Cidadania nas narrativas de professores de Ciências



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Transcrição:

Cidadania nas narrativas de professores de Ciências Citizenship in narratives of science teachers Luana Matias Universidade Federal do ABC - UFABC luana.matias@ufabc.edu.br Mirian Pacheco Silva Universidade Federal do ABC mirianpac@gmail.com Resumo Neste trabalho são apresentados resultados parciais de uma pesquisa de mestrado em andamento. O objetivo é discutir a formação para a cidadania a partir dos relatos de onze professores de ciências da Rede Estadual do Estado de São Paulo. Utilizamos as concepções de Santos (2005) que entende que o exercício da cidadania pode ser dividido em três momentos: cidadania clássica, cidadania moderna e cidadania pós-moderna. A pesquisa que é do tipo qualitativa utiliza a entrevista como técnica para coleta de dados. Os resultados demonstram que a maioria dos professores praticam em suas aulas uma formação que se aproxima da cidadania moderna, em seguida cidadania pós-moderna e, por fim, cidadania clássica. Recomendamos que os professores de ciências reflitam sobre a possibilidade e necessidade desta formação em todas as séries da Educação Básica e cursos de formação continuada com esta temática para que os professores aprimorarem suas aulas. Palavras chave: cidadania, narrativa, professores de ciências Abstract This paper presents partial results of a research in progress. The aim is to discuss the training for citizenship from the reports of eleven science teachers attend State of São Paulo. We use the concepts of Santos (2005) who believes that citizenship can be divided into three periods: classical citizenship, modern citizenship and citizenship postmodern. The research is a qualitative type that uses the interview as a technique for data collection. The results show that the majority of practicing teachers in the classroom training that approaches of modern citizenship, then postmodern citizenship and finally, classical citizenship. We recommend that science teachers reflect on the possibility and necessity of this training in all grades of basic education and continuing education courses with this subject for teachers to improve their classes. Key words: citizenship, narrative, science teachers Alfabetização científica e tecnológica, abordagens CTS e Educação de Ciências 1

Introdução Atas do IX Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências IX ENPEC A palavra cidadania aparece com bastante frequência em projetos educativos, documentos oficiais (BRASIL, 1996) e, também, nos discursos de educadores. Mas qual é o significado que tem sido atribuído a essa palavra, pelos professores, durante a prática docente? Como os professores trabalham com a cidadania? Prata (2011), aponta que nas aulas de ciências é esperado que os professores preparem seus alunos para uma atuação crítica na sociedade. Esse não é um apontamento novo, pois a preocupação com a formação cidadã apareceu como resposta aos impactos dos acontecimentos ocorridos, principalmente a partir da segunda metade do século XX, relacionados com a ciência, tecnologia e sociedade (CTS). Deste modo, adotar a abordagem CTS no ensino de ciências significa que não se trata de adotar um método ou uma única maneira de ensinar, mas sim, buscar promover um ensino com enfoque interdisciplinar e problemático (DOMINGUES et al, 2000; HUNSCHE et al, 2009). Alguns autores (SANTOS e SCHNETZLER, 1997; SANTOS e MORTIMER, 2000; AULER 2008) recomendam que no ensino de ciências aconteça a inclusão de temas sociais, pois estes podem propiciar primeiro uma participação dos estudantes na sala e, posteriormente, estes participarem de tomadas de decisões na sociedade. Santos (2004), em um trabalho que relaciona a cidadania, o ensino de ciências e os manuais escolares define a formação para a cidadania como sendo democrática, algo em construção, responsável, inclusiva, diferenciada, íntima e recíproca. Para isso, a formação cidadã deveria ser consciente, intencional e sistemática que procura induzir em cada potencial cidadão o indispensável que lhe permita tornar-se cidadão de facto. Está em causa um processo educativo participativo e ativo desenvolvido em contextos variados [...]. Para além da construção de saberes e de competências acadêmicas, requer o desenvolvimento de capacidades, valores, atitudes, disposições e compreensões, no contexto de políticas e de práticas educativas com envolvimento na comunidade. (SANTOS, 2004, p. 6). Por esta definição, os estudantes terão competências e habilidades para construir valores, solidariedade, pensamento, ações, conhecimento e, assim, poderão participar da escola e da sua comunidade. A abordagem C.T.S. ajuda a promover a cidadania no ensino de ciências contribuindo para que o estudante entenda a importância da contextualidade, deixe de lado o positivismo e faça da Ciência parte de sua cultura. De acordo com Santos (2005, p. 26), a cidadania é um conceito em construção. Tanto o sistema político quanto às circunstâncias históricas contribuem para a transformação, evolução e construção deste conceito. Desde a antiguidade até os dias atuais surgiram diferentes concepções de cidadania que podem ser sintetizadas de três maneiras: cidadania clássica, moderna e pós-moderna. A concepção de cidadania clássica, muito vinculada à antiguidade, pressupõe a participação ativa dos cidadãos. No entanto, nesta concepção, não há clareza sobre o grau e o tipo de participação que os cidadãos podem exercer na sociedade, além do exercício da cidadania não ser para todos como mulheres, por exemplo. A concepção de cidadania moderna, atrelada aos ideais da Revolução Francesa implica, também, na participação ativa dos cidadãos, porém são instituídas leis que clarificam e ampliam os direitos de cada um. A concepção de cidadania pós-moderna, ligada a uma reivindicação de direitos de terceira geração sugere que os cidadãos não apenas reivindiquem seus direitos, mas também que resistam a uma eventual exclusão da sociedade lutando por justiça e direitos sociais. (SANTOS, 2005, p. 40). Diante destas colocações, nos apropriamos das três concepções apresentadas por Santos Alfabetização científica e tecnológica, abordagens CTS e Educação de Ciências 2

