BARROCO EM GREGÓRIO DE MATOS E ANTÔNIO VIEIRA.

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1 0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES DLA LICENCIATURA EM LETRAS COM A LÍNGUA INGLESA LITERATURA BRASILEIRA I Professor: Manoel Anchieta Nery JOÃO BOSCO DA SILVA (prof.bosco.uefs@gmail.com) BARROCO EM GREGÓRIO DE MATOS E ANTÔNIO VIEIRA. FEIRA DE SANTANA - BAHIA 2008

2 1 O Barroco no Brasil: O Barroco foi formado por uma complexa teia de influências européias e locais, embora em geral coloridas pela interpretação portuguesa do estilo. É preciso lembrar que o contexto em que o barroco se desenvolveu na colônia é completamente diverso daquele que lhe dava origem na Europa. Aqui o ambiente era de pobreza e escassez, com tudo ainda por fazer. Por isso o barroco brasileiro já foi acusado de pobreza e incompetência quando comparado com o barroco europeu, de caráter erudito, cortesão, sofisticado e sobretudo branco, apesar de todo ouro e talha nas igrejas, pois muita coisa é de execução tecnicamente tosca, feita por mão escrava ou morena. Mas esse rosto impuro, mestiço, é que o torna tão único e inestimável. Depois do Quinhentismo, que marcou a nossa história com o descobrimento do Brasil no ano de 1500, apresentando a literatura dos Jesuítas Padre Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, o período Barroco tem início com a publicação do poema épico Prosopopéia, de Bento Teixeira em 1601, terminando esse período em 1768, no ano em que Cláudio Manuel da Costa publica sua Obras Poéticas, marcando assim o início do Arcadismo. São características principais da arte barroca: a) o predomínio do emocional sobre o racional; b) o artista fica livre de qualquer regra ou padrão para liberdade de criação; c) busca de efeitos decorativos e visuais; d) a busca de forte realismo pela inspiração popular; e) composição dinâmica; f) predomínio da vertical sobre a horizontal com eliminação da linha reta, com fuga do geométrico; g) a estreita relação das artes, através da arquitetura e escultura intimamente ligadas; h) valorização do entalhe na construção de altares, com luxo na decoração e aplicação a ouro; i) pintura de tetos com efeitos ilusionistas; j) fachadas simples, contraste entre a simplicidade do exterior com a opulência decorativa do interior, era a tônica na arquitetura; k) violentos contrastes de luz e sombra eram marcantes na pintura; 1. PADRE ANTÔNIO VIEIRA ( ) Nasceu em Lisboa e veio morar no Brasil, na Bahia com seus pais. Em 1634 foi ordenado Padre e iniciou suas pregações. Em 1652 passou a dedicar-se a Catequese e à conversão dos índios no Maranhão. Em 1661 ele volta à Lisboa, severamente criticado pelas idéias sebastianistas. Em 1681 volta ao Brasil e redige grande parte de suas obras. Morre em 1697 em Salvador. Uma panorâmica da obra e características:

3 a) A concepção da história como um plano divino, com um programa escatológico (doutrina sobre a consumação do tempo e da história ou um tratado sobre os fins últimos do homem) em curto prazo, com a parusia (volta gloriosa de Jesus Cristo, no final dos tempos, para estar presente ao Juízo Final) e o fim próximo; b) A convicção de que os reinos são favorecidos ou castigados pela Providência, que igualmente intervém nas batalhas; c) A tradicional poesia de vaticínio das Sibilas que, a fim de intervir politicamente, atribui a um príncipe justo a vitória sobre os inimigos, por eleição divina; d) Um corpo mais ou menos fixo de idéias de cruzada e de crenças num destino imperial da cristandade (o Quinto Império), na dilatação progressiva da fé, com um imperador escolhido, destinado a vencer o inimigo religioso, a reconquistar Jerusalém, a instaurar a paz e o catolicismo universais; e) mitos nacionais, relativos à história e destino de Portugal, por vezes com equivalentes hispânicos D. Sebastião, Ourique, o português como homem de todas as quatro partes da terra. CAPÍTULO V DO SERMÃO DO BOM LADRÃO (1655), DE PADRE ANTÓNIO VIEIRA. Suponho finalmente que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria, ou escusa, ou alivia o seu pecado, como diz Salomão: Non grandis est culpa, cum quis furatus fuerit: furatur enim ut esurientem impleat animam..o ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento, distingue muito bem S. Basílio Magno: Non est intelligendum fures esse solum bursarum incisores, vel latrocinantes in balneis; sed et qui duces legionum statuti, vel qui commisso sibi regimine civitatum, aut gentium, hoc quidem furtim tollunt, hoc vero vi et publice exigunt: Não são só ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes? De um, chamado Seronato, disse com discreta contraposição Sidônio Apolinar: Nou cessat simul furta, vel punire, vel facere: Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só.

