Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

Transcrição

1 W m y i c O / ^ D W A ( Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina Relator: Juiz Alcides Vettorazzi Impetrantes: Vera Regina Souza Roussenq; Nelci Terezinha Kuhnen Mattei Paciente: Reginaldo de Oliveira Bratti Impetrado: Juiz da 23 a Zona Eleitoral - Orleans - HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. CRIME DE BOCA DE URNA - ART. 39, 5 o, II E III, DA LEI N / PACIENTE PRESO DO DIA DA ELEIÇÃO COM SANTINHOS DE CANDIDATO - ATIPICIDADE DA CONDUTA - CONCESSÃO DA ORDEM. De acordo com a doutrina e a jurisprudência, o simples porte de propaganda eleitoral no dia do pleito, ainda que em grande quantidade, não configura o crime de boca de urna, que exige a efetiva distribuição do material aos eleitores, visando obter-lhes o voto. Vistos etc., ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, à unanimidade, em conceder a ordem, a fim de trancar a Ação Penal n , determinando, ainda, a liberação do valor apreendido no dia do pleito e do recolhido a título de fiança, conforme certidão da fl. 31, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante da decisão. Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral. Florianópolis, 24 de junho de Relator 1

2 RELATÓRIO Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, objetivando o trancamento de ação penal, impetrado por Vera Regina Souza Roussenq e Nelci Terezinha Kuhnen Mattei em favor de Reginaldo de Oliveira Bratti, em face de ato do Juiz da 23 a Zona Eleitoral - Orleans, que recebeu a denúncia ofertada contra o paciente pelo Ministério Público Eleitoral e determinou a realização de audiência para o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo e, caso recusada, o interrogatório do réu, conforme o rito previsto no art. 359 do Código Eleitoral. As impetrantes alegaram, em síntese, que: a) o paciente foi preso em flagrante, "arbitrariamente", no dia 5 de outubro de 2014, indiciado pela prática do delito previsto no art. 299 do CE, porque estaria realizando boca de urna no Bairro São Geronimo, Orleans, ocasião em que foram apreendidos, com ele, 36 santinhos do candidato Valmir Comin e R$ 390,00 em espécie; b) rejeitada a proposta de transação penal, Reginaldo foi denunciado pelo Ministério Público como incurso nos delitos tipificados no art. 39, 5 o, II e III, da Lei n /1997, e a denúncia foi recebida pelo Juiz da 23 a Zona Eleitoral; c) na denúncia, o Ministério Público frisou que não foi possível identificar nenhum eleitor que tivesse recebido dinheiro em troca de votos, inexistindo provas de que o dinheiro encontrado com o paciente era destinado à captação ilícita de sufrágio, mas que o próprio investigado teria confessado que no dia das eleições estava solicitando votos a eleitores para o candidato Valmir Comin, caracterizando o crime de "boca de urna"; d) no interrogatório, no entanto, o paciente não confessou que estivesse pedindo votos no dia da eleição, afirmando, pelo contrário, que estava auxiliando o seu amigo Comin a se eleger no meio da semana, não havendo confissão alguma; e) o art. 39, 5 o, II e III, da Lei n /1997 também exige, para a configuração do ilícito, que o eleitor possa ser identificado, sendo a conduta, portanto, atípica, não havendo, assim, justa causa para o exercício da ação penal; f) não há nos autos qualquer comprovação de que o denunciado estivesse distribuindo material de propaganda aos eleitores no dia da eleição e que tenha praticado qualquer ato visando a afetar a liberdade do voto ou persuadir ou influenciar o seu exercício; g) no momento da abordagem o paciente estava sozinho em seu veículo em movimento, não havendo provas que indiquem a efetiva distribuição dos santinhos; h) mesmo assim, o Juiz Eleitoral recebeu a denúncia e determinou a realização de audiência no dia 6 de abril, na qual seria oferecida a proposta de suspensão condicional do processo e, caso recusada, ocorreria o interrogatório do réu, conforme o rito previsto no art. 359 do Código Eleitoral, o que fere o princípio da ampla defesa e do contraditório, pois deveria ter sido aplicado o preceito contido no art. 400 do CPP, mais favorável ao acusado. / L

