Resenha: Antonin Artaud. O artesão do corpo sem órgãos de LINS, Daniel 1

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3 Resenha: Antonin Artaud. O artesão do corpo sem órgãos de LINS, Daniel 1 COSTA, Patrícia Coelho 2 O Artesão do Corpo sem Órgãos LINS, Daniel. Antonin Artaud. O artesão do corpo sem órgãos. São Paulo: Lumme Editor, a. Edição. Autor: Daniel Soares Lins Sociólogo, filósofo e psicanalista, com doutorado em Sociologia Université de Paris VII Université Denis Diderot (1990) e pós-doutor em Filosofia, sob a direção de Jacques Rancière, pela Université de Paris VIII (2003). Atualmente é professor associado de Filosofia no Departamento de Educação da Universidade Federal do Ceará e pesquisador do Conselho de Educação do Ceará, Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas da Subjetividade (LEPS/UFC), articulista da Empresa Jornalística O Povo S. A., Coordenador do GT Filosofia Contemporânea da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Filosofia (ANPOF), Coordenador do Simpósio Internacional de Filosofia Nietzsche/Deleuze. Atua nas áreas de Filosofia Contemporânea, Sociologia e Educação. Publicou 12 livros em português, francês e polonês, entre outros: La passion selon Lampião Le Roi des Cangaceiros, 1ª edição, Paris: Seuil, 1995; Ayrton Senna: A imolação de um deus vivo, Fortaleza: EUFC, 1995; Juízo e verdade em Deleuze, São Paulo: AnnaBlume, 2004; Expressão Deleuze em Espinosa/Espinosa em Deleuze, Rio de Janeiro: Forense, 2008; Publicou dezenas de artigos no Brasil e no exterior Recebido em 09/05/2018. Aprovado em 18/06/ Graduanda em Teatro modalidade Bacharelado pela Universidade Federal de Minas Gerais, desde o primeiro semestre de Em 2015 entrou no projeto de formação de produtores e divulgadores culturais na Diretoria de Ação Cultural da UFMG, que terminou em fevereiro de É participante do LECA Laboratório de Experimentação e Criação em Artes Cênicas (CNPq). Tem interesse em dramaturgia, atuação em teatro e cinema, produção cultural e audiovisual, mediação em espaços alternativos, bem como em pesquisa Teatral. (9patricia3@gmail.com)

4 Artesão único de meu corpo sem órgãos, deseja-lo é empreender, de imediato, a experimentação, tornando-me, assim, o artista solitário de minha criação. (p.48) O professor Daniel Lins empreende neste texto um experimento de escrita e de reflexão que busca, o quanto possível, aproximar-se da perspectiva artaudiana de pensamento como expressão de uma implicação direta no mundo, visceral, viva e carnal. Digo isto, pelo formato das frases, pelo percurso que a leitura nos ocasiona, pela angústia que suas palavras vão desdobrando em nossas mentes durante a leitura. O desafio de falar sobre Antonin Artaud, como diz o autor logo no início do livro, é uma tentativa de atravessar as representações e encontrar-se com uma invenção... Inventar e inventariar a obra e o legado de um artista que dedicou sua vida a fazer emergir a subjetividade, a multiplicidade, o poder do estágio primitivo do ser, como força cristalina criativa e criadora. Para Artaud, a construção do corpo sem órgãos passa tanto pelo reengendramento de si, como auto-engendramento numa ação sem ação, numa produtividade improdutiva (p.50). Esta forma de viver e ser arte em vida, como corpo que sobrevive às necessidades e à escatologia, aparece nas linhas do livro, gerando um borbotão de ideias intensas. Para conhecer Artaud através de Daniel Lins é preciso ser Artaud, ser Daniel e ser livre para não se prender às explicações fáceis e às palavras fracas. As experiências desta leitura podem ser materiais, como o cansaço de nossas próprias certezas, e imateriais, o perfume de um mundo não católico, não heteronormativo, não burguês, vazio. Nem perda, nem falta, nem excesso, nem distância: o querer criar para si um corpo sem órgãos supõe o contagio que é o contrário da simbiose, cara aos psicanalistas. Deixar-se afectar, não para ser ou parecer com o outro, muito menos para se identificar com o outro. O processo de contagio nem é busca nem encontro com o Ser ou com o Nada. (p. 55) O filósofo em Daniel Lins traz à tona explicações e invenções (no sentido Deleuziano) sobre o corpo sem órgãos, ideal artaudiano de liberdade, se utilizando-se de palavras-cristais, que brilham, reluzem e não se destroem entre si nem no combate de umas com as outras: 162

5 deserto; povoado de intensidades nômades; o vazio-pleno; o que resta quando tudo foi retirado; a invenção de uma instância sem promessa de redenção; produto intrínseco da vontade; alheio à produção mecânica ou positivista de uma vontade de verdade dopada pela repetição, pela redundância, pelo mantra; não é uma noção, um desejo, mas uma prática, um conjunto de práticas; é tanto biológico quanto coletivo e político; é sertão e vegetação, é caatinga ressuscitada molhada pelo velho rio São Francisco. Para o artista da cena, o estudo e a compreensão do corpo sem órgãos pode significar um treinamento de liberdade, de revelação de habilidades perceptivas, porque significa aprender a ouvir-se, a dar ouvidos à ordem do querer, não somente do almejar. A leitura do texto do escritor Daniel Lins estimula a uma revisão dos anacronismos aos quais se pode submeter aquela pessoa que se coloca para o mundo e não no mundo. Ser artista do corpo sem órgãos significa estar em busca constante pela experimentação, pela afetividade rebelde, capaz de transpor os padrões e avançar na direção de uma nova humanidade, apaixonada, sem culpas e com disponibilidade para encarar-se a si mesmo do ponto de vista de sentimentos e poderes. Outra importante contribuição do livro de Daniel Lins é uma biografia detalhada de Antonin Marie Joseph Artaud, como ainda não havíamos tido acesso em português. Nos oferece informações sobre sua infância e sua vida atribulada, como um verdadeiro biógrafo, auxiliando aos que não conhecem a personalidade intensa deste artista e pensador a compreender sua morte normal mas não natural. A descrição dos momentos e movimentos da vida do pensador Artaud, enriquece a nossa análise do conceito formidável que é o Corpo sem Órgãos CsO, que tomou proporções filosóficas inimagináveis desde que a filosofia se debruçou sobre ele, desde que Giles Deleuze mergulhou nas possibilidades psicanalíticas que se dão no seu uso. Trata-se de um experimento ficlosófico-artístico que pode estimular novas ideias e pensamentos libertários para quem o lê. Que pode elucidar a qual arte se pode chegar quando o exercício de liberdade se torna mais importante que o de normatividades. 163

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