com a dimensão virtual do self), Jansson observou que, nas famílias interpeladas, as texturas transmídias conduziram os fluxos de comunicação e as possibilidade tecnointerativas em direção ao coração doméstico das experiências sociais, ou seja, ao bojo de suas práticas familiares e/ou afetivas. Esse apontamento sugere que as crenças, os valores e os hábitos não necessariamente desaparecem mediante à expansão das ideologias individualistas modernizantes, uma vez que o fato da sociedade ser, por natureza, heterogênea, produz diferentes dinâmicas e alternativas de experienciação. No caso das teletopias, essa ambivalência crítico-reflexiva direcionada às matrizes espaciais da contemporaneidade revela-se a partir do âmbito produtivo/narrativo e recepcional/circulatório. No primeiro sentido, o intercâmbio entre espaços ficcionais mundiais (no audiovisual, representados, particularmente, pelas séries de televisão e pelo cinema) geram formas de representação simbólica que, não raro, acabam rendendo-se à estética do entretenimento globo-americanizado, apostando em fórmulas de sucesso e repetindo clichês da indústria (pop)cultural. Em outra medida, essa apropriação acaba por evidenciar matrizes locais que, ao operar dialéticas, dialogismos e/ou hibridismos, definem múltiplas e singulares formas de ser mundo. Em outras palavras, nenhuma cultura midiática e ficcional traduz as hegemonias simbólicas de forma equivalente, o que significa pensar a globalização como fluxo e as estruturas mais arraigadas no campo da cultura e da memória como fixos, sendo a dialética entre tais elementos responsável pela geração de múltiplas e diferentes globalidades. Nessa direção, a pesquisadora Ien Ang acrescenta ainda que 34 Livre tradução. Trecho original: the socially and morally molded nature of transmedia textures (...) tends to reinforce centripetal rather than centrifugal social patterns.

53 52 (...) essa modernidade capitalista global não só representa um mundo cada vez mais interconectado e interdependente, mas também tem gerado a proliferação de novas versões da cultura moderna incluindo a cultura televisiva que acentuam a importância de identidades particulares e suas diferenças com um americanismo hegemônico. Em suma, essa cultura global é caracterizada simultaneamente pela homogeneização e heterogeneização, por suas similaridades e suas diferenças. (ANG, 2010, p.92). Do ponto de vista recepcional, por sua vez, as experiências interativas em rede geram novos modos de estar junto e de estar em relação, o que confere diferentes densidades às relações desenvolvidas em diversos âmbitos da vida (familiar, pessoalprofissional, amoroso, cidadão...). Nesse sentido, as texturas transmídias podem conduzir ao coração doméstico ou a outras cartografias afetivas (incluindo aí as mais individualistas e presenteístas 35 ), o que, a meu ver, evidencia que a razão de ser da tecnologia reside não apenas em uma questão de disponibilidades pré-programáveis, mas também em formas de usos e apropriações. Assim sendo, no contexto da telenovela, a web pode atuar como mecanismo de reposicionamento recepcional, no sentido de retirar o telespectador de uma hipotética interação presencial (em grupo, familiar ou não) e transportá-lo a outros espaços, no caso, marcados pela virtualidade e por diferentes lógicas socializantes; por outro lado, a produção recepcional divulgada na rede também pode ser compartilhada em nível familiar, e ainda, a própria web-audiência pode constituir habilidades interativas que se desenvolvam tanto nos espaços de interlocução online quanto presenciais. Afinal, conforme já colocado, diferentes estruturas culturais e temporalidades sociais colocam-se em atritagem através das teletopias, seja pelo ponto de vista pessoalcognitivo (articulação de competências comunicativas e leitoras), seja pela disputa por sentidos materializados em textos ficcionais (oficiais ou espontâneos). Nesse âmbito, considero mais proveitoso adotar, como perspectiva crítico-reflexiva, a pluralidade e a heterogeneidade da experiência espaço-ficcional contemporânea. Afinal, é desse campo de diferenças que os nexos de sociabilidade retiram sua significância, sua articulação, seu sentido social enquanto força agregativa e discriminatória (no sentido daquilo que nos pertence e/ou representa, e aquilo que não). As teletopias, tomadas como espaço 35 O pensador francês Michel Maffesoli (2005) define o presenteísmo como uma espécie de força agregativa que organiza grupos efêmeros, sem a obsessão da continuidade ou da perspectiva extensiva (ex-tendere), mas interessados na qualidade da participação, (...) perspectiva intensiva (in-tendere). Esse deslocamento das formas de sociabilidade dos laços tradicionais e verticalizados à composição efêmera e aleatória pode ser verificado no caso teledramatúrgico, quando, sintomaticamente, a recepção começar a galgar espaços outros nos quais os sentidos são, coletivamente, tecidos, indo além (sem, necessariamente estar aquém) das salas de televisão.

54 53 mediativo de disputas tão reais quanto simbólicas, e como tal, espaço de constituição de solidariedades e desigualdades, dinamizam-se a partir das inovações e de memória, e, principalmente, pela forma única singular como tais fatores são conjugadas através das interacionalidades do gênero Teleficção em Trânsito Assim como os espaços sociais e cotidianos, as espacialidades organizadas sobre ou a partir da teleficção também são dotadas de dinamismo histórico, tendo em vista, sobretudo, a ação mediativa do gênero e seus consequentes fluxos de atualização. Nessa direção, entre outras mudanças verificadas sobre os atuais modos de produzir, consumir e fazer circular a teleficção, destaco a forma como tais narrativas vêm gerando diferentes espaços de narração e de sociabilidade, principalmente quando se compara a atual tessitura teletópica aos lugares originalmente ocupados pelas novelas na cultura midiática do país. Dentro desse contexto, relembro que, com o advento da televisão no Brasil (anos 50 do século passado), os folhetins tiveram sua origem ligada ao teleteatro e à radionovela, de forma que grandes nomes da arte brasileira atores e diretores passaram a atuar no veículo. Do ponto de vista da audiência, a amplitude de públicos era tão restrita quanto a incipiente produção ficcional, já que apenas uma seleta classe possuía condições financeiras para adquirir a tecnologia televisiva. Nessa medida, a origem da teledramaturgia não evidenciou a comunidade imaginada 36 então aclarada por outros formatos, como, por exemplo, as novelas radiofônicas. Ao contrário, sua primeira década de veiculação foi marcada pelo teste de fórmulas no âmbito produtivo e por limitações no campo receptivo, sendo que, à grande massa, cabia vislumbrar fragmentos de imagens em televisores espalhados por pontos estratégicos do espaço público e nas lojas de eletrodomésticos. Diante desse contexto, o consumo da teleficção na primeira década da 36 O conceito de comunidade imaginada foi cunhado originalmente por Benedict Anderson em referência aos sentimentos de identificação coletiva gerados pelos estados nacionais europeus. O termo foi apropriado por Lopes (2002) para análise da comunidade de sentidos articulada em torno das narrativas teleficcionais transposição cuja pertinência justifica-se pela atuação da telenovela na prescrição de imaginários nacionalizantes, pela amplitude das representações telemediadas, e, sobretudo, pela capacidade de arregimentação massiva dos folhetins. Dessa forma, a presença teledramatúrgica alicerça a sociedade sobre espaços ficcionais que referenciam processos de interação social (as teletopias da ficção), estabelecendo assim, uma esfera comum de projeções simbólico-afetivas.

55 54 TV encontrava-se demarcado por territorialidades econômicas, sociais e culturais que transformavam a tecnologia televisiva em um instrumento de diferenciação entre classes. Anúncio publicado na revista O Cruzeiro. Destaque para o texto que oferece não somente os aparelhos televisores, mas a oportunidade de ver, nas lojas General Eletric, a televisão em funcionamento regular. Vá ver a Televisão nos revendedores G.E.!. Fonte: Acervo da Associação Brasileira de Imprensa (extraído de BARBOSA, 2010). Por outro lado, a chegada da televisão ao país assentou, desde suas primícias, uma relação que, anos mais tarde, revelar-se-ia uma marca indelével da cultura midiática

56 55 brasileira. Se, por um lado, as imagens em movimento já não eram, propriamente, uma novidade (a primeira sessão de cinema havia ocorrido no final do século XIX), por outro, sua projeção doméstica gestou uma sensação de progresso que conectava cada espectador aos rumos da modernidade anunciada; assim, mesmo aqueles que apenas admiravam a pequena tela no espaço público, experimentavam outra cidade mediante aos fluxos de imagens preto-e-branco que emanavam de algumas poucas vitrines. A TV sintonizou-se, portanto, aos projetos desenvolvimentistas da época conduzidos, particularmente, pelo presidente Juscelino Kubitschek, sinalizando, desde tal origem, a potência nacionalizante de sua mediação tecnossimbólica. A partir da década de 1970, os aparelhos televisores já estavam em franco processo de popularização. Nesse período, a telenovela aproxima-se de formatos mais sólidos, marcados por estruturas produtivas complexas (novas rotinas de trabalho, produção diária de capítulos, profissionalização das emissoras), além de modos próprios de ficcionalização (modernização narrativa, apelos realistas, suavização dos barroquismos melodramáticos). Essas transformações, por sua vez, foram fundamentais para que a televisão deixasse de ser um instrumento de territorialização de classes e pudesse se converter em um lugar de diferentes mediações socioculturais, expressando, desse modo, sua dimensão amplamente socializante, conectada às dinâmicas de construção da realidade nacionalmente compartilhada. 37 De forma análoga, percebe-se que, na atualidade, os processos contemporâneos de narrativização e recepção teleficcionais seguem transmutando-se, o que resulta em novas configurações às experiências teletópicas. Diversos fatores concorrem para essa mudança, como, por exemplo, a naturalização do fluxo televisivo, o desenvolvimento de competências narrativas e tecnodiscursivas e a complexificação dos lugares teledramatúrgicos. Além disso, conforme exposto na sequência, o contexto das sociedades midiatizadas vem renovando a ecologia midiática, o que pluraliza e intensifica os modos de relação entre os espaços e ficção. 37 Esse processo de implementação da indústria cultural no Brasil potencializado pelo advento da TV e pelo fortalecimento das redes e conglomerados nacionais de comunicação foi analisado por Renato Ortiz (1988) a partir da interrelação entre distintas temporalidades sociais, culturais e tecnológicas fenômeno descrito pelo autor como a coexistência do não-coetâneo (ORTIZ, 1988, p.32). Nesse sentido, a TV, ao projetar fluxos de circulação nacional, gerou espaços nos quais modernas tradições passaram a ser figuradas. Sobre essas tradições, Ortiz (1988, p.208) escreveu: Poucas vezes pensamos como tradicional um conjunto de instituições e de valores que, mesmo sendo produtos de uma história recente, se impõe a nós como uma moderna tradição, um modo de ser. Tradição enquanto norma, embora temperada pela imagem de movimento e rapidez.

57 56 Diante desses reordenamentos, derivo uma breve reflexão sobre a TV enquanto presença naturalizada pelos imaginários contemporâneos, decorrência, entre outros fatores, da coloquialidade que familiariza o discurso televisivo a partir da simulação de um contato (Martín-Barbero, 2006a). Nesse sentido, enquanto teletopia, o processo diacrônico de naturalização televisiva indica a forma como tal mídia inseriu-se sobre a vida social, atuando juntos aos circuitos domésticos e públicos do país o que, a meu ver, permitiu-lhe desempenhar os papeis de mediação que transformam essas narrativas em agentes de intensa espacialização. Entretanto, em vista do boom tecnológico das décadas recentes, os atores sociais da contemporaneidade transitam por contextos midiatizados que naturalizam não apenas a televisão, mas, inclusive, a própria cultura digital em rede. Assim, se na década de 1950 as imagens televisivas descortinavam uma janela para o progresso, atualmente, a TV integra sítios de absoluta familiaridade. Nesse sentido, importante destacar que, se enquanto mídia, a televisão foi plenamente incorporada às dinâmicas mais cotidianas, em outra medida, as aventuras da imagem, em seus variados e cada vez mais sofisticados modos de projeção, continuam perfazendo os imaginários da audiência, como nos mostra a variedade de lançamentos que movimentam o mercado de televisores (aparelhos de plasma, LCD, LED, 3D). Além disso, o sinal digital lançado no Brasil entre 2007 e 2008, em processo de ampla implementação, resulta em outras tonificações às representações televisionadas, cada vez mais hiperrealistas, ocasionando, portanto, distinta formas de entrelaçar espacialidades físicas e representações espaciais. Afinado a esse contexto de diversificação e sofisticação tecnológica, à tradicional sociabilidade desencadeada pelos folhetins as discussões em família, a conversa de vizinhos, o papo rápido entre desconhecidos assomam-se outras formas de vinculação a partir da teleficção, isto é, diferentes mecanismos de criação de audiências e de formas de interação entre seus interlocutores. Entre eles, destacam-se as tecnologias digitais e em rede, que, ao atuarem como espaços de circulação de sentidos sociais, redimensionam as competências recepcionais e as próprias lógicas produtivas mobilizadas em torno das telenovelas; afinal, as novas tecnologias desencadeiam processos que alteraram não apenas a difusão de conteúdos e o imaginário da audiência, mas também a própria maneira de conceber e produzir esse tipo de ficção no país.

58 A Crescente Midiatização das Teletopias Encerro este capítulo teórico refletindo acerca das condições que, no contexto da midiatização, vêm deslocando os modus operandi das teletopias brasileiras. Nesse intento, opero, de saída, uma distinção entre a atual disposição sociotécnica das sociedades midiatizadas frente à chamada sociedade dos meios ou midiática (FAUSTO NETO, 2008). Nesta última, conforme indicado pela notação, a mídia configura-se como um campo social autônomo, em vista de um espaço social e midiático assentado sobre intensos agenciamentos simbólicos e materiais, no caso, oriundos de vetores específicos e identificáveis; por sua vez, nas sociedades midiatizadas ou em vias 38 de midiatização, a práxis midiática espraia-se pelos diferentes modos de arranjar e relacionar circuitos informacionais, discursivos, mercadológicos, estéticos etc., o que implica na emergência de novos vínculos de sociabilidade e possibilidades diversas de interação social; trata-se, portanto, de uma nova conformação que rearticula, sem ultrapassar, o exercício das agências de outrora. Nesse contexto, Muniz Sodré (2002) entende a midiatização como reflexo de uma nova forma de vida, um bios midiático que dá a ver um processo contemporâneo de referenciação social e subjetiva, ambiência sobre a qual se constitui um ethos midiatizado marcado por diferentes mecanismos interacionais e variados níveis de engajamento ou vinculação social. Afinado à essa perspectiva, José Luiz Braga (2006) aponta que a midiatização envolve dois níveis operativos interrelacionados: a midiatização de campos sociais específicos (entretenimento, política, educação, práticas religiosas...) e a midiatização da própria sociedade. O autor entende que as lógicas midiatizadas estariam, progressivamente, atravessando as engrenagens funcionais de diversos processos sociotécnicos, contribuindo, assim, para o compartilhamento de novos horizontes sociais. Segundo essa perspectiva, o atual ethos midiatizado estabelece processos de referência cada vez mais calcados nas lógicas da midiatização, isto é, na comunicação em rede que intensifica as interconexões entre tecnologias e meios, sujeitos e instituições, campos sociais e práticas culturais. 38 A distinção traz certo incômodo. A meu ver, a chamada sociedade dos meios/midiática já era uma sociedade em vias de midiatização. Nesse sentido, indago: qual a condição midiatizada que implicaria um rompimento frente à realidade dos meios, isto é, o fim do percurso pressuposto a uma sociedade ainda (e sempre) em vias de?

59 58 Entendemos que os processos interacionais de referência são os principais direcionadores da construção da realidade social. O que parece relevante, em perspectiva macrossocial, é a teoria de que a sociedade constrói a realidade social através de processos interacionais pelos quais os indivíduos, grupos e setores da sociedade se relacionam. (BRAGA, 2006, p. 3). Nesse contexto, André Jansson (2013) sublinha a importância das análises sobre tais fenômenos serem postuladas menos em termo de imperativos midiáticos, e mais como metaprocesso envolvendo combinações de microprocessos moral e ideologicamente flexionados, historicamente incorporados ao nível da vida social. (JANSSON, 2008, p.290-1) 39. Ainda de acordo com o sociólogo, a midiatização corresponderia a uma textura que agrega os processos e campos sociais em sua ampla variedade de domínios, que por sua vez, tornam-se inseparáveis e dependentes das mediações tecnológicas. Por outro lado, o reconhecimento da midiatização em sua emergência não deve reduzir os fenômenos dessa ordem às disponibilidades inauguradas pelo desenvolvimento tecnológico. Conforme já exposto, a midiatização não significa o rompimento frente ao passado, uma cisão de temporalidades a partir da qual mergulharíamos em um ato de póshistória. Afinal, como coloca Martín-Barbero, (...) nossos povos podem assimilar com certa facilidade as imagens da modernização que as mudanças tecnológicas propõem, mas é em outro ritmo, bem mais lento e doloroso, que podem recompor seus sistemas de valores, de normas éticas e de virtudes cívicas. (MARTÍN-BARBERO, 2006b, p. 56). Nesse sentido, parece-me sensato reconhecer os condicionantes socioculturais que aportam sobre as formas de experimentação tecnológica. Logo, ainda que a mediação das tecnicidades ultrapasse uma funcionalidade do tipo instrumental-mecânica (atingindo, portanto, uma dimensão nuclear dos processos de subjetivação), tal espessura psicossocial só se torna possível mediante processos adaptativos (muitas vezes lentos e dolorosos ), no sentido da conjugação entre tais emergências sociotécnicas a estruturas 39 Trecho original: Mediatization is thus a concept that can help us think of media enhanced social transformations in complex ways; not as the consequences of technological innovation or media agency (Hjarvard, 2008), but in terms of a metaprocess (see especially Krotz, 2007), involving diverse combinations of morally and ideologically inflected, and historically embedded, microprocesses at the level of social life. Acrescento as referências citadas pelo autor nesse fragmento: HJARVARD, Stig.The mediatization of society: a theory of the media as agents of social and culture changes. Nordicom Review, KROTZ, Friedrich. The meta-process of Mediatization as a conceptual frame. Global media and communication, 2007.

60 59 que as antecedem. Sob tal perspectiva, André Jansson (2013) articula o conceito de midiatização a partir de uma abordagem socioespacial, de natureza holística, capaz de descortinar, cientificamente, um horizonte crítico de reflexividade. Tendo em vista que a midiatização, tal como definida aqui, refere-se às dependências e normalizações no espaço social, o conceito reporta às mais profundas questões morais e éticas da vida em sociedade, sendo assim chamadas para uma agenda de pesquisa humanística nos estudos de mídia e comunicação. (JANSSON, 2013, p.281). 40 Por todo exposto, concebo a importância da reflexão direcionada ao atual estágio de midiatização das teletopias (isto é, como o teletópos remodela-se mediante os atuais regimes sociomidiáticos), tomando como partida os modos de imbricação entre a teledramaturgia e os processos sociais de espacialização (forma de estar no mundo e compartilhar sentidos em ampla escala). No caso, esses modos de imbricação possuem uma origem sociocultural que, diacronicamente, situam a telenovela como o produto ficcional mais consumido no Brasil, o que confere à teleficção uma incomparável agência narrativa sobre as audiências nacionais. Conforma-se, assim, uma particular urdidura de sentidos entre os fluxos que partem da pequena tela, em forma de imagens e dramaturgia, e os espaços de circulação teleficcional. Nesse sentido, se a novela sempre funcionou como referência social no sentido de criar tendências de moda, introjetar bordões populares, oferecer padrões de comportamento e consumo, no contexto da midiatização, os fluxos articulados em torno dessas narrativas adquiriram novos contornos, no sentido da intensificação dos trânsitos que, entre espaços, transformam uma novela em teletopia de um país. Logo, da mesma forma que a invenção da televisão e sua difusão social ampliaram a experiência ficcional sobre os gêneros de até então (a radionovela e o folhetim de jornal), atualmente, o estágio da midiatização nos leva a inferir alguns deslocamentos relevantes sobre as relações de produção, consumo e circulação teledramatúrgica. Sem constituir um novo gênero, a rede-novela desdobramento online das antigas práticas de vizinhança trouxe novas formas de vinculação ficcional, verificadas, particularmente, através da antessala gerada pelas redes sociais, pela possibilidade de produção de 40 Livre tradução. Trecho original: Since mediatization, as defined here, refers to dependencies and normalizations in social space, the concept addresses the deeper moral and ethical issues of social life, and thus calls for a humanistic research agenda in media and communication studies.

61 60 conteúdo por parte de receptores-internautas, além de uma série de dispositivos que ampliam a fruição do entretenimento a partir de modalidades interativas. Nessa medida, as novas mídias e a celeridade do atual sistema de resposta social (BRAGA, 2006) tornam-se fatores de redefinição dos espaços tradicionais da produção e da recepção midiática, implicando em novas políticas comunicativas aos agentes sociais e uma maior mobilidade entre esses campos não apenas pelos internautas que passaram a gestar conteúdos na rede, mas também por parte dos produtores midiáticos que se tornaram receptores de diversos tipos de retorno 41. Braga define o sistema de reposta social como (...) um terceiro sistema de processos midiáticos na sociedade, que completa a processualidade da midiatização social geral, fazendo-a efetivamente funcionar como comunicação. Esse terceiro sistema corresponde a atividades de resposta produtivas e direcionadoras da sociedade em interação com os produtos midiáticos. Denominamos esse terceiro componente da processualidade midiática sistema de interação social sobre a mídia ou, mais sintaticamente, sistema de resposta social. (BRAGA, 2006, p.22, grifos do autor). Nessa nova configuração tecnocomunicacional, percebe-se que as textualidades que compõem a tessitura do gênero teledramatúrgico se ampliam para além do texto televisivo oficial, sem dele prescindir enquanto narrativa-mãe. Entretanto, a centralidade dos conteúdos televisionados modifica-se em função dos novos lugares cavados pelas mensagens produzidas a partir da televisão, o que nos leva, se não a alterar, ao menos, reavaliar o tradicional esquema de Stuart Hall (2003) sobre o processo de codificação e decodificação da mensagem televisiva. Por um lado, assumo, na esteira do pensamento de Hall, a posição estratégica das mensagens televisivas nos contextos de experimentação das teletopias, afinal: Devemos reconhecer que a forma discursiva da mensagem tem uma posição privilegiada na troca comunicativa (do ponto de vista da circulação) e que os momentos de codificação e decodificação, embora apenas relativamente autônomos em relação ao processo comunicativo como um todo, são momentos determinados. (HALL, 2003, p.388, grifos do autor). 41 Braga (2006) difere o retorno da resposta social a partir da imediatez e da direcionalidade do primeiro. O retorno caracteriza-se pela emissão direta de mensagens a uma determinada esfera produtiva. Já a resposta social não necessariamente retorna ao polo de produção, constituindo-se de forma diferida e difusa, logo, menos sistematizável.

62 61 Em vista dessa colocação, entendo que, apesar de toda dinamização dos atuais circuitos de comunicação, a interatividade sobre a teleficção não sincroniza os âmbitos produtivos e receptivos ao ponto de torná-los indistintos (uma espécie de cogestão midiática), o que ainda justifica a delimitação dos lugares ocupados por tais esferas. Porém, as atuais condições de circulação sugerem deslocamentos relativo ao grau de midiatização que experimentamos hoje, dentre eles, a proliferação de conteúdos que dão a ver uma série de mediações sociais, alterando o estatuto das próprias mensagens difundidas pela televisão. Nessa medida, ainda que circulação e recepção sejam momentos do processo de produção na televisão, (...) reincorporados via certo número de feedbacks indiretos e estruturados no próprio processo de produção (HALL, 2003, p.390), torna-se fundamental inserir esse retorno social em outra dimensão (distinta daquela constitutiva das sociedades midiáticas ). Afinal, esses feedbacks, outrora menos imediatos, contam agora com um conjunto intenso de espaços que lhes confere horizontes mais amplos de visibilidade. Tal processo permite a projeção de certas dinâmicas recepcionais, assim como produz novos espaços de interação, sendo que, dessa conformação, desponta uma terceira via que transcende aos processos empresarias de produção e que tampouco se relacionam aos resultados imediatos das decodificações ou leituras midiáticas. É relevante, para percebemos o sistema de interação social sobre a mídia, que a circulação de produtos midiáticos na sociedade não se faz apenas como escolher e acolher segundo critérios culturais anteriores, mas gera um trabalho social dinâmico: respostas. (BRAGA, 2006, p.29, grifos do autor). Nessa medida, a conversação produzida sobre a mídia, expandida para além dos espaços concretos e dos recursos da oralidade, constitui uma importante dimensão das sociedades midiatizadas, nas quais um complexo sistema de resposta social confere outras possibilidades de resposta midiática e, sobretudo, um nível diferenciado de engajamento e conversação social. Pelo viés crítico-interpretativo (dimensão preferencial a partir da qual Braga articula sua teoria), as engrenagens sociotécnicas da midiatização podem atuar como um instrumento de fissura na ordem gerada pelos fluxos habitualizados pela televisão. Sendo a linguagem um campo simbólico de disputa por sentidos e, logo, de luta de classes (HALL, 2003), o rompimento com a verticalidade das produções midiáticas emanadas da televisão aponta para a importância das configurações interacionais da contemporaneidade, responsáveis não apenas pela repaginação interessada de velhos temas e antigos preconceitos, mas também pela emergência de outras formas de olhar

63 62 para o passado e conceber o futuro. Considerando, na esteira de Stuart Hall, que as diferentes áreas da vida social dispõem-se em domínios discursivos, hierarquicamente organizados através de sentidos dominantes ou preferenciais, talvez, o questionamento sobre os modos de ficcionalização possa conduzir à reflexão sobre as matrizes socioculturais que alimentam e são alimentadas em nossas teletopias; afinal, a mudança nos modos de narrar diz da experiência ficcional em seu sentido mais amplo a própria forma pela qual a novela, entendida como fabulação, enreda-se às narrativas cotidianas que elevamos à condição de realidade compartilhada.

64 63 #OIOIOI4 PERCORRENDO AVENIDA BRASIL A telenovela Avenida Brasil tornou-se foi um dos maiores sucessos da história da televisão brasileira. Nas palavras de Lopes e Mungioli (2013, p.129), um fenômeno midiático (media event), um marco de teledramaturgia, (...) uma narrativa da nação. A partir de qualidades oriundas de uma competente produção narrativa, assim como das novas condições de socialização em plataformas digitais, Avenida retomou a expressividade das telenovelas enquanto processo amplamente socializante, mesmo diante de audiências cada vez mais fragmentadas e dispersas. Nessa direção, as autoras supracitadas destacam que (...) o sucesso e o impacto de Avenida Brasil decorrem de um conjunto de fatores que, em nosso entender, elevou o grau de exigência do público e da crítica a um novo patamar. Esse patamar se caracteriza pela adoção de recursos narrativos e estéticos que colocam Avenida Brasil como um divisor de águas em termos de telenovela. Como ocorreu com Beto Rockfeller (Tupi, 1968) considerada responsável pela criação de um novo paradigma de telenovela pela adoção de um modo de narrar e de representar os brasileiros na TV, Avenida Brasil abordou temas e problemas já vistos em outras telenovelas, mas o fez incorporando e traduzindo de maneira magistral o esprit du temp de um país no qual ocorrem grandes mudanças sociais que criam espaços simbólicos nos quais reverberam os discursos de novos protagonistas. (LOPES; MUNGIOLI, 2013, p.156, grifos meus). No intento de registrar parte dessa expressividade, exponho a novela a partir da compilação de alguns dos seus elementos narrativos, valendo-me, para tanto, de recursos como textos informativos, resenhas, diálogos, fotos e vídeos; em outra medida, em vista da caraterização dos trânsitos do folhetim sobre os espaços digitais, integro ao presente capítulo alguns discursos e conteúdos produzidos por internautas em suas atividades de interação. Essa estratégia prospectiva afina-se não somente à singularidade de Avenida Brasil no que refere a cada eixo analisado nesta dissertação, mas, ainda, aos mecanismos de remissão e entrelaçamento que aproximam os mundos montados pela novela às dinâmicas reais de produção do espaço, tanto social quanto subjetivo.

65 64 No intuito de percorrer os sete meses de exibição de Avenida, divido esta apresentação em quatro momentos (pré-lançamento, início, clímax e desfecho), sendo que, em cada uma dessas etapas, intercalo os acontecimentos televisivos aos registros discursivos recolhidos nas mídias digitais. A partir desses recortes, busco entrever diferentes elementos que constituíram e atravessaram as teletopias de Avenida Brasil, sendo a estratégia de exposição cronológica uma forma de evidenciar processos que se estenderam e se diferiram ao longo do tempo. Esclareço, nessa direção, que a seleção dos elementos aqui reunidos e a combinação final do arranjo empírico evidenciam, nos termos de Iser (1996), uma intencionalidade analítica voltada para as questões mais próprias à dimensão do espaço, indiciadoras, portanto dos trânsitos que compõem aquilo que entendo como teletopia. Justifico, ainda, que a construção desta empiria não necessariamente apresenta um compromisso sequencial, na medida em que certos eventos podem ser expostos de forma precoce ou tardia em relação ao curso da trama, cabendo às contingências de cada texto determinar o momento mais oportuno para abordá-los. 4.1 Pré-Lançamento 42 Através desse tweet, a Rede Globo anunciou, no dia 25 de janeiro, sua nova novela do horário nobre. Na televisão, o mesmo anúncio ocorreu cerca de um mês depois, quando a emissora levou ao ar as chamadas do folhetim. Dentre esse material, destaco as 42 Tweet publicado pela conta oficial da Rede Globo. Fonte: Twitter. Por razões de economia discursiva, observo que esse tipo de post não será identificado nas inserções seguintes, tendo em vista à autorreferencialidade estética dos fragmentos (layout, fonte, posição da data, conta do -, link Expand ).

66 65 primeiras imagens veiculadas sobre a trama um teaser 43 de 15 segundos no qual a pequena Rita transforma-se na vingativa Nina. Fonte: Material coletado na Internet. Montagem autoral. Rita: Ela levou minha família. Tirou minha casa. Nina: Mas isso não vai ficar assim. Agora ela vai ter que pagar pelo que fez. Juro. Narrador: Até onde você iria por justiça? (...) (Primeiro teaser de Avenida Brasil, disponível no DVD em anexo). 43 A novela contou ainda, em sua fase de pré-lançamento, com outros teasers que apresentavam, nominalmente, os personagens da trama. Nesses vídeos, destacam-se as primeiras maldades de Carminha (maltrato e abandono de Rita, promessa de aplicar um golpe em Tufão), assim como o sucesso do jogador de futebol junto ao time do Flamengo.