(2005) para analisar a formação para a cidadania realizada pelos professores investigados. Nesse sentido, visando apresentar resultados parciais de uma dissertação de mestrado que está em andamento, o objetivo desse trabalho é discutir como a cidadania é trabalhada na sala de aula a partir das narrativas de onze professores de ciências que lecionam na Rede Estadual de São Paulo. Assim, a contribuição deste trabalho se dá no sentido de ampliar as discussões sobre a formação cidadã no ensino de ciências, uma vez que, uma melhor compreensão sobre esta temática poderá propiciar uma atuação docente mais eficaz e comprometida com a cidadania. Metodologia A pesquisa que é do tipo qualitativa utiliza a entrevista semi-estruturada como técnica de coleta de dados. A entrevista apresenta algumas vantagens que são: as pessoas têm maior motivação para falar do que para escrever, o pesquisador poder refazer as perguntas para buscar um melhor entendimento e, caso seja necessário, pode também fazer novas questões aos entrevistados (DUARTE, 2004). As entrevistas foram realizadas com os onze professores, individualmente, fora do ambiente escolar em local previamente escolhido por eles. A pergunta norteadora da entrevista foi: Quais as suas vivências em sala de aula que contribuíram para a formação de um aluno cidadão?. As entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas para análise. De posse das entrevistas transcritas, realizamos leituras e releituras com a intenção de captar os sentidos atribuídos pelos sujeitos. As frases significativas estão identificadas com um pseudônimo acompanhado da letra L (linha) seguida de um número (número da linha). Essas frases foram separadas em três categorias de análise, previamente estabelecidas, de acordo os pressupostos teóricos de Santos (2005). No quadro 1, explicamos os princípios norteadores que cada categoria. Categorias Princípios Norteadores Cidadania clássica Quando o professor relata que já trabalhou a cidadania de modo que fique evidenciado algum tipo de exclusão ou quando não houve intenção explicita em formar para a cidadania. Cidadania moderna Quando o professor relata que já trabalhou a cidadania baseado apenas no ensino de regras, direitos, deveres e normas da sala de aula e da sociedade. Cidadania pós-moderna Quando o professor relata que já trabalhou a cidadania incentivando a participação de todos, a solidariedade, apresentando o conhecimento como fator para exercer a cidadania, apontando que as relações sociais devem ser repensadas e discutindo a força de pequenos grupos no exercício da cidadania. Alfabetização científica e tecnológica, abordagens CTS e Educação de Ciências 3

