PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL SENTENÇA

Transcrição

1 Requerente: ADHEMAR BORGES Requerido: UNIAO FEDERAL Sentença Tipo A I - Relatório SENTENÇA Trata-se de ação ordinária proposta por Adhemar Borges em face da União Federal, pleiteando, no mérito, a anulação da Portaria do Ministro da Justiça nº 3.034, de 29/11/2012, que anulou a Portaria nº 1.857, de 14/07/2004, por meio da qual declarou o autor anistiado político, com todos os direitos dali decorrentes, com fundamento na Portaria nº GM3/1964, da FAB. Sustentou, em síntese, que teve reconhecido naquele ato administrativo, a perseguição política sofrida, com deferimento de seu pedido e conseqüente reparação pecuniária. Ocorre que o referido ato foi revisto pela autoridade administrativa e, após manifestação ilegal e despropositada do órgão competente, anulado pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça. Discorda daquela decisão, eis que eivada de vícios, uma vez que o autor cumpriu todos os requisitos necessários para sua confirmação, e também porque a Administração já havia decaído do direito de revisar. Com a petição inicial vieram os documentos de fls. 25/47. O pedido de antecipação de tutela foi indeferido às fls. 65/66. A parte autora noticiou a interposição de recurso de agravo de instrumento e pedido de reconsideração. A decisão foi mantida pelos seus próprios fundamentos (fl. 77). A União apresentou contestação (fls. 80/94-v.) alegando, em síntese, que as razões de anulação da Portaria que declarou o autor anistiado político, ocorreram ante a falsidade dos motivos que ensejaram a Declaração de Anistiado, já que a licença do autor da Aeronáutica não foi decorrência de motivação exclusivamente política, ou seja, não fora atingido por atos de Pág. 1/6

2 exceção. Que, no caso, é absolutamente indispensável a comprovação da motivação política no ato do licenciamento do ex-militar, sendo que o autor sequer alega tal fato. Documentos juntados às fls. 95/187. Réplica às fls. 190/242. As partes não possuem mais provas a produzir. II - Fundamentação O autor foi declarado anistiado político por meio da Portaria nº 1.857, de 14/07/2004 (fl. 27). Tal portaria foi anulada pela Portaria nº 3.034, de 29 de novembro de 2012, do Exmo. Ministro da Justiça, publicada no Diário Oficial da União de 30 de novembro de 2012, conforme consta da fl. 28. A anulação da portaria, que reconheceu a anistia do autor, decorreu do fato de que a Consultoria-Geral da União, por meio do Parecer n. 106/2010/DECOR/CGU/AGU, determinou que fossem revistas todas as anistias concedidas com fundamento único na Portaria n , de 1964, inclusive as dos praças que ingressaram na FAB em data anterior à sua edição. O Grupo de Trabalho Interministerial de Revisão foi instituído pela Portaria Interministerial nº 134, de 15 de fevereiro de 2011, do Ministério da Justiça e do Advogado-Geral da União Substituto. Do voto nº 395/2012/GTI (fls. 127/145), se extrai os seguintes trechos: (...) Assim, depreende-se que não houve análise individualizada no caso em questão, não tendo sido analisados fatos que evidenciaram e comprovem a motivação política, como ato de exceção, ensejador do desligamento do requerendo dos quadros da Força Aérea Brasileira. Pág. 2/6

3 Observe-se que o interessado permaneceu nos quadros da Força Aérea Brasileira por 08 (oito) anos e 25 (vinte e cinco) dias (fls. 11,v). Foi promovido e reengajado em diversas oportunidades após a vigência da Portaria nº 1.104/64. Seu licenciamento decorreu exclusivamente de conclusão de tempo de serviço. Dos documentos trazidos aos autos, bem com dos argumentos de defesa apresentados, não se verifica a comprovação, de que o interessado tenha sofrido qualquer ato de perseguição por motivação política que justifiquem a sua condição de anistiado. Importante observar que não é o objetivo do GTI negar a ocorrência dos fatos que, aliás, são históricos, mas é imprescindível que haja nexo entre esses fatos e a exclusão do militar em comento das fileiras da FAB. Na defesa apresentada o interessado limita-se a afirma que efetivamente foi atingido por ato de exceção consubstanciado na Portaria nº 1.104/64. Entretanto, não há na defesa apresentada qualquer passagem que envolva nominalmente o Sr. Adhemar Borges. (...) Nesta esteira, os argumentos apresentados apenas corroboram as razões apresentadas em favor da anulação da anistia até então concedida. Repita-se, não há na documentação juntada aos autos qualquer comprovação de que o ora interessado tenha sido atingido, em decorrência de motivação exclusivamente política, porá to e exceção (como exige o art. 8º, caput, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). (...) Sendo assim, da análise individualizada do presente caso, notadamente dos documentos acostados ao processo, bem como dos argumentos de defesa apresentados, conclui-se Pág. 3/6