67 66 Após o término morno da novela Fina Estampa (Rede Globo, ), a nova trama de João Emanuel Carneiro se viu cercada de expectativas. Voltava ao ar o universo criativo do autor de A Favorita (Rede Globo, ) e, com ele, a possibilidade da teledramaturgia brasileira ganhar outras narrativas de fôlego em seu horário mais nobre 44. Em sua quarta novela (a segunda na faixa das nove), o novelista resolveu apostar na vingança como arcabouço narrativo, temática recorrente em outras produções dramatúrgicas, inclusive na própria telenovela brasileira. No caso de Avenida, junto ao teaser de lançamento, foi divulgado que a trama giraria em torno da desforra da protagonista Rita contra a vilã Carminha mulher esta que, no passado, havia destruído a família e a vida da mocinha. Através desse conflito, e tal como em sua novela antecessora, Carneiro voltava a tensionar as fronteiras morais que, nas cartilhas da teleficção, costumam tipificar e segregar os personagens entre o bem e o mal ; dessa vez, o investimento foi, ao menos inicialmente, na construção da justiceira Nina/Rita, uma espécie de vilã às avessas que adquiriu legitimidade dramática para fazer mal àqueles que arruinaram sua infância. O tempo passa, mas o ódio não. Rita em três momentos: ainda criança, ao ser abandonada pela ex-madrasta em um lixão; já adulta, após ter sido adotada por uma família argentina; e, de volta ao Brasil, em meio ao seu plano de vingança. Fonte: Portal UOL. Montagem do site. 44 A Favorita foi um grande sucesso de público e crítica, sobretudo em função do jogo ficcional proposto pelo autor: no chamado primeiro ato da obra, o folhetim não deixava claro a moralidade de suas protagonistas, de maneira que, durante esse período, não era possível identificar quem era a vilã e quem era a heroína do enredo. Além disso, na trama em questão, João Emanuel já evidenciava características que, amadurecidas em Avenida, concorreram para o sucesso de ambos os folhetins, tais como: inspirações em dramaturgias clássicas, trama central forte, elenco reduzido e ganchos de suspense a cada capítulo.

68 67 Além da temática da vingança, outra escolha de João Emanuel, evidenciada antes mesmo da estreia de Avenida Brasil, relacionava-se às ambiências selecionadas e combinadas pelo autor na montagem de seu mundo ficcional. Nesse sentido, as primeiras chamadas do folhetim e, particularmente, o nome escolhido para estória já demarcavam a centralidade das modulações espaciais sobre o contexto da novela. Em vista do segundo caso, nota-se que a referência a uma espacialidade real uma avenida concreta trouxe um inusitado elemento para o coração da narrativa, gerando um estranhamento que sinalizava, desde o seu pré-lançamento, alguns rearranjos operados pela trama. Quanto às chamadas, registra-se, particularmente, a presença de duas espacialidades, ambas marcadas por certa originalidade frente às escolhas cenográficas habitualizadas pela televisão: um fictício bairro da periferia carioca, supostamente situado às margens da avenida que nomeia o folhetim; e um aterro cenográfico, também ficcional, montado nos estúdios da Rede Globo. Na televisão, além dos teasers, a telenovela foi anunciada pela tradicional chamada de elenco que antecede a estreia dos folhetins, mecanismo através do qual o público passa a conhecer a escalação de atores da próxima produção da emissora. Nas imagens, Avenida Brasil voltou a despertar curiosidade em torno de alguns elementos, que, acentuados no decorrer da trama, viriam a configurá-la, estético e dramaturgicamente: um elenco reduzido e um número considerável de atores estreantes; uma fotografia escurecida; a música Oi, oi, oi ( Vem dançar contudo, de Robson Moura e Lino Krizz), um ritmo até então desconhecido; a inscrição da narrativa no universo popular da periferia e do futebol. Nesse período, além dos vídeos exibidos na TV, o público também passou a conhecer Avenida Brasil a partir de informações que circulavam em outras mídias, tanto em jornais e revistas, quanto em plataformas online. Dentre esse material, destaco algumas declarações fornecidas pelo próprio autor da novela, como a entrevista parcialmente compilada na página seguinte, concedida ao jornal Folha de São Paulo 45. Na matéria, João Emanuel Carneiro comenta, entre outros temas, a questão da centralidade espacial da periferia em sua narrativa, assim como a relação entre tal escolha 45 João Emanuel cria mocinha anti-heroína em nova novela. Jornal Folha de São Paulo, Caderno Ilustrada, de 4 de março de Disponível em: <

69 68 e o fenômeno extramidiático de ascensão da nova classe média brasileira 46, a famigerada nova classe C. Nesse sentido, chamo a atenção para a afirmação de que, na concepção do novelista, os espaços e personagens da trama, tomados a partir de suas inspirações populares, não se relacionavam a nenhuma pretensão sociológica de abordar um Brasil real e tampouco de dialogar com as questões emergidas dos câmbios sociais atravessados pelo país: Tanto que eu inventei um bairro que não existe, é o meu subúrbio, não tenho de prestar satisfação a nada. Em vista de colocações como essas, João Emanuel buscou afirmar sua novela como prática de livre de fabulação ( meu subúrbio, criado na minha cabeça ); ainda que, em outra medida, tenha reconhecido certo exercício de observação quanto ao Brasil do Lula e ao poder de consumo recém adquirido pela nova classe média. Nessa 46 Em estudo realizado no âmbito da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Neri (apud OBITEL, 2012) aponta que, entre os anos de 2003 e 2011, cerca de 40 milhões de pessoas passaram a integrar a classe média brasileira, sendo a classe C, à época do levantamento (2011), responsável por 52% do total da população do país. Fonte: NERI, Marcelo. A Nova Classe Média. São Paulo: Caderno Mercado, Folha de São Paulo, 29/01/2012. Sobre o tema, ver também: NERI, Marcelo. A Nova Classe Média. O lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro: CPS/IBRE/FGV, 2010.

70 69 direção, adianto que, percorridos os 179 capítulos do folhetim, de fato, o novelista ocupou-se mais com a maquinação de seu universo dramatúrgico do que com uma possível relação ficção/realidade. Em outra medida, mediante à expressiva reverberação da novela, a desambição sociológica de Carneiro foi aquebrantada pelos jogos de apropriação social da narrativa movimento encarnado pelo próprio novelista que, ao final da trama, reconheceu que o seu mundo sem satisfações veio de uma antena boa para sacar o Brasil 47. Além das declarações de Carneiro, a fase de pré-lançamento da novela foi marcada pela veiculação nas redes sociais de informações que giravam em torno da produção dos primeiros capítulos, como pequenos spoilers, curiosidades de bastidores, informações sobre o elenco, entre outros. Esse material vinha, quase sempre, da própria Rede Globo, através de publicações no Facebook e no Twitter, sendo posteriormente replicado em sites de entretenimento, em blogs especializados e pelos internautas em geral. Do ponto de vista dos trânsitos recepcionais, pontuo que, nessa etapa, além de um estado de expectativa em torno da nova fabulação de Carneiro, os internautas teceram comentários que criticavam o papel social desempenhado pela telenovela no Brasil. Esse comportamento revelou-se, desde o início, pouco recorrente nas redes sociais, sobretudo no Twitter, o que, a meu ver, sinaliza a natureza dos vínculos de sociabilidade estabelecidos a partir da telenovela nessas plataformas. Em contrapartida, nos sites informativos (Portal Terra, UOL, IG, site da Folha de São Paulo, Revista Veja) e nos blogs em geral (tanto particulares, quanto filiados a veículos de comunicação), nota-se, mais sistematicamente, a presença de discursos contestativos, atravessados por denúncias ao poder de manipulação da Rede Globo, à presença alienante da telenovela na cultura brasileira, à banalização dos critérios jornalísticos (que elevam eventos teleficcionais à categoria de notícia), e, ainda, à proposta dramatúrgica do folhetim (avaliada como repetitiva, plagiosa). Cartum88: Globo, a emissora que apoiou a ditadura sem mais. Ana Lu: Mais do mesmo. O cara leu O Conde de Monte Cristo e provavelmente era fã do seriado Revenge (que nada mais é que uma versão modernosa da mesma história). Aí, pegou a receita que já deu certo, trocou a loira pela morena num cenário carioca e voalá! Fez um remake do remake, entendeu? 47 Disponível em: <

71 70 Aventura_Alex: Apesar de não estar impressionado com o quadro de atores escolhido, torço para o João Emanuel acerte de novo como fez com a excelente A Favorita. 48 RicBuiz: Incrível como grande parte do povo brasileiro ainda perde tempo com novelas, quem sabe um dia isso melhore, aí seremos primeiro mundo. Anne Marie SchaimSterblitz: Agora que o Brasil passa por um crescimento econômico, o cultural devia acompanhar. Está na hora da população buscar alternativas melhores de entretenimento do que novela, BB, programas de fofoca e idiotices em geral. Alex Oliveira: Pensamento miúdo medir a inteligência de alguém por certos hábitos. Às vezes alguém que é provido de boa cultura OPTA por acompanhar uma novela sem deixar de ter acesso a outras formas de entretenimento. Até porque, acima de tudo, a telenovela é uma ficção como qualquer outra, por vezes superior a muitos filmes e literatura. Ao passo que não gostar de assistir novelas e preferir filmes não atesta o valor intelectual de ninguém. 49 Já nos blogs sobre televisão e entretenimento, a repercussão antecipada de Avenida Brasil apresentou enquadramentos críticos mais moderados. Nilson Xavier, por exemplo, em seu blog vinculado ao portal UOL 50, elencou uma série de aparentes filiações entre a trama de João Emanuel e outras obras ficcionais, oriundas da literatura, do teatro, da própria teledramaturgia nacional e, mais notadamente, da série de televisão estadunidense Revenge (EUA, ABC, 2011). Entretanto, o blogueiro que, com o tempo, revelou-se um fã de Avenida, encerrou seu texto fazendo referência à vocação intertextual da dramaturgia folhetinesca, na qual, em sua acepção, (...) as histórias se repetem. Mas muda a embalagem e a forma de contar. E as inspirações podem vir de várias fontes. Pelo exposto, percebe-se que, como é comum às novelas das 21h da Rede Globo, o início de uma trama é amplamente divulgado, sobretudo diante das atuais possibilidades de divulgação midiática em meio às redes sociais digitais. Tenta-se, como estratégia de 48 Comentários foram retirados do Portal UOL, em retorno à matéria Avenida Brasil estreia com história de vingança e alpinismo social, de James Cimino e Thays Almendra, publicada em 26/03/2012. Disponível em: < 49 Comentários retirados da matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, descriminada na nota de rodapé número Em matéria intitulada Trama central da novela Avenida Brasil lembra a série americana Revenge, de 05/03/2012. Disponível em: <

72 71 produção, gerar um clima de acontecimento midiático, o que, nesta fase, é recebido com certa suspeita pelo público em geral. No entanto, a assinatura que João Emanuel vem consolidando através de seus trabalhos 51 as telenovelas Da Cor do Pecado (Rede Globo, 2004), Cobras e Lagartos (Rede Globo, 2006) e A Favorita foi responsável por um frisson em torno de um novelista tido como inovador. Por outro lado, a antecipação dos motes básicos da trama despertou comentários fastidiosos e negativistas sobre a narrativa, ora centrados na falta de criatividade da TV, ora relacionados à pobreza da sociedade da telenovela. De qualquer forma, essa primeira reverberação teleficcional, ainda desvinculada de um projeto narrativo evidente e de formas consistentes de engajamento afetivo, fez de Avenida Brasil um acontecimento midiático em potencial, ainda bastante distante da dimensão massiva que, sete meses depois, culminaria na completa midiatização de seu último capítulo. 4.2 A estreia Avenida Brasil, Rio de Janeiro Bola e imagens em movimento. Pipa, futebol, bicicletas, suor, sol. Mais futebol. Do campo ao trilho: o metrô. Pedestres. PF, ovo frito, almoço no boteco. Uma mangueira e um carro: a rua. Uma mangueira, uma mulher e o calor: um corpo. Um corpo, um copo, uma cerveja suada. Um gole. Gol! Cadeira de praia no asfalto, caixa de isopor, vizinhos. 51 Avenida Brasil tornou-se a telenovela da Rede Globo mais licenciada no exterior, tendo sido, até o fechamento deste texto, traduzida para 19 idiomas e vendida para 125 países. Dados disponíveis em: < paises>.

73 72 Dia quente: a tela-pele transpira e acelera: metrô, gente, imagens, sinal, lotação, água, mais rua, negros, música, dança, camelôs, mais gente, crianças. Enfim, periferia. Na voz de Arlindo Cruz (...) o meu lugar, é sorriso, é paz e prazer, o seu nome é doce dizer... É Divino... Sequência-epígrafe de Avenida Brasil (DVD). Fonte: Site oficial da novela. Montagem autoral. Foi com a sequência descrita que João Emanuel Carneiro introduziu, na noite de 26 de março de 2012, a telenovela Avenida Brasil. Naquele dia, uma segunda-feira, o folhetim alcançou a média de 37 pontos no Ibope, com índice de 57% de participação 52 um desempenho razoável, ainda que inferior aos números de Fina Estampa, que, em 52 Um (1) ponto na audiência equivale a 1% do universo pesquisado pelo Ibope, sendo as amostragens variáveis. Já a participação (ou share) representa o número de aparelhos sintonizados no canal diante do universo de todos os aparelhos ligados (ou seja, no caso de Avenida Brasil, a cada 100 televisores, 57 estavam acompanhando a trama). Ambos os índices são avaliados em São Paulo e no Rio de Janeiro.

74 73 seu capítulo de estreia, atingiu, nos mesmos avaliadores, as marcas de 41 pontos e 57% de share. Contudo, se do ponto de vista da audiência o capítulo inaugural da nova novela da Globo não foi surpreendente, enquanto produto televisivo, Avenida Brasil teve uma estreia audaciosa. Pela ótica da narrativa, o folhetim trouxe, desde suas primeiras imagens, aspectos expressivos que foram determinantes para o amplo engajamento de sua audiência. No caso, a sequência de abertura responsável por localizar temporal e espacialmente a primeira fase da novela, circunscreveu a boa periferia carioca como ambiência narrativa, gerando impacto pela qualidade estética da composição fotográfica de suas imagens. O fictício Divino começava a ganhar corpo na voz de Arlindo Cruz, ou melhor, nas vozes em coro que substituíram o refrão de Meu Lugar Madureira, la, laia... pelo nome do bairro carioca fabulado por Carneiro. Ainda na sequência, a imagem de alta resolução, os planos com diferentes usos de luz, a câmera em movimento e a edição sincopada aliaram-se à motivação dramatúrgica do novelista em estampar um subúrbio de paz e boa vizinhança; espaço no qual a sociabilidade das ruas é extensão do mundo da casa, lugar onde vive uma gente batalhadora e feliz, feita de lágrimas, suor e risos. Nesse prelúdio, o espectador foi convidado a seguir pela avenida Brasil em direção a um mundo ficcional não fortuitamente batizado de Divino, sendo que, dessa periferia idílica e da classe social ali residente, a telenovela se construiu enquanto estética de imagem e singularidade narrativa. Essa concepção romântica da periferia carioca, a propósito, atravessou todos os capítulos do folhetim. Além das cenas de abertura uma epígrafe em tom de ode, a equipe de produção editou um vídeo que foi disponibilizado na página oficial da novela, intitulado O jeitinho Divino de ser. Nesse material, as cenas selecionadas reproduzem todos os clichês que perfilam nosso imaginário de nação, tais como: uma partida de futebol; mulheres gostosas desfilando em trajes reduzidos; um concurso de beleza (o Miss Chapinha ); mulheres nem tão corpulentas papeando no salão; cenas de botequim (sinuca, tira-gostos e cerveja gelada); números coletivos de dança. Nas palavras do personagem Diógenes um bonachão carioca, técnico do Divino Futebol Clube e proprietário de uma loja de confecção no bairro: no tablado ou no gramado, ninguém barra o nosso gingado. Sobre esse subúrbio margeado por Avenida Brasil, Lopes e Mungioli escreveram que:

75 74 No local vivia quase a totalidade dos personagens, no qual pulsava a grande paixão de seus moradores: O Divino Futebol Clube. (...) Nesse cenário, surge a enunciação do subúrbio idealizado: as conversas de bar sobre futebol e mulheres, as cadeiras na calçada, a solidariedade entre a vizinhança, o pagode, a intensidade dos dramas familiares (...). (LOPES; MUNGIOLI, 2013, p.157). O Divino em fragmentos espaciais: na parte superior, o salão de beleza da microempresária Monalisa e o bar do malandro Silas; abaixo, a loja de Diógenes e a sede do Divino Futebol Clube. Destaque para o colorido das composições. Fonte: Portal UOL. Montagem autoral. Nesses termos, Avenida estabeleceu, desde sua estreia, uma marca espacial que demarcou lugares ousados de encenação teledramatúrgica. Em decorrência do protagonismo espacial da periferia na trama de João Emanuel Carneiro, o que vimos ao longo de seus meses de exibição, reproduzido em diversos discursos desde produtos de mídia até conversações informais foi que a novela diferenciava-se por trazer, à primeira cena, uma situação de cotidianidade comum a milhares de brasileiros. Nesse contexto, o fictício bairro do Divino protagonizou uma guinada teleficcional em direção à periferia carioca raro pretérito à televisionada Avenida Viera Souto e suas adjacências beira-mar. Esqueçamos, portanto, os costumes bossanovistas e a política da agradável vizinhança do Leblon e das Helenas de Manuel Carlos; no Divino, roupa suja se lava na rua, silêncio é sinônimo de recalque e extravagância é indício de personalidade.

76 75 Outro traço popular inscrito sobre a narrativa de Avenida Brasil refere-se à composição da abertura da novela (DVD). Finda a exibição do primeiro bloco da trama no qual vimos cenas da boa periferia carioca, do futebol e da madrasta má entrava no ar uma sequência escura, na qual um grupo animado dançava um ritmo africano semelhante ao tecnofunk, o kuduro. Ou seja: nada parecido com o sofisticado tango eletrônico que apresentava A Favorita, novela anterior de Carneiro. Além disso, enquanto na trama de Flora (Patrícia Pilar) e Donatela (Cláudia Raia), a abertura era uma síntese do conflito básico do enredo, arranjada por uma estética de grafic novel, em Avenida, bailarinos incorporavam o ritmo Oi,oi,oi em um ambiente indefinido, relacionável, a um só tempo, a uma casa noturna (na qual as pessoas dançavam), porém situada sobre um espaço público (em vista da luz dos faróis e da presença de passarelas). Cenas da abertura de Avenida Brasil. Fonte: Site oficial da novela. Montagem autoral. No que pude perceber (nas redes sociais e em conversas cotidianas), o oi, oi, oi da canção foi recebido com desconfiança, não evidenciando aquilo que, em poucos meses, tornar-se-ia o principal signo acústico da novela, um índice altamente remissivo ao universo fabular de Avenida (a repetição ritmizada do fragmento tornou-se um dos bordões instalados pela trama, frequentemente acionado para identificá-la). De qualquer forma, apesar da aparente desconexão narrativa frente ao enredo, a abertura da novela sugeria a centralidade de uma periferia urbana e cultural, que, apesar de figurar em quase todos os folhetins, raramente é elevada à condição de centro teledramatúrgico Vale ressalvar que Avenida Brasil não foi a primeira telenovela a dar destaque à bairros periféricos. Nesse sentido, destaco duas ocorrências mais recentes: (1) Vidas Oposta (Rede Record, ), novela de Marcílio Moraes que tematizava uma relação de amor entre protagonistas de diferentes classes sociais, sendo a mocinha uma moradora de um perigoso morro do Rio de Janeiro; (2) Duas Caras (Rede Globo, ), trama de Aguinaldo Silva na qual um importante núcleo de personagens (Juvenal Antena e cia.) vivia na fictícia favela da Portelinha. Além disso, em diversas outras tramas, o bairro popular

77 76 Nos espaços de circulação netnografados, esse esforço em contextualizar Avenida Brasil a partir de uma estética da periferia movimentou parte das primeiras impressões dos internautas sobre o folhetim: enquanto alguns telespectadores avaliaram positivamente a retirada da teledramaturgia da redoma existencial das classes elitizadas, outras inserções angulavam esse deslocamento a partir das estratégias de comercialização da Rede Globo, no caso, orientadas para o mercado simbólico movimentado pelos setores populares e emergentes da sociedade. No âmbito dessa discussão, a temática atrelada à nova classe C motivou calorosas discussões nos blogs e sites de crítica especializada (Nilson Xavier, Maurício Stycer, Hugo Gloss, Fernando Oliveira, Heloísa Tolipan, dentre outros): de forma uníssona, os articulistas inseriram a produção de Avenida no contexto da midiatização da nova classe média, em vista da qual nota-se o recrudescimento de uma série de narrativas midiáticas filiadas a uma suposta estética de classe 54. Os internautas que comentavam as postagens, por sua vez, dividiam-se entre elogios à narrativa de Avenida, críticas generalistas à televisão, e, no que me interessa destacar, uma expressiva rejeição ao rótulo nova classe média. Nesse último sentido, os argumentos variavam desde posicionamentos preconceituosos ( a televisão está se rendendo à baixaria das classes populares ascendentes ), até colocações, no meu entendimento, mais razoáveis ( essa nova produção ficcional está forjando um conceito de classe que não se traduz enquanto materialidade sociocultural ). Outro argumento levantado pelos internautas diz respeito à imprudência de um suposto enviesamento de classe atribuído a uma ficção tão socializante quanto a telenovela; nessa direção, os discursos endossam que, independente da origem social, o que determina a expressividade do gênero é a comunicabilidade de uma boa estória, e não uma conjuntura socioeconômica modeladora de personagens e espacialidades. Raquel Alves: Coisa chata, essa de "a nova classe C". Não digo que esse não é um grande público, mas sempre houve novelas que exploraram um núcleo suburbano. Eu não sou classe C, e já estou gostando dessa novela, esses tipos que estão sendo apresentados são muito mais reais e convincentes do que aqueles que moram no Leblon e batem palmas para o Sol. Pra mim tanto faz a classe social, o importante é ter uma história bem escrita. geralmente reduto da comicidade dos folhetins coadjuvou junto aos tradicionais espaços de construção dramatúrgica. 54 Telenovelas como Aquele Beijo (Rede Globo, ), Cheias de Charme (Rede Globo, 2012) e Fina Estampa ; humorísticos como A Grande Família (Rede Globo, 2001) e Tapas e Beijos (Rede Globo, 2011); programas de auditório como o Esquenta! (Rede Globo, 2011), entre outros.

78 77 Mauricio Silva: 1. Qualidade jamais pode ser considerada elitismo, pois abrimos espaço para que a falta de qualidade seja considerada artimanha para atrair o público. 2. Divisão de classe A, B, C, etc. é algo que não faz sentindo no meio cultural, é discurso de economista dos anos 90, já que cultura e consumo lidam com desejo e desejo ultrapassa fronteiras de classe social. 3. Ricos engraçados e pobres dramáticos está longe de ser uma novidade em novelas. 4. Por favor, vamos esquecer esse negócio de tendências, empobrece o texto. E pobreza, segundo ti, está relacionado a drama! Bruna Campos: Essa novela começou tirando o folego do telespectador, com uma temática nova dentro do que estamos acostumados a ver. Com um elenco de primeira e um texto afiadíssimo. Adriana Esteves pelo o que apresentou nesse dois capítulos já posso dizer que ela será como Nazaré Tedesco, vai estar pra sempre em nossa memória. Tomara que o público responda a altura com relação a audiência. 55 Leonardo Medina: Viva as TVs a cabo de todo o Brasil e a Sky... DJLewis: Transformaram a "nova classe C" em clichê e associar a ela uma estampa de sujo, suado, mal educado, trejeitos e linguagem coloquial, povão etc., não concordo. Generalizar desse jeito um "espelho" soa esnobe, com certeza vão carregar na tinta. Christiane Silva: Só consigo pensar nas palavras de José Wilker em uma entrevista para a revista Cultura de fevereiro: "Há uma coisa gozada no caso do acesso que o Brasil está dando no audiovisual para as classes C e D, abaixando o nível das produções. ISSO É CRIMINOSO. Vamos começar a dar a eles alguma coisa mais substancial do que SE ADAPTAR À PASMACEIRA." SethSP: Ultimamente virou até um "hit" se falar em classe C...Oras...nada contra pessoas subirem na escala social e ter mais bens de consumo, mais dinheiro, mais conforto...mas o que as pessoas não veem é que essa mesma "classe" está estagnada culturalmente...não se tem educação ali (...). De nada adianta ter mais bens de consumo se não houver a palavrinha mágica: EDUCAÇÃO...Pelo meu lado, vou passar longe dessa novela... Marinho: Retrata a realidade brasileira? Só tem gente branca nessa novela. Acho que retrata a realidade da Suécia. 56 Ainda com relação à teletopia do subúrbio ensejada por Avenida Brasil, destaco trechos da crônica O bairro do Divino, o baile Charme e Madureira, de autoria de Pedro Alexandre Sanches, colunista do portal Yahoo. No texto, publicado meses após a estreia 55 Comentários em resposta ao texto Avenida Brasil convida classes elitizadas a dançar kuduro, de Nilson Xavier. Disponível em: < 56 Comentários em resposta ao texto Avenida Brasil oferece um espelho para a nova classe C, de Maurício Stycer. Disponível em: <

79 78 do folhetim, Pedro faz uma comparação entre o subúrbio ficcional televisionado pela Rede Globo e Madureira, espacialidade real que inspirou a canção Meu lugar, de Arlindo Cruz. Para tanto, o cronista convoca o olhar de Marcello Silva, em suas palavras, um filho de Madureira, morador do eixo Rio-Nova York, entusiasta do movimento charme, líder do grupo Dughetto. Em Avenida, o ritmo do charme embalava os passos coreografados de Suelen, Darkson, Iran, Silas, entre outros personagens. 57 Além de assuntos relacionados ao contexto da periferia e da nova classe média, os internautas também valeram das plataformas digitais para expressarem uma série de elogios à trama de João Emanuel Carneiro. Em minhas incursões à rede, constatei uma tendência elogiosa que atravessou parte significativa dos comentários postados nas redes 57 O texto na íntegra encontra-se disponível em: <

80 79 sociais, sobretudo no Twitter e no Facebook. Ainda que, do ponto de vista quantitativo, o folhetim de João Emanuel Carneiro não tenha alcançado nenhum grande feito em sua estreia a audiência mediana foi, inclusive, tema pautado pelas conversações, do ponto de vista qualitativo, a recorrência de comentários positivos já apontava para o sucesso que marcaria o curso da novela. Em geral, os elogios dirigiam-se ao próprio novelista, à ação eletrizante do capítulo, à qualidade da interpretação de alguns atores (sobretudo, Adriana Esteves, Mel Maia e Tony Ramos), e, mais raramente, à textura diferenciada da imagem levada ao ar e à competência da equipe de diretores. Nesse sentido, coloco que, se, antes da estreia, o tema da vingança foi considerado repetitivo, nas postagens publicadas no Twitter na noite do dia 26 de março, as denúncias dessa ordem foram subsumidas em razão proporcional ao aumento de tweets otimistas, muitas deles confiantes de que Avenida Brasil seria, finalmente, uma novela diferente. Esses comentários exaltosos, não raro, tinham como motivação certa fadiga frente às narrativas televisivas tradicionais e aos últimos folhetins produzidos pela Rede Globo, constantemente acionados a título de comparação. Além disso, nesse momento de estreia, o índice de tweets com indexação de outros usuários ) apresentou um percentual menos significativo do que nos momentos de observação e codificação das interações no microblog 58, sinalizando que a comunidade de fãs online ainda estava em fase de formação e, portanto, não apresentava a motivação vinculativa que marcaria as postagens futuras. Da mesma forma, os links externos se limitaram a algumas matérias que já vinham circulando no período anterior à estreia e ao material de divulgação lançado pela emissora, além de fotos da cobertura, ao vivo, do encontro dos atores para assistir a exibição inaugural em uma churrascaria carioca. Nos dias seguintes ao primeiro capítulo, alguns blogueiros apressaram-se em colocar suas críticas para circular, utilizando-se do Twitter como espaço estratégico de remissão às suas páginas pessoais, algumas filiadas a grandes portais ( Você já leu a minha crítica? Veja em:, Minhas impressões sobre o primeiro capítulo de Avenida Brasil : ). Além dessas indexações, nos dias seguintes a estreia, os portais de informação deram notas sobre o primeiro capítulo da novela, destacando fatores já mencionados, como a audiência pouco expressiva e a trama de fôlego levada ao ar. 58 Através da técnica de codificação aberta dos tweets, percebi um aumento significativo de postagens que acionavam, diretamente, outros usuários do microblog. Enquanto na 1ª. Amostra (estreia da novela) o índice de tweets com indexação era cerca de 25% das postagens analisadas (73/300), na última coleta (capítulo final), esse índice correspondia a 44% do total de tweets avaliados (123/300).

81 80 A meu ver, o capítulo de estreia de Avenida Brasil foi uma parte importante do percurso de êxito que marcou a novela. Em sua primeira exibição, o folhetim de João

82 81 Emanuel Carneiro ofereceu ao público um enredo provocativo, que, desde seus primeiros movimentos, despertou um engajamento atípico sobre a audiência. Entre outros fatores, essa dinâmica de vinculação foi despertada a partir da agilidade da trama similar, em termos de ritmo e composição, à estrutura episódica dos seriados televisivos. A propósito, esse dialogismo ficcional intensificou a ação presente do enredo conflito, clímax e reviravolta em um só capítulo, rompendo, em partes, com as temporalidades mais lentas da telenovela 59. Com relação ao capítulo, observo que algumas cenas encontram-se disponíveis no DVD em anexo: além da sequência-epígrafe, destaco ainda as imagens de Tufão, o craque do futebol, o primeiro embate entre Carminha e Rita, esta ainda criança, e a morte de Genésio. Em sua versão integral, a estreia contou ainda com a apresentação de outros personagens, entre os quais destaco a cabelereira Monalisa, namorada de Tufão; Max, o amante e comparsa de Carminha; e Cadinho, o empresário bígamo da Zona Sul. Na trama, a alternância entre diferentes núcleos trouxe uma variação de tons narrativos à novela: mudava-se de uma sequência de suspense, tensa e elétrica, para outra, cômica e despretensiosa. Tal pendulação psicológica, característica estilística assumida por João Emanuel Carneiro (e bastante típica às matrizes ficcionais do melodrama), marcou todo o folhetim, sendo que, mais tarde, a narrativa amorosa também passou a ocupar um lugar estratégico nesse comboio emotivo. Entretanto, ressalvo: o primeiro capítulo de Avenida Brasil não tematizou o amor, mesmo diante da centralidade deste tema no contexto da teleficção. Contrariando a premissa de que as telenovelas sejam narrativas de tala ordem, João Emanuel propôs, em sua estreia, uma estória de ódio. Em alternância ao amor à primeira vista, o que vimos foi a genealogia de um sentimento íntimo de malquerença, alimentado por uma criança bastante esperta contra sua terrível madrasta. No caso, a Branca de Neve do subúrbio, retirada do palácio e colocada em uma casa ordinária de classe média, sofria com os 59 Ao longo de sua exibição, Avenida Brasil foi comparada, em seus modos de ficcionalização, aos seriados televisivos, marcadamente, aqueles de origem estadunidense e de ampla circulação mundial. Conforme já destacado, esse apontamento surgiu ainda no pré-lançamento do folhetim, tendo em vista as convergências temáticas entre a série Revenge e a novela brasileira. Independente da alegação de plágio (a meu ver, despropositada, como se a temática da vingança houvesse sido inaugurada pela trama norteamericana), de fato, Avenida revelou uma construção narrativa e estética próxima à serialidade episódica do tipo semanal, na qual o volume relativamente baixo de filmagem possibilita um trabalho mais cuidadoso de produção e um enredo mais concentrado. Nesse contexto, o folhetim se destacou por ter levado ao ar uma trama não apenas bem acabada, do ponto de vista da imagem, mas também envolvente enquanto fabulação.

