PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que são apelantes FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA e OI S/A, são apelados LAÍSA HUNZECHER QUAGLIO, TIM CELULAR S/A, TELEFÔNICA BRASIL S/A e CLARO S/A. ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso da OI e deram provimento em parte ao recurso do Facebook. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores MAIA DA CUNHA (Presidente sem voto), FÁBIO QUADROS E NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA. São Paulo, 8 de junho de Teixeira Leite RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Voto nº OBRIGAÇÃO DE FAZER. Internet e linhas de telefone celular. Apelada que teve vídeos e imagens íntimas divulgadas nas plataformas Facebook e Whatsapp, sendo, ainda, ofendida por alguns usuários. Pretensão voltada a obter dados dos usuários para viabilizar futura ação indenizatória. Preliminar de ilegitimidade do Facebook para responder pelo Whatsapp que não se sustenta. Empresas que integram notoriamente o mesmo grupo econômico, o que é suficiente a evidenciar sua legitimidade. Precedentes. Preliminar de falta de interesse de agir que não prospera. Apelada que não pretende obter apenas o número de telefone do administrador de grupo do Whatsapp, mas de todos os membros. Mérito. Condenação do Facebook que deve ser mantida, porém, limitada ao fornecimento dos números de celulares dos membros que integraram grupo do Whastapp, no período entre 14 e 25 de abril de Fornecimento de nomes de usuários e do conteúdo das mensagens trocadas entre eles que é inviável, diante dos termos e políticas de uso do aplicativo. Insurgência da apelante Oi S.A. que deve ser acolhida, para o fim de reconhecer a sucumbência parcial em relação a ela. Não houve resistência à pretensão inicial a autorizar, com base no princípio da causalidade, a sua condenação aos ônus da sucumbência. Precedentes. Sentença reformada. Recurso do Facebook parcialmente provido, acolhendo-se integralmente o apelo da Oi S.A. Trata-se de apelações tiradas da r. sentença de fls. 359/364, que julgou procedente a ação ajuizada por LAÍSA HUNZECHER QUAGLIO contra FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA., TIM CELULAR S.A., VIVO S.A., CLARO S.A. e OI S.A., para o fim de condenar estas últimas a fornecer os registros de dados de usuários e dos titulares de linhas telefônicas que teriam divulgado vídeos e imagens de Laís em momento íntimo, conforme listagem constante da petição inicial. g Apelação nº São Paulo - voto nº /11

3 Apela o Facebook (fls. 375/403), suscitando, preliminarmente, sua ilegitimidade de parte no que diz respeito ao fornecimento de informações sobre usuários do Whatsapp. Afirma que não é proprietário, provedor e nem operador do Whastapp, razão pela qual não pode responder por essa empresa, que tem operadora própria (Whatsapp Inc.), a qual deve ser citada por meio de carta rogatória para os termos desta demanda. Entende, ainda em preliminares, que carece a apelada de interesse processual, uma vez que todas as mensagens trocadas no ambiente do Whatsapp vêm acompanhadas, necessariamente, do número de celular do usuário. Logo, afirma que se a apelada quer saber a identidade de determinado usuário do aplicativo, basta solicitar à operadora de celular que forneça essa informação, com base no número de telefone. Pontua que o número de telefone do administrador do grupo Fatec Lagoa Azul está identificado e já é de conhecimento da apelada, o que dispensaria o fornecimento de qualquer outra informação pela apelante. No mérito, afirma que a obrigação imposta pela r. sentença é impossível, na medida em que não há armazenamento de nomes de usuários pelo Whatsapp, mas apenas de números de telefone celular, razão pela qual nada mais pode ser informado acerca do grupo Fatec Lagoa Azul. Entende que a condenação ofende a ordem constitucional, na medida em que viola o sigilo das informações e dados dos usuários do Whatsapp. Apela, também, OI S.A. (fls. 466/485), com o único propósito de ver afastada a condenação ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência. Segundo entende, as informações solicitadas pela apelada são resguardadas por sigilo, o qual somente pode ser quebrado por determinação judicial. Nesse contexto, afirma que não g Apelação nº São Paulo - voto nº /11

4 houve pretensão resistida a justificar sua condenação aos ônus da sucumbência, o que requer seja afastado neste recurso. Contrarrazões às fls. 475/485 e 491/497. Foi pronunciado o trânsito em julgado da demanda em relação às empresas TIM CELULAR S.A., VIVO S.A. e CLARO S.A. (fls. 501). É o relatório. Respeitada a convicção do d. Juízo, prospera em parte a insurgência do Facebook, sendo o caso de integral acolhimento do apelo da Oi S.A. Consoante o acima relatado, pretende a apelada a identificação de usuários da rede social Facebook, bem como dos titulares de linhas telefônicas, que teriam lhe enviado mensagens ofensivas com base no compartilhamento não autorizado, por terceiros, de imagens e vídeos seus em momento íntimo, violando a sua honra. Assim, com a presente demanda, pretende a apelada apenas obter as informações necessárias à identificação dos autores dos supostos atos ilícitos a fim de que possa, futuramente, ingressar com ação indenizatória. Argumenta a apelante Facebook, que não se opõe ao fornecimento dos registros e dados dos usuários responsáveis pela divulgação de mensagens na sua plataforma. Contudo, alega que não pode responder pelo que ocorre no aplicativo Whatsapp, por ser empresa diversa, em relação à qual não é provedora, nem operadora. Ainda, aduz que referido aplicativo sempre associa as mensagens enviadas entre os g Apelação nº São Paulo - voto nº /11