4 Fonte: Trata-se de uma parte de um Sermão, cuja crítica no estilo Barroco ainda trás um pouco da tradição medieval, destacando as diferenças entre os pequenos e os grandes ladrões, em relação à atitude e zelo da justiça com os nobres. No seu estilo de pregador, ironiza os vícios morais das autoridades que representavam o Rei na Colônia do Brasil, além dos políticos e administradores que furtavam, roubavam e enforcam, para esconder as suas próprias desonestidades. As palavras colocadas num ritmo quase alegórico dão-nos o gosto pela leitura de um tema desagradável e ao mesmo tempo palpitante, registrando o julgamento dos crimes de sua época. O Deus castigador do Velho Testamento ainda está presente na base catequética de Vieira, num tom persuasivo através do medo, da dúvida e ameaças. Os critérios de Roma são questionados nas comparações entre um ladrão de carneiro e os grandes ladrões do povo. Conclui com uma constatação que revela a clarividência do mundo, que se estende até os dias de hoje, quando ele afirma que Seronato castigava e ao mesmo tempo roubava de tal forma, que os castigos nada mais eram do que uma forma de eliminar ladrões do mundo, para que a sua corja pudesse roubar sozinha. 2. GREGÓRIO DE MATOS GUERRA ( ). Nasceu na Bahia. Estudou no Colégio da Companhia de Jesus até No ano de 1661, em Portugal, graduou-se em Direito. Casou-se pela primeira vez com D. Michaella de Andrade. Por ser muito satírico da sociedade, políticos e igreja, foi expulso de Lisboa. Misterioso poeta é um pedaço importante da história e da literatura brasileira. Filho de uma rica família da capital baiana, Gregório. Cantou as musas, as mulatas e as freirinhas brasileiras. Aos cinquenta anos, retornou à Bahia. O seu segundo casamento foi com Maria dos Povos, com quem teve muitas brigas por causa da falta de "pão" (dinheiro) em casa, haja visto que Gregório de Matos vivia descuidadamente ausente de seus deveres conjugais, sempre metido em festas em companhia de amigos como Thomaz Pinto Brandão, e sempre farreando com mulatas e negras. Por causa novamente das suas sátiras, foi deportado para Angola, de onde retornou em 1695 para Recife, onde faleceu no ano seguinte. Buscando a Cristo (Gregório de Matos) A vós correndo vou, braços sagrados,

5 Nessa cruz sacrossanta descobertos Que, para receber-me, estais abertos, E, por não castigar-me, estais cravados. A vós, divinos olhos, eclipsados De tanto sangue e lágrimas abertos, Pois, para perdoar-me, estais despertos, E, por não condenar-me, estais fechados. A vós, pregados pés, por não deixar-me, A vós, sangue vertido, para ungir-me, A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me A vós, lado patente, quero unir-me, A vós, cravos preciosos, quero atar-me, Para ficar unido, atado e firme. Trata-se de um soneto, com dois quartetos e dois tercetos, com várias características do Barroco. O autor sente-se tentado em pedir perdão a Deus, através da divindade da pessoa de Jesus crucificado. No primeiro quarteto este contextualizado a expressão descritiva dos braços abertos para perdoar, mas para castigar os braços não podem, porque estão cravados(fixados na madeira). No segundo quarteto são destacados os olhos, que para perdoar estão abertos, mas para condenar, estão fechados. No primeiro terceto, são destacados os pés, o sangue e a cabeça, todos com suas funções, tendo a cabeça abaixada, como se fosse para chamar o autor. No segundo e último terceto, o autor se oferece espiritualmente para ficar unido, atado e firme com Jesus, como pagamento pelo perdão que seria concedido. 1º SONETO A MARIA DOS POVOS Gregório de Matos Discreta e formosíssima Maria, Enquanto estamos vendo a qualquer hora Em tuas faces a rosada Aurora, Em teus olhos e boca o Sol e o dia, Enquanto com gentil descortesia O ar, que fresco Adônis te namora, Te espalha a rica trança voadora Quando vem passear-te pela fria,

6 Goza, goza da flor da mocidade, Que o tempo trata a toda ligeireza, E imprime em toda a flor sua pisada. Oh não aguardes, que a madura idade, Te converta essa flor, essa beleza, Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada. Trata-se de outro Soneto, agora de caráter concepcionário, em que são destacadas a beleza e as qualidades da sua esposa Maria dos Povos. Na primeira quadra são elogiados a discrição, formosura, rosto, olhos e boca. Na segunda quadra compara a esposa a Adônis (nas mitologias fenícia e grega, era um jovem de grande beleza que nasceu das relações incestuosas que o rei Cíniras de Chipre manteve com a sua filha Mirra). Na terceira quadra é destacada a mocidade e agilidade da esposa. No epílogo ele pede para que a mulher não se guarde em sua mocidade, porque ninguém é imortal. MORALIZA O POETA NOS OCIDENTES DO SOL A INCONSTANCIA DOS BENS DO MUNDO. (Gregório de Matos) Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. Porém se acaba o Sol, por que nascia? Se formosa a Luz é, por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia? Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, Na formosura não se dê constância, E na alegria sinta-se tristeza.

7 Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstância. Trata-se de outro Soneto (formado por dois quartetos e dois tercetos) num texto cheio de características Barrocas, porém filosófico, apresentando elementos da natureza em contraposição com os desígnios da vida. Na primeira quadra estão destacadas as contradições entre a luz e a escuridão, a tristeza e a alegria. Na segunda quadra o destaque é a comparação de elementos da natureza com o tempo da vida do ser humano, que não deveria acabar. No primeiro terceto é alertada a falta de firmeza e constância das coisas boas, até mesmo na alegria, que se transforma em sentimentos de tristeza. No epílogo é colocada em dúvida a sabedoria do início do mundo e a vida, como a natureza, o que prevalece é a inconstância (falta de perseverança ou de ânimo).