Almeida Prado e Tristan Murail: empirismo e composição
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- Airton Padilha
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1 Almeida Prado e Tristan Murail: empirismo e composição por Carole Gubernikoff Sumário: Almeida Prado e Tristan Murail: empirismo e composição, pesquisa realizada como cumprimento de estágio de pós-doutorado na Universidade de Columbia, New York, aborda a análise musical tanto da perspectiva tradicional, levantando aspectos musicológico-culturais quanto da perspectiva da criação de técnicas específicas para a abordagem de obras com características próprias. Um primeiro objetivo foi avaliar, através da análise de partituras, os traços e as marcas de experiências anteriores em relação ao meio ambiente e ã formação. O objetivo seguinte é comparar as idéias sobre composição aplicadas na escrita de obras particulares: a Missa de São Nicolau, de Almeida Prado e Désintégrations, de Tristan Murail. A análise de cada obra seguiu o critério de pertinência, resultando em produtos com características próprias. Foram verificados aspectos da influência das classes de Olivier Messiaen na obra dos dois compositores, principalmente no que concerne à integração entre harmonia e timbre. No primeiro, Almeida Prado, as soluções composicionais o reaproximaram de uma tendência ao modalismo e ao tonalismo, enquanto, na obra de Tristan Murail se verifica uma tendência ao micro tonalismo baseado na análise e síntese de espectros sonoros. Para Désintégrations foram criadas reduções harmônico-temporais, Time-span reductions, que possibilitaram uma melhor compreensão das estruturas harmônicas no contexto da composição espectral. A pesquisa Almeida Prado e Tristan Murail: empirismo e composição, foi realizada durante estágio de pós-doutorado na Universidade de Columbia, em Nova York. O projeto inicial partiu da premissa que os aspectos empíricos funcionam para a composição sob diferentes aspectos. O primeiro a ser observado foi de caráter musicológico, no qual a experiência pessoal, os anos de formação do compositor e o
2 ambiente sócio cultural são elementos determinantes das opções estéticas a serem tomadas ao longo da vida do compositor. Estes elementos fazem parte dos aspectos que podemos considerar da poiésis, e também pode ser alvo de considerações comparativas, uma vez que se buscam nas obras, traços do estilo de outros compositores e do meio ambiente socio-musical. Apesar deste aspecto ser considerado poiético para o investigador em música, eles são estésicos para o compositor, uma vez que fazem parte da experiência sensível deles. Outro aspecto que consideramos empírico é a seleção entre as diversas técnicas composicionais às quais os compositores foram expostos ao longo da segunda metade do século XX. Aparentemente, em períodos anteriores da história da música de origem européia, não se colocava a questão de qual sistema composicional utilizar, uma vez que o sistema à disposição dos compositores era considerado único e universal. Para muitos compositores esta asserção ainda é verdadeira, mas, para outros, com acesso às informações sobre as diferentes correntes composicionais e que se sentiram atraídos por elas, estes aspectos se tornaram cruciais e determinaram escolhas importantes. Entre as motivações encontradas para as escolhas, os depoimentos e textos teóricos destes compositores aludem sempre a razões de ordem empírica, tanto teóricas quanto por empatia. Tristan Murail e Almeidas Prado freqüentaram as classes de Olivier Messiaen no Conservatório de Paris. Este compositor exerceu ao longo de sua carreira de professor uma grande influência sobre várias gerações de compositores 1. Num período em que a a estética dominante nos círculos de vanguarda franceses era derivada do serialismo integral, os cursos de análise musical de Messiaen se baseavam em concepções 1 BOIVIN, J La classe de Messiaen, Paris, Christian Bourgois. 2
