A ocupação senhorial do território torriense As Instituições Religiosas



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Transcrição:

A ocupação senhorial do território torriense As Instituições Religiosas Marco de Reguengo Várzea (Torres Vedras) Após a queda das praças de Santarém, Lisboa e Sintra, em 1147, o território torriense passa a integrar o espaço da cristandade, em data anterior a 1155, por rendição, não tendo ocorrido qualquer conquista, como pudemos ver anteriormente. A muito provável entrega pacífica da praça de Torres Vedras e do seu território, teria facilitado a permanência de grande parte das populações que aqui viviam em período anterior, populações estas

responsáveis pela permanência de alguns topónimos (nomes de lugares) de origem árabe ou moçárabe. A toponímia da Inquirição, mandada fazer pelo bispo D. João Martins de Soalhães, e concluída, em 1309, no bispado do seu sucessor D. Frei Estêvão, revela, de modo geral, estarmos perante uma "terra baptizada de fresco", se exceptuarmos a área a Este, devido à proximidade da via romana, onde o povoamento é mais antigo. E a norte e ocidente da vila, o povoamento era escasso, salvo no vale de Alcabrichel, este um topónimo de origem moçárabe, obrigando a um "deserto" populacional, em virtude da existência de grandes espaços florestados e extensos pauis. Ora, destes dados ressalta a ocupação do espaço torriense desde, pelo menos, do período islâmico, a avaliar pela existência de determinados topónimos. Certo é que a existência de nomes no período pós-reconquista poderão ser "baptismos" de lugares mais antigos. Mas as instituições religiosas também tiveram interesses no termo torriense. A mais antiga referida na documentação é a canónica de Santa Cruz de Coimbra. Trata-se de uma carta de doação de uma herdade por D. Afonso Henriques aos Cónegos Regrantes no lugar da Tamuja (a Sul da vila, prolongando-se em direcção ao espaço ocupado actualmente pela povoação do Barro). Todavia, só um século depois, os Crúzios aumentariam de forma considerável o seu património em Torres Vedras. Pois D. Constança, filha bastarda de D. Sancho I, fez, em 1267, doação a Santa Cruz de um conjunto considerável de bens,

que somava a três doações que o mosteiro havia recebido entretanto. Entre esses bens doados, com a obrigação dos cónegos rezarem missa quotidiana pela doadora, encontramos uma adega com quatro cubas grandes e uma pequena, três tinas e um lagar junto à referida adega, duas casas na vila (em Moinho de Vento e de Almuinha), um conchouso com seu pomar, três hortas e uma vinha em Alcabrichel. Na Tamuja, o Mosteiro Crúzio possuía, desde há algum tempo, uma granja, testemunho de uma intensa exploração agrícola local e de valorização económica. Também oriundo de Coimbra, o Mosteiro de Celas tinha igualmente bens no território torriense, nomeadamente na Carvoeira, uma das áreas mais agricultadas e povoadas do termo. A localização deste bens deve-se, sobretudo, à proximidade de Alenquer, onde Celas possuía um importante conjunto de propriedades. Junto à Carvoeira, no Baraçal (Braçal), compra o mosteiro de Celas, em 1225, a sua primeira propriedade no termo torriense. O Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça é, porém, a instituição religiosa com maior património na região. A primeira doação de terra aos Cistercienses (da Ordem de Cister) é anterior a 1199, correspondendo a uma herdade em Fonte Ficco. Todavia, só a partir de 1225 o mosteiro se interessaria pelo termo torriense. É provável que a presença do mosteiro de Alcobaça aqui se deva aos colonos francos, cuja migração foi intensa, sobretudo para a região a Norte do termo torriense, após a conquista da linha do Tejo.

Certo é que na origem da constituição do património fundiário torriense encontramos três grandes legados. Estes incluem um conjunto de bens de relevo: diversas casas na vila e um quarto do moinho do carpinteiro, uma vinha na várzea da vila, uma cuba e covas, herdades no Barro e Tamuja, um casal no Barro e uma vinha labrusca em Porto de Rei. Um património, portanto, centrado em torno da vila de Torres Vedras, nomeadamente a Sul. A partir de 1246, as atenções dos cistercienses, no termo de Torres Vedras, viram-se para Çakarias, Randide e Maceira. Nestes locais, concentrar-se-ão, a partir de cerca de meados do século XIII, as propriedades dos monges bernardos. O Mosteiro de Alcobaça receberia, ainda, um casal em Enxara (do Bispo) e dois casais em Matacães (1229). Para uma melhor valorização económica das terras, assistimos, como era hábito, a uma concentração do património. A preocupação dos monges com a valorização das terras também se manifestou no termo torriense, através da drenagem de pauis. Testemunha-o a drenagem do Paul de Alvim (junto à vila), entregue a dez povoadores com a obrigação de fazerem e manterem abertas para o drenar, sob pena de perderem o seu contrato. Os mosteiros de Santa Maria de Alcobaça, Santa Cruz de Coimbra e Celas eram, de facto, os maiores proprietários fundiários do território torriense, no que diz respeito a instituições religiosas. Mas o mosteiro de S. Vicente de Fora, a Ordem Militares do Hospital e de Santiago, assim como o mosteiro galego de Santa Maria de Oia detinham terras

no termo, explorando a fertilidade dos solos e a grande aptidão agrícola dos terrenos para o cultivo do cereais. Destas instituições, só Santa Cruz de Coimbra e Santa Maria de Oia receberam propriedades régias, no início da colonização e (re)povoamento da região, após a conquista cristã da linha do Tejo, em 1147. SAIBA MAIS: OLIVEIRA, Maria Julieta Ventura de - Subsídios para a História de Torres Vedras. Coimbra: Faculdade de Letras, 1970. Dissertação de Licenciatura em História. 2 vols.