3 Sustentaram que, em situação muito semelhante, relativa ao pleito de 2012, o Promotor Eleitoral requereu o arquivamento de inquérito policial, o que foi acolhido pelo Juiz Eleitoral. Requereram a concessão de medida liminar, a fim de trancar a ação penal ou, alternativamente, para que o interrogatório do paciente ocorresse ao final da instrução, por força do disposto no art. 400 do CPP. Pleitearam, ainda, a liberação do valor apreendido e do recolhido a título de fiança. Trouxeram os documentos das fls Às fls , deferi parcialmente a liminar, apenas para determinar a suspensão da audiência que seria realizada no dia 6 de abril próximo passado, a fim de evitar prejuízo à defesa, uma vez que identifiquei, na jurisprudência deste Tribunal, decisões divergentes acerca do momento em que deveria proceder-se ao interrogatório do réu, e requisitei informações à autoridade apontada como coatora, que foram prestadas à fl. 49. O Procurador Regional Eleitoral manifestou-se pela denegação da ordem, porquanto, no seu entendimento, "somente após a produção das provas, conforme previsto na lei processual penal, é que se poderá chegar a um juízo de certeza da prática do ilícito pelo acusado" (fls ). É o relatório. VOTO O SENHOR JUIZ ALCIDES VETTORAZZI (Relator): Conforme já relatado, com o habeas corpus os impetrantes pretendem, primeiramente, o trancamento da Ação Penal n e, alternativamente, que o interrogatório do paciente ocorra ao final da instrução, por força do disposto no art. 400 do CPP. Na decisão que deferiu parcialmente o pedido de liminar, registrei o entendimento reiterado da jurisprudência pátria, de que o trancamento de ação penal por falta de justa causa é medida excepcional, que somente se justifica quando for manifesta a atipicidade da conduta, estiver presente causa de extinção da punibilidade ou não se verificar, na denúncia, sem qualquer exame do conjunto probatório, indícios mínimos de autoria e materialidade, pois o habeas corpus não é a ação adequada para se discutir detalhadamente as provas existentes nos autos da ação penal. Todavia, afigura-se nos autos, de plano, no meu entendimento, a atipicidade da conduta perpetrada pelo acusado. IV L

4 Com efeito, consta do boletim de ocorrência (fls ): Relata este Policial Civil que após receber denúncia de que havia um indivíduo, dirigindo um veículo HYUNDAI/I30 na cor prata, que estaria realizando compra de votos na localidade de São Geronimo. Que após esta informação os Policiais Civis diligenciaram até o local, encontrando o referido veículo. Que após abordar o indivíduo, este foi identificado como sendo REGINALDO DE OLIVEIRA BRATTI, o qual estava de posse de 36 "santinhos" do deputado estadual VALMIR COMIN e a quantia de R$ 390,00 (trezentos e noventa reais) em dinheiro. Que REGINALDO confessou estar pedindo votos para o deputado acima. Que foi dado voz de prisão para REGINALDO e o mesmo foi conduzido até esta Delegacia para lavratura do Auto de Prisão em Flagrante. Os fatos ocorreram no dia 05/10/2014, dia de eleição, às 14h45, e foram comunicados pelo policial Aldebar Paulus. Houve a apreensão do valor e dos santinhos encontrados, de acordo com o auto de exibição e apreensão (fl. 30). Na mesma data, foi colhido o depoimento do policial Aldebar Paulus e interrogado o acusado (fls ). Transcrevo trecho do depoimento do policial (fl. 28): QUE o depoente está de plantão nesta data; que o depoente recebeu denúncia anônima de que havia um indivíduo, dirigindo um veículo HYUNDAI/I30 na cor prata, que estaria realizando compra de votos na localidade de São Geronimo; Que após este informação o depoente, acompanhado do Delegado Bruno Sinibaldi, diligenciaram até o local, encontrando o referido veículo de placa MGO-1107 de Orleans; Que após abordar o indivíduo, este foi identificado como sendo REGINALDO DE OLIVEIRA BRATTI, o qual estava de posse de 36 "santinhos" do deputado estadual VALMIR COMIN e a quantia de R$ 390,00 (trezentos e noventa reais) em dinheiro; Que REGINALDO confessou estar pedindo votos para o deputado Valmir Comim; Que foi dado voz de prisão para REGINALDO e o mesmo foi conduzido até esta Delegacia para lavratura do Auto de Prisão em Flagrante. Interrogado, o acusado disse (fl. 29): Que alega que é amigo do candidato a deputado estadual de nome Comin; que nega que estivesse comprando votos; Que em relação aos trinta e seis santinhos do candidato Comin que estava no bolso de sua calça alega que estava auxiliando no meio da semana o seu amigo Comin a se eleger e, para tanto, estava apenas solicitando votos para eleitores; Que com relação aos R$ 390,00 alega que era seu dinheiro de uso pessoal, não sendo fruto das compras de votos; Que questionado o que fazia com o veículo Hyundai i30, pia