83 82 maltratos da esposa de seu pai, uma mulher fria e dissimulada que estava prestes a aplicar um golpe no marido. - Sua mãe morreu. Tá morta e enterrada. Tá embaixo da terra. E as minhocas já comeram todo o corpo dela. Você ouviu isso? As minhoquinhas comendo o corpo da mamãezinha... Primeiro confronto entre Carminha e Rita. Fonte: site oficial da novela. Montagem autoral. Em outro núcleo, agora iluminado por milhares de refletores, conhecemos Tufão jogador de futebol do Flamengo, artilheiro do campeonato carioca e autor do gol que dera a vitória do campeonato estadual ao time rubro-negro. Nessas cenas, um pequeno estádio da cidade de Uberlândia transformou-se em uma Maracanã lotado, com direito à narração icônica de Cleber Machado conhecido locutor da Rede Globo. Do gramado à rua, o artilheiro pede sua namorada, a metafórica, estrogonôfica, mesopotâmica Monalisa, em casamento; com direito à carro de som, show man e plateia. A resposta: Sim. Fonte: site oficial da novela. Montagem autoral.

84 83 Ao som de Rita Lee Deus me proteja, da sua inveja, Deus me defenda da sua macumba... as imagens tomam a Avenida Brasil em direção à Zona Sul. Lá, somos apresentados ao universo nada crível de Cadinho, suas duas esposas e seus dois filhos. Detalhe: elas não se conhecem, sendo que o sujeito engana ambas, passando metade do tempo em casa e a outra metade viajando a negócios. Com uma música de espionagem barata, intencionalmente cômica, ele ordena ao motorista: - Toca para casa número 2. Cadinho entre suas esposas. Fonte: site oficial da novela. Montagem autoral. Fonte: site oficial da novela Ao fim do capítulo, Carminha é desmascarada por Rita e Genésio acaba ferido pela esposa, que o faz rolar por um lance de escadas. Ela parte pisando sobre ele, enquanto a câmera, cúmplice da dor do homem estirado ao chão, registra o ocorrido através de um enquadramento contra-plongee. - Vai pro inferno! arremata a vilã.

85 84 Cambaleante, Genésio sai pelas ruas. Sob forte chuva, cai no meio da Avenida Brasil. Um carro ritmizado por uma música alegre Descobri que te amo demais, descobri em você minha paz... é interrompido por uma súbita trepidação. No parabrisa, a água da chuva mistura-se a sangue. No volante, Jorge Tufão se desespera. A morte de Genésio. Fonte: site oficial da novela. Montagem autoral. - Minha mulher, Carmem Lúcia. balbucia o homem ferido, tentando dizer mais... Enquanto Genésio falece nos braços do jogador, Tufão promete a sua vítima que irá procurar sua esposa e cuidar dela. 4.3 O Clímax Quinta-feira, dia 19 de julho de Capítulo de Avenida Brasil. À altura do capítulo 100, a telenovela de João Emanuel Carneiro era um sucesso inconteste. Nesse momento, os espaços digitais encontravam-se contaminados pela euforia coletiva em torno do folhetim, traço revelador de sua ampla aceitação social. Diante do engajamento do público, tanto nas redes sociais online quanto off-line, a quintafeira em questão tornou-se um significativo acontecimento dentre os vários pequenos eventos ficcionais propostos pela trama de Nina e Carminha. Configurava-se, assim, uma festividade matriciada, particularmente, no Twitter, em torno da hashtag #Oioioi100, que gerou grande expectativa sobre capítulo em questão. 60 Nesta seção, utilizo-me de um conjunto de ações dramatúrgicas que, simbolicamente, tiveram início no capítulo 100, mas que se estenderam por cerca de uma semana.

86 85 Entre outras ações, o microblog contou com um bem sucedido flash mob 61 organizado por duas blogueiras populares no âmbito da noveloesfera : no caso, Bic Muller e Nana Matta convidaram os telespectadores a congelarem 62 seus avatares em referência à finalização de cada capítulo da novela. A ideia deu origem à hashtag #avatarcongelado, que, por sua vez, alcançou o TTBr (Trending Topics Brasil) e mobilizou milhares de internautas em torno da centésima exibição do folhetim. A iniciativa contou ainda com a adesão de celebridades (como Willian Bonner, Suzana Vieira, Preta Gil, Luciano Huck, entre outros), o que amplificou a dimensão do acontecimento midiático promovido pelas blogueiras. Famosos mobilizados pelo Flash Mob: Fernanda Paes Leme, Willian Bonner, Suzana Vieira, Narcisa Tamborindeguy, Preta Gil e Aline Rosa. Fonte: Site Ofuxico. 61 Flash Mobs são aglomerações instantâneas de pessoas em certo lugar para realizar determinadas ações, em geral, inusitadas e previamente arranjadas. 62 O efeito de congelar marcava o fim de cada capítulo de Avenida Brasil. Acompanhado por uma trilha musical que crescia em volume, todos os dias, um personagem era enquadrado. O escolhido ( ser congelado significava importância no contexto da novela) tonalizava-se em tons de preto e branco. O sucesso foi tanto que foram disponibilizados na internet alguns tutoriais sobre como obter efeito semelhante em programas de edição de imagem, o que permitiu aos telespectadores congelarem fotos pessoais e, assim, publicá-las como avatares nas redes sociais.

87 86 Antenado a tal excitação, João Emanuel reservou para o capítulo 100 uma virada no folhetim: na ocasião, Carminha descobre que Nina sua fiel empregada era, na verdade, Rita, a menina que tivera sua infância destruída pela megera. A garota, após ter sido criada por uma família argentina, regressou ao Brasil disposta a revidar o mal que havia sofrido. Para tanto, infiltrou-se como cozinheira na mansão de Tufão agora, marido de Carminha, aproximando, intimamente, da inimiga, o que lhe permitiu recolher provas do seu adultério com Max (que, nessa altura, havia se casado com Ivana, irmã do jogador de futebol). Como estratégia de convocação ao capítulo, a emissora divulgou o que viria a acontecer na trama, gerando um clima de intensa ansiedade pelas imagens que seriam levadas ao ar. Dessa forma, João Emanuel e a equipe de produção da telenovela se valeram de uma estratégia, até poucos anos atrás, pouco comum à teledramaturgia nacional, aproximando-se, mais uma vez, das séries televisivas: afinal, nas séries, o episódio de número 100, quase sempre galgado por uma trajetória de quatro a cinco anos de produção, é comemorado como reconhecimento de um êxito, mérito de uma ficção que conseguiu sobreviver em meio ao competitivo mercado de séries análogas. Já na telenovela, o centésimo capítulo (garantia de quase todas as novelas que são levadas ao ar) não costuma receber maiores atenções, até mesmo em função de um modelo de serialização que, marcado pelo fluxo intenso e quase diário de conteúdos, dificulta a individualização de cada capítulo. Pois bem, em Avenida, a estória foi diferente, e a exibição de número 100 da telenovela tornou-se um marco na trama de João Emanuel, momento decisivo que, para muitos internautas, foi avaliado como o final antecipado do folhetim, tamanha a expectativa em torno da exibição.

88 87

89 88 Nos dias seguintes à centésima exibição, a tensão só fez crescer. Na verdade, o capítulo fatídico revelou-se bastante ordinário (no sentido de pouco especial), marcado por blocos inteiros em torno dos núcleos coadjuvantes o que, a propósito, gerou reclamações e piadas entre os internautas, alguns revoltados pelo destaque dado às tramas paralelas em um dia tão emblemático. O grande desenlace a descoberta de Carminha deu-se apenas no último bloco do capítulo, quando vimos o processo de desconfiança da vilã e suas averiguações. Nesse dia, a cena mais comentada foi aquela em que a suburbana, ao descobrir que fora enganada por uma falsa Rita (a personagem Betânia, amiga de infância da protagonista), sai dirigindo em estado de total descontrole. Literalmente bufando, a megera recobra os episódios que envolveram a falsidade de Nina, o que despertou ataques de ira e ódio na vilã do subúrbio. Descontrole de Carminha em meio ao trânsito. Fonte: site oficial da novela. Montagem autoral. O destaque da cena, segundo vários internautas, ficou por conta da atuação de Adriana Esteves, intérprete de Carminha. A atriz, que já vinha construindo uma personagem bastante expressiva (até mesmo careteira), aproveitou-se do tradicional close

90 89 facial da televisão 63 para dar vazão a uma energia odiosa que conferiu vivacidade à sequência em questão. Ao confirmar sua suspeita e, finalmente, descobrir a verdade, a personagem foi congelada, indicando que o capítulo 100 chegava ao fim, ainda que fosse apenas o início do clímax de Avenida Brasil. No que se refere ao fluxo de circulação da telenovela nas redes digitais, como parte do já mencionado entusiasmo da audiência, nota-se o surgimento ou a propagação de alguns modelos específicos de discursividade. Nesse sentido, a partir da observação do Twitter, destaco dois movimentos: (1) o primeiro relaciona-se ao aumento de postagens compostas por referências fáticas à trama, no caso, utilizadas como instrumentos de convocação e mobilização da audiência em torno do folhetim; (2) além desse indicador, percebe-se o crescimento vertiginoso de práticas interativas assentadas sobre discursos humorísticos modulação também presente em outras redes sociais, como o Facebook. Ambos os apontamentos contaram com o respaldo da codificação aberta sobre os tweets: no caso, as postagens publicadas em torno do capítulo 100 constituíram uma segunda amostra de análise que, em relação à primeira, apresentou um aumento de 51% nos discursos de mobilização narrativa, e impressionantes 240% sobre as inserções de humor. Dentre as apropriações comicizantes de Avenida Brasil, destaco a máxima É tudo culpa da Rita, surgida antes mesmo do capítulo 100, quando Carminha, confiante de que Betânia era sua ex-enteada, atribuía à garota a responsabilidade de qualquer ocorrência negativa desenrolada em seu entorno. Valendo-se das imagens desesperadas da vilã e dos dizeres em relevo, Rita tornou-se uma espécie de algoz nacional, culpabilizada por toda e qualquer intempérie pela boca de Carminha: políticas públicas duvidosas, articulações grevistas, condições meteorológicas indesejadas, entre outros. 63 Uma prática de filmagem comum nas telenovelas é a utilização de ângulos à altura dos olhos dos atores. Esse enquadramento, não raramente, culmina em closes faciais que visam aproximar a imagem do estado psicoemocional dos personagens, tendo em vista que, na televisão, esse tipo de expressão é recorrentemente acionada enquanto recurso performático, muitas vezes em preterimento a técnicas corporais. Nesse sentido, uma composição tradicional nas telenovelas é a inversão de tipo plano e contraplano, na qual as imagens faciais dos personagens em diálogo são dispostas em regime de revezamento.

91 90 Fonte: Material coletado na internet. Montagem autoral. Além das fotomontagens, muitos registros cômicos vinham com a transcrição, ipsis litteris, de falas da megera. Assim, se a intenção inicial de João Emanuel era criar uma história na qual o espectador pudesse torcer pelas crueldades praticadas pela mocinha justiceira, o carisma de Carminha trouxe outra dimensão ao conflito, já que, muito bem quista pelo público, tornou-se difícil não se simpatizar pela vilã inescrupulosa. Entre as frases que fizeram sucesso as pérolas de Carminha, segunda página criada no Facebook estão: Pobre tá sempre segurando uma sacolinha ; Sabe o que você está parecendo? Uma bisnaga de padaria dentro de um saco de pão (Reação à roupa parda usada pela filha acima do peso); Eu mandei você jogar a Rita no lixo e ela voltou como Nina. É essa porcaria de reciclagem, né? (Para Max); Quando descobrirem a verdade, negue até a morte e depois desmaie. Além de Carminha, outro núcleo explorado de forma humorística envolvia Cadinho e, agora, suas três esposas. Diante da falência do empresário (desenvolvida a partir da segunda metade da trama), as famílias de Cadinho (a essa altura, já cientes da trigamia do malandro), viram-se obrigadas a mudar para o subúrbio: entretanto, para

92 91 Verônica, Noêmia e Alexia, o Divino só havia recebido um nome tão celestial em razão de algum devaneio satírico, uma vez que, para essas madames de berço e postura, as condições de vida na periferia eram torturantes. Quando Cadinho retorna de uma partida do Divino Futebol Clube, fedendo à suor e gordura ( cheiro de macho, em sua avaliação), e comenta sobre o futuro promissor do jogador Leandro ( esse moleque vai ganhar o mundo! ), Verônica prontamente devolve: ao contrário da gente né, Cadinho? Que saímos do mundo para encalhar aqui nesse Divino. As dondocas reclamam ainda da indignidade da faxina, das unhas desfeitas pela água fria da torneira e pela ausência de cuidados com a aparência (o que as leva a correr para o salão de Monalisa, onde, segundo Verônica, deveria haver uma boa manicure: elas não são todas do subúrbio? ). A madame, a propósito, revelou-se uma das personagens mais cômicas da trama de João Emanuel Carneiro, em vista da sua ironia elitista diante dos modos nada discretos de ascensão da periferia. Entre seus comentários mais reverberados estão: Esse país está virando um grande camelódromo, um churrascão na laje ; Depois de namorar o jogador de futebol da segunda divisão, você vai namorar o filho da cabelereira? Você faz isso pra me provocar ou está querendo fazer um estudo sociológico sobre a nova classe C brasileira? (Sobre o histórico amoroso da filha); O negócio tá feio! Tão sequestrando até suburbano! (Reação ao sequestro forjado de Carminha). Vou ter que ouvir pagode no play? (...) É a invasão do Subúrbio (Quando Monalisa se muda para Zona Sul). Ainda no que se refere aos resultados da codificação, outra dimensão importante revelada pelo comparativo entre as duas amostras de tweets (estreia e clímax) diz respeito ao aumento das indexações, tanto de links externos (73% em relação aos primeiros resultados), quanto de usuários (53%). Esse comportamento dos internautas indica que, na altura do capítulo 100, já havia se formado no microblog uma considerável comunidade de fãs da novela, da qual participavam artistas, blogueiros e espectadores anônimos. Além disso, o crescimento do número de links externos sinaliza que, no período em questão, circulava um elevado volume de material sobre o folhetim, entre os quais destaco textos informativos, postagens em blogs, curiosidades de sites de entretenimento, fotomontagens, memes, tumblrs e gifs Memes, tumblr e gifs são termos que se referem aos conteúdos gerados por internautas. Os memes, no contexto desta pesquisa, refere-se à todo tipo de material (foto, vídeo, charge, gifs) que se espalha pela rede, tornando-se um viral. Os gifs gráfico para intercâmbio de formatos relacionam-se a uma dada forma de veicular imagens, tanto estáticas quanto em movimento, sendo apropriados, particularmente, para gerar um curto efeito fílmico a partir de uma sobreposição imagética. Por fim, os tumblers são plataformas de blogging que permitem ao usuários visibilizar e compartilhar textos, fotomontagens, vídeos e outros tipos

93 92 E, afinal, do ponto de vista narrativo e dramatúrgico, o que fez da centésima exibição de Avenida Brasil um capítulo tão aguardado pelos espectadores e internautas? Certamente, a virada prometida por João Emanuel Carneiro foi decisiva para construção desse contexto de expectativas recepcionais, mas, por outro lado, toda novela é feita por momentos emblemáticos e, certamente, poucos eventos ficcionais alcançaram a projeção do embate entre Nina e Carminha. Na terça-feira subsequente ao capítulo 100, por exemplo, Avenida Brasil alcançou a média de 45 pontos com a transmissão da humilhação de Carminha (até então, o índice mais alto conquistado pela trama no avaliador). Nesse mesmo dia, o capítulo emplacou três Trending Topics 65 na lista mundial de temas mais comentados no Twitter. A fabulação de Carneiro alcançou tal grau de acontecimento midiático que, na mesma semana em que se instalavam os processos jurídicos contra os mensaleiros, a revista de maior circulação no país optou por explorar um matiz ficcional como matéria de destaque. Vingança. A explosão em Nina e Carminha da mais primordial das emoções faz de Avenida Brasil um fenômeno sintonizado por 8 em cada 10 televisores brasileiros. No informativo, o episódio político ganhou uma discreta chamada na capa da mencionada edição: Mensalão: capa da o mencionada espetáculo da edição: justiça Mensalão: no STF 66. o espetáculo Sem entrar no mérito de uma da questão justiça no jornalística STF 1. no caso, aquela que opta por explorar a ficção como matéria de capa, mesmo que diante de processos ímpares para história política do país coloco que, do ponto de vista narrativo, Avenida Brasil foi dinamizada por eventos desenrolados após a descoberta de Carminha sobre a real identidade de sua cozinheira. Tais eventos, potencializados por um bom arranjo de competências produtivas (texto, atuação, direção), marcaram o curso da trama e, arrisco, de material sobre a novela. Em geral, as postagens nesses espaços tendem a ser curtas e dinamizadas por recursos não textuais. 65 Os Trending Topics ou TTs correspondem a uma lista em tempo real das frases mais publicadas no Twitter, tanto no âmbito nacional, quanto mundial. 66 Fonte: Revista Veja, 8 de Agosto de Edição Capa da revista retirada do site oficial da revista. Disponível em: <

94 93 a memória da televisão brasileira. As cenas referenciadas na sequência também integram o DVD em anexo. Na primeira das cenas, a mocinha desperta, com terra cobrindo-lhe os olhos, momento em que a câmera recuada nos informa que ela fora enterrada viva em uma cova profunda. No alto, Carminha surge sob uma luz vermelha, rindo diabolicamente do desespero da cozinheira. Após ameaçá-la de morte de forma bastante enfática e convincente, a vilã decide abandonar a ex-enteada em seu jazigo, mas não sem antes escarrar sobre seu rosto quase totalmente imerso à terra. Essa sequência foi interpretada por alguns comentadores (como Nilson Xavier e Fernando Oliveira) como uma intertextualidade à obra do diretor Quentin Tarantino, especificamente, em relação ao filme Kill Bill (EUA, Japão, 2003/2004). Em minha avaliação, a contravingança de Carminha representou um dos momentos mais expressivos de Avenida Brasil enquanto inovação e ruptura teleficcional. Tais cenas revelaram a competente mão autoral do grupo de diretores responsável pela telenovela, transformando um momento, até então, tido como obra do novelista e de atores, em um jogo mais complexo de produção coletiva. Nessa medida, a comparação com Kill Bill, apesar de motivada por uma equivalência de acontecimentos ficcionais (o enterro da personagem viva), justifica-se, ainda, pela plasticidade cuidadosa da imagem e da edição prática criativa mais comum à indústria cinematográfica. Esses resultados foram alcançados mediante diversos fatores, entre os quais destaco uma boa conjunção entre imagem e som, o esmero da composição fotográfica, e ainda, a progressão do olhar fílmico como instrumento de suspense, isto é, como geração de ansiedade e possibilidade de surpreendentes revelações o que virá adiante?. Nesse contexto, os enquadramentos mínimos foram explorados no sentido de extrapolar os limites do quadro e revelar a insuficiência da câmera mediante a dimensão dos acontecimentos narrados: por essa perspectiva, o caminhar de uma formiga, por exemplo, capturado por uma lente atenta, cresce em tamanho e fôlego ao revelar seu trajeto inusitado pelo rosto da jovem moça estirada ao relento, conduzindo-nos por uma inusitada trama de horror.

95 94 Fonte: site oficial da telenovela. Montagem autoral. Desse imbróglio, surge a última sequência de cenas que marcaram o clímax de Avenida Brasil, quando Nina, recuperada do susto, regressa à mansão para chantagear a ex-madrasta. Aproveitando-se da casa vazia a família Tufão viajara em peso para Cabo Frio Nina obriga Carminha a se comportar como se fosse sua empregada, servindo-lhe refeições de forma humilhante. Após uma série de rebaixamentos Me serve, vadia!, a mocinha termina por cortar e descolorir o cabelo da emergente, retirando-lhe sua artificial e garbosa loirice.

96 95 O sucesso Me serve vadia : (1) cena da vingança de Nina; (2) fotomontagem que circulou nas redes sociais Carminha empreguete, referência à novela Cheias de Charme ; (3) as personagens de Ingrid Guimarães e Julia Gam reencenam o conflito na novela Sangue Bom (Rede Globo, 2013). Em certa medida, ao referenciar cenas emblemáticas como essas, amplamente reverberantes nas redes sociais, busco mostrar que, na altura do capítulo 100, Avenida Brasil encontrava-se em um lugar de ampla aceitação pública. Por um lado, essa resposta extremamente positiva à telenovela, conforme já colocado, retomou a mobilização massiva que, décadas atrás, caracterizava a teledramaturgia brasileira. Em contrapartida, os discursos crítico-reflexivos produzidos a partir da telenovela diminuíram consideravelmente, inclusive nos espaços anteriormente diagnosticados como mais propensos a esse tipo de discursividade (blogs e portais de notícia). No Twitter, a maior parte das postagens que manifestavam, explicitamente, algum traço de criticidade, dirigiam-se a personagens e núcleos antipatizados, visando, assim, laurear o centro narrativo que, de fato, arregimentava o folhetim. Ao contrário do ocorrido na estreia de Avenida no qual o elogio era motivado por uma crítica de base ( enfim uma boa novela, diante de produções, em geral, medíocres ), nessa fase constatei uma inversão: sobre a crítica escondia-se um elogio ( menos Cadinho e mais Carminha ), sendo o ânimo laudatório aquele que dominava as interações tecidas sobre a trama. Exemplo dessa falsa crítica foi a campanha Um pen drive para Nina. No caso, um furo de roteiro (Nina perdeu as fotos que incriminavam Carminha porque só as tinha em papel) motivou a circulação de uma série de piadas em torno da novela. Nesse caso, talvez, a intenção fosse menos criticar João Emanuel Carneiro e mais provocar humor diante das inusitadas situações de Avenida Brasil 67 coisas de novela. 67 Ainda que, por outro lado, apropriações dessa natureza não deixem de apontar certa destreza recepcional, mediante a qual o público busca se atentar, cada vez mais, à lógica narrativa. Como, a propósito, Gloria Perez, autora de Salve Jorge (Rede Globo, ), deve ter percebido: sua trama, sucessora de Avenida Brasil, foi marcada pelo jogo dos sete erros, todos prontamente apontados e compartilhados pelos internautas/detetives de plantão.

97 96 Felipe Scavo: O capítulo (do enterro de Nina) foi espetacular. Sou fanático por novelas, e nunca vi algo tão esplêndido, tão cativante, como nas sequências de terror entre Carminha e Rita/Nina. Thiciane Diniz: Capítulo absolutamente sensacional, e com cenas que com certeza já entraram pra história da teledramaturgia brasileira! Atuações soberbas, diálogos fantásticos, e cenas de suspense de arrepiar! Adriana Esteves simplesmente espetacular, e Débora Falabella também arrasou! Trabalho belíssimo de ambas! Palmas e mais palmas!! João Emanuel Carneiro mostrando mais uma vez o autor brilhante que é! Fran2021: Foi uma das cenas em novela que mais me sensibilizou, tanto pela qualidade dos atores, como pelo teor da cena. Incrível. 68 Jair Carlos Huttinger: É só uma novela, e como tal, uma bobagem sem compromisso com a verdade/realidade. Porém, atingiu o objetivo: QUE TODOS ASSISTAM, até àqueles que criticam como eu. Fernando: Essa novela é um suco gástrico fantasiado de mel. Daniela: Novela é tudo de bom, as pessoas falam, falam, mas na verdade, depois de um dia estressante no trabalho, nada como ficar olhando TV, sem compromisso, vendo as coisas sem noção que estão na novela. Importante é desligar da realidade uns instantes. Eu curto. Mas quem reclama, não se preocupe, logo, logo vem o horário político (que tb gosto) daí todos vamos poder ver a realidade, discutir problemas e escolher quem queremos para guiar nossa cidade, discutir temas reais e escolher o voto. Então, pra quem não gosta de novela sem noção, calma, seus problemas já vão terminar Desfecho Último congelamento de Avenida Brasil : a bandeira do Divino Futebol Clube. Fonte: site oficial da novela. 68 Comentários à matéria: Avenida Brasil peca ao exibir capitulo emblemático num sábado, dia de menor audiência, assinada por Nilson Xavier. Disponível em: < 69 Comentários à matéria não assinada Os cinco momentos mais eletrizantes do capítulo 100, publicada no blog Noveleiros : Disponível em: <

98 97 Novela é assim mesmo. Fala-se muito enquanto está no ar. Depois o tempo vai passando e vamos nos esquecendo. (...) Inesquecível mesmo só Avenida Brasil. Alberto Villas, articulista da revista "Carta Capital 70. No dia 19 de outubro, sexta-feira, foi ao ar, pela Rede Globo, o último capítulo de Avenida Brasil. Nesse dia, os marcadores do Ibope indicaram que o desfecho da trama foi a maior audiência da TV em , alcançando índices significativos de pontos (50,9) e participação (72%). Além dos números, outros fatores endossaram a reverberação massiva do término de Nina e Carminha: a presidente Dilma fez alterações em sua agenda política (cancelamento de comício eleitoral), fato que alcançou repercussão em veículos estrangeiros. Em Salvador, na Bahia, um dos candidatos à Prefeitura da cidade (Nelson Pelegrino PT) tentou retomar a tradição agora, ilegal dos showmícios, porém, com uma diferença: no lugar dos cantores e das bandas de sucesso, a grande atração da noite seria a exibição do último capítulo de Avenida. Nesse caso, o Tribunal Regional boicotou a festa. Além dos episódios políticos, os noticiários brasileiros destacaram uma possível queda da energia após a esperada exibição período quando, finda a paralisação em função da assistência, as pessoas retomariam sincronicamente suas atividades, o que poderia causar uma sobrecarga elétrica. Diante do risco (que não se efetivou), a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) viu-se obrigada a adotar medidas preventivas. Já nas redes sociais, a telenovela foi o assunto mais comentado da semana. Pelo que pude constatar, no Facebook, as publicações oscilaram entre os tradicionais memes dos personagens (entre outras postagens humorísticas) e manifestações de antipatia antecipada a Salve Jorge. Registro também alguns apelos contra a recorrência de discussões orbitadas em torno da novela, que, apesar da minoridade, apresentavam alta adesão, sinalizadas por um elevado número de aprovações curtidas. No Twitter, o já citado Oi, oi, oi deu lugar ao Tchau, tchau, tchau, sendo que, nesse espaço, o folhetim 70 Disponível em: < 71 Fonte: Revista Exame. Disponível em: <

99 98 alcançou a proeza de emplacar as quatro primeiras posições do ranking dos assuntos mais comentados no mundo. Outra dimensão do acontecimento nos media: os próprios veículos enfocaram a repercussão social da telenovela como critério de noticiabilidade (conforme matéria do Jornal da Globo disponível no DVD). Na ocasião, o Jornal Nacional registrou, ao vivo, a atipicidade do tráfego tranquilo de avenidas importantes no Rio de Janeiro e em São Paulo, segundos antes do capítulo ser levado ao ar. Além disso, um grande número de matérias avolumou-se em diversos sites na internet, o que contribuiu para configurar um estado social de grande expectativa em torno do desfecho.

100 99

101 100 Do ponto de vista da narrativa, o final de Avenida Brasil foi previsível (tendo sido, inclusive, divulgado antecipadamente como spoiler, ainda que entre inúmeros outros finais alternativos que circularam nos dias que antecederam à derradeira exibição. Nele, vimos a prisão de Santiago o pai de Carminha que se revelou o arquivilão da trama, a revelação do assassino de Max 72, o casamento de Cadinho e suas três esposas, a felicidade de diversos casais da trama e, principalmente, o ato final do embate entre Nina e Carminha. Desse último ponto, mais uma vez, Avenida retirou sua potência dramatúrgica. Enquanto no teaser de lançamento da novela, a pergunta era: Até onde você iria por justiça?, a resposta sugerida pelo último ato do conflito Nina e Carminha, em desconformidade ao esperado, não apontou para as últimas consequências de um desejo incontrolável de vingança, mas sim para o valor do perdão. Carminha a megera suburbana e inescrupulosa e Rita/Nina a menina/ mulher que colocou seu plano revanchista acima de seu amor por Batata/Jorginho terminaram Avenida Brasil hasteando bandeiras brancas. A vilã não deixou de ser castigada três anos de detenção e uma vida entregue ao lixo; além disso, para se mostrar digna do perdão da ex-enteada e de sua conversão, Carminha salvou a vida de Nina e Tufão, impedindo que os planos de Santiago dessem certo. Não o bastante, descobrimos o passado sofrido da megera, que, na infância, havia presenciado o assassinato da mãe, era abusada pelo pai e fora despejada em meio à miséria do lixão. Assim, a vilã emergente que, com carisma e humor, conquistou o gosto da audiência, não foi condenada à fogueira da morte ou à loucura. Porém, ainda que muitos quisessem Carminha rica, tomando bons drinks, vivendo um sonho de beira de piscina, João Emanuel optou por uma via moderada, conjugando uma pena judicial branda a uma redenção que, do meu ponto de vista, foi o ponto mais sensível de Avenida Brasil. Antes, contudo, de reportar a fausta reconciliação de Nina e Carminha, apresento seu espaço de encenação: o lixão de Mãe Lucinda. Do ponto de vista cenográfico, tratase de uma das maiores e mais audaciosas empreitadas assumidas pela equipe de direção de arte de uma novela da Rede Globo: reproduzir, em pleno estúdio, um aterro sanitário 72 Assim como a famigerada Odete Roitman (Beatriz Segall), Max foi assassinado na penúltima semana da trama. A identidade do criminoso Carminha só foi revelada no último capítulo, o que motivou especulações, apostas e bolões em torno de qual personagem seria culpabilizado. Nesse sentido, vale pontuar que, nos últimos anos, a teledramaturgia vem optando pela mesma estratégia de solução do conflito quem matou? : no final, descobre-se que o grande assassino era o grande vilão tal como aconteceu em Celebridade, Paraíso Tropical (Rede Globo, 2007) e Passione (Rede Globo, ).