3 harmônicas de base empírica, enfatizando a formação, alteração e encadeamento de acordes. A principal formulação harmônica de Messiaen se encontra nos acordes de ressonância. De base Rameauniana, eles funcionam como filtros do total cromático. A teoria harmônica de Messiaen era associada aos modos de transposição limitada e a técnicas rítmicas baseadas em deslocamentos e suspensão da métrica, pedais rítmicos e módulos não retrogradáveis 2. Estes aspectos exerceram forte impressão sobre uma geração de compositores interessada em encontrar formas de expressão composicionais mais próximas da experiência sensível 3. Durante a pesquisa foram analisadas a Missa de São Nicolau, para coro e solistas (SATB) e orquestra, de Almeida Prado, e Désintégrations, para fita magnética e grupo instrumental, de Tristan Murail, ambas compostas na década dos oitenta. A influência de Messiaen e as experiências de vida influíram produziram modos diferentes de expressão os traços destas experiências foram bem discerníveis nas análises. A principal marca da influência de Messiaen, na minha opinião, se encontra na harmonia, conduzida pelo baixo e baseada na análise do espectro sonoro 4. Na fase preliminar da pesquisa já foram encontradas diferenças significativas que eu reputo como devidas às questões empíricas apresentadas. A análise de espectro empregada por Almeida Prado se baseia numa teoria abstrata do som, na série harmônica, que está na base de todas as teorias harmônicas. Ou seja, a harmonia parte de um componente natural no qual se baseia o aparecimento gradativo 2 MESSIAEN, O Traité de rythme, de couleur et d ornitologie, Paris, Leduc; The technique of my musical language, Paris, Leduc. 3 Vide Gubernikoff, C Emprismo e composição: Almeida Prado e Tristan Murail, aspectos teóricos da pesquisa de pós doutorado, in: Cadernos do Colóquio 3, Rio de Janeiro, PPGM, Unirio, 1999 e Música e representação: das durações aos tempos, tese de doutorado, Rio, UFRJ. 4 Idem, ibidem. 3
4 dos parciais. Desde Pitágoras, passando por Fourier e Helmholtz que o modelo da série dos harmônicos constitui a base natural da teoria harmônica, e tanto Tristan Murail, quanto Almeida Prado seguem este princípio. É importante salientar que o debate teórico sobre a série dos harmônicos e a base natural da harmonia foi um dos temas presentes a partir da utilização do total cromático como referência, na primeira metade do século XX. Ou seja, o debate teórico, que durante o século XIX havia se concentrado sobre questões de natureza mais cultural e estética, ganha nova vitalidade quando o som volta a ser o foco do interesse de compositores interessados em explorar as qualidades acústicas de timbres 5. O modelo de referência é o do espectro sonoro como foi formulado por Helmholtz. As escalas diatônicas, representariam fases históricas da gradativa conquista dos parciais e o dodecafonismo e outras técnicas que utilizam o total cromático como referência, empregariam os harmônicos superiores, ou mais afastados da fundamental 6. O primeiro movimento da Missa de São Nicolau, o Kyrie, é todo construído sobre a Escala Acústica, uma escala natural, que pode ser encontrada entre o oitavo e o décimo sexto harmônico e na qual Béla Bartók também se baseou, derivada do acorde maior com quarta aumentada, sexta acrescentada e sétima menor. Esta harmonia, baseada na ressonância natural da fundamental é chamada por Almeida Prado de transtonal. Sua característica principal, além do aparecimento desta escala é a instrumentação que separa as notas do baixo, como um pedal, e concentra o cromatismo nas vozes superiores 7. 5 O grande interesse pelo timbre ao longo do século XX já se prenunciava nas técnicas de orquestração do século XIX, no desenvolvimento de novas formas de ataque em instrumentos tradicionais, na utilização maciça de instrumentos de percussão, na novas formas de textura e principalmente na música eletroacústica. 6 Anton Webern se refere a isto no Caminhos para a Nova Música, e Schoenberg, explicitamente, no Harmonielehre. 7 Gubernikoff, C op. Citada. 4
5 Já Tristan Murail associou a pesquisa harmônica à pesquisa de timbres, através da análise de espectros realizadas com auxílio de computador. O material composicional é fornecido pela decomposição de sons instrumentais, com características próprias. Ou seja, enquanto Almeida Prado utiliza um modelo abstrato e genérico, Tristan Murail emprega modelos locais e específicos, extraídos de sons que têm uma existência concreta. O aspecto mais importante de Désintégrations é o conceito de continuidade entre timbre e harmonia, ambos compreendidos num único processo construtivo. Como na maior parte dos processos composicionais desenvolvidos pela cultura de origem européia ocidental, encontramos nesta obra a assunção de um contínuo entre os processos mentais e a escuta, intermediados pela notação 8. A diferença básica que encontramos nesta obra é que os conceitos mentais não são redutíveis a motivos ou temas. O material principal de Désintégrations é extraído do espectro sonoro. Seu conceito global está definido no título que retrata processos de desintegração e reintegração gradativas entre