5 parado no meio da rua do bairro São Jerônimo, alega que estava dando uma volta, sendo que foi impedido de sair do local devido ao veículo que estava na sua frente e a viatura da Polícia Civil que havia chegado. Da denúncia constou: No dia 05 de outubro de 2014, dia do pleito eleitoral, no município de Orleans/SC, o denunciado REGINALDO DE OLIVEIRA BRATTI solicitou votos a eleitores e distribuiu propaganda ("santinhos") do candidato a deputado estadual Valmir Comin, realizando "boca de urna", tanto que, após informações recebidas pela Polícia Civil, foi flagrado por volta das 14h45min, na Rua Antonio Longo, bairro São Geronimo, em Orleans/SC, na posse de 36 (trinta e seis) santinhos do candidato e R$ 390,00 (trezentos e noventa reais) em dinheiro, conforme Termo de Apreensão de fl. 15. Assim agindo, incorreu o denunciado REGINALDO DE OLIVEIRA BRATTI nas sanções previstas no art. 39, 5 o, incisos II e III, da Lei 9.504/97, razão pela qual requer-se o recebimento da denúncia, com o seguimento do processo nos moldes dos artigos 359 e seguintes do Código Eleitoral, até final condenação /1997: O crime de boca de urna está tipificado no art. 39, 5 o, da Lei n. Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia. (...) 5 o Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR: I - o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata; II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna; III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos. (...) (original sem grifos) Transcrevo, da obra da Desembargadora Federal Suzana de Camargo Gomes, importante ensinamento a respeito da configuração dos crimes previstos nos incisos II e III do 5 o do art. 39 da Lei n. 9.5i 5

6 Ressalte-se que para a consumação do crime em tela, cujo núcleo da conduta seja a ação de distribuir, não basta o agente estar de posse do material de propaganda, é indispensável a conduta tendente à distribuição, à entrega aos eleitores, sendo que na hipótese de não restar devidamente evidenciada essa atuação, é caso de absolvição, conforme, inclusive, restou decidido no julgado abaixo transcrito, onde o relator, Juiz Pacheco di Francesco, em um trecho de seu voto, realça: "De fato, as circunstâncias que cercam os fatos ocorridos são duvidosas, pois o policiai militar que realizou a apreensão afirma que o material encontravase nas mãos do recorrido, ao passo que a segunda testemunha declara não ter visualizado os panfletos, e o recorrente, por sua vez, garante que trazia o material de propaganda dentro do bolso. Nota-se, assim, a fragilidade da prova indiciária, que não conduz de forma segura à conclusão de que o recorrente estivesse distribuindo material de propaganda eleitoral. Desse modo, uma vez constatada a insuficiência de provas da prática do crime de boca de urna, impõe-se a reforma da r. sentença recorrida, a fim de ser o recorrente absolvido, nos termos do artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal" (TRE-SP, Rec. Crim. 1713, Itaporanga, acórdão , rei. Juiz José Roberto Pacheco di Francesco, j , DOE , p. 155). (GOMES, Suzana de Camargo. Crimes Eleitorais. 3.ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 207). No caso concreto, de acordo com o que já foi dito, consta dos autos que o eleitor foi abordado pelos policiais quando estava em seu veículo, sozinho, portando panfletos de propaganda eleitoral em seu bolso, além de R$ 390,00. Apesar de o policial Aldebar Paulus ter registrado no boletim de ocorrência e ter dito em seu depoimento que Reginaldo confessou estar pedindo votos para o deputado Comin, não havia eleitor no local, nem foi presenciada a distribuição de material de propaganda pelo acusado. Interrogado, o paciente afirmou que havia pedido votos para Comin no meio da semana. Não disse que estava distribuindo "santinhos" no dia da eleição. Portanto, não há, nestes autos, ao contrário do que afirma o Ministério Público, uma confissão do réu. Repito, o acusado não estava com nenhum eleitor no momento da abordagem, nem foi visto pelos policiais conversando ou abordando ninguém, baseando-se a denúncia apenas nessa suposta confissão, sequer tendo sido esclarecido no depoimento do policial se o acusado havia afirmado estar pedindo votos no dia da eleição, pois em dias anteriores a conduta também não tipificava nenhuma infração penal. Ainda que a ação penal esteja no início, não tendo havido ainda o interrogatório do réu - cuja realização também é objeto do presente habeas 6