102 101 à céu aberto. Diante da encomenda, foi montado um lixão de 13km 2, cuja estrutura compunha-se de restos de construção que conferiam volume aos supostos montantes de lixo, no caso, objetos maquiados, roupas usadas, sacos plásticos e reciclados. Tendo em vista a segurança dos atores, todo material de construção foi refinado, eliminando-se, assim, cacos de vidro, pregos, farpas e objetos perigosos. Além disso, alguns materiais foram pintados para simularem resíduos orgânicos. De acordo com Ana Maria Magalhães, diretora artística de Avenida Brasil, todo material de cenário foi lavado 73, o que garantiu uma característica fundamental à ludicidade do lixão de Mãe Lucinda: o aterro sanitário da novela não fedia e, sequer, parecia feder. O lixão cenográfico de Avenida Brasil : Jorginho, Nilo, Mãe Lucinda e suas crianças. Fonte: G show. Montagem autoral. Sobre esse espaço-lugar, atravessado por ambivalências tão marcantes quanto seus protagonistas Lucinda e Nilo, desenrolaram-se não apenas as cenas finais do duelo entre Nina e Carminha, mas outros momentos importantes à narrativa: o abandono de 73 Fonte: <

103 102 Rita, o casamento mágico da garota com Batata (DVD), a primeira noite de amor entre Nina e Jorginho e o assassinato de Max. Se, em geral, Avenida Brasil é feita de trânsitos, seu lixão é constituído por dualidades: para Ritinha, por exemplo, esse espaço representou a violência de ter sido expulsa do lar e de ter sido privada do cuidado paternal, ainda que, mais tarde, o lixão tenha permitido à garota (re)descobrir o amor em Lucinda e Batata. Já o menino, assim como seus pais, Carminha e Max, tinha no aterro uma origem, um passado que, de certa forma, conferia à sua trajetória de vida um sentido tão categórico quanto as adversidades do aterro. Assim, do amor que une (Rita e Batata, Nina e Jorginho), ao amor que destrói (Max e Carminha, Nilo e Lucinda); do aconchego sombrio de uma mãe repleta e ausente de filhos, e ainda, pela miséria de um pai colocado à margem, o lixão se fez enquanto espaço narrativo heterogêneo e complexo, um espaço marginal de forte importância dramatúrgica. A ambivalência do lixão, personalizada no inescrupuloso Nilo e na amorosa Mãe Lucinda. Destaque para a caracterização das respectivas habitações. Fonte: sites diversos da internet. Montagem autoral. Não fortuitamente, acredito, o lixão foi escolhido para protagonizar o desenlace mais esperado do folhetim: a reconciliação entre Nina e Carminha (DVD). Como forma de expiar seus pecados, a vilã redimida, após sair da prisão, opta por viver em meio às condições duras do aterro. Transcorrido certo tempo, vemos a ex-emergente catando

104 103 recicláveis em meio ao lixo, esboçando feições de transtorno e sofrimento (alguns internautas, a propósito, avaliaram a interpretação de Adriana Esteves como uma referência à Estamira, personagem documentada por Marcos Prado em filme homônimo de 2004). De volta ao lixão, Carminha se emociona com a visita surpresa. Fonte: site oficial da novela. Montagem autoral. - Não achei nenhuma porcaria que prestasse hoje. Tô falando contigo velha, cadê você? Velha cadê você? (...) Eu não esperava. Tão parecido com você, filho. (...) Risoto de Frango. Tô tentando fazer umas coisas diferentes aqui nessa casa, porque se depender dessa aí a gente só come bolinho de chuva. Você gostou filho? Tudo dica da outra aí. Você me perdoou, depois de tudo que eu te fiz? Você é realmente superior a mim. Eu não seria capaz de fazer o mesmo se fosse você. Só tô colhendo o que plantei. Pelo menos agora tô vivendo uma vida de verdade. Adianta não perdoar? Mãe Lucinda sugere um abraço. Nina toma a iniciativa e larga os talheres sobre a mesa. Carminha vira o rosto. Nina se levanta. Carminha também. De pé, as duas se olham e Carminha, delicadamente, abraça Nina, depositando a cabeça em seus ombros. Nina chora e enlaça seus braços nas costas de Carminha, arrancando-lhe um gemido choroso. Nina e Carminha fazem as pazes.

105 104 No fim, enfim, em paz. Fonte: site oficial da novela. Montagem autoral. - Tá satisfeita agora velha? Alguém qué café? Alguns fatores contribuíram para que a singularidade da sequência descrita, como: a atuação de Adriana Esteves e Débora Falabela (sobretudo da primeira, que respondeu de forma crível ao desafio da mudança repentina de sua personagem); o texto tragicômico de João Emanuel Carneiro que, em meio às fortes emoções do desenlace, pincelou doses bem medidas de comicidade (um humor denso, responsável por lágrimas tão ambíguas quanto o lixão); e, por fim, à equipe de direção, pela sutileza da filmagem, na qual os recursos de edição foram aliados, de forma equilibrada, à organicidade da ação dramatúrgica, o que, por sua vez, situou os eventos em um campo sensível às interseções entre texto e imagem.

106 105 Sobre esse episódio de perdão, Nilson Xavier 74 escreveu: Carminha cumpriu pena, voltou para o lixão e teve o embate final com Nina. Sem gritaria e palavrões. Apenas com o olhar atravessado das relações mal resolvidas.. Na crítica, o blogueiro avaliou ainda outras questões que perfizeram a trama de Avenida Brasil, entre as quais destacou o feliz casamento entre a televisão e a internet no que se refere aos modos de interação gerados a partir da novela. O efeito coqueluche ao qual Nilson Xavier faz referência pôde ser verificado, por exemplo, no Twitter, espaço onde os discursos circulantes sobre a trama proliferaram com o decorrer da narrativa. Na última etapa de mapeamento dos tweets percebi que, de forma 74 Avenida Brasil: uma tragédia grega no subúrbio carioca. Matéria publicada no blog do escritor, na página da UOL, no dia 20/10/12. Disponível em: <

107 106 geral, as motivações discursivas assemelhavam àquelas verificados na segunda amostragem, sendo que, desse comparativo, aponto uma diferença: o crescimento de quase 100% das postagens elogiosas, através das quais os internautas reforçavam os aspectos positivos do folhetim e compartilhavam um estado de euforia pela exibição do último capítulo. Dessa forma, o grupo de tweets dotados de alguma forma de criticidade (quase sempre de caráter exegético, voltadas para reclamações contra o não fechamento de algumas estórias, contradições narrativas e expectativas frustradas) apresentou baixa recorrência diante da expressividade de comentários que endossavam, positivamente, o folhetim, tanto através das inserções laudatórias, quanto de postagens de mobilização que buscavam inscrever o final da telenovela em um contexto de intensa reverberação social. Ainda com relação às postagens críticas (no Twitter e fora dele), os comentários dos internautas dirigiram-se, de forma expressiva, aos possíveis furos na trama de João Emanuel Carneiro (como a pena reduzida de Carminha, a liberação tardia de Mãe Lucinda da prisão, e ainda, o desfecho não explicitado de Santiago). Alguns comentadores, sobretudo em espaços críticos de maior fôlego, destacaram a barriga (narrativa arrastada) gerada no folhetim a partir da sua segunda metade, período quando a trama central se viu atrelada aos mesmos acontecimentos da sua primeira fase. Por sua vez, os internautas que comentavam essas matérias posicionavam-se de forma mais reflexiva, acionando perspectivas valorativas direcionadas a aspectos específicos do folhetim, assim como para as características gerais das telenovelas. Alex: Sempre se espera mais de algo que mobiliza, nem noveleiro eu sou, mas confesso que assisti aos 10 últimos capítulos. No tocante à moral da história, vale a pena ressaltar que, apesar da Carminha ser uma pessoa amoral, ela teve um lampejo de consciência que me pareceu sincero, resignou-se com seu final melancólico, vestiu a camisa que lhe foi imposta com sua derrocada e resolver viver a sua vida. Final melhor e mais educativo que outros, como, por exemplo, uma fuga de helicóptero mandando banana para outros. Rogério Barbosa da Silva: Enquanto isso políticos corruptos tomam o poder e fazem o que querem da nossa gente, que consegue no máximo se mobilizar em torno de uma TV, é a cara do Brasil. Nena: Achei que faltou um desfecho melhor e mais justo para Lucinda. O neto rico poderia ter dado a ela uma casinha decente e uma boa ajuda de custo para ela viver com as crianças do lixão em condições mais dignas e salubres Comentários à matéria Avenida Brasil é mais durante do que finalmente, publicada no site da Revista Veja, dia 19/10/12. Disponível em: <

108 107 Fátima Valadares: Fiquei muito indignada com a Carminha voltando para o lixão. Por que Tufão e Jorginho não deram uma vida mais digna para vilã, já que a perdoaram? A mãe Lucinda merecia sair do lixão. E aquelas crianças do lixão. Ninguém vai ajudá-las? Walter Matos Jr: Chupeta, casamento, mocinho vence, mal perde... Muita bobagem, pouca novidade. Nessa novela nem o primeiro capítulo prestou. Antropologia de boteco. Sidharta: Achei bastante emblemática a questão do lixão, no final tudo acaba em lixo! 76 Como balanço geral do último capítulo, diria, na esteira de internautas e comentadores, que Avenida Brasil é mais durante que finalmente. Na altura do capítulo final, os acontecimentos gerados pela telenovela eram mais significativos pelo ponto de vista da mobilização do que, propriamente, pelo desfecho narrativo. Em seu percurso bem sucedido, a novela de João Emanuel Carneiro evidenciou a potência do acontecimento midiático construído coletivamente, reafirmando, assim, a tradição da televisão como fogo no chão das sociedades contemporâneas. Nesse contexto, a dimensão do sucesso, forma de agregar audiências, forneceu novas conotações ao sentido social de estar junto, revigorando, por conseguinte, o sentido massivo de nossas práticas de interação midiática. Diria, ainda, que, sobre o teletópos de Avenida Brasil, a audiência parece ter encontrado um pedaço desses tapetes heterotópicos desenhados por Foucault: modos de percorrer os mais diversos espaços reais, digitais, concretos ou imaginativos e de, assim, experimentar esses subúrbios que só encontramos na ficção, por ventura capazes de nos conduzir ao lixo das contradições que preferimos aterrar. 76 Comentários postados por portal UOL, seção Televisão, mediante ao questionamento: O que você achou do último capítulo de Avenida Brasil?.

109 108 #OIOIOI5 ESPAÇOS DE UMA NARRATIVA TELEVISIVA Neste e no próximo capítulo, analiso a novela Avenida Brasil a partir das perspectivas teórico-conceituais mobilizadas em torno das teletopias da ficção. De acordo com metodologia expositiva adotada, proponho dividir minhas considerações sobre dois eixos um vinculado ao âmbito narrativo, agenciado pela TV (aspectos da trama em sua dimensão retórico-imagética), outro relacionado ao campo da produção recepcional, com ênfase na circulação informal de discursos no Twitter. Em referência ao mapa teórico-metodológico proposto por Martín-Barbero (2006a), efetuo uma análise preferencialmente sincrônica, fundamentada sobre lógicas produtivas e competências de recepção/consumo, uma vez que, desse exercício, busco sondar interações que, contemporaneamente, espacializam diferentes agentes midiáticos em torno de um mesmo universo ficcional. Em contrapartida, tal como empreendido no capítulo anterior, traço contextualizações diacrônicas no intuito de circunscrever quadros amplos de sentido, por sua vez, responsáveis em evidenciar o nexo histórico dos fenômenos analisados. Entendo, assim, que os atuais modos de teleficcionalização podem ser lidos a partir das transformações que, novela pós novela, contextualizam as teletopias segundo diferentes modulações sociais, culturais, tecnológicas e imaginativas. Dessa prerrogativa, assento minhas análises sobre a multitemporalidade inerente às experiências teletópicas, assumindo o trânsito entre as persistências e as inovações evidenciadas pela trama de Avenida Brasil e sua reverberação social. Tais movimentos que atualizam estruturas precedentes, na medida mesma em que garantem a emergência de outras teletopias ficcionais serão trabalhados a partir da dialética fundante da experiência espacial, ou seja, as dinâmicas entre fixos e fluxos caracterizada por Milton Santos (1997; 2008). Articulo, portanto, cada um dos eixos desta análise (espaço televisivo e espaço digital online) a partir de seus devires de mutação e/ou continuidade, tomando como princípio o movimento que conjuga e interrelaciona diferentes fluxos de narrativização às práticas mais ou menos estabelecidas pelo gênero teledramatúrgico. Nesta primeira parte da análise, destaco que a novela de João Emanuel Carneiro efetuou uma sofisticada costura entre diferentes composições estilísticas e dramatúrgicas,

110 109 justapondo, de forma exitosa, variadas matrizes ficcionais. Segundo essa orientação, aponto uma construção narrativa que conjugou estruturas teleficcionais tradicionais (aspectos narrativos filiados ao melodrama) à produção complexa e inovadora de algumas sequências (em suas múltiplas manifestações de autoria, mas, particularmente, em termos de imagem e direção). Além disso, reflito acerca das implicações oriundas da guinada espacial em direção ao subúrbio traço composicional mais marcante de Avenida Brasil. Sobre esse último aspecto, relativizo o movimento de popularização da trama enquanto gesto de reconhecimento e representação das minorias não hegemônicas, isto é, como forma de ascensão de novas figuras cidadãs ao plano da visibilidade midiática, nos termos de Martín-Barbero (2006b). A partir desse argumento, demonstro como a telenovela abordou a ascensão da chamada nova classe média de forma parodística, apostando em uma montagem de mundos movida por intencionalidades cômicas que revelavam severos distanciamentos em relação aos espaços e aos grupos sociais referenciados. Na esteira das proposições de Bakhtin (2003), concluo que, enquanto exercício ficcional, Avenida Brasil apresentou um teor somente dialógico frente ao contexto das periferias brasileiras, ao passo que, narrativamente, a assimilabilidade do outro não se deu enquanto atravessamento polifônico. Nesse sentido, a mudança espacial do ponto de vista das fisicalidades (da orla carioca para zona norte) não desencadeou uma revisão profunda sobre os fluxos de dramatização mais próprios a cada um desses contextos, ensejando remodelações estéticas para episódios que, tomados em sua dimensão moral, continuaram os mesmos. Adianto ainda que, do ponto de vista recepcional-circulatório (próximo capítulo), trabalho o pressuposto de que as atuais condições de midiatização vêm tensionando (sem desfazer) os lugares que, outrora, verticalizavam a relação entre produtores e receptores teledramatúrgicos gerando, por conseguinte, certo embaralhamento das categorias mediativas propostas pela cartografia barberiana. Nesse âmbito, discorro sobre os regimes de conversação que caracterizam o sistema de resposta social (BRAGA, 2006) à telenovela brasileira (diagnosticado a partir de Avenida Brasil, porém extensível a outros folhetins). Em vista dessa caracterização, sublinho como práticas tecnodiscursivas de caráter emergente, como a interatividade em rede e a produção de conteúdos por parte de internautas, imbricam-se às mediações socioculturais de natureza diacrônica, como, por exemplo, as raízes orais das nossas práticas de interação. Por fim, tal como no âmbito narrativo, argumento que a proliferação dos espaços de circulação e interação em torno da teleficção não necessariamente pluraliza os discursos pautados sobre a novela. A partir

111 110 do acompanhamento do Twitter referência para minhas incursões netnográficas, fica patente como tal forma/espaço de produção recepcional coloca em circulação discursos pouco afeitos à heterogeneidade. Nessa ambiência digital, a ânima instigadora dos tweets relaciona-se, mais propriamente, à produção de humor, ao sentimento de fã ou a juízos opinativos de caráter diegético (personagens favoritos, núcleos desprezados, erros de continuidade, incoerências narrativas, etc.). Dessas observações, depreendo que a interatividade online a partir da telenovela reflete, mais uma vez, a intensificação de pontes dialógicas (uma vastidão de outros alocutários ), ainda que, em outra medida, as formas inferidas de apropriação do Twitter coloquem suspeitas sobre a heterogenia desse sistema de resposta social. Nesse caso, a geração de outros fluxos uma audiência que pode se comunicar entre si, capaz de oferecer retornos mais eficientes à esfera de produção midiática, e ainda, gerar, ela própria, conteúdos passíveis de ampla circulação não necessariamente leva a uma revisão dos gestos mais ou menos habitualizados em nossas rotinas de interacionais. Por fim, esclareço que ambas as análises contam com textos descritivos que visam recuperar, apresentar e/ou endossar informações sobre a telenovela e sua repercussão, além de referências que foram articuladas no capítulo dedicado à fundamentação do conceito de teletopia. Trago, ainda, outras incursões teórico-reflexivas que não foram abordadas anteriormente, bem como fragmentos de discursos sobre a novela coletados através da pesquisa netnográfica. 5.1 Uma Avenida Entre Lugares O primeiro teaser de Avenida Brasil, levado ao ar três semanas antes da estreia da novela, provocava um estranhamento acerca do título escolhido para o novo folhetim Global. Nas imagens, uma criança transformava-se em uma adulta vingativa, sendo a sequência arrematada por uma locução que indagava: Até onde você iria por justiça?. A partir deste preâmbulo, um questionamento se formava: afinal, por que Avenida Brasil? A sensação de estranheza advinha, entre outros fatores, da identidade visual da logomarca exibida um fundo escuro, levemente manchado por círculos de tonalidades quentes (vermelho e amarelo), com letras grafadas em branco: ou seja, nada próximo ou relacionável à iconografia padrão dos símbolos pátrios, tendo em vista a ausência de uma combinação de elementos que revelasse uma conotação brasilis ao inusitado título.

112 111 Essa aparente desconexão sígnica entre aquilo que a palavra Brasil indicia e a composição estética da logomarca sugeria, já àquela altura, um sutil rompimento do folhetim com a forma teledramatúrgica de evidenciar sentidos nacionalizantes, quase sempre representados em conformidade ao imaginário verde-amarelo, tal como ilustrado abaixo pela estética de outras produções da mesma emissora: Fonte: Material coletado na Internet. Montagem autoral. Sabe-se, no entanto, que a nomenclatura em questão, Avenida Brasil, é utilizada, de forma nada exclusiva, para batizar uma série de vias deste país. Contudo, considerando a preferência da emissora carioca por espaços narrativos locais, sobretudo sua cidade sede, podia-se especular, à época do teaser, que a avenida referenciada pelo título da trama consistia na principal via de ligação entre as Zonas Norte e Sul do Rio de Janeiro. Sendo assim, deveríamos inferir, a partir da provocação do narrador até onde você iria por justiça?, que a vingança daquela criança a levaria para uma avenida de poucos atrativos? Como o plano revanchista da menina/mulher seria executado nesse espaço de asfalto inóspito e de margens industriais, marcado por um trânsito selvagem que dissolve a paisagem em meio a fluxos que, ali, raramente se fixam? No decorrer da trama, contudo, o título foi se tornando menos opaco. A avenida Brasil, a via de fato, apesar ter sido a primeira imagem televisionada pela novela (por um travelling aéreo), pouco atuou enquanto espacialidade narrativa do folhetim. A escolha pelo título deu-se, então, em razão de fatores conotativos, isto é, em função de uma possível simbologia que poderia ser erguida em torno desse espaço marcado, no mundo cotidiano, por um intenso tráfego urbano. Nesse sentido, parece-me oportuno relacionar, metaforicamente, a natureza espacial das avenidas, cariocas ou não, às marcas sociológicas do Brasil, clássicas e contemporâneas: afinal, não seria o fluxo de pessoas, bens, serviços, veículos, a característica fundamental dessas espacialidades, determinante de uma funcionalidade (transporte, condução, ligação) que lhes serve como razão de ser? E ainda: tal como

113 112 uma avenida, não seria o Brasil, na esteira do pensamento de Roberto DaMatta 77, um país localizado entre as coisas? Seria a partir dos conectivos e das conjunções que nós poderíamos ver melhor as oposições, sem desmanchá-las, minimizá-las ou simplesmente tomá-las como irredutíveis. Afirmo (...) que o estilo do brasileiro se define a partir de um &, um elo que permite balizar duas entidades e que, simultaneamente, inventa seu próprio espaço. (DaMATTA, 1985, p. 21, grifos meus). Esse elo (&) pode ser pensado como sintomático dos movimentos híbridos (CANCLINI, 1995) que caracterizam o jogo cultural e a vida social dos latino-americanos o tráfego mestiço que, na qualificação de Martín-Barbero (2004; 2006a), melhor traduz as confluências identitárias desses povos austrais. Nesse sentido, Avenida Brasil integraliza, de forma icônica, estruturas emergentes, dominantes e residuais no sentido de Raymond Williams (1979) 78, que, na trama em questão, operacionalizam não apenas a montagem ficcional da narrativa, mas também o campo das práticas recepcionais e da circulação teledramatúrgica, desde a tradicional assistência familiar e a reverberação local da novela, até o consumo coletivo nas redes digitais e a produção espontânea de conteúdos online. Figura-se, assim, uma avenida de múltiplas conexões, através da qual opera-se uma competente harmonização entre modus operandis convencionais (tanto produtivos, quanto receptivos) e as complexas mediações tecnológicas, discursivas e globalizantes que atravessam as culturas midiáticas contemporâneas. Desse modo, o espaço narrativo das telenovelas encontra-se sulcado por variadas estratégias de narrar e consumir ficção, nem velhas, já que atualizadas, e tampouco novas, porque recicladas. Em virtude desses gestos mediativos, Avenida Brasil potencializa e reafirma a telenovela como lugar estratégico a partir do qual mediações históricas e disputas simbólicas são tornadas 77 De acordo com a sociologia literária de Roberto DaMatta (1979), um entre as coisas demarcado pelo espaços-tempos que conjugam e segregam o mundo da casa e o mundo da rua, o carnaval e o trabalho, a burocracia e a esperteza. Para o teórico, esse entrelugar identitário possui uma natureza cultural, tendo em vista certos paradoxos que atravessam o sistema social brasileiro. Tal condição, por sua vez, relaciona-se a uma dialética entre princípios modernos e ancoragens tradicionais, isto é, formas de mediação entre diferentes temporalidades sociotécnicas, culturais e subjetivas. 78 Segundo Raymond Williams, as estruturas emergentes consistem na revelação de uma cultura em franco estado de mudança. Por sua vez, as estruturas dominantes constituem-se de valores e sentidos hegemônicos que configuram práticas sociais concretas. Já as estruturas residuais são formações elaboradas no passado, mas que ainda desempenham um papel ativo nos processos culturais.

114 113 visíveis, o que, a princípio, reforça a singularidade das teletopias como espaço para as batalhas culturais (MARTÍN-BARBERO; REY, 2002) encenadas neste país. Nesse contexto, argumento que, do ponto de vista da narrativa, a trama de João Emanuel Carneiro foi composta a partir da justaposição entre diferentes matrizes ficcionais. De tal processo, Avenida Brasil gerou entrelugares ou espaços de mediação que combinaram lógicas produtivas consolidadas (modos de ficcionalização assentados sobre o melodrama) a formas estético-narrativas oriundas de outras práticas simbólicas (isto é, gêneros dinamizados por diferentes mediações). A meu ver, na montagem da trama, essa seleção e combinação de elementos geraram uma enunciação polivalente matriciada por diferentes energias criativas, o que permitiu uma espécie de trânsito narrativo entre passagens de tensão e entrechos despretensiosos, construções sofisticadas e representações popularescas. No sentido das permanências melodramáticas, destaco a centralidade dos discursos sobre o âmbito da família, como dramas domésticos e relações de reconhecimento entre pais e filhos, bem como a moral burguesa da superação pessoal 79 e a pendulação narrativa entre drama e comédia. Em outra medida, tendo em vista o mosaico de textualidades que constituiu a obra, destaco a presença estilísticocomposicional de uma heterogeneidade de elementos, tais como: (1) composições teatrais momentos explícitos de encenação, responsáveis por fissurar o naturalismo da imagem televisiva, conforme verificado na ludicidade do lixão; inspirações literárias - ancoragem dramatúrgica e intertextualidades entre livros citados e o contexto material e/ou psicológico dos personagens da trama; (3) estéticas cinematográficas produção de imagens diferenciadas, dotadas de complexidade visual, ousadia temática e subjetividade fílmica, como o enterro de Nina e o assassinato de Max. Ainda sobre os elos sugestionados pela trama, Avenida propôs figurações responsáveis por inverter a tipicidade de algumas representações ficcionais, retratando, por exemplo, uma mocinha sádica com sede de vingança, suburbanos em franco estado 79 No que tange ao reconhecimento parental tema apontado por Martín-Barbero (2006a) como decorrência da primordialidade das relações sanguíneas (factuais ou simbólicas) nas narrativas melodramáticas, recorro, a título de exemplificação, ao caso de Carminha, a vilã inescrupulosa que amava o filho incondicionalmente e que tentou, durante todo o folhetim, ser reconhecida por sua afetividade materna. Quanto à moral da superação, destaco que, segundo Sílvia Oroz (1992), é comum ao melodrama trabalhar sobre uma narrativa de caráter teleológico, na qual a jornada da protagonista, quase sempre uma mulher, compreende a saída de uma origem humilde, caracterizada por privações, para alcançar uma condição social confortável. Por essa perspectiva, conforme exposto na sequência, Avenida Brasil tematiza um contexto de boa periferia no qual uma nova composição de classe é vinculada a esse projeto. Além disso, a mesma ideologia pode ser percebida na personagem de Mãe Lucinda, a mulher que reinventou o lixo como forma de transgressão à precariedade da miséria.

115 114 de ascendência social (em contraversão aos ricos) e um jogador de futebol com interesses literários genuínos. Nina surge diabólica em meio às sombras. Verônica (ex-rica) deleita-se no buffet de casa nova de Monalisa (ex-pobre). Tufão descobre prazer na leitura. Fonte: Material coletado na Internet. Montagem autoral. Além disso, a escolha pelo título Avenida Brasil densifica as camadas semiológicas (FOUCAULT, 2005) implícitas ao folhetim, na medida em que, ao se apropriar nominalmente da avenida carioca, o jogo comunicativo da trama passa a ser revestido por leituras conjunturais, ou seja, leituras multidimensionais, de caráter social, cultural, econômico, político. Logo, a dramaturgia do folhetim ilumina-se pela referência a essa avenida chamada Brasil, trazendo, nessa montagem ou sobreposição de mundos, o cruzamento entre uma espacialidade concreta e os relevos semânticos implícitos à trama. Nessa avenida de que estamos falando, o trânsito se dá, basicamente, por brasileiros; no caso da ficção de Avenida Brasil, por divinenses, cidadãos nascidos ou criados no idílico subúrbio que este sim protagonizou a composição espacial da novela, agenciando uma das teletopias mais expressivas da história da teleficção nacional. Nesse sentido, Vera França e Paulo Vaz (2013, p.116) afirmam que o nome é sugestivo, e sobretudo para os telespectadores não-cariocas, ele se abre a várias possibilidades semânticas: é a via onde todos nós, brasileiros, estamos. Os autores acrescentam ainda que a avenida Brasil, portanto, a avenida de mão dupla, que permite o trânsito/tráfego entre distintos pontos geográficos do Rio de Janeiro (do Brasil?), permite e mostra, no caso da novela, o estabelecimento de relações entre distintas e até então, muito distantes classes sociais, através do apagamento da hierarquia. A novela faz isso, e de forma bastante interessante: ela coloca os pobres no lugar dos ricos, e os ricos no lugar dos pobres. Ela embaralha as ordens, os lugares, os valores. (FRANÇA; VAZ, 2012, p.113). Destaco que, no que tange ao embaralhamento de ordens, lugares e valores operado pela trama e apontado por França e Vaz, o caso do trígamo Cadinho representa, particularmente, uma forma de relacionar e mesclar Zona Sul e Zona Norte, capital social

116 115 e econômico. O processo de empobrecimento do empresário e de suas três esposas indica as reversões implícitas aos fluxos de mão dupla dessa avenida Brasil, no caso, a partir da revisão de benesses outrora inalienáveis à elite brasileira. Na obra ficcional, o processo de transferência das dondocas às configurações popularescas da vida divinense rendeu bons insights aos produtores do folhetim, particularmente, novelista e atores. Cadinho, suburbano de infância, adaptou-se bem no retorno à vida na zona norte: segundo ele, falir não era a pior coisa do mundo, uma vez que, de volta às origens, podia reviver os prazeres do Divino o ex-milionário bebia mais do que trabalhava, acompanhava o time de futebol do bairro e ainda tinha três mulheres que, supostamente, cumpriam seus afazeres domésticos. Suas esposas, por outro lado, encaravam o subúrbio de forma diferente: para Verônica, Noêmia e Alexia, o Divino só havia recebido um nome tão celestial em razão de algum devaneio satírico, afinal, para essas madames de berço e postura, as condições de vida na periferia eram torturantes. Ainda no contexto dos trânsitos sociais representados pela trama, Avenida Brasil sinalizou alguns rearranjos verificados nos mapas profissionais do país. A personagem Ivana, por exemplo, enchia a boca para dizer que, no Brasil, tem muita empregada doméstica ganhando mais do que médico. Nina, seguindo o raciocínio da irmã de Tufão, justificou (falsamente) seu interesse em trabalhar como cozinheira para a família alegando que tem muita gente com diploma de faculdade, até doutorado que não ganhava o dinheiro oferecido como salário pelos milionários da zona norte. Outro exemplo da inversão dos fluxos semânticos na narrativa de Avenida Brasil pode ser verificado na relação entre Tufão e a Literatura, ou ainda, entre uma matriz cultural de natureza popular em face de outra, de caráter ilustrado (MARTÍN- BARBERO, 2004; 2006a). Na trama, Nina a refinada chef de cozinha da família do subúrbio sugere uma série de livros, clássicos mundiais, ao ex-jogador de futebol, que, em função de seu tempo excessivamente livre, pode dedicar-se à fruição artístico-literária. A brincadeira a meu ver, um simples verniz literário relativizou a figura social do jogador de futebol enquanto sujeito ignorante, ainda que, por outro lado, sua esposa Carminha insistisse em estabelecer um lugar de pouca intelectualidade à cultura popular: clássico pra mim é no Maracanã!, dizia ela.