5 usuários ao número de telefone, o qual já está em poder da apelada que, portanto, deve solicitar informações complementares à operadora de telefonia de celular correspondente. Já a apelante Oi S.A., argumenta que nunca ofereceu resistência à pretensão inicial, fornecendo as informações solicitadas tão logo intimada da tutela antecipada deferida. Ressalta que apenas deixou de cumprir com a condenação extrajudicialmente, porque as informações que armazena são resguardadas por sigilo, o qual depende de determinação judicial para ser quebrado. Assim, entende que não pode ser condenada ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência. Pois bem. Inicialmente, vale ressaltar que diante da data de prolação da r. sentença e de interposição das apelações, o julgamento do recurso será pautado no CPC/73, o que se faz por uma questão de razoabilidade, evitando surpresa às partes. No que se refere à preliminar de ilegitimidade de parte suscitada pelo Facebook, o caso é de rejeição. Com efeito, a jurisprudência deste Tribunal, à qual me filio, vem se posicionando no sentido de que, diante da aquisição do aplicativo Whatsapp pelo Facebook, passaram ambas as empresas a integrar o mesmo grupo econômico, o que é suficiente a autorizar seja o Facebook demandado em hipóteses como a dos autos, em que se pretende o fornecimento de dados de usuários do Whatsapp. Ademais, leva-se em consideração que apenas o g Apelação nº São Paulo - voto nº /11

6 Facebook tem representação no país, de modo que eventual inclusão da Whatsapp Inc. no polo passivo demandaria a citação por carta rogatória, o que dificultaria a defesa dos consumidores em Juízo. Nesse sentido, são as ementas que seguem: AGRAVO DE INSTRUMENTO Ação de Obrigação de Dar Coisa Certa e Determinada Decisão que, acolhendo parcialmente os embargos de declaração oposto pelo réu, reduziu a extensão da tutela antecipada anteriormente deferida, desobringando o Facebook Serviços Online do Brasil Ltda a fornecer dados e/ou conteúdo de responsabilidade do aplicativo Whatsapp Descabimento Conforme entendimento majoritário desta Corte, deve ser reconhecida a legitimidade do FACEBOOK SERVIÇOS ON LINE DO BRASIL LTDA para responder por pedidos direcionados ao WHATSAPP, por ser notória a aquisição deste último, e também porque que é o único a possuir representação no país Pretendida concessão de tutela antecipada para exibição de histórico de mensagens, entretanto, que não se justifica na hipótese dos autos Agravo parcialmente provido. (AI , Rel. José Aparício Coelho Prado Neto, j. 20/09/2016) Responsabilidade civil Pedido de identificação de usuário que divulgou mensagem e de bloqueio de compartilhamento de vídeo que o agravante considera prejudicial à sua imagem. A agravante tem legitimidade para figurar no polo passivo do feito por cuidar-se de empresa que adquiriu a WhatsApp Inc. que não tem representação no Brasil mas disponibiliza ao público o seu renomado aplicativo para os aqui residentes. g Apelação nº São Paulo - voto nº /11

7 Quanto à requisição de dados, vislumbra-se em cognição sumária a relevância da fundamentação e o justificado receio de ineficácia do provimento final, em razão do conteúdo do vídeo, bem como a possibilidade de se perderem com o tempo as informações pretendidas pelo agravante. Em que pese entenda a empresa autora que a divulgação do aludido vídeo possa trazer prejuízos à sua imagem, o bloqueio requerido poderia significar ofensa à liberdade de expressão dos usuários do WhatsApp sobretudo por se considerar que o aplicativo tem por função a comunicação interpessoal, motivo pelo qual, a decisão, neste ponto, comporta alteração. Recurso provido em parte. (AI , Rel. Luis Mario Galbetti, j. 10/02/2016) interesse de agir. Não prospera, outrossim, a preliminar de falta de Isso porque, não pretende a apelada obter apenas os registros referentes ao administrador do grupo Fatec Lagoa Azul, mas também informações sobre os seus membros, além do histórico de mensagens, para possibilitar a apuração de eventual ato ilícito e os seus autores. Logo, o binômio necessidade-utilidade está bem atendido, não sendo o caso de extinção do feito sem análise do mérito. Quanto ao mérito, prospera em parte a tese sustentada pelo Facebook. Analisando os termos e condições de uso do Whatsapp (fls. 312/319), vislumbra-se que embora o acesso e a comunicação entre usuários ocorra por meio da internet, ambos (acesso e g Apelação nº São Paulo - voto nº /11