7 corpus -, na fase policial já manifestou o acusado sua negativa a respeito da prática do delito. Dessa forma, considerando que a única prova requerida na exordial acusatória foi a oitiva, como testemunha, dos policiais que prenderam o réu em flagrante, que, no máximo poderão confirmar que o acusado disse estar distribuindo material de propaganda eleitoral, mas que não presenciaram o ato, não possui a denúncia a mínima possibilidade de êxito, uma vez que a conduta evidenciada nos autos - portar propaganda eleitoral e dinheiro no dia do pleito - é atípica. Este Tribunal já decidiu, por diversas vezes, que a posse de material de propaganda eleitoral - ainda que em grande quantidade - não tipifica os crimes previstos nos incisos II e III do art. 39 da Lei n /1997, dos quais o paciente foi acusado. Cito como exemplo a seguinte ementa: RECURSO CRIMINAL - SUPOSTA ARREGIMENTAÇÃO DE ELEITOR, PROPAGANDA DE BOCA DE URNA E DIVULGAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL - INCISOS II E III DO PARÁGRAFO 5 o DO ART. 39 DA LEI N / POSSE DE MATERIAL DE PROPAGANDA NO DIA DO PLEITO, SEM PROVA, CONTUDO, DE SUA DISTRIBUIÇÃO - FATO ATÍPICO - NÃO SUBSUNÇÃO AO TIPO PENAL ELEITORAL - ABSOLVIÇÃO - ART. 386, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - PROVIMENTO DO RECURSO. (Acórdão n , de 18/02/2013, Relator Juiz Marcelo Peregrino Ferreira). Ramos Destacou o Relator, em seu voto, outros precedentes desta Corte e um julgado do TRE do Rio Grande do Sul que reafirmam a atipicidade do porte de material de propaganda eleitoral no dia do pleito, exigindo, para a configuração dos delitos previstos nos incisos II e III do 5 o do art. 39 da Lei das Eleições, o efetivo aliciamento do eleitor ou a entrega de propaganda eleitoral. Transcrevo o excerto: O simples fato de portar propaganda eleitoral, sobretudo dentro de veículo, é conduta atípica, haja vista que nenhuma das testemunhas viu o recorrente distribuindo qualquer tipo de propaganda. Além disso, uma das testemunhas - policial militar que atuou no dia das eleições - confirmou que, de fato, o recorrente tem um tio deficiente físico, que utiliza-se de cadeira de rodas, corroborando a versão apresentada pelo recorrente. Esta Corte já teve oportunidade de apreciar a matéria, restando consignado na ementa: 7

8 CRIME ELEITORAL - DISTRIBUIÇÃO DE PROPAGANDA NO DIA DA ELEIÇÃO (ART. 39, 5 o, DA LEI N /1997) - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA DE FORMA INCONTESTÁVEL SOMENTE A POSSE DE GRANDE QUANTIDADE DE MATERIAL PROPAGANDÍSTICO NO DIA DO PLEITO, MAS NÃO A SUA DISTRIBUIÇÃO A ELEITORES - RECURSO PROVIDO. Demonstrado, de modo incontroverso, estar o réu tão-somente na posse, no dia da eleição, de grande quantidade de material de propaganda política, sem, no entanto, dele fazer uso, distribuindo-a, não há como condená-lo com base no disposto no art. 39, 5 o, da Lei n /1997, já que esse delito somente se tipifica quando há a efetiva distribuição do material a eleitores com intuito de influenciar sua escolha [TRESC. Acórdão n , de , Relator Juiz José Gaspar Rubik - grifei]. Mais recentemente, esta Corte decidiu: RECURSO CRIMINAL - DISTRIBUIÇÃO DE PROPAGANDA NO DIA DA ELEIÇÃO - "BOCA DE URNA" - ART. 39, 5 o, II, DA LEI N / CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE A CONDENAÇÃO - DESPROVIMENTO. Para a configuração do crime do art. 39, 5 o, II, da Lei n /1997 é preciso que se prove a efetiva entrega de propaganda política ao eleitor, com intuito de influenciar-lhe a escolha, interferindo em sua vontade. Suporte probatório suficiente para ensejar um juízo de condenação [TRESC. Acórdão n , de , Relator Juiz Volnei Celso Tomazini - grifei]. Em precedente no qual foi decretada a absolvição do réu, esta Corte também decidiu: RECURSO CRIMINAL - DISTRIBUIÇÃO DE PROPAGANDA NO DIA DA ELEIÇÃO - "BOCA DE URNA" - ARTIGO 39, 5 o, II, DA LEI N / CONJUNTO PROBATÓRIO FRÁGIL À CONDENAÇÃO - PRINCÍPIO IN DÚBIO PRO REO - ART. 386, VI, CPP - ABSOLVIÇÃO - DESPROVIMENTO. Existente conjunto probatório controverso, é de se absolver o réu, nos termos do disposto no art. 386, VI, do Código de Processo Penal [TRESC. Acórdão n , de , Relator Juiz Henry Petry Júnior grifei]. Consta do voto do Relator: Fundamenta-se a denúncia do parquet Ministerial na delação de aliciamento de eleitores "boca de urna" no dia do pleito, pelo ora recorrido, abalizada no termo de apreensão de fl. 9, constando a apreensão de material de propaganda e que, segundo as razões recursais, c n a materialidade e a autoria do fato delituoso. 8