117 116 Fonte: site oficial da novela. Portanto, essa Avenida de entrelugares tece conectivos que, estilisticamente, aproximam não apenas diferentes territórios ficcionais, mas também interligam espacialidades geográficas e socioculturais outrora segregadas por distâncias históricas intrafegáveis. Nessa direção, entre as variadas significações atribuíveis ao título, acredito que a escolha pela referência à avenida Brasil sinalize algumas das reconfigurações recentes da sociedade brasileira, sobretudo em sua materialidade urbano-espacial e suas correlatas dimensões (econômica, política, cultural, estética etc.). Conforme destacado por França e Vaz (2012), a trama e seu título dão a ver a flexibilização das hierarquias que, em outros tempos, cartografavam as espacialidades teleficcionais de forma mais efetiva. No folhetim em questão, essa dissolução ou fissura dos lugares tradicionais de narrativização pode ser percebida através da inversão do espaço hegemônico da zona sul (socialmente central) para os subúrbios da zona norte (espaços periféricos). Na novela, o capital econômico migrou da orla carioca em direção à ZN, gerando uma estratégia de narrativização (uma representação telecômica) que dialoga com movimentos extratrama, notadamente, o poder de consumo da nova classe média e a redução dos privilégios da elite brasileira. É sobre essa dialética entre fixos e fluxos de significação socioespacial que analiso, nas próximas seções, o Divino de João Emanuel Carneiro.

118 O Espaço do Subúrbio Ainda que outras tramas tenham efetuado o mesmo deslocamento espacial de Avenida Brasil, o subúrbio 80, em seus modos mais ou menos estabilizados de representação, não havia logrado, até o advento da trama em questão, tamanha centralidade na teleficção da Rede Globo. Na teledramaturgia, a lógica da montagem de mundos (a partir de diferentes núcleos de personagens e suas correlatas espacialidades) acompanhou, quase sempre, a lógica de segregação dos espaços reais, uma vez que, em ambos os casos, os fluxos econômicos, políticos e artístico-culturais (entre outros) parecem imprimir uma distinção espacial que hierarquiza a relação entre centro e bordas, morro e asfalto, espaços de protagonismo e de coadjuvação teledramatúrgica. Dessa forma, as narrativas teleficcionais que tradicionalmente centralizaram a ação das novelas são aquelas que se encontram assentadas sobre as fisicalidades turísticas de cidades postais; assim como sobre os fluxos significantes que acompanham os valores e os sentidos habitualizados pelas práticas socioculturais desenvolvidas nessas espacialidades. Essa política de representação espacial, no decorrer da história da teledramaturgia, optou pelos mesmos lugares de performatização, e, não fortuitamente, por espaços fundados sobre sistemas simbólicos hegemônicos, atravessados por significantes de uma elite, a um só tempo, econômica, cultural, artística, geográfica e racial. Conforme avalia o crítico e blogueiro Maurício Stycer, em sua coluna na seção Ilustrada do jornal Folha de São Paulo de 19 de agosto de 2012: Por décadas, a zona sul do Rio foi representada nas novelas como centro do universo, um local mítico e charmoso a partir do qual se definia a moda, os hábitos, as gírias e até o sotaque que os demais brasileiros, inclusive cariocas da zona norte, adotariam. Diversas outras cidades, em especial São Paulo, têm merecido a honra de servir de cenário às novelas da Globo, mas esse caráter especial que se atribui à zona sul carioca, na caixa de ressonância de usos e costumes, segue irredutível. (STYCER, 2012, p.e6). Nesse sentido, o jornalista reconhece a singularidade e a expressividade da montagem espacial de Avenida Brasil, ainda que, no decorrer de sua argumentação, 80 Entendo a periferia como espaço social marginalizado em relação às organizações hegemônicas. Nessa medida, o termo envolve uma dimensão social, econômica e política. Já a designação subúrbio relacionase a um tipo específico de periferia: no caso, aquelas que se encontram afastadas, geograficamente, desses centros de poder, caracterizadas, por sua vez, por matrizes socioculturais de natureza popular. Em vista dessa diferenciação, coloco que o Divino de Avenida Brasil é definido, sobretudo, como um subúrbio, ainda que também seja uma periferia, o que me leva utilizar, indistintamente, ambas as notações.

119 118 Stycer relativize a projeção do Divino (suspeita à qual endosso e tratarei de discutir na sequência). O protagonismo assumido pela periferia urbana na montagem de mundos de Avenida relaciona-se à localização de quase todos os núcleos da novela sobre os espaços marginais do Divino ou do lixão de Mãe Lucinda. Conforme já colocado, esses espaços narrativos foram projetados em torno de espacialidades ficcionais supostamente situadas na zona norte carioca, ligadas à parte sul da cidade pela avenida Brasil. Além disso, de acordo com o exposto no capítulo anterior, o subúrbio de João Emanuel Carneiro apropriou-se do colorido das misturas e dos ritmos populares para dar a ver dinâmicas de sociabilidade atribuídas à boa periferia carioca movimento afirmado já na sequência-preâmbulo que introduziu Avenida. A partir de caracterizações como essa, Avenida Brasil convidou sua audiência a seguir em direção à Zona Norte, conferindo protagonismo espacial ao contexto da periferia. Nessa medida, o assentamento ficcional sobre o subúrbio suscitou expressivos movimentos fabulativos (não necessariamente inéditos), entre os quais destaco uma forma distinta de interrelacionar as dinâmicas pública e privada de uma vida, a um só tempo, social, familiar e subjetiva. Nesse sentido, quando comparadas às práticas de sociabilidade dos espaços hegemônicos, as espacialidades da periferia imprimiram, sobre o âmbito narrativo da novela, outras formas de interação entre os personagens do folhetim. No que diz respeito a esse câmbio espacial, destaco, como forte derivação das modulações da periferia, a extensão das práticas domésticas em direção aos espaços públicos. Nesse contexto, recobro que a centralidade espacial das telenovelas sobre o entorno elitista das grandes cidades brasileiras, assim como o foco melodramático sobre relações familiares (os dramas existenciais da média burguesia), contingenciaram essas narrativas ficcionais aos espaços da casa o grande palco para purgação e expiação das obscuridades íntimas dos personagens folhetinescos. Afinal, vale considerar que o espaço doméstico propriedade fundamentalmente simbólica de nossa formação social classista sintetiza as ambiguidades que, da telenovela à política, fornecem noções distintivas, ainda que cambiáveis, entre as dimensões do público e do privado. É nesse sentido que DaMatta (1985, p. 27) afirma que, como espaço moral importante e diferenciado, a casa se exprime em uma rede complexa e fascinante de símbolos que são parte da cosmologia brasileira, isto é, parte de sua ordem mais profunda e perene. Além disso, creio que a apropriação do lar como espaço privilegiado à dramatização dos conflitos teledramatúrgicos deva-se, além das matrizes melodramáticas

120 119 de ordem ficcional (temáticas familiares) e sociológicas (soberania da vida privada), a fatores produtivos como a exequibilidade das filmagens em estúdio (onde as cenas podem ser realizadas com tranquilidade, sem interferências, sendo as construções cenográficas aproveitáveis durante meses de gravação). Ressalto ainda que, grosso modo, o espaço urbano público foi preterido por sintetizar, no contexto da domesticidade da elite brasileira, os espaços de fora, contraponto ao lugar afetivo da casa; espaço onde as mazelas de um mundo desigual se agigantam na forma de violência e vandalismo, traduzindo, através do mundo da rua, a emergência do confronto, a inflexibilidade da competição e a insegurança do anonimato. Já em Avenida Brasil, em consonância à lógica das reversões, o espaço público ao menos o seu espaço público central, o Divino apresentava-se como uma casa em forma de rua : afinal, no subúrbio, vizinho é parente, do tipo meio distante, meio próximo, e a calçada, mais do que trânsito, é lugar (no sentido de DUARTE; FIRMINO, 2010) para cadeiras de praia, isopor cheio de cerveja e um animado bate-papo. Dessa forma, quando a moral fortificante do lar passa a ser regida pela falsa beata Carmem Lúcia, mais vale cultivar a primordialidade das relações de boteco esses espaços conforme descreve Martín-Barbero (2006d, s/p), feitos de um calor no qual se entrecruzam as ilusões e as raivas dos oprimidos, onde se coze um idioma feito de partes iguais de grosseria e poesia, de palavra e grito (...) 81. Nesse sentido, não me parece coincidência que a mansão da família Tufão seja caracterizada de forma tão escura e pesada (em variações de preto e roxo), adornada por misturas de estampas exageradas, excesso de elementos carregados de apelos visuais, misturas de matérias, exagero de detalhes, ornamentos e texturas. (RAHDE et al., 2012, p. 338). Essa densidade visual do interior da mansão torna-se, assim, sintomática e indiciadora da dramaticidade das relações desenvolvidas em nível doméstico, tendo em vista a desfuncionalidade das relações entre os membros da família Tufão e a sobrecarga emocional típica do melodrama parental. Em contrapartida, do ponto de vista exterior, a mansão do ex-jogador de futebol é representada apenas por uma fachada, revelando uma ausência de profundidade na qual elementos de uma estética clássica (colunas colossais e cúpulas) integram uma composição tão simétrica quanto eclética, sugestiva de uma 81 Livre tradução. Trecho original: Bohemia cuyo lugar propio es la taberna, ese vaho en el que se entremezclan las ilusiones y las rabias de los oprimidos, y donde se cocina un idioma hecho a partes iguales de grosería e poesía, de palabra y grito, del lenguaje del mitin callejero y la declamación pública.

121 120 arquitetura de inspiração sacra no caso, um templo de valores hipócritas tão superficiais quanto à cenografia externa da mansão. O enquadramento frontal é antiespacial, nega a profundidade da construção, apresentando a silhueta do casarão, uma construção imponente, circundada por uma vegetação exuberante. A alta cerca metálica, estruturada por pilares ornamentados, um jardim e uma piscina isolam o edifício do domínio da cidade, sem, no entanto, conferir privacidade aos seus habitantes. (...) A falsidade da mansão reflete o caráter dos seus moradores (...). (RAHDE et al., 2012, p. 339, grifos meus). Visão frontal e interna da mansão Tufão. Fonte: Gshow (site de entretenimento da Rede Globo). Montagem autoral. Ainda na mansão da família Tufão, além dos marcadores estéticos que apontam para o kitsch e para o luxo sem requinte, sublinho a apropriação simbólica do espaço da casa como marca de distinção social. Nessa medida, a exuberância da fachada possui um valor informativo que ultrapassa o âmbito familiar, alcançando um sentido compartilhado por toda a vizinhança, constantemente reafirmado pela imponência de uma construção arquitetônica radicalmente diferente de todas as demais habitações do bairro. Logo, ao contrário dos prédios uniformizantes da Zona Sul, ou de suas mansões superprotegidas, quando não camufladas, a riqueza da família Tufão é ostentada sem qualquer resquício de pudor, conforme indicado por uma ausência de muros que confere uma ampla visão frontal da edificação, já que a casa-monumento conta apenas com grades. Não o bastante, a piscina ao invés de se localizar, como usual, na parte traseira ou nas laterais da casa foi projetada no jardim dianteiro da mansão, entre a magnânima porta principal e a rua, permitindo a exposição da boa vida de seus moradores. Nesse sentido, a obscuridade do interior da casa de Carminha espaço sombrio e íntimo governado pela vilania da personagem confronta-se à majestade solar do palacete de Tufão (taça dourada erguida pelo campeão diante de sua comunidade natal).

122 121 Pontuo ainda que a instabilidade do mundo doméstico em Avenida Brasil pode ser diagnosticada a partir da montagem sonora desses espaços a confusa acústica do subúrbio, assim como pela complexificação da produção de algumas imagens, particularmente, na filmagem de ações dramáticas desenroladas no lixão e na casa da família Tufão. Essa complexificação, conforme exposto na sequência, relaciona-se à utilização de técnicas de opacização sobre a imagem televisiva, responsáveis por romper, ainda que de forma contingencial, com a tradicional limpeza audiovisual das telenovelas brasileiras. Ademais, ressalto que, em sua quase integralidade, as casas/famílias de Avenida Brasil foram construídas de forma pouco convencional, sugerindo um tensionamento sobre a moralidade que outrora associava o espaço do lar à cartilha melodramática do certo e do errado, às performances devidas de cada gênero (masculino/feminino) e, ainda, a supostos comportamentos ou gostos de classe. Afinal, na novela de João Emanuel Carneiro havia um número significativo de famílias monoparentais (Monalisa e Iran, Janaína e Lúcio, Diógenes e Rony, Alexia e Paloma); duas formações poligâmicas (Suelen e seus dois maridos, Cadinho e suas três esposas); casais de diferentes gerações (Leleco e Tessália, Muricy e Adauto); e um núcleo central nada convencional (no caso, a família Tufão: a esposa vive com o amante, seu concunhado, e o marido cria os filhos dessa relação adúltera como se fossem seus). 5.3 Um Novo Espaço para uma Nova Classe Em Avenida Brasil, a seleção dos espaços da periferia como lugares de narrativização revelou uma intencionalidade autoral e um investimento simbólicomidiático explicitamente voltados para as atuais modulações socioeconômicas do Brasil, notadamente, a ascensão da nova classe C. Nessa direção, tomando como partida a colocação de Iser (1996) sobre a interrelação entre os sistemas de sentido da vida real (ou, como prefiro, da vida cotidiana) e os sistemas de sentido do texto, coloco que, do ponto de vista produtivo, as escolhas espaciais de Avenida revelaram-se estratégicas ao apostar em um campo de representação sensível às mudanças socioeconômicas testemunhadas pela história recente do país. Nesse âmbito, a escolha por matrizes espaciais ligadas aos espaços da periferia implicou em um jogo de pré-mediações (no sentido de OROZCO apud JACKS; ESCOSTEGUY, 2005), que, não fortuitamente,

123 122 potencializou o lugar multimediativo desempenhado pela telenovela, justificando, em partes, o seu sucesso junto ao público telespectador. Em outras palavras, Avenida Brasil foi pensada e produzida a partir de um olhar atento e sensível aos câmbios sociais, tanto no que se refere às novas dinâmicas de formação e fidelização das audiências, quanto ao universo de valores e significações colocados em evidência pela atual conjuntura nacional. Assim, o folhetim ao se apropriar, narrativamente, do rearranjo das hodiernas relações de classe, transfigurando tais mudanças em relações expressivas de sentido, diversificou a forma de produzir e consumir narrativas teledramatúrgicas, gerando atualizações significativas sobre o campo simbólico-material das telenovelas. Contudo, interponho que a inversão espacial empreendida por Avenida Brasil aponta não apenas para um fenômeno, de certa forma, contemporâneo, como a melhoria dos índices nacionais de desenvolvimento e a remodelação dos mercados consumidores; mas relaciona-se, ainda, à própria imagem e/ou identidade que os brasileiros, em geral, fazem de seu país. Nesse contexto, coloco que, do ponto de vista da encenação de costumes, assim como do sistema de valores e sentidos referenciado por Avenida Brasil, a nova classe C traduzida pelo Divino não apresentou uma diferença de base em relação a outras representações nacionalistas que, desde o surgimento da TV, vêm veiculando elementos e imaginários articulados em torno de um certo projeto de brasilidade ; um projeto, no caso, revelador de um identidade corporativista que, da literatura à sociologia, ou da política à criminalidade, fundamenta simbologias em torno de um híbrido brasileiro sincretizado, entre outros aspectos, por malandros e trabalhadores. Nesse sentido, a possibilidade de dialogar com uma série de matrizes culturais, filiadas tanto à memória psicossocial, quanto teledramatúrgica, denota a potência social e amplamente significante erigida em torno das recentes reconfigurações sociais do país, o que sugere o poder mediativo desse campo simbólico de ficcionalização. Nesse contexto, parece-me que a configuração da nova classe C, condicionada à fabricação particularmente midiática de uma estética do emergente, deixa de dizer de uma composição de classe social, no sentido de uma especificidade diferenciadora, para, em contrapartida, conformar um campo simbólico mais amplo no qual se entrelaçam aspectos constituintes de uma espécie de auto-imagem nacional. Por esse argumento, independente da filiação de classe, a audiência da telenovela projetar-se-ia nos personagens veiculados, tendo em vista o diálogo narrativo dessas construções frente às matrizes culturais que oferecem um sentido histórico-social de ser brasileiro.

124 123 De qualquer maneira, no caso midiático e teleficcional, um dos trunfos simbólicos oriundos da mediação estética da nova classe média reside na mitologia do emergente, representada em Avenida Brasil a partir do contraste em relação à tradicional figura do novo rico. Nota-se que essa diferença é estabelecida, nuclearmente, a partir do sentimento que essas figuras sociais alimentam por seus lugares de origem, uma vez que, enquanto o novo rico busca apagar os rastros do passado e os resquícios culturais da pobreza, submetendo-se à um processo de aburguesamento e aculturação; os emergentes (da classe C, do Divino ) não se envergonham de suas origens humildes; ao contrário, valorizam as condições que lhes permitiram abandonar certa situação de precariedade, quase sempre através do trabalho, para, assim, conquistar um lugar no mundo. Divino e os personagens centrais da novela representam claramente a nova classe C. Não são os novos ricos, não é a classe operária chegando ao paraíso (apesar da proximidade semântica dos dois substantivos); é a classe popular (o suburbano) ostentando boas condições de vida e consumo. (FRANÇA; VAZ, p.117, 2013), Nessa direção, França e Vaz, em uma análise sobre o sentido das espacialidades de Avenida Brasil, destacam que, do ponto de vista do Divino e da nova classe em relevo, a Zona Sul sintetiza as condições recém-adquiridas de riqueza e qualidade de vida, bem como o luxo e a arrogância sempre repudiados pelo subúrbio; por outro lado, o lixão retrata a miséria que o Divino superou, assim como a solidariedade e a alegria que foram, por ele, conservadas. Na novela, essa fabulação sobre a nova classe C (consumidora, mas não esnobe; batalhadora, mas não boba ), em distinção ao protótipo do novo rico como ambicioso, ostentador e desmemoriado pode ser verificada a partir de situações ficcionais como: (1) a mansão-palacete de Tufão foi construída em plena periferia, ou seja, o jogador de futebol, ao enriquecer, optou por continuar vivendo em meio à comunidade aonde fora criado; (2) Nina, chef de cozinha profissional, conquista a família Tufão com seu requinte gastronômico, mas não sem enfrentar a relutância de seus patrões, estes afirmativos quanto a seus gostos populares ( Somos ZN. A gente gosta é de feijoada, buxada, picadinho carioca, colocou, mais de uma vez, a vilã Carminha); (3) Max vivia às custas de Tufão e não entendia o gerenciamento que o jogador fazia de sua fortuna. No caso, o malandro encarnava o espírito do novo rico um sujeito que cobiça ascender socialmente e desfrutar de outros modos de vida, marcadamente, elitistas ( Se fosse eu, estaria em Miami. ). À certa altura da novela, Max realizou parte dos seus

125 124 sonhos de alta burguesia e comprou, mediante dinheiro extorquido, um iate que nunca zarpava; (4) por fim, quando a cabelereira Monalisa atende a um capricho do filho e resolve se mudar para a Zona Sul carioca, o não pertencimento àquele espaço lhe trouxe saudosismos daquilo que o dinheiro não compra, confirmando a previsão de Stycer (2012, p. E6) à época do acontecimento teledramatúrgico: (...) o abandono do Divino, ainda em curso, tem tudo para se transformar em mais uma lição do autor aos suburbanos, no sentido de valorizarem suas raízes. Em outra dimensão, na montagem do subúrbio de Avenida Brasil, a representação dessa nova classe C não foi unissonante aos sentidos gerados sobre esse mesmo fenômeno a partir de outros campos sociais 82. Nesse sentido, uma diferença entre a teletopia do Divino e, por exemplo, o imaginário político-social em torno da nova classe média, encontra-se, no caso da novela, na constante alusão dos personagens à prática da malandragem, em desfavor da centralidade do trabalho como marca de suas identidades 83. Nesse contexto, percebe-se em Avenida a representação de um modo de navegação social bastante próximo ao que Roberto da Mata (2000, p. 102) definiu como a arte de sobreviver em situações difíceis, isto é, a profissionalização do jeitinho brasileiro de ser mediação (ou drible) entre o universo das obrigatoriedades legais e os interesses de ordem privada. Nessa direção, no que tange à novela, vários foram os personagens que, a partir de diferentes peripécias, desfilaram pelo Divino com a argúcia da malandragem. Poderíamos, por exemplo, citar boa parte dos homens do subúrbio (Tufão, Leleco, Adauto) marmanjos que pouco trabalhavam, mas passavam o dia apreciando uma cerveja gelada, disputando uma partida de sinuca ou, simplesmente, jogando conversa fora. Silas, dono do bar que reunia a malandragem do Divino, no intento de se casar 82 A possível construção da identidade nova classe média conforme exposto, a um só tempo, de classe e nacionalizante possui matrizes e motivações oriundas de diversos campos sociais (economia, política, comunicação midiática), o que determina características e modulações semânticas que variam de acordo com as intencionalidades colocadas em jogo por cada contexto evidenciado. Contudo, ao refletir sobre essa nova classe, centro minha análise sobre a dimensão simbólica ou fabulativa empreendida pelo sistema midiático: no caso, como uma ficção socialmente comunicante (a telenovela) organiza e dá a ver uma outra ficção (o imaginário nacional) esta última agenciada por uma série de atores sociais cujas disposições, certamente, ultrapassam o âmbito dos media. 83 A baixa valorização do trabalho como marca de identidade dessa nova classe C afasta o Divino e seus moradores da perspectiva batalhadora que, de acordo com Jessé Souza (apud PIRES, 2011), fundamenta, intimamente, o perfil dos brasileiros em questão. Para Marcelo Neri (apud PIRES, 2011), a carteira de trabalho assinada é apresentada como símbolo da classe média brasileira, conforme ilustrado pelo comentário do operário Lusivaldo da Costa ao programa Globo Repórter de 31 de agosto de 2012: Eu brinco com meus meninos que meu nome é trabalho, meu sobrenome hora extra, codinome produção.

126 125 com a amada Monalisa, fingiu sofrer de uma doença terminal e, como último desejo de moribundo, pediu a cabelereira em casamento. Jorginho, suposto futebolista, só soube faltar treinos em função de seus tormentos pessoais, o que fez de Batata, menino trabalhador do lixão, um playboy custeado pela fortuna do pai. A propósito, a casa de Tufão era um antro de malandros reunidos, todos beneficiados pelos ganhos expressivos do ex-jogador: a esposa e seu amante, o filho, os pais e até o jovem padrasto (Adauto). Max, por sua vez, mantinha um casamento de aparência com a irmã de Tufão para aproveitar as regalias da vida de milionário do subúrbio e ficar mais próximo da amante; fingia que trabalhava como publicitário, mas comparecia à agência apenas para cantar as estagiárias atraentes. Em homenagem à malandragem de Maxwell personagem carismático, bem aceito pelo público, Arnaldo Jabor (p. 23, 2012), em matéria publicada no jornal O Tempo de 9 de outubro, classificou o tipo como o malandro agulha, finalmente retratado na TV, isto é, aquele que toma no buraco, mas não perde a linha. Por fim, Carminha, a vilã mais bandida que malandra, não deixou de apresentar certa traquinagem ao cometer suas estripulias sexuais, ao adotar a máscara de mulher séria, religiosa e de família, inteiramente devota à falsa caridade através da qual sacava dinheiro do marido. Além disso, a perua, acomodada às regalias da mansão de Tufão, aplicou um golpe do baú que durou cerca de quinze anos, período no qual a personagem enrolou não só o marido, mas também o próprio amante. Entretanto, contrariando as expectativas de gênero (difícil não imaginar o malandro como um homem vestido de branco e chapéu), a arte da malandragem em Avenida foi exercida, com extraordinária competência, por Suelen, a vagabunda mais querida do Brasil (CARNEIRO, 2012, p.13). A morena, sempre sensual, tinha orgulho em expor o próprio corpo e nutria um ar de superioridade que a transformava em uma espécie de fêmea-alfa (como sugerido por sua canção tema, eu quero ver você correndo atrás de mim ). Ainda nas palavras de João Emanuel, a messalina errática do Divino detestava trabalhar, maltratava os clientes da loja de Diógenes e, para não ser demitida, seduziu e transou com patrão, filmando todo o ocorrido a fim de chantageálo. Em matéria de sexo, Suelen maria-chuteira confessa ( Só transo com você se fizer gol ) aproveitou-se de todo o time do Divino Futebol Clube, reeditando, no decorrer da trama, a bigamia de Jorge Amado e sua Dona Flor. A força da personagem foi tanta que sua intérprete, Ísis Valverde, ganhou uma série de prêmios de melhor atriz 84 Canção Eu quero ver você correndo atrás de mim, de autoria da banda Aviões do Forró.

127 126 coadjuvante pelo papel, assim como seus figurinos e adereços (calça de cintura baixa, cinto de umbigo, brinco de tiras) tornaram-se os produtos mais comercializados em shoppings populares. Em vista dessa caracterização, argumento que, ao contrário do discurso políticoeleitoral sobre a classe média emergente, a telenovela não se centrou, em termos dramatúrgicos, sobre valores laborais. Conforme explorado por Teresinha Pires (2011), no campo da mitologia política, a nova classe C encontra-se vinculada a uma cartografia social que ressalta não apenas a melhoria dos índices nacionais de renda (perspectiva macroeconômica), mas, também, por uma noção trajetiva e meritocrática, a partir da qual valoriza-se as condições de ascensão pessoal, a cultura do trabalho e a ética do sacrifício (perspectiva individualizante). Nessa segunda direção, a nova classe média é entrevista a partir de traços como o esforço e a memória (característica dos emergentes), endossando, assim, os processos de luta responsáveis por transformar a pobreza em horizontes razoáveis de vida (lógica congênita à ideologia da superação, forte matriz melodramática). Nessa medida, quando as possibilidades de consumo são colocadas como marca identitária da nova classe C, não se deve considerar apenas o acesso material aos bens e produtos que, no passado, eram inacessíveis a seus membros; mas também, senão principalmente, o valor pessoal da possibilidade de adquirir essas posses. Conforme colocado por Martín-Barbero e Muñoz (1992, p.5), uma forma de consumo que transcende a posse dos objetos pois passa ainda mais decisivamente pelos usos que lhes dão forma social e nos quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação que provêm das diferentes competências culturais. Assim, a aquisição (menos do que a propriedade) fornece, à classe em questão, um sentido de direção um telos de vida que, subjetivamente, contribui para a adequação de um padrão originário de existência a uma outra ordem socioeconômica. Por esse raciocínio, a legitimidade desses novos emergentes não se daria apenas pelo acesso torpe ao consumo (como feito por Carminha através de falcatruas e crimes, ou mesmo pelos demais parentes de Tufão que vivem às custas do ex-jogador de futebol); mas, principalmente, por aquele respeito que a nova classe média ou batalhadora depreende da sentido social e subjetivo do trabalho, o que define um quadro de valores no qual o esforço dá sentido às práticas de consumo, assim como o desempenho pessoal-familiar torna-se sintomático de uma meritocracia social. Nesse âmbito, a cabelereira Monalisa talvez seja a única personagem de Avenida Brasil que represente os valores laborais da nova classe C. A personagem é uma

128 127 migrante paraibana que, como muitos, vem tentar a sorte no Rio, a cidade-espaço das telenovelas Globais (por sinal, o programa de televisão favorito da nordestina). Ao chegar ao Divino, a retirante ocupou-se como cabelereira e, com a ajuda do ex-namorado e sócio Tufão, lançou uma técnica de chapinha que a enriqueceu. Empreendedora e batalhadora, Monalisa mesmo rica, não deixou de trabalhar em seu salão, fazendo cortes e penteados como qualquer uma de suas funcionárias, orgulhando-se sempre de seu jeito popularesco de ser (falava alto, gesticulava muito e não levava desaforo pra casa ). Sua personalidade envolvia a conservação dos hábitos adquiridos ao longo da vida (como, por exemplo, meter a colher no feijão gelado ). Sua casa é espaçosa, bem mobiliada e toda equipada com eletrodomésticos que saltam aos olhos pela textura metálica e fosca do indefectível aço inox. Ademais, Monalisa é uma mulher forte (adotou e criou o filho sozinha), daquelas que não se deixam subjugar por nenhum homem que queira invadir seu território: Não te dou meu controle remoto, disse, em certa ocasião, ao então namorado Silas. Quem escolhe meus canais sou eu!. Monalisa em três momentos: (1) como mulher trabalhadora, lavando os cabelos de Suelen em seu salão de beleza; (2) como mãe emotiva e descontrolada, tentando impedir que o filho Iran saia de casa; (3) como mulher revoltada, ao descobrir a falsa doença de Silas. Fonte: Gshow. Montagem autoral. Pelo exposto, levanto que Avenida Brasil, ao inovar quanto à construção espacial de seu mundo fictício (da zona sul à periferia), elevou outras espacialidades à condição de centro narrativo da trama. Com relação aos fluxos correlatos a essa migração, destaco que o folhetim operou dois movimentos, que, por sua vez, dialogaram com diferentes perspectivas identitárias: (1) em primeiro lugar, o folhetim valeu-se de arquétipos nacionalizantes como recurso pré-mediativo de narrativização, tendo em vista a projeção de sentidos fundados sobre dinâmicas de caráter popular; (2) por outro lado, nesse processo, a novela evidenciou uma matriz estética que se apropriou de uma possível identidade de classe com o intuito de produzir representações telecômicas, o que, em minha avaliação, resultou em um perigoso e delicado metadiscurso sobre a nova classe média. Esse discurso, de caráter parodístico, centrou-se sobre a diferença cultural (o

129 128 brega) como mecanismo de produção de humor, revelando que, na batalha cultural encenada por Avenida Brasil, os sujeitos, grupos e espaços que adquiriram visibilidade na ficção não correspondem àqueles que serviram de referência à montagem de seus mundos A Periferia como Recurso Mediativo Em Avenida Brasil, a periferia possibilitou uma performance ficcional que explorou elementos ligados à tradição nacionalista da teleficção, aclimatando, assim, os princípios do melodrama social (luta pelo reconhecimento e combate às injustiças) às mitologias contemporâneas de um país em franco desenvolvimento. Sobre essa apropriação, Lopes e Mungioli escreveram que (...) o tema da nova classe média (...) soou como uma forte metáfora sobre o que há de mais distintivo no contexto atual da sociedade brasileira. Ele atualiza o que Martín-Barbero apontava no melodrama como forma de recuperação da memória popular e forma de indicação dos modos de presença do povo na massa. O que estaria em jogo no melodrama, segundo o autor, é o drama do reconhecimento, metáfora que podemos utilizar para alguns sinais de identidade dessa nova parcela da população que demanda tanto por reconhecimento simbólico, isto é, midiático, quanto real, materializado na entrada de 40 milhões de brasileiros no mercado de trabalho e consumo. (LOPES; MUNGIOLI, 2012, p.129) Nesse sentido, o espaço do subúrbio e a espacialidade típica da periferia, atrelados ao complexo sígnico (visual e sonoro) fabulado em torno da nova classe média, foram aproveitados como recurso a partir do qual os agenciadores de Avenida Brasil prémediaram as interações entre a obra ficcional e seus possíveis públicos consumidores. No caso, a novela conjugou, aos moldes de um suposto imaginário classe C, as estruturas hegemônicas e arcaicas do melodrama a um fenômeno socioeconômico recente, como as reconfigurações de classe a partir da melhoria da qualidade de vida no país. Além disso, no contexto do espaço dramatúrgico como recurso discursivo, coloco que, a partir da periferia, outros hibridismos foram produzidos em Avenida Brasil, como, por exemplo, a relação entre a sofisticação dos processos de filmagem e a popularização dos espaços e temáticas evidenciados. Nessa direção, a novela apostou na expressividade dos ritmos populares, na música dançante e sexualizada, nos figurinos escrachados e na cenografia deliberadamente cafona. Por outro lado, do ponto de vista

