Avaliação de Alternativas - Grupo de Estudos de Seguro Depósito - Subgrupo: Perigo Moral. (abril, 2002) Ana Carla Abraão Costa Economista, 1. Interlúdio Teórico Corridas bancárias sempre foram, desde o início da década de 20, objeto de preocupação para os formuladores de política econômica. A justificativa para tanto sendo os impactos que uma crise financeira sistêmica tem sobre a economia real e portanto os custos fiscais - e conseqüentemente sociais decorrentes da quebra de bancos. Foi nesse contexto que surgiu a necessidade de se buscar mecanismos que evitassem, ou ao menos minimizassem, o efeito dominó da quebra de um banco sobre o sistema bancário como um todo. A idéia era criar um mecanismo de proteção aos depositantes que neutralizasse os efeitos de quebras eventuais, através do seu isolamento, ou seja, um mecanismo que evitasse a propagação de uma quebra sobre todo o sistema, que aparece sob a forma de corridas bancárias. Foi com essa visão que, no início da década de 30, foi instituído nos Estados Unidos o primeiro sistema de seguro depósito explícito que se tem registro, originado na preocupação gerada pelas corridas bancárias pré Grande Depressão. No início da década de 80, Diamond e Dybvig (1983) publicam um trabalho clássico de modelagem de corrida bancária e concluem que a adoção de sistemas de seguros depósitos é uma política ótima em situações em que corridas bancárias ameaçam a estabilidade financeira. O modelo se baseia na formalização do banco como entidade cujo papel é o de transformar ativos ilíquidos em passivos líquidos, provendo a economia ou mais especificamente os depositantes da liquidez que eles demandam. Em um primeiro passo eles demonstram que a presença dos bancos melhora o mercado competitivo na medida em que divide o risco dos projetos a serem financiados entre diversos depositantes. Indo além, o contrato de depósito que gera essa melhora tem vários equilíbrios, entre eles um em que todos os depositantes sacam seus recursos imediatamente, mesmo aqueles que não querem consumir naquele momento, o que leva a quebra do banco. Finalmente, Diamond e Dybvig mostram que tais corridas 1
levam a problemas econômicos pois bancos saudáveis também podem quebrar, o que provoca uma interrupção no financiamento de projetos e conseqüentemente do investimento produtivo. Trata-se de um modelo de três períodos, com uma tecnologia que produz R = -1 em T = 0, R = 0 ou R = 1 no período 1 e R = R >1 ou R = 0 no período 2, de acordo com o investimento inicial que é feito em T = 1. A idéia sendo que o investimento de longo prazo tem uma caracterização de irreversibilidade. Em T = 0 todos os consumidores são idênticos e têm o risco de serem do tipo 1 (impacientes) ou do tipo 2 (pacientes), que é uma informação privada. Em T = 1 cada um aprende o seu tipo. Diamond e Dybvig buscam encontrar os contratos de depósito ótimos em relação à divisão de risco entre depositantes. Duas são as proposições derivadas no modelo: 1. Contratos bancários de depósito não alcançam a divisão de risco ótima quando t (fração de depositantes que é de tipo 1) é estocástico e tem distribuição degenerada. 2. Contratos de depósito com seguro alcançam o ótimo irrestrito em um único equilíbrio de Nash (na verdade um equilíbrio de estratégias dominantes) se o governo fixa um imposto ótimo para financiar o seguro depósito. O modelo aborda de forma sucinta a questão do financiamento privado (que por ser menos crível tem a necessidade de manter reservas em estoque e portanto apresentaria uma desvantagem comparativa em relação ao seguro governamental) e introduz o questionamento referente ao problema de perigo moral. Ambas as questões são desenvolvidas posteriormente em trabalhos teóricos e empíricos que muito embora busquem resolver as controvérsias surgidas a partir daí, não as resolvem de forma conclusiva. Apesar de controvérsias ainda existentes em relação às conclusões e sugestões do trabalho, principalmente no que se refere aos ganhos obtidos com a introdução do seguro depósito vis-à-vis os custos da introdução dos problemas de perigo moral, vários países passaram a adotar algum tipo de proteção explícita a depositantes, tendo a idéia ganhado mais força na última década. Combatia-se assim um problema específico do sistema bancário que era o efeito de contágio entre bancos com problemas e bancos saudáveis. Mas surgiam, paralelamente, outros problemas, todos eles advindos da situação de assimetria de informação presente na relação banco/tomador e banco/depositante: a adoção de mecanismos de seguro depósito cria o problema de seleção adversa ao subsidiar instituições pouco saudáveis, cria problema de agência ao abrir espaço para a captura do regulador se ele 2