9 Não obstante, cotejando a referida prova material com o depoimento de testemunha presencial, não há, data vénia, como concluir, com segurança, pela ocorrência do fato típico imputado ao recorrido. Extrai-se do depoimento judicial do policial militar Mauro Cesar Telles, responsável pela busca e apreensão do material, "que a propaganda política encontrou no porta-luvas", afirmando, adiante, "que não viu o réu, nem as outras pessoas com propaganda política, na mão, nem nas vestes [...] que não viu o réu entregando santinhos ou qualquer outra propaganda" [fl. Ora, é certo que o tipo penal em questão exige, para sua configuração, que ocorra a entrega do material propagandístico ao eleitor, com intuito de influenciar-lhe a escolha. Ocorre que, no caso em tela, o recorrido encontrava-se perto do carro onde foram achados os "maços de santinhos", mas em nenhum momento foi confirmado que o mesmo fazia a entrega do material a eleitores. Assim, conclui-se que as provas suscitadas pelo recorrente não são suficientes para ensejar a condenação que se pretende, e, diante da dúvida, ou seja, se poderia ou não ter havido a entrega do material pelo recorrido, deve ser mantida a decisão monocrática que o absolveu com base no art. 386, VI, do CPP [grifei]. Os demais Tribunais Regionais Eleitorais do país têm decidido no mesmo sentido, conforme se exemplifica com o seguinte acórdão, proferido no ano de 2012, pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul: Recurso Criminal. Eleições Sentença que julgou procedente denúncia pela prática do crime de boca de urna, previsto no artigo 39, parágrafo 5 o, inciso II, da Lei Eleitoral. Assente na jurisprudência que a mera detenção de panfletos, no dia do pleito, não configura o ilícito penal. A fragilidade do conjunto probatório gera incerteza quanto à efetiva distribuição do material pelo recorrente, assim como se este agia de modo a arregimentar votos. Afastada a condenação penal por atipicidade da conduta imputada. Provimento [TRE-RS. Recurso Criminal n , de , Relator Juiz Artur dos Santos e Almeida - grifei]. Restou demonstrado nos autos tão somente a posse de material de propaganda pelo recorrente, e não a sua distribuição, eis que os panfletos foram encontrados dentro do veículo que conduzia, sendo forçoso reconhecer-se a atipicidade da conduta. Poder-se-ia alegar que, nessa fase da ação penal, deve prevalecer o chamado princípio do in dúbio pro societate, porquanto, conforme defendeu o Ministério Público, "somente após a produção das provas, conforn ' ':o na 9