130 129 tecnoprodutivo, Avenida foi o primeiro folhetim a trabalhar, durante todo a sua exibição, com uma câmera de alta tecnologia (HD S-35 cinealta da Sony), o que permitiu aos diretores manipular as imagens de forma inovadora e inusitada, particularmente a partir de desfoques em primeiro ou segundo plano, gerando variações nos contrastes e na resolução dos objetos de um mesmo quadro. A propósito, enquanto exercício fílmico (construção de televisualidades a partir câmera), a novela apresentou um trabalho bastante refinado, quando não sutil, inspirado em uma concepção artística do audiovisual, multiplicando o jogo de composição da imagem televisiva e diversificando as texturas possíveis às teletopias ficcionais. Trata-se, assim, de uma inversão entre lógicas populares (pejorativamente tomadas como simples ) e elitistas (de forma igualmente grosseira, vistas como complexas ): enquanto, tradicionalmente, a telenovela registrava os conflitos existenciais das classes elitizadas, utilizando-se de técnicas convencionais, Avenida Brasil utilizou-se de processos criativos complexos para dar a ver processos e dinâmicas populares. Nesse sentido, conforme pontua Pucci Jr. et al. (2013, p.110), Avenida utilizou não apenas esquemas triviais de composição imagética (iluminação difusa, câmera fixa, ângulos de filmagem à altura dos olhos dos atores, arranjo visual claro e limpo), mas também recursos estilísticos considerados sofisticados (como iluminação trabalhada através de contrastes, intensa movimentação de câmera, multiangulação das filmagens, composições menos ordenadas). Desse apontamento, traço dois comentários: o primeiro conforme frisado pelos autores supracitados diz respeito à utilização, em Avenida Brasil, de ambos os esquemas composicionais (triviais e sofisticados), tendo em vista a intercalação entre sequências mais elaboradas (demarcadoras de momentos de tensão narrativa) e filmagens padronizadas (o entrecho cômico da trama). Em segundo lugar, pontuo que a sofisticação na composição das imagens indiciadora de momentos emblemáticos, tensões narrativas e poéticas cênicas assumiu uma profundidade estética que atuou, de forma consistente, sobre a produção dos sentidos teleficcionais, tendo em vista a construção de um sistema retórico diferenciado, inusitado e envolvente. No caso, o jogo de câmeras autoria assumida com vigor pela competente equipe de diretores da trama evidenciou um olhar (em geral, do tipo escópico, tal qual os olhares da audiência) que percorria, com

131 130 personalidade, os espaços encenados, resultando em uma propositura cênico-imagética na qual o espetador não se apropriava da completude da ação desenrolada 85. Essa perda de onipotência por parte da câmera, outrora fixada em posições estratégicas, de forma a captar, irredutivelmente, toda a narratividade cênica, descortina outras formas de espacialização narrativa, na medida em que a filmagem torna-se um fluxo vívido e comunicante de imagens, dinamizada por um olhar que se confunde à miseen-scène (abandonado, portanto, o distanciamento de uma direção que se externaliza frente à ação dramatúrgica, como aquela verificada no higienismo das cenas cômicas, desprovidas de marcas evidentes de intervenção autoral por parte dos diretores). Nessa medida, a câmera testemunhal implica em uma sequência tão instável como a experiência social (particularmente, o mundo da rua), como mostram as cenas em que Jorginho persegue o falso sequestrador de sua mãe pelos meandros de uma favela, revelando a exterioridade e a hostilidade daquele lugar ou a sobreposição entre o estado anímico do personagem (excitação, insegurança) e a sofreguidão do olhar fílmico que o espiava. Defendo, assim, que, como resultado desta alquimia produtiva (aspecto prémediativo agenciado pelos autores/produtores do folhetim), Avenida Brasil organizou, a partir de uma só espacialidade (o subúrbio), uma série de temporalidades sociais. É nesse sentido que entendo o subúrbio como espaço matricial e recursivo, estratégia que dá a ver toda uma rede de textos (das telenovelas, dos seriados, do cinema, da literatura e do teatro), discursos (das relações de poder, classe e gênero, do imaginário nacional folclorizante, da matriz sentimental melodramática, etc.) e de estruturas tecnoculturais (hegemônicas, residuais ou emergentes). Por fim, marco uma distinção do sentido que emprego à função recursiva da periferia no contexto de Avenida Brasil, frente àquela dimensão empregada por Lopes (2009) sobre a telenovela brasileira. No artigo referenciado, a autora aborda a noção de recurso como estratégia recepcional em vista de uma construção identitária, tanto em nível subjetivo como social. Dessa forma, as narrativas teledramatúrgicas são colocadas como recursos comunicativos que permitem ou suscitam um série de práticas interativas, 85 Refiro-me aqui a uma espécie de câmera subjetiva de um narrador não participante, isto é, de um observador capaz de registrar fragmentos da experiência testemunhada. Esse recurso foi utilizado, por exemplo, na sequência do assassinato de Max, gerando confusão no telespectador acerca do que se desenrolava diante da câmera. No sentido de reforçar a opacidade do registro áudio-imagético, os diretores utilizaram, na cena em questão, um recurso de foco e desfoco que trazia para o primeiro plano objetos irrelevantes para ação dramatúrgica; nebulizando, por consequência, os acontecimentos que, de fato, importavam para narrativa (conforme destacado por Pucci et al., 2013).

132 131 possibilitando, por conseguinte, maior consciência sobre os conflitos e desigualdades que atravessam a sociedade brasileira. Essa dimensão recursiva afinada à prerrogativa das batalhas culturais e das figuras de cidadania proposta por Barbero, apesar de sua pertinência, não foi um traço visível da narrativa de Avenida Brasil, tendo em vista fatores como ausência de merchandisings sociais 86, a centralidade narrativa sobre aspectos fabulativos e, particularmente, o tratamento pejorativo conferido à nova classe C. Esse último apontamento, a meu ver, sinaliza que o drama do reconhecimento das periferias brasileiras ainda não foi midiaticamente superado: em Avenida, pelo menos, a visibilidade estendida ao subúrbio não deixou de evidenciar quais são os olhos que movem nossas câmeras (televisivas ou não), resultando em uma noção de povo cada vez mais atrelada ao projeto fetichista de uma elite entediada A Paródia da Periferia Na casa de Carminha, a estampa do sofá é a mesma da cortina listras de zebra. O vaso de flores possui a cara de um boneco deformado e os abajures da sala são lacaios negros em tamanho quase real. Os falsos abacaxis estão por todo lado. Na área externa, a piscina (além de se encontrar na parte frontal da propriedade) transforma-se em um chafariz luminoso em dias festivos. Apesar da repercussão positiva dessas caracterizações, Avenida Brasil trouxe à tona uma relação conflitiva de classes na qual a aparente democratização do gosto e da estética suburbana escondeu, a meu ver, uma política questionável de reprodução simbólica. Minha questão centra-se, particularmente, no exagero dessas representações telecômicas, tendo em vista a intencionalidade parodística com a qual a classe popular socialmente ascendente foi representada. Nesse sentido, reafirmo que o Divino, especificamente, a família Tufão, ilustrava certo deboche frente às recentes reconfigurações sociais atravessadas pelo Brasil, revelando, mais do que matrizes de uma cultura popular, um olhar de centro falsamente afinado a dinâmicas periféricas. 86 Lopes e Mungioli (2013), consideram que Avenida Brasil abordou os temas trabalho infantil e abandono de menores como merchandising social. Do meu ponto de vista, essas questões foram retratadas pela trama como pano de fundo à construção do enredo (tanto em sentido espacial, o lixão, quanto dramatúrgico, a relação entre Carminha, Rita e Jorginho). Entretanto, considerando que a novela não se aprofundou, nem problematizou tais questões, não as considero um exercício de educação social por intermédio da ficção.

133 132 Detalhes da decoração da sala de Carminha: mistura de estampas; abajur com formas humanas; uma bússola luminosa; peixinhos de cristal; fruteira em forma de macaco; abacaxis-luminárias; gato de porcelana. Fonte: Material coletado na Internet. Montagem autoral. Dedicar-me-ei, com mais acuidade, aos tensionamentos que derivam dessa questão; antes, contudo, gostaria de evidenciar duas observações acerca dessa análise. Reafirmo, em primeiro lugar, que o protagonismo da periferia no contexto espacial de Avenida Brasil não deve ser diminuído em virtude de apontamentos que avaliam, em profundidade qualitativa, as formas de dramatização sobre as dinâmicas populares. Nesse sentido, a trama de João Emanuel Carneiro prestou um importante serviço de pluralização das matrizes espaciais que orientam à montagem dos mundos teleficcionais, demonstrando que inversões dessa natureza podem gerar novos contornos criativos aos folhetins. Afinal, como agentes vivos de modalização de sentidos, os espaços tendem a agenciar as matrizes ficcionais responsáveis em construir visual, sonoro e retoricamente as encenações nele performatizadas. Além disso, como segunda observação, interponho que minha análise não pretende sugerir qualquer tipo de patrulha ideológica e/ou castração dos gestos de comicidade, sobretudo mediante uma época na qual a ética no humor vem sendo discutida a partir de argumentos tão controversos. Entretanto, aponto que minha reflexão não se deriva apenas de um lugar enquanto audiência, no qual me refestelava com as peripécias de Carminha, mas também de questionamentos de natureza acadêmica e social. Nesses termos, parece-me sensato reconhecer que a periferia de João Emanuel Carneiro imprimiu

134 133 sua identidade conceitual através da idealização do subúrbio, tanto em sua dimensão socializante (laços fraternos entre vizinhos e outras brasilidades típicas), quanto da mitomania privada encenada pela mansão da família Tufão. Nesse segundo aspecto, sugiro que a comicidade gerada pelo folhetim possui origens em uma concepção que polariza uma suposta estética do bom gosto às formas culturais reproduzidas como emergentes. Nessa medida, avalio a discursividade de Avenida Brasil como um olhar elitizado (classe A/B) dirigido às camadas populares ( nova classe C ), ainda que o envolvente jogo ficcional da novela nos faça crer que estamos diante de uma representação genuinamente popular. Parece, assim, que a mansão Tufão foi concebida, enquanto cenografia e direção de arte, por algum profissional com um senso de humor próximo ao da personagem Verônica (do tipo debochado). É nesse compêndio que identifico na telenovela um metadiscurso sobre a classe C, isto é, a produção de um discurso parodístico frente a outras discursividades erigidas em torno do fenômeno, revelando, por conseguinte, certa impropriedade acerca mas matrizes culturais representadas (o outro da periferia e do subúrbio). Logo, a ideia de que a classe que mais consome novela se vê, finalmente, representada na pequena tela, soa-me, no mínimo, folclórica: queríamos nós, brasileiros, que nossas periferias fossem tão aprazíveis quanto o subúrbio de Avenida Brasil, ou ainda, que a Divina comédia da cafonice emergente cobrisse as favelas deste país com exageros de cores, estampa e comida. A pergunta deixa, então, de ser por que Avenida Brasil?, para se transformar em: afinal, que classe C é essa?, conforme indaga Leandro Machado, de 23 anos, estudante de Letras e morador de Ferraz de Vasconcelos (periferia de São Paulo, capital): (...) percebi aos pouco que eu e minha nova classe somos as celebridades do momento. Todo mundo fala de nós e, claro, quer nos atingir de alguma forma. (...) A televisão também estudou minha nova classe e, por isso, mudou seus planos: além do aumento dos programas que relatam crimes bizarros (supostamente gosto disso), as telenovelas agora têm empregadas domésticas como protagonistas, cabelereiras como musas e até mesmo personagens ricos que moram em bairros mais ou menos como o meu. (...) Não que eu não esteja feliz com meu novo status de consumidor, não deve ser isso. (Agora mesmo escrevo em um notebook, minha TV tem cem canais de esporte e minha mãe prepara comida num fogão novo; se isso não for felicidade, do que se trata, então?) O problema é que me esforço, juro, mas o ceticismo é ainda minha perdição: levo 2h30 para chegar ao trabalho porque o trem quebra todos os dias, meu plano de saúde não cobre minha doença no intestino e morro de medo das enchentes do bairro. Ou seja, ao mesmo tempo em que todos querem me atingir por meu razoável poder de consumo, passo por perrengues do século

135 134 passado. Eu e mais 30 milhões de pessoas não somos pobres, mas classe C. (MACHADO, 2012, s/p). 87 Consonante ao depoimento de Leandro, acrescento que, no Divino de Avenida Brasil, não havia espaço para violência, preconceito de raça na periferia sueca da novela quase havia espaço para negros 88, para problemáticas sociais relacionadas ao tráfico de drogas e de armamento, à prostituição. Pontuo, assim, que o Divino, por mais adorável que fosse, revelou-se um espaço francamente monofônico, no sentido mesmo da ausência daquela multiplicidade de vozes equipotentes de que nos falava de Bakhtin (2003). Apesar de inúmeros dialogismos (entre diferentes matrizes culturais, Zona Norte e Zona Sul, formatos mundializados e tradicionalismos novelescos, cultura digital e princípios televisivos), não se percebe, na teleconstrução dessa periferia, um espaço de multiplicidade e divergência (confronto de vozes sociais), mas sim, um campo de uma pseudo diversidade que dissimula as relações de força colocadas em cena pela novela. Acredito que esse processo relacione-se, em parte, às verticalidades da atividade autoral as pré-mediações organizadas pelas relações de tecnicidade e institucionalidade empresarial, responsáveis pelo alinhamento de personagens, ações, discursos e espacialidades em torno de uma matriz estética parodística e de um discurso francamente classista. Nesse sentido, conforme coloca Sérgio Miceli, a mídia hegemônica acaba por revelar uma estrutura simbólica na qual as classes sociais são consideradas como fundamentos últimos das significações que elas mesmas produzem e consomem, segundo uma hierarquia de legitimidades dominada pela cultura da classe dominante. (MICELI, 2005, p.160, grifos meus.) Por um lado, é sabido que o popular na Rede Globo afere-se particularmente em termos de audiência e penetração social, já que, enquanto empresa de comunicação, sua origem é francamente elitista (afinal, estamos falando sobre uma das hegemonias mais 87 Fragmento Retirado da crônica De repente, classe C, de Leandro Machado, publicado no Blog Mural da jornal Folha de São Paulo. Disponível em: 88 Destaco a presença mais contundente de apenas dois personagens negros no elenco de Avenida Brasil : Silas e Zezé. Nesse sentido, reporto a análise do jornalista e editor do portal Correio Nagô, André Santana, sobre a representação do negro na novela: Fica bem evidente que a Globo tem construído um percurso de falar da população negra, temas caros à população negra, sem a sua verdadeira representação ali. O que nós temos em Avenida Brasil é um número grande de personagens e dá pra contar nos dedos quantos são atores negros. Apesar de que são claramente histórias de vida de pessoas negras (grifos meus). O jornalista cita ainda a incoerência do Divino Futebol Clube, time de periferia, não contar com jogadores negros (ao contrário, a seleção de Tufão conta com um elenco recheado de galãs da emissora carioca, todos brancos ou, no máximo, pardos). O depoimento completo do jornalista encontra-se disponível em:

136 135 sólidas e atuantes deste país). Assim, quando João Emanuel Carneiro afirma que extrai elementos narrativos de conversas com suas cozinheiras, das notícias televisivas e das incursões da mãe antropóloga à periferia, em meu entendimento, o que fica evidenciado não é um conhecimento de campo sobre a realidade dos subúrbios brasileiros, mas sim uma perspectiva terceirizada sobre um fenômeno que, ao ser fabulado em muitos campos sociais (gerando fabulações sobre fabulações), deixa de dizer de uma experiência concreta de vida ( meu subúrbio ). Esse exercício criativo socialmente despretensioso (a propósito, advogado por Carneiro) não representa, em princípio, um desvio de representação (não gostaria de advogar contra a liberdade da montagem de mundos ficcionais); entretanto, tomando como contexto a circulação e o sucesso de Avenida Brasil, bem como a forma como tal narrativa foi prontamente vinculada a um projeto de classes, parece-me significativo e reflexivamente fértil problematizar o jogo de intencionalidades colocadas em cena, de forma deliberada ou não, pela telenovela. Nesse contexto, parece-me imperioso operar uma distinção entre as modulações semânticas originadas desse subúrbio de Projac e os sentidos sociais que vociferam nas periferias brasileiras. Essa perspectiva me leva a colocar em suspeição esse protagonismo espacial conferido ao Divino, particularmente, no que tange a expressividade de seu sistema retórico, isto é, seu estilo de uso, maneira de ser e de fazer (CERTEAU apud LOPES; MUNGIOLI, 2013, p.157). Nesses termos, o sistema retórico de Avenida Brasil assentou-se sobre o estilo do suburbano (o barango), em uma personalidade psicossocial (espontânea e escrachada) e em uma forma de fazer (com personalidade) que revelaram uma narrativa mais próxima ao popularesco do que ao popular, no sentido mesmo da paródia. Parece-me que, para não incorrer no risco do Cinema Novo 89 no qual as imagens levavam o popular à cena, mas o excluíam das salas de exibição, a trama recorre ao popularesco como pré-mediação entre as matrizes elitistas (que enxergam nessa forma de representar uma comicidade frente a supostos hábitos de classe ) e as matrizes, de fato, populares (como as músicas, a composição dos espaços, a própria comicidade). Nesse âmbito, tomando como referência o teatro popularesco e a encenação da cafonice em Avenida, discordo de Jabor (2012, p.23) quando o colunista afirma que, através da 89 Nessa direção, Ricardo Waddington, diretor de núcleo de Avenida Brasil, comenta que Essa classe ascendente pode estar bem representada nos personagens da novela, mas não é por isso que o público está acompanhando, senão o Cinema Novo teria sido extremamente popular porque retratava o povo. A linguagem da trama é que se comunica com todos os cômodos da casa. (WADDINGTON, 2012, p.76, grifo meu).

137 136 novela, o o subúrbio, finalmente, apareceu na TV, sem folclore e sem ideologia. Na mesma medida, avalio como arriscado o juízo publicado pela Revista Época (de 28 de maio de 2012, ed. 731, p.78) quando o periódico afirma que Avenida Brasil será lembrada como a crônica aguda do Brasil emergente do início do século XXI. Em ambos os casos, parece que estamos esquecendo que, a centralidade espaço-ficcional da periferia, bem como a correlata visibilidade da nova classe C, não expressa somente uma metáfora nacional para um país em processo de desenvolvimento, mas também evidencia outros processos que não podem ser obliterados no atual contexto do país. Na minha avaliação, enquanto narrativa, a crônica do Divino é morna, justamente porque não assume questões conjunturais impreteríveis; ao contrário, a trama de João Emanuel Carneiro optou por uma forma de entretenimento que desconsiderou (quando não mascarou) conflitos de classe que fazem parte da cotidianidade do brasileiro. Nesse sentido, reafirmo: a ficção é o maior exercício de liberdade ao qual possuímos acesso. Porém, não se trata de uma liberdade sem condicionantes, sobretudo no caso teletópico, onde as narrativas dessa natureza projetam-se massivamente diante de todo um país (e que não nos esqueçamos que, em si, o gênero já é uma forma de autoria). Além disso, quando a ficção se atrela a um discurso como o da nova classe média anteparo quase mítico para os que ainda acreditam na ideia do desenvolvimento galopante, essa tal liberdade acaba por atender a propósitos que ela mesma trata de ocultar. Nessa medida, proponho, em termos foucaultianos, o seguinte questionamento: enquanto fonte expressiva de imaginários amplamente socializantes, qual o real que estamos impugnando através de representações ordeiras como a aprazível subúrbio de Avenida Brasil? 5.4 O Lixão de Mãe Lucinda: à Margem da Margem Transcorrido esse percurso, encerro a análise narrativa de Avenida Brasil com uma possível leitura sobre o lixão o lúdico espaço habitado por Mãe Lucinda, Nilo e suas respectivas crianças. Evitei, ao longo deste percurso, fazer menções ao aterro cenográfico da novela objetivava reservá-lo para o final, para, assim, reforçar sua condição de marginalidade espacial e de suspensão temporal frente à trama em questão. Esse silenciamento analítico, por sua vez, revelou-se bastante exequível (minhas

138 137 argumentações anteriores não foram censuradas), o que, em meu entendimento, corrobora a exterioridade do lixão em relação às demais discursividades espaciais do folhetim. Conforme exposto, França e Vaz (2012) definiram o lixão e a Zona Sul como formas extremadas de certas condições sociais, culturais e econômicas, relacionadas, respectivamente, à miséria e ao luxo; à comunhão e ao individualismo. Por sua vez, essas desmedidas seriam equilibradas pelo Divino, o que, na visão dos autores, coloca o subúrbio numa posição homeostática de entre lugar dessas espacialidades. Sobre o aterro, especificamente, França e Vaz afirmam que como apêndice do Divino aparece o lixão, possivelmente uma evocação do Aterro Jardim Gramacho, lixão hoje desativado e conhecido do mundo todo através de importantes produções culturais. Divino está ali, no entremeio. A ZS (banhada pelo mar, cartão postal do Rio de Janeiro) de um lado, o lixão do outro; junção entre esses dois mundos e transcendência deles. (FRANÇA; VAZ, 2012, p.117). Apesar de compartilhar a leitura sugerida pelos autores, opto por deslocar, em termos analíticos, o lixão das outras espacialidades de Avenida Brasil. Essa suspensão é relativa, uma vez que, em termos narrativos, os eventos transcorridos no aterro cenográfico foram fundamentais para a proposição da trama central da novela das origens do embate entre Rita/Nina e Carminha até o desfecho pacifista desse duelo. Não sugiro, assim, uma indiferença do lixão frente ao Divino ou à Zona Sul, mas aponto que, a meu ver, a relação de transcendência destacada pelos autores ocorre, com mais singularidade, a partir da miséria idealizada do aterro, e não sobre a fabulação do subúrbio. Nessa direção, retomo uma das características mais marcantes do lixão de Avenida Brasil : sua ausência de cheiro. Ora, é sabido que, ainda que a tecnicidade televisiva não englobe reproduções olfativas, o audiovisual pode sugestionar olores a partir de sua base sensível (o ver e o ouvir). Nessa medida, em perspectiva mais ampla, indago: qual era o cheiro das imagens de Avenida Brasil? Quiçá, Cazuza diria que a zona sul fede à burguesia; para Verônica, o Divino cheirava à suor e à desodorante barato. E o lixão? Que cheiro teria Mãe Lucinda? E Nilo? Ao que me parece, mesmo vivendo, dia após dia, em meio ao resto e à sujeira, o colo dessa mulher tão confortante para Nina, Jorginho, Picolé não parecia transmitir aquela golfada de vento de que nos fala Bauman (2005) um sopro de podridão que,

139 138 por ventura, invade o conforto das casas para lembrar as consequências da vida que levamos e do lixo que produzimos. Não creio, portanto, que um lixão inodoro possa ser considerado um lixão. E não digo isso, no caso do aterro, no sentido de reforçar os desvios de representação da novela, tampouco sugerir alguma controvérsia sobre sua política de construção simbólica. Ao contrário, coloco essa irrealidade como argumento para situar o lixão de Avenida Brasil em um lugar outro dentre os espaços narrativos da trama no caso, um lugar fortemente assentado sobre algo próximo a uma utopia ficcional. Assim, ainda que a cenografia da telenovela seja parcialmente referenciada pelo Aterro Jardim Gramacho, onde a equipe técnica realizou trabalho de campo, a ausência das características mais sobressalentes dessas espacialidades reais 90 evoca-me um lugar ficcional e imaginativo que se encontra muito distante dos aterros reais; uma distância que, sem dúvidas, não pode ser medida a partir das características que diferem o real e o fabulado, mas cujo jogo transicional revela uma inclinação mais afeita ao campo imaginativo do que a qualquer referência concreta. No aterro de lixos lavados, peneirados e pintados de Avenida Brasil, o aspecto geral da composição fazia pouca alusão à miserabilidade que nos salta aos olhos nos lixões destituídos de ficção. Não me lembro de já ter estado em um lugar como esses, mas arrisco dizer a partir de uma experiência antropológica tão superficial quanto a de João Emanuel Carneiro sobre o subúrbio que os aterros e lixões do Brasil, assim como as famílias que daí retiram suas rendas, traduzem algo próximo àquilo que falsamente buscamos com o nome de realidade. Acredito que nesses lixões, a opacidade social nossos discursos truncados, multimediados, hiper-simbolizados dê lugar a um incômodo lapso de transparência; afinal, é no aterro, que as matrizes da cultura (do Divino ou da Vieira Souto ) misturam-se aos formatos da indústria (enlatados de todos os tipos), e a classe C (nova ou velha) torna-se mais próxima às classes A, B ou D do que seus respectivos membros gostariam de imaginar. Enquanto espaço outro, o lixão de Mãe Lucinda ponto de chegada e partida para os personagens da trama (LOPES; MUNGIOLI, 2013) representa um lugar de origem difícil de esquecer, mesmo para aspirantes à novo rico como o malandro Max. A vida dura de catador de lixo (experimentada por Carminha, Max, Mãe Lucinda, Nilo, 90 Duas características: o cheiro e a extensão de terra. No lixão de Mãe Lucinda, as filmagens davam-se sempre no nível do chão, o que impedia uma noção de grandeza do espaço; e, conforme exposto, não existia nenhuma forma de sensorialidade quanto ao cheiro nauseante dos mais diversos tipos de resíduos.

140 139 Batata/Jorginho e Rita/Nina) acompanha e funda os percursos desses personagens, oferecendo um quadro de valores a partir do qual se conforma suas subjetividades, discursos e objetivos de vida. Até mesmo Carmem Lúcia a vilã que fez do lixão a energia necessária para transformação, ainda que aplicando golpes e desferindo maldades, ao se ver frustrada e bêbada, toma um caminhão de lixo em direção ao antigo lar: Ah, o cheirinho de casa! Nada como o cheirinho de casa!, repete. Esse cheirinho ao meu olfato, indiferente remetia Carminha ao espaço do lar, evidenciando, portanto, a referencialidade do lixão enquanto matriz afetiva para a vilã. Nesse sentido, o cheiro de casa, provavelmente, o cheiro nauseante do chorume, não se torna exclusividade de uma espacialidade específica, mas sim de todo um amplo espaço dividido por outros refugos, muitas vezes, anônimos entre si. Em outra medida, é justamente a ausência de cheiro que permite a montagem de um mundo lúdico sobre o lixão, mundo no qual a narrativa de Avenida encontra sua utopia para, daí, retirar a parte mais expressiva de sua poética: nesse aterro que não se encontra em lugar algum, descortina-se um espaço de teatralidade onde a beleza cenográfica substitui o asco e o descaso, gerando um palco privilegiado para os acontecimentos mais marcantes da novela, como o casamento de Rita e Batata, o assassinato de Max, a reconciliação de Nina e Carminha. Em relação à beleza, destaco, particularmente, a casa mágica de Mãe Lucinda, uma verdadeira fábrica de sonhos em meio à aridez da paisagem dominada pelo lixo: nela, a pequena calçada frontal é adornada por mosaicos em forma de flor; latinhas amassadas revestem as paredes e funcionam como cortinas; jornais velhos e garrafas de plástico transformam-se em bancos; materiais recolhidos são revivificados na condição de objetos decorativos (alguns bastante sofisticados, como uma luminária montada sobre uma calota de bicicleta e uma belíssima santa cravejada por falsos brilhantes). Nesse sentido, destaco a comparação de Rahde et al. (2012) entre a casa de Mãe Lucinda e os exageros da Mansão Tufão. A casa de mãe Lucinda no lixão é cheia de amor e valorizada por uma iluminação suave, discreta e sofisticada, que denota vida e esperança, valores muitos mais sólidos do que os falsos brilhos da casa dos milionários sem caráter. Vidros coloridos de garrafas filtram e desenham esta luz que se reflete em adornos dourados, feitos de papel alumínio reciclado de embalagens descartadas. Aqui, o dourado é autêntico, porque ostenta a sua fragilidade de papel, não quer imitar o ouro ou a riqueza, quer apenas refletir o brilho do sol. (RAHDE et al., 2012, p.338).

141 140 Casa de Mãe Lucinda decorada para o casamento de Rita e Batata; garrafas de vidro filtram e colorem a luz do sol; imagem de Nossa Senhora de Aparecida feita de restos metálicos. Fonte: Material coletado na Internet. Montagem autoral. Pelo exposto, me parece lícito afirmar que o lixão, na lógica própria das coisas que sobram e que restam, produz um espaço residual frente às engrenagens produtivas da cidade e da ficção. Se o trânsito intenso das avenidas concentra-se no eixo orla-subúrbio, o aterro não é muito mais do que um espaço de fora, um pedaço de mundo que, aparentemente, ninguém quer, e que, talvez por isso, mereça receber todos as demais sobras. Contudo, para grandeza de Avenida Brasil, na narrativa de João Emanuel Carneiro, o lixão não é só espaço para dejetos: em sua ambivalência, ele também é lugar no sentido mais afetivo do termo. Por isso, Lucinda não poderia ter saído dali, como desejaram alguns internautas ao final da novela. Ora, é preciso lembrar que a Mãe do lixão não é uma nova rica, e que sua fortuna de vidros coloridos e latinhas amassadas encontra-se, preciosamente, em suas origens. Valores subterrâneos de uma não emergente.