4 que não restou comprovado qualquer elemento histórico que permitisse a identificação do interessado como vítima dos atos de exceção que justificassem a concessão de anistia ao Sr. Adhemar Borges. Ao contrário, os elementos constantes dos autos demonstram uma vida militar transcorrida na mais absoluta normalidade. Desta forma, no caso concreto, a ausência de elementos que comprovem a existência de motivação política no ato de licenciamento do interessado é de rigor a anulação da anistia concedida ao Sr. Adhemar Borges. No tocante ao mérito da decisão anulatória, não tenho nada a objetar, simplesmente porque não vejo como atribuir a um ato administrativo abstrato e genérico, ainda que não estivesse em vigor, quando do ingresso do Autor na FAB, a condição de ato de exceção, pois genérico, sem fim específico em relação à determinada pessoa. Nada foi feito de forma obscura. O Autor foi licenciado por conclusão de tempo de serviço. Por outro lado, porém, tenho que restou operada a decadência do direito da Administração de anular a Portaria anterior. De acordo com o art. 54 da Lei n /99, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. No presente caso, a Portaria anulatória, qual seja a de n , data de 29 de novembro de 2012, veio ao mundo jurídico quando já decorridos mais de cinco anos da edição da Portaria n , que ocorreu em 14/07/2004. Não ocorreu qualquer fato interruptivo enquadrável na norma do 2 do art. 54 da Lei n /99, notadamente porque o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que as recomendações exaradas pelo Tribunal de Contas da União e as NOTAS AGU/JD- Pág. 4/6

5 10/2003 e AGU/JD-1/2006, "não se enquadram na definição de "medida de autoridade administrativa" (cf. MS /DF, 1ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe ; MS /DF, 1ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 1º.8.12). E não poderia ser diferente, considerando que manifestações genéricas não podem obstar a fluência do prazo decadencial a favor de cada anistiado, que já contava com o seu direito individual subjetivado, materializado, consubstanciado em ato administrativo da autoridade competente, o Sr. Ministro da Justiça, subscritor da respectiva Portaria concessiva de tal benefício legal, militando, em seu prol, os princípios da legalidade, boa-fé e legitimidade, em consonância com a ordem jurídica em vigor (MS , ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:07/08/2013..DTPB:.). É bem verdade que a norma em comento ressalva a ocorrência de decadência nas situações de comprovada má-fé do jurisdicionado, conforme já reconhecido em nível jurisprudencial (cf. MS /DF, Rel. Min. Castro Meira, DJe ). Esse, porém, não é o caso. Primeiro, porque a má-fé não pode ser presumida (cf. MS , ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:07/08/2013..DTPB:.). Segundo, porque a documentação que instrui a defesa da União deixa absolutamente claro que o fundamento da Comissão para o deferimento inicial da anistia residiu unicamente no fato da existência da Portaria nº GM3, de , não se tendo levado em consideração qualquer declaração do agente (nesse sentido: MS , MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:23/08/2013..DTPB:.). Terceiro, porque, ao contrário do que afirma a União, ao requerer a concessão da anistia, em momento algum o autor disse que havia sofrido perseguição jurídica; disse apenas que a Portaria era representativa de motivação política (fl. 99). Sendo assim, operada a decadência, a pretensão autoral há de ser acolhida. III Dispositivo Por todo o exposto, julgo procedente a demanda, para reconhecer a decadência do Pág. 5/6

6 direito da Administração de anular a Portaria n , de 14/07/2004, o que, por consequência, importa na insubsistência da Portaria n , data de 29 de novembro de 2012, com os consectários daí decorrentes, inclusive no tocante à condenação ao pagamento das parcelas suprimidas, a ser feita nos moldes do Manual de Cálculos da JF. Concedo a tutela antecipada na sentença, para determinar o imediato restabelecimento dos proventos. Fica a União condenada a ressarcir as custas eventualmente adiantadas pela parte autora, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, que ora arbitro em R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Sentença sujeita ao duplo grau. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Brasília/DF, 3 de dezembro de VICTOR CRETELLA PASSOS SILVA Juiz Federal Substituto Pág. 6/6