8 envio de mensagens) sempre estão associados a um número de telefone celular. Em outras palavras, sem um número de telefone celular, a participação e o envio de mensagens pelo Whatsapp é inviável, da mesma forma que apenas o acesso à internet, é insuficiente a viabilizar a utilização do aplicativo; esses dois elementos (número de telefone e internet) devem estar invariavelmente combinados. Além disso, não arquiva o Whatsapp dados pessoais dos seus usuários, mas apenas o número de celular. Desta forma, para que se tenha acesso a outras informações de determinado usuário, é preciso que o interessado realize solicitação perante as operadoras de telefonia móvel, nada podendo ser feito pelo administrador do aplicativo. Ainda, não procede o Whatsapp o arquivamento de mensagens trocadas pelos usuários. Esse armazenamento deve ser feito pelos próprios usuários em seus aparelhos celulares, através de backups periódicos, que podem ser automáticos ou manuais, a depender a opção feita na configuração do aplicativo. O que é mais: todas as mensagens são criptografadas, razão pela qual ainda que o administrador do Whatsapp tivesse acesso a elas, não teria acesso ao seu teor. Feitos esses esclarecimentos, conclui-se que, de fato, para que a apelada tenha acesso aos dados do administrador do grupo Fatec Lagoa Azul, seria desnecessário o fornecimento de qualquer outra informação pelo Facebook, já que ela dispõe do número de celular correspondente. Todavia, não é possível ter certeza em relação a quais usuários integraram o grupo em questão entre os dias 10 e 25 de g Apelação nº São Paulo - voto nº /11

9 agosto de 2014, data provável do ilícito. Daí porque, como forma de melhor atender à pretensão inicial, o caso é de se manter a condenação do Facebook, porém, somente ao fornecimento das informações sobre os integrantes do grupo Fatec Lagoa Azul no período entre 10 e 25 de agosto de Frise-se, que referida determinação não ofende a ordem constitucional, posto que, em alguns casos, e em virtude de determinação judicial, é possível que o sigilo de dados e comunicações telefônicas e de internet seja quebrado. Não se trata, como se sabe, de direito absoluto. Vale mencionar que essa possibilidade vem prevista até mesmo no Marco Civil da Internet (arts. 10, 2º, 15, 1º), que nada tem de inconstitucional. No que se refere à insurgência da apelante Oi S.A., o caso é de acolhimento. De fato, em ações como a dos autos, o tema da distribuição dos ônus da sucumbência é controvertido, havendo precedentes nos mais variados sentidos. E isso porque, é inviável ao interessado obter informações de usuários de redes sociais, s ou de titulares de números de telefone, se não por meio de ação judicial. E tal se deve ao fato de que esses dados são sigilosos, não sendo lícito aos provedores de acesso e às empresas de telefonia divulgá-las sem prévia determinação judicial. Nesse contexto, observa-se que tanto o princípio g Apelação nº São Paulo - voto nº /11

10 da causalidade, como o da sucumbência incidem na espécie, o que tem levado diversos julgadores a aplicar o regime da sucumbência recíproca, desde que procedente a ação. Aliás, o disposto no art. 19 do Marco Civil da Internet, reforça essa conclusão. Nesse sentido, são as ementas que seguem: SUCUMBÊNCIA - Ação de obrigação de fazer - Remoção de conteúdo ofensivo gerado por terceiro por meio de perfil falso no Facebook - Cumprimento da determinação judicial, sem resistência ao pedido - Ocorrência - Condenação da requerida ao pagamento das verbas de sucumbência - Descabimento - Necessidade de ordem judicial específica para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente - Observância do art. 19 do Marco Civil da Internet Sucumbência afastada - Precedentes deste E. Tribunal - Sentença reformada - Recurso provido. (Ap , Rel. Alvaro Passos, j. 25/04/2017) APELAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INTERNET. PROVEDOR DE APLICAÇÃO. Responsabilidade civil do provedor afastada. Ausência de descumprimento de ordem judicial específica (art. 19 da Lei n /2014). Ré que não se opôs à exclusão do conteúdo apontado como ofensivo e não deu causa à propositura da demanda. Afastamento da condenação relativa aos honorários sucumbenciais. Precedentes. Recurso provido. (Ap , Rel. Hamid Bdine j. 23/03/2017) g Apelação nº São Paulo - voto nº /11

11 E esse parece ser o entendimento mais razoável acerca do tema, razão pela qual, em relação à apelada Oi S.A., é se de reconhecer a sucumbência recíproca, devendo cada parte arcar com as custas despendidas e com os honorários dos seus advogados (art. 21, caput do CPC/73). O caso, portanto, é de reforma da r. sentença, para o fim de condenar o Facebook a fornecer as informações (números de telefone celular) dos usuários que integraram o grupo Fatec Lagoa Azul no período entre 10 e 25 de agosto de 2014, bem como para reconhecer a sucumbência recíproca em relação à apelante Oi S.A., cabendo a cada parte arcar com as custas despendidas e com os honorários dos seus advogados (art. 21, caput do CPC). Ante o exposto, voto pelo parcial provimento do recurso do Facebook e pelo provimento do apelo da Oi S.A. TEIXEIRA LEITE Relator g Apelação nº São Paulo - voto nº /11