142 Uma Novela entre Espaços No contexto dos mundos montados pela ficção, a ideia que construímos sobre as periferias contemporâneas e sobre os modelos de ascensão social no Brasil imbricam-se, estreitamente, aos projetos colocados em marcha pelo sistema midiático. Não me parece furtivo que, a partir da estética do emergente, uma série de produtos comece a ser produzida para TV, ainda que, não necessariamente, para as classes em evidência. Nesse cenário, a telenovela desempenha um papel importante no sentido de ensejar novelas capazes de envolver um número expressivo de telespectadores, filiados a diversas classes sociais, residentes em todo território nacional. Diante dessas condições, reforço a inconsistência do depoimento de João Emanuel Carneiro sobre a livre representação de sua periferia: Eu criei um subúrbio na minha cabeça, o bairro Divino. É uma fabulação (...). Esse subúrbio que estou criando não tem ambição sociológica, não tenho vontade de fazer novela sociológica sobre o Brasil atual, é um exercício de ficção. Tanto que que inventei um bairro que não existe, é o meu subúrbio, não tenho de prestar satisfação a nada. (CARNEIRO, 2012, s/p). Por certo, na construção do Divino, o novelista não se ocupou em prestar muitas satisfações, afinal, sua trama apresentou baixíssimo compromisso de referencialidade frente à qualquer domínio de realidade, conforme verificado a partir da idealização de suas principais espacialidades (o subúrbio e o lixão). Por outro lado, ainda que desprovido de ambição sociológica, o mesmo João Emanuel Carneiro, sete meses após a declaração supracitada ou seja, transcorrido o curso da novela, tratou de assentar o sucesso de seu folhetim sobre aspectos extra-trama, conforme verificado em depoimentos como: tive uma antena boa de sacar o momento do Brasil, a ascensão da nova classe média está dando uma cara diferente ao país, a novela é sobre a classe C, mas não só para classe C. Nesse sentido, ainda que a pretensão do autor fosse produzir uma livre fabulação, a significância social da ficção televisiva não permitiu que Avenida galgasse espaços de tamanha despretensão. Logo, a trama de Nina e Carminha acabou sendo veiculada como uma narrativa conjuntural, no caso, pautada sobre o contexto de ascensão da nova classe média e pelo fenômeno de midiatização da periferia. E muitos foram os discursos que apontaram o modo singular através do qual Avenida Brasil perfilou o atual

143 142 momento do país: crônica social, radiografia de um país em transformação, espírito de tempo corrente... Exageros à parte (alguns, dignos de Carminha), Avenida Brasil, com inequívoca originalidade, libertou a teledramaturgia da charmosa caixa de ressonância da zona sul carioca, conduzindo sua audiência em direção à inigualável farofa da Zona Norte. Em decorrência dessa inversão, o protagonismo do Divino demonstrou a potência criativa de um espaço até então pouco aproveitado pelas telenovelas brasileiras, o que nos sugere que outras especialidades poderiam desencadear inusitadas engenharias dramatúrgicas e novos lugares de ficcionalização. À essa travessia, mais uma vez, não faltaram elogios: finalmente, o povo na TV, a periferia ganha o Brasil, o subúrbio entra na moda. Da forma como for, o Divino criado por João Emanuel Carneiro transformouse em um dos teletópos mais persuasivos da história da televisão, confundindo-se, de forma inexorável, ao imaginário social acerca dos subúrbios. Nesse contexto, não considero alarmante o olhar idealista que repagina uma série de clichês sobre a vida na periferia, todos prontamente associados a uma identidade social e subjetiva; por outra dimensão, avalio como problemática a intencionalidade parodística que camufla, sob os auspícios do humor, uma narrativa classicista (e não de classes) em torno da qual é encenada uma falsa batalha cultural entre elite e classes sociais emergentes. Nesses termos, coloco que Avenida Brasil nos faz crer que estamos testemunhando uma reparação histórica as massas amplamente consumidoras de teleficção veem-se finalmente retratadas na televisão, como se tal visibilidade midiática fosse resultado do esforço de uma classe batalhadora. Todavia, nesse novo espaço para uma nova classe, o que se aclara é uma abordagem que retira densidade de uma questão social pungente, ao mesmo tempo em que se pretende vinculada a um movimento de caráter extramidiático. Proponho, na esteira dessas reflexões, uma comparação entre os modos de fabulação do lixão e do Divino, tomando como referência o modelo triádico do gênero 91 (JOST, 2007). Coloco, assim, que, enquanto o aterro assumia-se como fábula, o subúrbio, não, logo, o Divino localizava-se em um entrelugar distinto daquele que abrigava o 91 François Jost (2007) trabalha o conceito de gênero a partir de um modelo tripartido entre mundos interagentes e mútuo-remissivos, sobre os quais se fundam as relações entre sujeitos, sociedade e ficção. Os mundos que o gênero faz referência são: (1) Mundo real (envio à dimensão concreta do cotidiano, como ocorre, por exemplo, em notícias jornalísticas); (2) Mundo Fictício (forma ficcional, que pode se opor ao real ou não, cujo fundamento consiste na coerência e não necessariamente na verossimilhança); (3) Mundo Lúdico (mundo do jogo, forma transicional entre os mundos anteriores).

144 143 lixão de Mãe Lucinda, tendo em vista uma diferença de remissão que caracterizava cada uma dessas formas fictícias. Esquema de relação entre os mundos constituintes do gênero (JOST, 2007), adaptado. Pelo esquema, percebe-se que o lixão, em sua dimensão ficcional utópica, caracterizou-se por um exercício fabulativo que aproximou o fictício do lúdico, tendo em vista uma forma de narrativização (dramatúrgica e imagética) calcada em um jogo claramente simbólico, no sentido de uma não referencialidade no mundo concreto (verificada, por exemplo, na retórica poética da casa de Mãe Lucinda). Por outro lado, situo o Divino em uma relação que remete o fictício sobretudo à realidade, uma vez que, a partir da suposta estética narrativa da nova classe C, Avenida Brasil acabou vinculada a um projeto identitário relacionado à modulações extra-trama. Essa diferença explica, em parte, o porquê de minha criticidade ter acionado enquadramentos distintos para analisar cada uma das espacialidades em evidência, ou seja, a razão do lixão ter sido entrevisto como uma manifestação autêntica daquelas jardinagens sobre as quais nos falava Foucault (um exercício bem-vindo e necessário de ir além ), enquanto o subúrbio do Divino, no meu entendimento, trouxe incômodos ficcionais. Concluo, assim, que a migração espacial efetuada por Avenida Brasil merece ser reconhecida, mais especificamente, pelos câmbios sobre o plano das fisicalidades espaciais, já que, do ponto de vista dramatúrgico, as transformações não foram igualmente expressivas (os fluxos não necessariamente acompanharam os fixos): afinal, as matrizes melodramáticas continuaram a oscilar entre a comédia da vida pública e o drama da existência privada, sendo que, em ambas as dimensões, o que se projeta como referência não é a moralidade ou a convivialidade dos sujeitos representados, mas sim uma figuração de classe cujo imaginário ainda reside na velha e bela orla carioca. Enquanto texto (temáticas, conflitos e soluções) e paratexto (enquadramentos sociais, representação de

145 144 minorias, agendamento de debates públicos), Avenida pouco contribuiu para o desempenho da vocação recursiva da teledramaturgia agora entendido nos termos de Lopes (2009), como estratégia de recepção voltada para a construção de diferentes identidades, no caso, fundadas sobre figuras de cidadania que pluralizem e tensionem o campo de representação televisual. Meu incômodo deriva-se, portanto, da conclusão de que, enquanto zona complexa de enunciação social, as teletopias orbitam em torno de folhetins cada vez mais dialógicos (outras referências simbólicas, outras ficções nacionais ou não, outros contextos espaciais...), embora, enquanto espaço de imbricação de vozes e discursos, a baixa heterogeneidade discursiva redunde na monofonia de uma Avenida ainda de mão única.

146 145 #OIOIOI6 ESPAÇOS DE CIRCULAÇÃO FICCIONAL Flyer de festa noturna tematizada em torno de Avenida Brasil : Me serve, vadia! Nina feat Carminha. Fonte: material retirado da internet.

147 Teletopias da ficção e do cotidiano A vendedora dá um sorriso irônico antes de indicar o artigo mais vendido da Zecabiju, uma das dezenas de lojas do Saara, o movimentado mercado popular do centro do Rio. O brinco da Suelen, claro. Eu nem precisava falar, né? Foi com o lead acima que Fábio Brisolla introduziu a matéria A vez do subúrbio, publicada em 12 de agosto de 2012 na seção Ilustrada do jornal Folha de São Paulo. Ainda que, fora do Saara, o brinco da Suelen (um tira comprida revestida de strass) seja menos popular do que a entrevistada faz crer, de fato, à época da novela, podia-se creditar o pódio dos mais vendidos a alguma das bijuterias ostentadas pela periguete do horário nobre. Na trama de João Emanuel Carneiro, esse vitrinismo também foi desempenhado por outras personagens-manequins, como, por exemplo, Olenka o seu batom foi o produto mais pedido dentre os cinquenta itens comercializados pela Globo Marcas com o selo da novela. Já uma fabricante de sapatos, aproveitando-se do sucesso das protagonistas de Avenida, batizou os modelos de uma coleção como Carminha (um scarpin em couro, com sola de courolaque, salto de 13 cm de altura, também encapado em couro) e Rita (sapatênis em diversos tons metalizados). Uma rede de eletrodomésticos, por sua vez, lançou o Kit Nina, que incluía uma máquina fotográfica digital, um freezer, um capacete rosa e um jogo de detetives (só faltou o pen-drive). Em outra vertente de mercado, uma academia de São Paulo passou a oferecer aulas de Charme a dança de Darkson e Suelen, que, de acordo com a propaganda da empresa, detona até 350 calorias em 1 hora. Tais exemplos, e outros que poderiam ser alistados nessa direção, evidenciam como a telenovela movimenta um consistente e rentável mercado simbólico-material, tendo em vista sua inserção, enquanto produto cultural, no campo doméstico da recepção e no bojo das práticas sociais. Ainda que tais relações não sejam o foco desta argumentação, utilizo-me delas para evidenciar os mecanismos que transformam as narrativas da ficção em teletopias do cotidiano, considerando que os folhetins abarcam mundos não apenas fabulativos, mas também práticas simbólicas que se realizam, de forma extensiva, no mundo concreto, seja ele social ou subjetivo. Coloco, assim, que as práticas de consumo agenciadas pela teledramaturgia, ainda que não possam ser desvinculadas de suas finalidades lucrativas, apontam para a potência das mediações

148 147 sócio-ficcionais e a consequente posição de alteridade narrativa desempenhada pelas novelas brasileiras 92. Nesse intento, destaco que os fluxos simbólicos, ao partirem da televisão e circularem por diversos espaços desde os mais contemporâneos, como o digital, aos mais imprescindíveis, como a rua e o corpo acabam se cristalizando em artefatos que traduzem uma densa imbricação entre universos ficcionais, matrizes socioculturais e mecanismos íntimos de reconhecimento. Mesmo que o acessório da personagem e a incorporação do ritmo musical digam de influências e verticalismos simbólicos (modulação de gosto, padronização de comportamentos, formulação de tipos ideais...), eles também evidenciam processos autênticos de refuncionalização e apropriação psicossocial, sendo, assim, um recurso de performatização do self. Afinal, como um divinense certamente diria: o brinco até pode ser da Suelen, mas a orelha é minha. No caso da novela, essa circulação de bens materiais encontra-se ancorada por outro fluxo circulatório este entendido, nos termos de Braga (2006, p.28), como movimentação social dos sentidos e estímulos produzidos pela mídia. Através desses fluxos de significação, que partem da mídia e ganham corpo em meio aos processos e dispositivos de interação, as teletopias ficcionais convertem-se em práticas cotidianas, como ocorre quando um corte de cabelo passa a ser inspirado em um determinado personagem ou quando um bordão se integra ao léxico popular. O brinco mais vendido do Saara, por exemplo, uma vez remetido ao contexto da personagem Suelen, traz uma textura midiática para a experiência cotidiana, revelando, assim, a conjunção entre um universo amplamente midiatizado e a constituição subjetiva de um ideal de feminilidade. Outro exemplo nessa direção, bastante próprio à Avenida Brasil, são as teletopias da nova classe C : no caso, a geladeira inox e o televisor de plasma materializam tempo de trabalho e esforço na forma de bens duráveis, sendo tais produtos reveladores de um lugar de chegada no qual o direito ao consumo implica em outras formas de experimentação espacial, tanto no âmbito doméstico quanto social. Logo, o que esses produtos promovem em termos de espacialização os fluxos de sentidos que emanam de suas fisicalidades não se restringe apenas às prerrogativas do conforto e da 92 Destaco, porém, que as telenovelas brasileiras (sobretudo uma trama de sucesso, como Avenida Brasil ), ao atingirem certa alçada imaginária, passam a ser exploradas enquanto trunfo mercadológico no caso, as composições ficcionais (os contornos que dão forma e relevo às teletopias) agregam valor a uma série de produtos prontamente colocados em circulação comercial, tendo em vista a apropriação de elementos estéticos (forma, cor) e semânticos (referências narrativas) que partem da teledramaturgia. Sobre a dimensão mercadológica da novela, ver: ALMEIDA, Heloísa Buarque de. Telenovela, consumo e gênero. São Paulo: EDUSC, 2003.

149 148 eficiência, relacionando-se, ainda, ao universo compartilhado dos imaginários midiatizados capazes de gerar reconhecimento mútuo e pertencimento social 93. Contudo, a presença simbólico-material desses índices de ficcionalidade representa um argumento por certo menor acerca da dimensão socializante das teletopias. Recorro a essa instância em função de sua empiricidade frente a outras dinâmicas teledramatúrgicas de circulação e interação social. Friso, assim, que os mecanismos de enredamento entre as dimensões narrativa e social das teletopias, desde as citadas até aquela analisada na sequência as interações online, apontam para a centralidade da telenovela enquanto paradigma estético-fabulativo no Brasil, o que evidencia formas nem sempre visíveis e decupáveis de interação entre sujeitos, sociedade e teleficção. Nesse sentido, as dinâmicas de consumo teleficcional acompanham a multitemporalidade característica às experiências midiáticas do país, implicando, portanto, em apropriações que oscilam entre diferentes modos de subjetivação e, particularmente, na forma como cada ator social vem tecendo suas redes feitas de passado e futuro. 6.2 TV + web = novos circuitos de interação A página de Avenida Brasil na internet disponibiliza todas as cenas da novela, em geral, em formatos de curta duração. O folhetim encontra-se também disponível para ser baixado através de download ou em sites que oferecem conteúdos televisivos online. Além disso, Avenida tornou-se um fenômeno de mídia mais comentado na internet do que na própria TV, apesar do sucesso do folhetim ter movimentado não apenas o horário nobre da Rede Globo, mas diversos programas da emissora carioca e, até mesmo, dos canais concorrentes. E ainda: a trama de João Emanuel Carneiro, conforme exposto no capítulo de apresentação da novela (#Oioioi3), mobilizou inúmeros internautas em torno de diversos tipos de informações ou conteúdos ligados ao folhetim, tais como: notícias 93 Nesse sentido, parece-me sintomático que a nova classe média prefira investir em bens de consumo duráveis, isto é, em fixos capazes de assegurar, de forma mais duradoura, as referências materiais que lhe servem como identidade. Conforme colocado pela antropóloga Hilaine Yaccoub (2011, p.204), devido ao aumento da renda, à política de juros baixos e aos créditos facilitados, esses novos consumidores obtiveram mais acesso a bens duráveis, especialmente eletroeletrônicos, elevando assim seu status perante seus iguais (...). Por meio do consumo, principalmente de carros e eletroeletrônicos, eles almejam inclusão em outro estrato social, as camadas médias urbanas. A meu ver, esse apontamento parece traduzir, ainda que de forma generalista, um modo de produção espacial matriciado por intencionalidades ligadas a uma suposta composição de classe.

150 149 em torno dos eventos ficcionais, material jornalístico sobre os bastidores da produção, conteúdos gerados por usuários, conversações intensas a partir da novela, entre outros. Diante desse contexto, Avenida Brasil ilustra um processo instigante de convergência entre a televisão e a web. Afinal, o fenômeno social erijido em torno da trama articulou-se, notadamente, a partir das redes sociais, espaço de circulação para os conteúdos gerados por usuários. Em geral, esses conteúdos corresponderam a investimentos dinâmicos e criativos por parte dos internautas, tendo sido motivados por intencionalidades cômicas ou por sentimentos de fã. Diante do que pude observar, o material produzido em torno da novela variava entre fotomontagens, charges, gifs e vídeos envolvendo os personagens e as situações mais emblemáticas de Avenida. Transformados em virais, os conteúdos eram replicados para diversas plataformas (Orkut, Facebook, Twitter, Instagram), o que desencadeava uma série de interações entre os internautas. Além disso, essa produção também podia ser acessada a partir de tumblrs, espaços que reuniam um conjunto de conteúdos gerados a partir da novela. Uma das apropriações mais criativas e bem-humoradas dos internautas: o Facebook de Carminha: Fonte: montagem autoral a partir de imagens do site kibeloco.com.br.

151 150 Esse contexto nos sugere que, mesmo diante do lugar nuclear da TV no que se refere à telenovela, a internet assume, paulatinamente, um papel importante em relação à difusão dos conteúdos televisivos e à promoção de novas práticas interativas. Esse acoplamento entre mídias, sintomáticos de uma midiamorfose 94, é sugestivo da característica adaptativa que, praxiologicamente, funcionaliza a ecologia midiática brasileira, tendo em vista a justaposição e não o aniquilamento entre meios e processos de diferentes temporalidades sociais; nessa medida, o que temos percebido a partir de Avenida Brasil e inúmeros outros processos comunicativos é que as emergências sociotécnicas tendem a reorganizar as formas de interação já habitualizadas pela cultura midiática, mais do que conduzi-las, de imediato, a uma condição de extinção ou de substituição de mídias. No caso da relação TV e web, o juízo apocalíptico a internet acabará com a televisão perdeu força diante de outro, este mais judicioso: as novas mídias, ao contrário de simplesmente fagocitarem as velhas, tendem a rearticular a cadeia comunicativa de forma a promover novas mediações entre produtores e receptores, entre formatos industrializados e matrizes culturais. Esse processo possibilita não apenas a inserção social de meios/processos emergentes, mas também a adaptação de formas midiáticas diacrônicas de produção e consumo aos novos contextos em questão. Diante dessa problematização, recorro ao fato de que a telenovela, com peculiar expressividade, ancora-se na memória como fator de transmissão cultural, o que, por sua vez, encontra-se associado à vocação oral de nossas práticas interacionais e às mediações desse gênero enquanto repertório cultural-socializante. Logo, a presença da televisão no imaginário ficcional de nós, brasileiros, não pode ser reduzida à perecibilidade dos formatos tecnológicos (como o são, por exemplo, um VHS ou um CD), uma vez que a natureza sociológica da telenovela no Brasil ultrapassa, sem prescindir, às mediações da tecnicidade, sendo também matéria de outros processos mediativos, não apenas sincrônicos e contemporâneos, mas também histórico-diacrônicos. 94 O termo midiamorfose foi cunhado por Roger Fidler (apud FINDER; SOUZA, 2012, p.374) em referência ao processo de transformação e adaptação das mídias a partir de pressões e necessidades sociais e da concorrência tecnológica imposta pelo novo meio. Na interpretação do teórico, as mudanças não são instantâneas e resultam em mídias com novas características, num processo de coevolução e coexistências. A nomenclatura foi apropriada no contexto do fórum TVMorfose (livre tradução de TVmorfosis ), iniciativa coordenada por Guillermo Orozco no intuito de refletir sobre o cenário de transformações que vêm marcando os modos de interação entre a televisão e sua audiência. O fórum encontra-se em sua segunda edição, sendo que cada encontro deu origem a um livro de publicações: A televisão aberta em direção à sociedade de redes ( La televisión aberta hacia la sociedad de redes ), de 2012, e Convergências e cenários para uma televisão interativa (Convergencia y escenarios para uma televisón interactiva), de 2013.

152 151 Por outro lado, essa ancoragem só se faz possível a partir da apropriação de tecnologias, suportes e elementos afinados aos atuais contextos sociomidiáticos. Nessa direção, parece-me fundamental reconhecer que a midiatização e os hodiernos dispositivos interacionais evidenciam formas inéditas de produção de sentidos, o que, em partes, confere atualidade às teletopias. Afinal, conforme coloca Martín-Barbero (2006b, p. 70), a convergência da globalização e da revolução tecnológica configura um novo ecossistema de linguagens e escritas, o que implica no surgimento de matrizes capazes de rearticular percepções espaço-temporais e promover novas interações entre diferentes consciências. Nessa medida, ainda que a internet não tenha substituído à TV, ela reordenou, de forma tão intensiva quanto extensiva, as dinâmicas midiáticas da contemporaneidade, tanto no que tange às relações intermídias, quanto aos protocolos funcionais (mais ou menos prescritíveis) inerentes a cada meio e formato. E, mais do que isso, a rede digital vem desenhando um novo modelo de audiência, no qual os atores sociais se veem diante de uma outra relação com as telas : em primeiro lugar porque elas pluralizaram-se, o que tensiona o monopólio da televisão no interior do espaço doméstico; e ainda porque, na configuração em rede, as novas interfaces abrem espaço à participação e interação entre sujeitos midiáticos, o que, por conseguinte, implica em um outro modo de relacionamento diante dos media. Friso, assim, que os câmbios em relevo trouxeram o dinamismo do mundo contemporâneo para os trânsitos de Avenida, tanto no que se refere ao âmbito narrativo, quanto circulatório dessa teletopia. Nesse sentido, o acoplamento TV + web ensejado pela trama reforça como as tecnologias digitais vem sendo apropriadas por matrizes culturais filiadas a múltiplas temporalidades sociomidiáticas. Afinal, o que vimos na trama de Nina e Carminha foi que a web (esse espaço tão aclamado como o início da era pós-massiva) permitiu a uma novela reafirmar sua função social do tipo agregativa, (re)unindo uma massa de telespectadores em torno de um mesmo écran, de um mesmo universo ficcional, de uma mesma teletopia. Em termos bakhtinianos, o folhetim de João Emanuel Carneiro evidenciou como as atuais condições de produção/circulação de discursos recepcionais permitem novas pontes de linguagem pontes possivelmente capazes de espacializar diferentes agentes midiáticos em torno de um sistema de interação social cada vez mais complexo. Entre outros fatores, tal complexidade advém da diversificação dos outros alocutários que constituem os processos conversacionais entre a audiência, o que descortina modos inéditos de espacialização a partir das possibilidades interativas oferecidas aos sujeitos

153 152 localizados em distintos pontos geográficos. Diante dessa textura midiática, a conformação dos lugares de interação deixa de se vincular, necessariamente, às contingências físicas do espaço da casa e da família ou à agência simbólica da narrativa oficial das novelas alcançando, a partir de interlocuções inéditas, a antessala virtual da web e a produção transmidiática de outros conteúdos. Desse contexto deriva-se uma intensificação dos dialogismos que atravessam as enunciações da telenovela, verificado não somente a partir das dinâmicas de interação entre sociedade/emissora 95, mas, sobretudo, pelas trocas entre os milhares de internautas que integram os públicos televisivos. Nessa direção, a interrelação TV e internet, ou, entre Avenida Brasil e seus tele-web-espectadores, evidencia o que Jansson (2013) aponta como uma estreita relação entre a midiatização e as transformações socioespaciais. No caso das teletopias, essa tendência aclara-se a partir de diversos meios/processos comunicativos, como a intensificação dos espaços voltados para a produção recepcional e a possibilidade de interação entre distintas e desconhecidas mundividências. Importante destacar que esses dispositivos interacionais vêm gerando novos arranjos recepcionais, mais especificamente, espaços coletivos de recepção e produção teledramatúrgica. Conforme exposto na sequência, essa dinâmica ocorre, particularmente, no Twitter, tendo em vista as práticas de assistência coletiva da novela no microblog, onde espaços coletivos de recepção/produção teledramatúrgica são gerados a partir da vinculação de tweets a uma mesma hashtag. Ademais, pontuo que esse processo espacial rearticulado pela midiatização vincula-se, no caso das teletopias, a mudanças no campo do consumo da ficção televisiva. Além dos fatores já colocados, como o crescente dialogismo frente aos espaços digitais, destaco ainda outro condicionante dessa midiamorfose: o processo de digitalização dos capítulos, no caso, responsável por tornar a novela um arquivo digital e/ou portátil. Em certa medida, esse transbordamento da TV em direção aos monitores e às microtelas acarreta novos modos de produção, como a gravação de cenas cada vez mais curtas e editadas, tendo em vista, entre outros fatores, a fácil circulação desse material em 95 Nessa direção, aponto a intensificação dos canais de retorno à produção de telenovelas: no caso da Rede Globo, o blog da emissora RTV, o site oficial de cada trama, o fale conosco. Pondero, entretanto, que esse tipo de espaço oferece mecanismos pontuais de comunicação (de caráter privativo), tendo em vista a ausência de campos abertos para a inserção de comentários que partam dos internautas. Além disso, vale lembrar que, com o advento da cultura digital, muitos discursos recepcionais passaram a ganhar visibilidade no âmbito da web, o que fornece parâmetros à emissora sobre certa opinião pública.

154 153 meio às plataformas digitais. Já do ponto de vista da recepção, essa disponibilidade gera um fluxo de assistência que se desenrola de forma menos vinculada à programação das emissoras ( on streaming ) e mais variável de acordo com o tempo e o interesse do espectador/internauta ( on demand ) 96. A conversão dos capítulos em arquivos digitais amplia, assim, o acesso aos conteúdos produzidos pela televisão, o que, por um lado, flexibiliza e facilita o acesso da audiência aos conteúdos produzidos; em outra medida, essa desvinculação do produto frente ao veículo enfraquece a mediação espaço-temporal exercida pela televisão enquanto reguladora via palimpsesto (no sentido de que a digitalização dos capítulos permite ao telespectador assistir à novela quando quiser e onde quiser). Outro fator a ser destacado, em vista da digitalização teledramatúrgica, refere-se ao surgimento de espacialidades recepcionais distintas do âmbito doméstico. Se, há décadas, a televisão já vem migrando da sala de estar para a individualidade dos dormitórios, atualmente, o desenvolvimento e a proliferação de dispositivos móveis têm suscitado novas interfaces através das quais a interação do usuário com a mídia pode aproximar-se do corpo (JANSSON, 2013, p.180, grifos do autor) 97. Nesse sentido, a recepção televisiva encontrou possibilidades de consumo, interação e fruição ficcional que extrapolam espacialidades físicas e estáticas (paredes, fiação e grandes aparelhos transmissores), viabilizando formas de recepção em trânsito a partir de dispositivos móveis. Diante desse instigante cenário, proponho, nas próximas seções, uma reflexão sobre os rearranjos oriundos dos processos de midiatização, tendo como foco o soerguimento de novos dispositivos interacionais, como Twitter. Para tanto, busco apontar como a apropriação social desses dispositivos dá a ver modos de interação que se aproximam das matrizes orais da cultura brasileira, assim como traduzem formas de relacionamento midiático que oscilam entre práticas tradicionais e configurações mais próprias à sociedade de rede. Nesse percurso, destaco que esses dispositivos visibilizam discursos que estão multiplicando as formas de retorno midiático, logo, atuando no 96 Duas formas de programação: on streaming (por transmissão, vinculada à programação das emissoras) e on demand (por demanda, relacionada ao interesse do usuário de buscar certo programa ou montar sua grade personalizada de programação). 97 Livre tradução. Trecho original: New interfaces, through which the user s interaction with the media may come closer to the body, whereas the mutual adaptation of software and user leads to various representational extensions of the Self.

155 154 sentido de complexificar um desenho possível ao sistema de resposta social, sem, necessariamente, pluralizá-lo. 5.3 O Twitter como dispositivo interacional: papo de audiência Conforme exposto, para trabalhar o campo dos processos de socialização das telenovelas, optei por um recorte que acredito ser sintomático de uma nova maneira de ver televisão e acompanhar telenovela : a circulação de discursos na web. Entretanto, antes de dar continuidade a possíveis cartografias desse espaço de tantas leituras, reitero que a adoção desse recorte não oblitera a dimensão mais ampla das práticas recepcionais e circulatórias, sendo que, ao falar das emergências interacionais deflagradas pelos dispositivos digitais, espero não negligenciar a persistência de outros modos de interação a partir da teledramaturgia. Nesse sentido, ressalvo, particularmente, a ação menos sondável do ponto de vista científico e metodológico das formas orais de reverberação teledramatúrgica, mais especificamente, das interações face a face desencadeadas pelos folhetins. Afinal, é justamente essa filiação à retórica oral mediação que introduz tais produtos no campo da cotidianidade que vem permitindo ao melodrama se construir enquanto uma matriz cultural que trafega sobre a secularidade dos tempos e que atravessa os mais diferentes espaços, valendo-se, nessas travessias, das mais variadas mídias, formatos e tecnicidades de mediação discursiva. Ademais, a persistência dessa oralidade pode ser verificada em grande parte dos regimes interacionais desenrolados no próprio campo da web, o que reforça a expressividade desse modo de interagir em meio às práticas sociais contemporâneas, inclusive aquelas que se desdobram a partir de sofisticados recursos tecnológicos e de uma linguagem amplamente midiatizada. Esse apontamento, até certo ponto, parece ratificar a moldagem híbrida que, em países como o Brasil, constitui dinâmicas socioculturais, comunicativas e estéticas; torna-se, até mesmo, sugestivo de uma hibridação entre uma cultura mundializada, centrada sobre um individualismo competitivo articulado em torno do capital, e uma cultura do tipo bairrista, voltada para manutenção de afetividades a partir de bases comunitárias. Apesar de creditar alguma pertinência a essa abordagem (algumas interações online assemelham-se às formas de sociabilidade entre vizinhos ), acredito que o hibridismo que conjuga o oral ao

156 155 tecnológico não deve ser colocado como uma dicotomia entre velho e novo, sob o risco de considerarmos as interações orais como um gesto de anacronismo oriundo de uma matriz cultural residual; ao contrário, creio que a oralidade, por se constituir uma mediação fundamental da linguagem e das formas de sociabilidade, representa uma estrutura hegemônica que, ao dialogar com matrizes culturais emergentes (no caso, tecnomediadas) revela sua centralidade a partir do movimento que a insere em diversos contextos interativos. No caso brasileiro, a recorrência de regimes conversacionais em meio ao difuso universo da sociabilidade online revela características de um modelo interacional que remete à praxiologia oral e, ainda, aos modos de relação que, diacronicamente, vêm inscrevendo as diversas mídias eletrônicas no campo de experiências socioculturais (conforme verificado através da oralidade constitutiva do rádio e naquela de tipo secundário característica à televisão). No que tange à circulação de discursos em torno de Avenida Brasil, esses regimes conversacionais podem ser percebidos através de fatores como: (1) a simbiose entre a assistência televisiva e a navegação no Twitter, tendo em vista a apropriação dessa rede social como mecanismo interlocutório entre uma audiência em rede ; (2) a utilização dos espaços destinados a comentários como fórum de discussão (em multiplataformas sites de notícia, blogs, redes sociais); (3) a complexificação de um sistema de resposta de social à telenovela no sentido de uma interação entre audiência, o que sinaliza não apenas o tensionamento de uma gestão midiática bidirecional (produção-recepção), mas também o surgimento de um espaço intenso de trocas sociais (onde a sociedade conversa entre si). No primeiro caso (centralidade do Twitter), me parece importante ressalvar que o Facebook (rede social com maior número de usuários do Brasil 98 ) desempenha um papel igualmente relevante no que se refere à publicização de conteúdos teleficcionais, sendo ambas plataformas importantes instrumentos de reverberação socioficcional. No ano de 98 De acordo com dados do próprio Facebook, em junho de 2013, a plataforma contava com 76 milhões de brasileiros, o que faz do Brasil o segundo país do mundo com maior número de contas. Já o Twitter, de acordo com pesquisa do portal Statista, possui 41,2 milhões de usuários, o que confere ao país, mais uma vez, o segundo lugar na lista das nações mais conectadas. Por outro lado, no que se refere ao número de contas ativas (aquelas que acessam à plataforma através de senha), o Brasil é o quinto país com o maior número de internautas que, de fato, estão no Twitter. Fontes: (1) < (2) < (3) < %C3%A9-o-quinto-pa%C3%ADs-com-maior-n%C3%BAmero-de-usu%C3%A1rios-ativos-no-twitter >.