10 lei processual penal, é que se poderá chegar a um juízo de certeza da prática do ilícito pelo acusado". No entanto, verifica-se de plano que as provas que foram requeridas na ação penal questionada - oitiva dos policiais que atuaram no caso e que não presenciaram as condutas descritas nos incisos II e III do 5 o do art. 39 da Lei n /1997 -, não serão suficientes para demonstrar a prática de conduta típica pelo ora paciente. Ademais, a doutrina e a jurisprudência têm assinalado para a necessidade de mitigação do princípio do in dúbio pro societate na vigência da Constituição da República de 1988, por incompatibilidade com o Estado Democrático de Direito e com as garantias previstas naquela Carta, como o princípio da presunção de inocência, fazendo-se necessário, para a deflagração da ação penal, com o recebimento da denúncia, que haja justa causa para o seu processamento, uma vez que todo investigado já sofre, com o início do processo, uma penalidade, pois ele acarreta prejuízos à vida privada do cidadão, devido à repercussão negativa que pode gerar à sua imagem, constrangendo-o no convívio social com os seus semelhantes. Assim, para que o Estado imponha ônus tão grave ao cidadão, deve haver justa causa para a instauração do processo. Transcrevo ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça que bem exemplifica esse entendimento: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E QUADRILHA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROVIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO. REMISSÃO AO CHAMADO PRINCÍPIO IN DÚBIO PRO SOCIETATE. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. 1. A acusação, no seio do Estado Democrático de Direito, deve ser edificada em bases sólidas, corporificando a justa causa, sendo abominável a concepção de um chamado princípio in dúbio pro societate. In casu, não tendo sido a denúncia amparada em hígida prova da materialidade e autoria, mas em delação, posteriormente tida por viciada, é patente a carência de justa causa. Encontrando-se os corréus Gualberto Gonçalves de Queiroz e Aroldo Ishii em situação objetivamente assemelhada à dos pacientes, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal, devem eles receber o mesmo tratamento dispensado a estes. 2. Ordem concedida para cassar o acórdão atacado, restabelecendo a decisão de primeiro grau, que rejeitou a denúncia em relação aos pacientes e os corréus Gualberto Gonçalves de Quei to Ishii, 10

11 nos autos da ação penal n , da 1. a Criminal da Comarca de Rio Branco/AC. Vara (STJ. Habeas Corpus n Sexta Turma. Julgado em 20/03/2012, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, unânime - original sem grifos). Extraio do voto da Relatora: (...) Ao contrário do pontuado pela Corte Local, por mais que se queira propalar a máxima de que, no átrio da ação penal, teria força a máxima in dúbio pro societate, em verdade, tal aforismo não possui amparo legal, nem decorre da lógica do nosso sistema processual penal, constitucionalmente orientado. A tão só sujeição ao juízo penal já representa, per se, um gravame, cuja magnitude Carnelutti já dimensionava como verdadeira sanção. Desta forma, é imperioso que haja razoável grau de convicção para a submissão do indivíduo aos rigores persecutórios. Trata-se de uma das fases do escalonamento da cognição, que se inicia pelo indiciamento, passa pelo recebimento da acusação e se ultima com a sentença, recebendo a pá de cal com o trânsito em julgado. (...) No caso concreto, não verifico as mínimas possibilidades de, ao final do processamento da ação penal, concluir-se pela prática de conduta típica pelo acusado, inexistindo, assim, no meu entendimento, justa causa para ação penal. Concluo o meu voto pela concessão da ordem, para trancamento da ação penal, determinando, ainda, a liberação do valor apreendido e do recolhido a título de fiança. Ante o exposto, voto por conceder a ordem, a fim de trancar a Ação Penal n , determinando, ainda, a liberação do valor apreendido no dia do pleito e do recolhido a título de fiança, conforme certidão da fl. 31. / 11

12 EXTRATO DE ATA HABEAS CORPUS N PREVENTIVO - AÇÃO PENAL - CRIME ELEITORAL - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - PEDIDO DE CONCESSÃO DE LIMINAR - PEDIDO DE TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL - PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE VALORES - AP N RELATOR: JUIZ ALCIDES VETTORAZZI IMPETRANTE(S): VERA REGINA SOUZA ROUSSENQ; NELCI TEREZINHA KUHNEN MATTEI PACIENTE(S): REGINALDO DE OLIVEIRA BRATTI ADVOGADO(S): NELCI TEREZINHA KUHNEN MATTEI; VERA REGINA SOUZA ROUSSENQ IMPETRADO(S): JUIZ DA PRESIDENTE DA SESSÃO: JUIZ VANDERLEI ROMER PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL: ANDRÉ STEFANI BERTUOL Decisão: à unanimidade, conceder a ordem para trancar a Ação Penal n , determinando a liberação do valor apreendido no dia das eleições e do recolhido a título de fiança, conforme certidão da fl. 31, nos termos do voto do Relator. Foi assinado o Acórdão n Presentes os Juízes Vanderlei Romer, Antonio do Rêgo Monteiro Rocha, Bárbara Lebarbenchon Moura Thomaselli, Alcides Vettorazzi, Hélio David Vieira Figueira dos Santos e Rodrigo Brandeburgo Curi. SESSÃO DE REMESSA Aos dias do mês de de 2015 faço a remessa destes autos para a Coordenadoria de Registro e Informações e Processuais - CRIP. Eu,, Coordenador de Sessões, lavrei o presente termo.