Tabela 1: princípios norteadores para a análise das entrevistas Resultados e discussão Os resultados apresentam que a maioria, seis professores, utilizam em suas aulas a concepção da cidadania moderna. Em seguida, quatro professores, realizam em suas aulas a concepção da cidadania pós-moderna e, por fim, um professor apresenta relatos característicos da concepção de cidadania clássica. Como exemplo, a tabela 2 apresenta trechos de entrevistas característicos de cada uma das categorias Categorias Cidadania clássica Princípios Norteadores Atualmente, a sala de aula de aula está longe de ter como contribuir com qualquer ideia relacionada à cidadania. O conceito cidadania depende de um princípio básico para ser colocado em prática e contribuir à convivência em sociedade, o respeito. (Eduardo L11 a L14). Cidadania moderna Quando eu cobro datas de entrega de trabalho, horários de entrada e saída e respeito ao próximo, eu estou trabalhando a cidadania. Não passei algo na lousa para isso. Foi no dia a dia que tentei fazer o aluno compreender o que é cidadão. (Davi L7 a L11). Recorri aos exemplos de Saneamento Básico e Energia Elétrica nas casas. Tentei passar aos meus alunos que não só o cidadão brasileiro, mas cidadãos do mundo inteiro que tem direito à esses recursos. Apesar de que muitas pessoas ainda não gozam de tais benefícios. (Patrícia L11 a L14). Falei sobre alimentos, a questão de higienização. Falei sobre o hipoclorito, que a grande maioria não sabia que existia e que podiam conseguir de graça no posto. Levei o conteúdo do Caderno para o dia-a-dia deles (Carla L63 a L73). Cidadania pós-moderna Eu já abordei a cidadania com o tema genética. Chamei a atenção deles para olharem em volta e verem que, mesmo com todas as diferenças visuais, somos da mesma espécie. Que a cidadania começa pelo respeito às diferenças e aceitação do outro como pessoa indiferente das suas opiniões. Chamava muitas vezes a atenção dos alunos para a realidade e o respeito pelo próximo, principalmente quando acontecia alguma coisa na sala. (Carlos L7 a L12). Tabela 2: Relatos de professores relacionados às diferentes concepções de cidadania Apenas um professor teve em sua entrevista relatos da concepção da cidadania clássica (SANTOS, 2005) e, por não trabalhar a cidadania em sala de aula ele exclui seus alunos no sentido de deixá-los fora da construção da cidadania que a disciplina científica pode contribuir. Apesar disso, seu relato é importante para nós refletirmos sobre a falta do respeito Alfabetização científica e tecnológica, abordagens CTS e Educação de Ciências 4

na relação professor-aluno, pois surge uma questão: Professores que tem problemas com indisciplina conseguem trabalhar em suas aulas de ciências a formação para a cidadania? O respeito (ou a falta dele) pode ser um marco inicial na tentativa de, eventualmente, se criar regras na sala visando atingir o comportamento dos estudantes e trabalhar a própria falta de respeito como um impedimento para o exercício da cidadania. A própria dificuldade relatada pelo professor Eduardo pode ser trabalhada como um estímulo para a formação cidadã. A categoria cidadania moderna (SANTOS, 2005) nos trouxe um maior número de professores, o que pode refletir nesse atual momento, nossa própria concepção de cidadania, por exemplo, na questão de votar e de ir e vir. A questão da regra, de direitos e deveres está bem forte no relato dos seis professores entrevistados. Um estudante formado nos moldes da concepção de cidadania moderna pode, no futuro, seguir regras não desejáveis sem contestar. Mas podem respeitar as pessoas, o que é algo muito importante. Outra característica importante demonstrada nos relatos foi a de reconhecimento de direitos que podem não ser claros para os estudantes, por exemplo, o saneamento básico que é um direito que muitos não têm. Entendemos que aulas com características desta concepção são importantes para mostrar ao estudante que vivemos em uma sociedade, que para funcionar há necessidade de regras e, que estas nos dá alguns direitos e deveres. Porém concordamos que a concepção de cidadania pós-moderna (SANTOS, 2005), atualmente, é a que mais se aproxima do exercício menos excludente da cidadania. A formação com os princípios da cidadania pós-moderna foi observada nos relatos de quatro professores, pois trabalharam a solidariedade quando tratam das diferenças e alternativas para alguma questão utilizando-se dos conhecimentos científicos para tal. Por exemplo, o conhecimento de que em um posto existe a distribuição gratuita de hipoclorito e que qualquer pessoa tem o direito de utilizar, pode ajudar a família dos estudantes. Atitudes como a da professora Carla mostram que com o ensino de ciências é possível trabalhar formação para cidadania. Uma observação que pode passar despercebida, é que alguns dos professores formam para a cidadania tentando corrigir ações dos estudantes, relatando fatos relativos à melhora do comportamento do estudante. A abordagem CTS pode ajudar o professor a, a partir dos conhecimentos científicos, também formar para a cidadania, pois assim a Ciência não ficará longe das ações dos estudantes. Porém, concordamos que atitudes neste sentido são válidas. Cabe ao professor refletir sobre o modo que conduz suas aulas e o tipo de cidadão que ele está formando, pois há possibilidade, inclusive na adversidade, de inserir princípios da formação cidadã pós-moderna. Considerações finais Os professores, a partir dos relatos dos entrevistados, revelam que formam para a cidadania de maneiras distintas. Apesar de utilizarem a mesma Proposta Curricular de ciências (SÃO PAULO, 2010) não há a mesma ideia sobre a formação cidadã. Repensar como promover a formação cidadã na prática docente é uma tarefa de todos os interessados em educação, pois apontamos da importância da formação para a cidadania em documentos oficiais não são suficientes para que os estudantes se tornem cidadãos, nos moldes da cidadania pós-moderna e critiquem o que acham que pode prejudicar o seu meio e, ainda, participem ativa e politicamente de modo a fazer com que medidas sociais, econômicas e políticas, entre outras, não prejudiquem a sociedade (SANTOS, 2005). Concordamos que o enfoque C.T.S é uma das formas de possibilitar a formação para a Alfabetização científica e tecnológica, abordagens CTS e Educação de Ciências 5