157 , por exemplo, Avenida Brasil foi o assunto de maior trânsito no Facebook 99, sendo que, nesta rede, circularam os mais criativos memes e gifs elaborados a partir da novela (formas ancoradas em dispositivos imagéticos e textuais geradores das conversações orais). Além disso, tendo em vista seu elevado número de usuários (e, consequentemente, sua composição etária e social mais ampla), o Facebook revelou-se um chamariz para Avenida, no sentido de convocar internautas (a princípio, desvinculados da trama) em direção aos seus principais acontecimentos. Por outro lado, em função de um bem arranjado acoplamento entre o Twitter e a televisão, destaco a funcionalidade da plataforma em promover dinâmicas conversacionais entre a audiência durante a exibição do programa televisivo. No microblog, essa conversação pode ser percebida a partir de fatores como: a indexação de usuários em um mesmo tweet ) estratégia que implica na convocação de interagentes em direção a um discurso; a ferramenta reply ( responder ), que, como o nome mais uma vez sugere, permite a cada tweet suscitar um espaço de conversação ao redor de si; e, principalmente, as hashtags funcionam como links remissivos a espaços de conversação sobre determinado tema, sendo que, nesse caso, os retornos dos internautas evidenciam um intenso dialogismo entre tais interagentes (não necessariamente alternados e recíprocos, mas tampouco completamente difusos). Em vista dessa última observação, considero importante fazer uma distinção entre modos diretos e indiretos de conversação no Twitter. No primeiro caso, os usuários são instados a participar de um processo dialógico que se exprime a partir de chamadas nominais (realizadas através da indexação de usuários), ou, ainda, pelo encadeamento de discursos (respostas a um tweet inicial). Por outro lado, as conversações indiretas relacionam-se ao intenso dialogismo das experiências digitais, isto é, às práticas de mútua-afetação que, em vista do compartilhamento de um mesmo espaço (narrativo e digital), acabam por relacionar as formas circulantes de discursividade. Nesse segundo caso, ainda que as trocas de tweets não sejam, necessariamente, alternadas e recíprocas, as raízes da comunicação conversacional aparecem nas pontes de linguagem que, a todo tempo, fornecem outros atores e discursos às interlocuções. Além disso, a própria presença do internauta em espaços interativos indica que o acesso ao Twitter origina-se 99 De acordo com dados da própria rede social. Disponível em:

158 157 de um desejo de interlocução, uma busca por alocutários que intensifiquem e renovem o consumo teledramatúrgico. Afinal, conforme reza a máxima televisiva, no Brasil, novela é tão falada, quanto vista. Com relação ao segundo apontamento acerca da presença da oralidade na cultura digital (a utilização dos espaços destinados à comentários como fóruns de discussão), coloco que tal traço revelou-se bastante frequente em meio aos blogs e/ou sites informativos que publicaram textos sobre a novela. Em certa medida, essa apropriação dos internautas sinaliza alguns movimentos que, conforme já destacado, permitiram uma reconfiguração dos espaços da mídia, no sentido do tensionamento das fronteiras que, décadas atrás, verticalizavam os territórios informacionais a partir da legitimidade de seus atores/agentes sociais. Em certa medida, a inserção de um campo destinado a comentários, ainda que nem sempre disponibilizado pelas interfaces digitais, indica que a abertura aos discursos recepcionais pode partir da própria engenharia do meios (lembrando que algumas interfaces permitem ainda que os internautas comentem não só o texto principal, mas também outros comentários, gerando janelas de conversação entre os próprios usuários); por outro lado, no contexto das matérias jornalísticas e até mesmo das publicações de blogueiros, é pouco comum que o autor do texto principal participe dessa conversação, ou seja, respondendo diretamente à colocação de algum internauta. Como terceiro apontamento, destaco que a presença de matrizes culturais advindas da oralidade permite a estruturação de um sistema de resposta social baseado em regimes de conversação. Não gostaria de sugerir que o caso brasileiro difere-se, em termos qualitativos, da forma como outros países estruturam seus retornos midiáticos, viabilizando, de forma mais ou menos consistente, a projeção de respostas sociais (não disponho de dados que me permitam essa comparação). Por outro lado, tendo em vista o contexto nacional, percebo-me lastreado por uma praxiologia interativa que, nos espaços digitais, vem se estruturando não apenas a partir da relação internauta/mídia tradicional, mas, particularmente, entre os web-usuários. Conforme colocado por Braga (2006), nosso sistema de interação sobre a mídia gera um trabalho social dinâmico, através do qual os discursos colocados em circulação (no Twitter e fora dele) interagem não apenas com os estímulos produzidos pelas agências midiáticas tradicionais, mas ainda, à própria resposta colocada em circulação por tal sistema. No microblog, esse processo é uma marca fundante de suas práticas interacionais, uma vez que, no caso da novela, é justamente a possibilidade de uma conversação entre a audiência que dinamiza as postagens dos internautas.

159 158 Além disso, pontuo que a cadeia discursiva ensejada pelo sistema de resposta social contempla a própria mídia, uma vez que as empresas dessa natureza colocam-se, com inequívoca frequência, em uma posição de exterioridade frente a outras modalidades de produção midiática (como acontece, por exemplo, com a crítica de jornal). Nesse sentido, ressalto que muitos dos blogueiros mais ativos do Twitter (no que tange à telenovela), como Nilson Xavier, Maurício Stycer e Fernando Oliveira são jornalistas de grandes veículos de comunicação (no caso, do UOL, da Folha de São Paulo e do Terra, respectivamente). Além disso, o número significativo de postagens originadas de veículos de comunicação (cerca de 39% dos tweets codificados durante à exibição do último capítulo) indica a presença atuante das organizações midiáticas nas redes sociais. Trata-se, assim, de um conjunto de falas sobre falas (dos usuários sobre a mídia, dos usuários sobre os usuários e da mídia sobre a mídia) que reforça a vocação do sistema de resposta social como espaço público de conversação, no qual a recepção se articula não somente em relação à oferta sistematizada pela televisão, mas a partir da própria circulação de discursos na web. A conversão de fluxos circulatórios em discursos visíveis e compartilhados em diferentes dispositivos interacionais representa um diferencial dos atuais circuitos midiatizados, sendo essa prerrogativa sociotécnica um dos fundamentos que caracteriza as respostas sociais enquanto sistema justamente por operacionalizar sua natureza conversacional. Nos termos de Braga: A sociedade se organiza para tratar a própria mídia, desenvolvendo dispositivos sociais, com diferentes graus de institucionalização, que dão consistência, perfil e continuidade a determinados modos de tratamento, disponibilizando e fazendo circular esses modos no contexto social. A própria interação com o produto circula, faz rever, gera processos interpretativos. (...) As interações sociais sobre a mídia retroagem, portanto, sobre as interações diretas com a mídia. (BRAGA, 2006, p.36, grifos do autor). Acrescento ainda que a circulação de discursos em plataformas digitais evidencia formas nem tão difusas e nem tão diferidas de interação social. Em uma rede como o Twitter, por exemplo, é justamente a circulação concentrada que permite a geração de uma espacialidade virtual na qual inúmeros usuários articulam-se em torno da telenovela, o que determina o diferencial do microblog enquanto matriz de sociabilidade online. Além disso, na medida em que essas plataformas sistematizam certas formas de relacionamento entre internautas (conforme destacado, por intermédio de um protocolo tecnointerativo), elas tendem a modalizar suas práticas interlocutórias, gerando não somente um espaço de circulação de discursos, mas também uma forma de circular

160 159 discursos 100 ; essa colocação me leva a suspeitar que, se do ponto de vista do espaço, o Twitter aproxima diferentes localidades físicas (em nível até mesmo mundial), sob a ótica dos atores sociais e seus lugares de fala, existe uma convergência que familiariza as perspectivas mobilizadas discursivamente. Essa produção nem tão diferida, sintomática de certa sincronia discursiva, deriva-se de uma rearticulação da própria audiência, que passa a ser mediada não apenas por competências de leitura, mas também por lógicas produtivas que demandam outras energias e motricidades. Assim, a capacidade de participar, de forma mais ou menos exitosa, do sistema de falas sobre a mídia acarreta o desenvolvimento de outras formas de ser audiência. Nesse caso, os internautas desenvolvem habilidades interativas condizentes às lógicas das redes digitais, tendo em vista o exercício de uma performance midiática frente a outros internautas. Nas palavras de Braga (2006, p.40), as interações sociais sobre a mídia, para que tenham efeitos sociais e culturais abrangentes e permeadores, devem desenvolver uma operacionalidade igualmente midiática. Diante desse processo, aclara-se uma situação de interação que, sem desconsiderar as mediações do próximo (como aquelas relativas ao âmbito da casa), dialoga ainda com outros espaços, no caso, marcados por diferentes fluxos e, portanto, demandadores de diferentes competências interativas. No caso do Twitter, a capacidade de agenciamento discursivo em meio à plataforma digital, visando certa visibilidade, relaciona-se à capacidade do usuário de dialogar com o dinamismo da atual cultura midiática. Em termos teledramatúrgicos, os discursos mais reverberantes no microblog convergem para certa gramática produtiva, uma vez que, em geral, os tweets mais populares são aqueles inspirados em determinados valores, como a sagacidade, o originalidade e o humor; logo, dependendo do êxito do internauta em se apropriar dessas lógicas produtivas, territórios discursivos vão sendo tecidos ao redor de seus avatares. Esses territórios, por sua vez, implicam em lugares de fala capazes de gerar distintos níveis de mobilização na audiência online, relacionandose, assim, à capacidade do interagente de, performaticamente, ganhar visibilidade na rede. 100 Sobre tal colocação, faço duas reservas: (1) não estou sugerindo um determinismo técnico absoluto ou inescapável, mas, antes, refletindo acerca de um agenciamento simbólico; nesse sentido, não trago uma questão de meios (no sentido instrumental dos dispositivos), mas uma problemática de midiatização (no sentido de uma dispositivação/motivação social e cognitiva). (2) ao situar essas práticas interacionais como nem tão difusas (porque concentradas em uma plataforma) e nem tão diferidas (porque contextualizadas por um certo modo de produzir sentidos) não estou subtraindo tais qualidades ao sistema de resposta social tomado em sua acepção ampla conforme proposto por Braga (2006), mas sim apontando características de certos dispositivos interacionais, como o Twitter.

161 160 No Twitter, essas territorialidades discursivas relacionam-se à forma, mais ou menos competente, com que cada usuário articula, em torno de seus avatares, modos de empoderamento midiático. Expressa-se, assim, um poder de agência sobre a rede, que pode vir tanto da performance de certo internauta em meio à plataforma (famoso pelo Twitter), quanto por qualificadores adquiridos a partir de outras experiências de visibilidade (famoso no Twitter). Mapa dos Usuários mais retweetados no último capítulo de Avenida Brasil. Destaque para a incidência de perfis declaradamente humorísticos ( PiadaMaligna, kibeloco, zeze_empregada, dilmabr ). Fonte: BORTOLON et al. (2013, s/p). 101 Dentro desse contexto, percebi que as principais hashtags que fazem referência à novela descortinavam espaços de circulação ficcional arranjados por relações de poder. Em tal processo, alguns perfis assumiram uma posição central no que se refere à construção das narrativas da rede, tendo em vista que alguns usuários comportavam-se como canalizadores do burburinho da novela, tornando-se, eles próprios, produtores 101 O gráfico foi retirado de pesquisa sobre os retweets de postagens vinculadas à Avenida Brasil. Nesse trabalho, os autores apontam que a intensa reverberação da trama no microblog deu a ver uma rede coesa de opiniões similares. Nessa direção, os pesquisadores colocam que: seguindo a teia da formação da rede Avenida Brasil, precisamente o #OiOiOiFinal, percebemos a presença de alguns perfis que despertavam curiosidade. Esses atores sociais recebiam tamanha atenção, que acabaram assumindo um papel central na narrativa da rede. Eles agiam como espécies de canalizadores do burburinho da trama da novela e em suas intervenções produziam um remix das cenas e modos de ser, cativando assim uma grande audiência do Twitter em torno de um discurso. (...) As hipóteses iniciais de que uma pequena comunidade de perfis era responsável pela propagação de ideias, piadas, sentimentos e meme, posicionando-se de maneiras centrais como formadores de uma opinião pública da rede sobre a trama, confirmou-se com os grafos. Tem-se um grupo com uma reconhecida autoridade e influência sob a rede. As razões são diversas, desde a reputação ao número de seguidores (BORTOLON et al. 2013, s/p). Disponível em:

162 161 midiáticos comprometidos com suas respectivas audiências. (BORTOLON et al., 2013, s/p). Nesse contexto, os líderes de opinião, em função do gerenciamento de certa territorialidade discursiva, passam a produzir postagens ou conteúdos passíveis de reverberação, e, para tanto, recorrem a estratégias comunicativas que, em certa medida, assemelham-se à retórica midiática, pautadas sobre a promoção de humor e a utilização de recursos fáticos e diretos. A atuação desses usuários no microblog é um dos fatores que, a meu ver, justifica a sincronia da discursividade geral dos tweets, uma vez que, no caso teledramatúrgico, a rede social articulou-se, nos termos de Paul Baran (apud RECUERO, 2009) de forma mais descentralizada que distribuída. Fonte: Diagrama das Redes de Paul Baran (Adaptado). Disponível em Recuero (2009, p.56). A meu ver, o primeiro modelo remete a uma sociedade midiática forte, caraterizada pela hegemonia e o controle dos meios de produção simbólica, enquanto o último revela a utopia comunicativa de um diálogo entre iguais. No contexto da novela, o Twitter pareceu oscilar entre tais representações (no sentido de, a todo tempo, embaralhar e reconstituir relações de poder), tendendo, de forma sintética e representativa, para o formato descentralizado. Tal dinâmica, por sua vez, resulta da convergência interativa dos internautas em torno de certos territórios discursivos, o que ratifica o infográfico sobre os retweets anteriormente compilado. Ainda que destituída da

163 162 ubiquidade da formatação centralizada, a lógica em evidência promove formas de agenciamento que acabam por referenciar a conduta geral verificada na rede, pautando, assim, formas de ver novela e alguns modos específicos de interacionalidade. Além disso, conforme ressaltado pelo esquema a partir das linhas negritadas (na rede 2), a descentralização da rede sugere ainda um mecanismo de convergência entre os próprios núcleos de dispersão (no caso da minha análise, os usuários mais influentes da rede), o que conforma níveis interativos que, em última instância, remetem a um modo mais ou menos geral de se apropriar da plataforma. Em consequência dessa convergência, não somente produção e recepção passam a adotar processos e trocas comunicativas cada vez mais sincrônicas, mas também as próprias mediações se rearticulam, uma vez que, conforme colocado, a tecnicidade operante introduz novas rotinas de ritualização e de consumo teleficcional, assim como as formas de sociabilidade ganham novas matrizes institucionais e outros contornos espaciais. Por sua vez, esse processo sugere uma dobradura sobre a cartografia barberiana, conforme exposto pelo esquema abaixo. Dobradura sobre a cartografia barberiana (Adaptação). Original: MARTÌN-BARBERO, 2006a, p.16. Do ponto de vista dos formatos industriais, nota-se que a aproximação do eixo recepcional ao campo produtivo tensiona a relação entre as mediações da tecnicidade e da ritualidade. Essa colocação deve-se ao fato de que, enquanto outrora a recepção teledramatúrgica desenhava-se de forma mais livre, associada à assistência descompromissada e às mediações do espaço doméstico, no contexto do Twitter, o telespectador foi convocado a atuar como produtor de discursos, o que mobilizou o ato de assistência em direção a outros contextos mediativos. Diante dessa passagem, as ritualidades antes ligadas ao campo doméstico passaram a ser agenciadas por outros

164 163 meios de produção e não somente a televisão: no caso, a tecnicidade do Twitter que permite o acompanhamento coletivo da novela acessar a hashtags específicas para ler comentários sobre a trama e, quiçá, publicar outros imprime novas ritualidades aos hábitos de consumo teledramatúrgico, tanto no sentido das espacialidades reais quanto digitais. No primeiro caso, o gesto de ver novela em diferentes telas traduz diferentes formas de presença/ausência do telespectador, podendo, assim, implicar em um extensionamento dos espaços reais, que passam a dialogar com outros fluxos de significação. Ademais, o espaço digital, territorializado a partir de hashtags e competências dos usuários, introduz novas possibilidades sociotécnicas de interação, o que gera, no microblog, um hábito de discursivização que, em si, propõe uma ritualidade. No que tange às matrizes culturais, o movimento de sincronização do campo produtivo-receptivo aproxima as dinâmicas de sociabilidade e de institucionalidade. Nesse caso, a dobradura tensiona o juízo de que as redes sociais, ao permitir a produção de discursos pela e entre a audiência, estaria gerando conteúdos desvinculados de uma agência midiática. Ao contrário desse pressuposto, o espaço digital revela-se marcado por dinâmicas de poder que tornam suas relações de sociabilidade tão complexas quanto aquelas verificadas nos espaço cotidianos. Nessa direção, a reverberação da telenovela no Twitter implica em formas específicas de sociabilidade a gramática tácita que diferencia aqueles que exploram as potencialidades da plataforma (e, assim, são incorporados nas conversações), em relação àqueles que ficam nas margens dessa espacialidade, possuindo poucos poderes de agenciá-la a partir de seus fluxos mais próprios. Por fim, essa reflexão corrobora o argumento acerca da realidade constitutiva dos espaços virtuais, pois, assim como o espaço concreto modaliza nossa conduta mediante uma ação cotidiana (a casa, a rua, o trabalho, a igreja...), nos ambientes digitais, cada plataforma, rede social, site evoca suas possibilidades de produção, seus modos de recepção e apropriação, suas performances, suas territorialidades, enfim, suas formas próprias de interação. 5.5 Discursividades online: interações em 140 caracteres Conforme exposto nas notas metodológicas, minhas incursões netnográficas contavam com duas técnicas de monitoramento online: a observação e a codificação das postagens dos internautas no Twitter e o rastreamento de informações que circulavam

165 164 sobre Avenida Brasil na web (com destaque para matérias de jornal, textos produzidos por blogueiros, conteúdos gerados por usuários e comentários dispersos sobre a trama). A partir da primeira iniciativa, pude constatar algumas características que conformaram os processos interacionais sobre a novela no microblog, entre os quais, retomo: (1) a utilização da plataforma como espaço de conversação entre membros da audiência, na maior parte das vezes, desconhecidos entre si; (2) o estabelecimento de assimetrias comunicativas entre os agentes participantes do processo, tendo em vista a diferença de visibilidade lograda por cada território discursivo; (3) a circulação extensiva de postagens de caráter humorístico; (4) a baixa incidência de discursos críticos vinculados à trama de Avenida, isto é, uma minoridade absoluta de tweets que avaliasse a novela para além de juízos diegéticos. Sobre o processo de levantamento dos dados, efetuei um mapeamento dos tweets que, durante a exibição do folhetim, indexavam-se a partir das hashtags #AvenidaBrasil e #Oioioi. Em um primeiro momento, criei minha conta no microblog e passei a acompanhar a telenovela também pela rede, avaliando, desde a primeira incursão, as intencionalidades movidas pelos tweets. Essa etapa (codificação aberta) me forneceu um panorama das motivações que levavam os internautas a visibilizarem suas postagens, além de indicar, a partir de uma análise comparativa, as variações entre essas discursividades ao longo da exibição da novela. Reitero que o enquadramento de um tweet não é exclusivo a uma categoria, tendo em vista que múltiplas estratégias comunicativas foram (e são) acionadas para conferir persuasividade às micromensagens da rede. As categorias codificadas Convocatório: espécie de tweet bastante expressivo em Avenida Brasil. Tratase de discursos que visam convocar os internautas a acompanharem a telenovela, através de chamadas fáticas ( não perca, vem gente! ), de anúncios sobre o que será televisionado ( hoje em Avenida Brasil ) ou comentários expressivos sobre a repercussão do Crítica/Elogio: grupo de tweets de teor opinativo, através dos quais os internautas expressavam sentimentos positivos ou negativos em relação à trama. Não faço diferenciações entre essas categorias (crítica e elogio), tendo em vista que, no Twitter, essas postagens confundiam-se enquanto exercícios de uma recepção entusiasmada (a crítica a um núcleo de personagens revelava a preferência por outros; o elogio à novela de João Emanuel Carneiro destacava a falta de criatividade de outras tramas...). Além

166 165 disso, o Twitter não se apresentou como espaço preferencial para circulação de formas mais apuradas de crítica teledramatúrgica, tendo em vista que as postagens verificadas nesse espaço foram raramente tecidas a partir de perspectivas conjunturais, isto é, aquelas que inserem o discurso da novela em diferentes contextos para, daí, imprimirem uma carga reflexiva à Curiosidade: tweets do tipo Você sabia?, Avenida Brasil ganha prêmios, Atores se reúnem para assistir capítulo, além de casos de bastidores e informações sobre o Institucional: tweets oficiais postados pela Rede Globo e Humor: postagens cômicas sobre a telenovela expressas através de comentários ou por conteúdos gerados por Narrativos: tweets sobre o enredo de Avenida Brasil, ocupadas em antecipar os eventos da trama (spoilers) ou comentar capítulos Veículos: postagens de veículos de comunicação (sites de informação e/ou entretenimento, blogs filiados a empresas de mídia). Quantitativamente, as amostras de tweets coletadas em cada da fase da pesquisa (estreia, capítulo 100 e desfecho) apontaram a seguinte variação entre cada tipo de discursividade: Resultado das variações dos tweets. Cada amostra foi composta por 300 postagens, sendo que as categorias não foram exclusivas. Fonte: Pesquisa do autor.

167 166 Desses resultados, traços os seguintes apontamentos: (1) O crescimento dos tweets convocatórios indica uma dimensão importante do fenômeno Avenida Brasil seu sucesso junto aos telespectadores e o papel desempenhado pela trama no que se refere à proposição de vínculos interativos entre a audiência. Mais do que uma boa estória acompanhada pela TV, Avenida tornou-se, assim, um modo de agregar internautas em torno de um mesmo universo ficcional. Nesse sentido, os tweets convocatórios, bem como a presença constante das hashtags da novela nos TT s (fato mencionado com orgulho pelos interagentes), sinalizam o efeito de comunidade suscitado por essas interações. Afinal, a apropriação do Twitter em vista da circulação teledramatúrgica promove um sentimento de estar junto que remete às comunidades de pertencimento ensejadas pelas primeiras mídias eletrônicas. Diante de um mundo cada vez mais entregue a si 102, o convite à interação expresso através de um tweet convocatório ( Vai começar #AvenidaBrasil ) sintetiza um conjunto complexo de intencionalidades e uma forma de espacializar diferentes sujeitos em torno de um mesmo imaginário ficcional. Tendo em vista o difuso contexto midiático da contemporaneidade, no qual o consumo gera, a todo tempo, territórios de diferença e proximidade, o gesto de convocar os internautas a dividir uma teletopia soa como uma aposta sobre o segundo desses movimentos. (2) A Rede Globo investiu na produção de tweets no início da trama, mais do que em sua fase final, quando o folhetim já havia se tornado um grande sucesso. Conforme colocado por Pucci et al. (2013) talvez esse êxito também explique o motivo da emissora não ter proposto extensionamentos transmídias à trama de Nina e Carminha, uma vez que, em ambos os casos, sugere-se certa autossuficiência da narrativa televisiva em arregimentar e envolver a audiência. Do ponto de vista da performance da emissora no microblog, é visível certa exterioridade da empresa enquanto partícipe dessa conversação social. Na época de Avenida, as postagens oficiais da Rede Globo eram produzidas de forma aparentemente mecânica, a partir de modelos de textos, e, mais raramente, instigadas por uma comicidade politicamente correta. Apesar de um índice considerável de retweets (a emissora é seguida por um grande número de usuários), as interações desencadeadas por 102 Tomo a expressão de empréstimo do teórico francês Michel Maffesoli, presente no texto A Ética da Estética, parte integrante do livro O Mistério da Conjunção: Ensaios sobre comunicação, corpo e sociabilidade (Porto Alegre: Sulina, 2005).

168 167 tais postagens mantêm certa marginalidade frente às dinâmicas que, de fato, mobilizam os internautas no microblog. (3) O Twitter foi amplamente utilizado como plataforma para divulgação de informações e/ou conteúdos situados em outros espaços digitais. Essa inferência decorre do crescimento substancial das postagens com links 103 (isto é, aquelas que remetem a outros sites ou anexam conteúdos extras), e também da alta incidência de tweets originados de veículos de comunicação ou corporativos. Com relação a esse grupo de postagens, é importante reconhecer que sua presença no microblog sugere que as territorialidades discursivas da rede muitas vezes derivam de dinâmicas que lhe antecedem: as informações divulgadas por um jornal, por exemplo, repercutem de forma diferente de acordo com o veículo, assim como o perfil oficial de uma celebridade torna-se prontamente centro das atenções de outros internautas. Esses fatores sugerem que o espaço da rede social, apesar de conferir novas perspectivas interacionais à audiência, não deixa de traduzir os lugares de fala legitimados por experiências extraweb. (4) Na fase final do folhetim, os discursos opinativos atravessaram quase 80% das postagens mapeadas, sendo que, desse montante, 70% (um total de 163 tweets) traziam elogios, quase sempre calorosos, à novela de João Emanuel Carneiro. Com relação a esse apontamento, alguns fatores devem, de antemão, ser colocados: ainda que os discursos reflexivos não tenham caracterizado esses fluxos de circulação, em outra medida, é importante considerar que os links anexados às mensagens de poucos caracteres descentralizavam a plataforma, remetendo os internautas a outras espacialidades digitais, quiçá, provedoras de discussões dotadas de engajamento mais consistente. Outro fator a ser considerado sobre esse quadro de animosidade recepcional é a trama em questão: o sucesso de Avenida, oriundo de competências produtivas bem executadas, vinculou a audiência a ponto de transformar o telespectador em fã, sobretudo aquele que se propõe a acompanhar a novela no Twitter, o que, de fato, implica em formas de recepção mais voltadas ao âmbito do sensível do que para formulações de ordem racional. Além disso, é importante considerar que Avenida Brasil não abordou 103 De acordo com resultados obtidos através da codificação dos tweets, a terceira amostra (coletada no último capítulo) apresentou um aumento de 43% dos tweets com link em relação aos primeiros resultados (estreia).

169 168 nenhuma forma de merchandising social e não tematizou questões polêmicas, optando, ao contrário, por uma narrativa francamente fabulativa, compromissada com sua lógica interna e voltada para a promoção do entretenimento 104. Por fim, conforme explorado adiante, o humor movimentado ao redor da trama, ainda que não seja movido por objetivos reflexivos, não deixa de transparecer certa criticidade em relação aos modos de teleficcionalização. (5) Por fim, destaco a inflação de conteúdo verificada sobre as postagens dos internautas no decorrer das três etapas de codificação, que, de forma geral, passaram a acionar mais de uma motivação em um mesmo tweet. Esse processo de justapor intencionalidades em um mesmo discurso sinaliza engajamento com a trama (uso de elementos ficcionais como repertório comunicante), assim como evidencia uma intimidade com o espaço do Twitter e com as formas de interação que lhe são habituais (no sentido das competências interativas acionadas por sua gramática). Esses apontamentos demonstram, portanto, como os elementos ficcionais colocados em circulação a partir da TV são apropriados como capital de socialização entre internautas. O jogo das discursividades no Twitter sinaliza que a cultura de mídias e do entretenimento movimenta-se a partir de gramáticas cada vez mais complexas (ainda que pouco plurais), sendo o êxito da circulação online de discursos fortemente moldado por competências interativas específicas. Essa complexificação, por sua vez, relaciona-se ao fato de que, no contexto da midiatização, o espaço da audiência vem sofrendo uma série de mudanças, tanto pela revisão do estatuto do receptor (realterado pela expressividade crescente da produção recepcional), quanto pela amplificação do universo simbólico-midiático e das formas sociais de estar junto. Nesse sentido, minha experiência de incursão netnográfica no Twitter me provocou tensionamentos no que se refere à análise dos fenômenos interacionais 104 Diante de uma trama ensimesmada, na qual os mundos montados se pretendem suspensos, os internautas parecem acompanhar tal deslocamento, ocupando, também eles, os tapetes volantes dessa teletopia. Por outro lado, as novelas que se afirmam enquanto produto da realidade desencadeiam outras formas de criticidade, conforme constatado a partir das tramas que sucederam Avenida Brasil e que movimentaram respostas sociais bastante diferentes no Twitter. Nas novelas em questão Salve Jorge de Glória Perez e Amor à vida de Walcyr Carrasco os internautas passaram a apontar, de forma bem humorada, os desvios do real colocados em jogo por cada fabulação: no primeiro caso, a perseguição de falhas na trama teve tamanha repercussão que a autora a novelista mais atuante no microblog utilizou a rede social para se lamentar por aqueles que não sabem voar. Já Walcyr Carrasco, na direção contrária de João Emanuel Carneiro, adotou tantos merchandising sociais (algo em torno de 30 temas!) que as conversações surgiram em torno dessas representações, não raro, abordadas com superficialidade pelo novelista.

170 169 desenrolados na plataforma: por um lado, o Twitter permite e testemunha um processo incrivelmente novo, marcado por uma energia criativa que envolve e impressiona. Esse processo relaciona-se ao desenvolvimento, no âmbito da audiência, de competências interativas cada vez mais sofisticadas, tanto no que se refere à produção de conteúdos criativos quanto à postagem de comentários sagazes. Em Avenida, esse espaço de recepção/produção coletivizada trouxe outras texturas para a trama televisionada, no sentido de oferecer diferentes conotações aos acontecimentos que estavam sendo exibidos. Me serve vadia, por exemplo, apesar de sua boa colocação cênico-autoral, adquiriu graça pública a partir das apropriações que os internautas fizeram reverberar pela web, o que transformou o bordão em um instrumento de humor amplamente dividido entre os interagentes. Os tweets a seguir corroboram a apropriação bem humorada da trama de João Emanuel Carneiro: Os tweets de Irmã Chirley e Cida Faxineira produzem uma desconfiança com relação à origem do usuário. Nesses casos, não se trata de uma religiosa e de uma empregada doméstica, perfis incomuns no

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