espectros harmônicos e inarmônicos. Cada uma de suas 11 seções, apresenta um procedimento local e específico para que simula o comportamento de sons instrumentais, suas notas fundamentais e seus parciais. Murail adota algoritmos matemáticos controlados por computador para controlar os vetores multidirecionais empregados na obra horizontais (velocidade das transformações); verticais (qualidade dos acordes e timbres) e eventualmente transversais. Estes algoritmos são modelos matemáticos baseados nos diversos tipos de tratamento de espectros: fracionamento (quando se usa parte ou partes do espectro), filtragem, síntese aditiva, freqüência modulada e modulação em anel. Estes 8 A outra possibilidade é a escuta empírica de sons gravados, das múltiplas possibilidades de formas de ataque em instrumentos tradicionais ou a escuta de sons. O grande debate entre os espectrais e os eletroacústicos se concentrou principalmente nestes aspectos, como salientou Marc Antoine D Albavie no seu artigo Gondwana, publicado no periódico Entretemps 8, [1988 ]. 5
6 materiais, verticais em sua origem harmônico-timbrística, são desdobrados pela ação dos vetores horizontais e transversais. Désintégrations é uma obra mista, para fita magnética e conjunto instrumental. A fita é empregada com duas funções principais: 1 - apresentação de sons gerados por síntese, e neste caso os instrumentos dobram, ou orquestram a harmonia; 2 a fita dobra a instrumentação, estendendo os sons instrumentais para regiões além de seus registros e timbres habituais, operando distorções inarmônicas. Esta dupla função cria ilusões sonoras, análogas às ilusões de ótica, e a percepção pode se concentrar ora num, ora noutro destes aspectos. Enquanto a análise da Missa de São Nicolau adotou formas mais tradicionais de tratamento motívico e harmônico, encontrando uma tendência ao tonalismo e ao modalismo em diversas passagens, a análise de Désintégrations teve de levar em conta outros aspectos como a escuta de microtonalismos, as elaborações temporais complexas de materiais e a mudança de tratamento a cada seção. Os materiais básicos na Missa de São Nicolau são motívicos, enquanto os materiais básicos de Désintégrations são os modelos dos espectros de instrumentos específicos e os modelos de síntese empregados; na perspectiva da textura, a simulação de envelopes extraídos principalmente de instrumentos de percussão. Antes da análise propriamente dita, foram observados aspectos referentes à 1 - harmonia e timbre; 2 - timbre e textura; 3 - Forma e estrutura; 4 - Conceito global; 5 - segmentação. Para a análise de seção foram elaboradas fichas descritivas que continham as seguintes informações: 1 - Materiais harmônicos, onde são apresentados o instrumento de referência; as notas fundamentais virtuais (vf), a nota do baixo (bn); e o modelo de síntese de 6
7 referência. Caso estejam sendo empregados modulação em anel, freqüência modulada ou distorção de espectros, o modelo pode não ser de baixo fundamental e ressonâncias, mas o de eixos de simetria. 2 - Modelo percussivo, onde são identificados o instrumento de percussão de referência e suas formas de ataque. 3 - Caráter local, se refere ao comportamento da superfície sonora e pode ser associado ao modelo percussivo. 4 - Textura, a maneira como notas, timbres e intensidades se ligam através das relações entre as vozes (homofônica ou contrapontística) e a qualidade do som resultante de uma determinada combinação de instrumentos em termos de sua cor do som e do modo que soam juntos. 5 - Espaço tempo, extraído da terminologia criada por Boulez para definir se é estriado (pulsativo) ou liso ( ressonante livre). Após a ficha descritiva, a análise harmônica é apresentada sob a forma de reduções espaço temporais, à maneira das time span reductions de Fred Lerdahl. Foi necessária uma adaptação da terminologia harmônica, uma vez que as notas correspondem exatamente aos parcias do som. Assim, a partir da vf (fundamental virtual), foi criada uma cifragem que numera exatamente a qual parcial se refere e aue possibilita a comparação entre acordes e a interpretação harmônica. Os dois exemplos a seguir pertencem a seções distintas, cada uma com seu tratamento local de síntese e envelope. 7
8 Exemplo 1 - Dois acordes construídos sobre fundamental La#1 por síntese aditiva A#1{p: 7,11, 20, 36} A#1{p: 4, 7, 11, 21} Exemplo 2 - seção XI, redução harmônica de acordes com textura em espiral. 19' 37'' 19' 47'' 20' 04'' 20' 28'' 20' 44'' 21' 05'' 21' 3 21' 18'' 8
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