passa a defender os objetivos da indústria que ele regula antes dos depositantes e contribuintes ou se hesita em tomar medidas rígidas ao se defrontar com o prejuízo que sua ação implicará à instituição garantidora. Além disso, e principalmente, os sistemas de proteção ao depositante criam, indiscutivelmente, uma fonte de perigo moral: por um lado desimcumbe-se o depositante de praticar uma atividade de monitoramento da saúde financeira das instituições (podendo gerar também um problema de seleção adversa, pois os bancos com problemas tendem a pagar taxas mais altas para captar depósitos que, sendo protegidos, são canalizados para essas instituições). Por outro lado, os sistemas de seguro depósito podem levar os bancos a financiarem os projetos mais arriscados pois, estando protegidos em primeira instância dos prejuízos com credores, estariam maximizando lucro escolhendo os projetos de (maior retorno) esperado (menor probabilidade de sucesso). Analiticamente isso pode ser visto através de um modelo estático bastante simples. Para se introduzir a análise de perigo moral, a equação de valor de liquidação do banco pode ser escrita utilizando-se a igualdade contábil bancária tradicional em t = 0 e obtendo: onde depósito. representa a qualidade da carteira de crédito e representa o valor líquido pago pelo seguro O valor do banco liquidado será dado portanto pelo seu capital acrescido (ou descontado caso o valor seja negativo) do volume de recuperação de crédito e descontado o valor do prêmio pago ao seguro (ou acrescido do valor coberto caso a realização da carteira de crédito não seja suficiente para honrar os depósitos). Supondo, a título de simplificação, que valores: possa assumir dois X com probabilidade. Caso em que a carteira de crédito tem qualidade boa. (sucesso) 0 com probabilidade (1 - ). Caso em que a carteira de crédito tem qualidade ruim. (fracasso) 3
Teremos então que o lucro esperado do banco será dado por: onde: representa o valor presente líquido dos empréstimos e o subsídio líquido do seguro depósito. Portanto, supondo um prêmio P fixo, os bancos ficam livres para determinar (,X), de forma a maximizar seu lucro esperado. Isso implica que, dentro de uma mesma classe de projetos com valor presente líquido constante, ou seja bancos tendem a escolher aqueles com menor com menor probabilidade de sucesso. = constante, os, ou seja, aqueles Tem-se portanto, através de (*) a caracterização de uma situação de perigo moral pois, ao se adotar um sistema de seguro depósito que seja visando à estabilidade sistêmica com a prevenção de corridas bancárias, a reação do banqueiro é optar por financiar projetos mais arriscados e conseqüentemente aumentar a fragilidade do próprio sistema. Ou seja, se por um lado a teoria mostra que corridas devido a crises auto-alimentadas podem ser evitadas via adoção de sistemas de seguro depósito, como demonstrado no modelo de Diamond e Dybvig (1983), por outro lado ela indica aumento da instabilidade como conseqüência dessa proteção, dado que incentiva a tomada de risco por parte dos bancos. Embora esta seja ainda uma fonte de controvérsia, trabalhos empíricos recentes como Demirguç-Kunt e Detragiache (1998) corroboram as conclusões teóricas descritas acima e buscam mostrar que a adoção de sistemas explícitos de proteção aos depositantes tem como conseqüência sistemas bancários mais frágeis. O grau do impacto negativo difere de acordo com a estrutura do sistema adotado. Assim sendo, paralelamente à adoção de sistemas de seguro depósito em grande parte dos países do mundo, estudos recentes buscam avaliar os diversos modelos e as diversas estruturas existentes, para então identificar aquelas que poderiam minimizar os efeitos de perigo moral e seleção adversa que acompanham sua adoção Garcia (1999) defende, baseando-se na análise do sistema de 72 países, uma estrutura de melhores práticas, onde a compatibilidade de incentivos existe e se baseia em adesões 4