cidadania pós-moderna (SANTOS, 2005). Contudo, há uma série de fatores que podem significar a não utilização desta concepção. Esses fatores apareceram nas entrevistas de sete dos onze professores, por exemplo, a falta de inserção direta do tema nos cursos de formação de professores, poucas condições de trabalho, alunos indisciplinados e a não motivação dos professores, etc. É importante repensarmos, principalmente, sobre a possibilidade de inclusão de princípios cidadãos em diferentes séries da Educação Básica e sobre a melhoria da condições de trabalho dos professores. Salientamos que mesmo que os cursos de formação inicial, que foram realizados pelos professores participantes desta pesquisa, não foquem diretamente esta questão, os documentos oficiais brasileiros apresentam a formação para a cidadania como objetivo principal e cabe aos educadores colocá-la em prática. Portanto, apontamos que proposta de formação continuada visando à temática cidadania são altamente relevantes e necessários para o atual contexto educacional que estamos vivendo. Referências AULER, D. Enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade: pressupostos para o contexto brasileiro. Ciência & Ensino. v.1, n.especial, 2008. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF, 1996. DOMINGUES, J. L; KOFF, E. D; MORAES, I.J. Anotações de leitura dos Parâmetros Nacionais do Currículo de Ciências. In: Os currículos do Ensino Fundamental para as escolas brasileiras (Elba Siqueira de Sá Barreto Org). 2ª ed. Fundação Carlos Chagas. Campinas. 2000. DUARTE, R. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educar em Revista Curitiba, v.24, p. 213-225, 2004. HUNSCHE, S.; DALMOLIN, A.; ROSO, C. C.; SANTOS, R. A. dos; AULER, D. Enfoque CTS no contexto brasileiro: Caracterização segundo periódicos da área de educação em ciências. VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Florianópolis, 2009. PRATA, R. V. Discursos da cidadania nos livros didáticos de ciências. Anais...Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. São Paulo. 2011. SANTOS, M. E. V. M. Educação pela Ciência e Educação sobre Ciência nos manuais escolares. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 4, n.1, p. 76-89. 2004. SANTOS,. Que cidadania? Que educação? Em que escola? Santos-Edu. 2005. SANTOS, W. L. P.; MORTIMER, E. F. Uma Análise de Pressupostos Teóricos da Abordagem C-T-S (Ciência-Tecnologia-Sociedade) no Contexto da Educação Brasileira. In: Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 133-162, 2000. SÃO PAULO. Proposta Curricular do Estado de São Paulo (Ciências da Natureza e suas Tecnologias). Secretaria da Educação. São Paulo; SP: 2010. Alfabetização científica e tecnológica, abordagens CTS e Educação de Ciências 6

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