compulsórias, com prêmios ajustados ao risco, baixa cobertura, transparência e independência política na gestão da instituição responsável pela estrutura de seguro. Essa estrutura de melhores práticas, embora vinculada à idéia teórica de compatibilidade de incentivos, apresenta problemas quando confrontada a evidências empíricas. Uma abordagem intuitiva dessas conclusões, é de descrição simples e pode ser analisada separadamente para cada uma dessas características: 1. A proteção explícita, regulamentada por lei e conhecida pelo mercado, minimiza os problemas de agência e de perigo moral, na medida em que deixa claras as regras que devem ser seguidas para que os bancos sejam cobertos pelo seguro. Além disso força os depositantes a estarem atentos em relação à adequação ou não das instituições que elegem para depositarem seus recursos. 2. A adesão compulsória, contrariamente à voluntária, é compatível com incentivos corretos, tendo em vista que a última pode gerar uma situação de seleção adversa pois somente os bancos com problemas buscariam o seguro como forma de atrair depositantes. Isso pode levar a uma estrutura de incentivos perversa pois os depositantes, levados pela cobertura dos seus recursos, tenderiam a depositar nos bancos com problemas. 3. A abrangência da cobertura do sistema, funciona, igualmente como incentivo e portanto tem impacto sobre os efeitos de perigo moral. Quanto maior a cobertura, menor o incentivo do depositante a monitorar a saúde da instituição e maior a tendência do banqueiro a assumir maiores riscos, pois menor o prejuízo que ele terá que arcar na eventualidade de quebra. 4. A questão do ajustamento do prêmio ao risco está vinculada a problemas de seleção adversa pois, se o prêmio é igual para todas as instituições, independentemente do seu grau de risco, as mais saudáveis subsidiam os bancos com problemas, o que aumenta a probabilidade do jogo para ressurreição. 5. Fundeamento ex-ante, tende a dar mais transparência e credibilidade ao sistema, e com isso aumentar o efeito de moral hazard e portanto a fragilidade do sistema. Aqui mais uma vez se evidencia o trade-off entre proteção e estabilidade. 6. Fundeamento governamental eleva o problema de perigo moral pois sinaliza que os recursos são ilimitados. 7. Administração privada, normalmente exercida pelos próprios bancos, reduz o problema de perigo moral tendo em vista a tendência da instituição garantidora exercer maior rigor no monitoramento dos bancos cobertos pelo sistema. 5
2. Questões a serem discutidas: 1. Quais os meios de se reduzir os problemas de perigo moral e quais os trade-offs associados? Estudos teóricos recentes buscaram identificar as estruturas que minimizariam os problemas de perigo moral inerentes à adoção de sistemas de seguro depósito. Quais sejam: Proteção explícita Adesão compulsória Cobertura limitada Prêmio ajustado ao risco Fundeamento ex-ante Fundeamento privado Administração privada 2. Quais os meios de minimizar os problemas de perigo moral foram adotados no Brasil? Quais foram considerados mas não foram adotados e por quê? Proteção explícita Adesão compulsória Cobertura limitada Fundeamento ex-ante Fundeamento privado Administração privada A adoção do prêmio ajustado ao risco foi considerada à época da criação do FGC mas não foi adotada pela impossibilidade de classificação por risco das instituições bancárias brasileiras. O estágio da regulação brasileira à época não permitia tal classificação. Atualmente essa alternativa não só já é considerada como está sendo discutida entre o Banco Central e o FGC. A idéia é de se estabelecer uma contribuição fixa, que garanta uma arrecadação mínima regular para o Fundo e uma outra variável, esta com base em uma relação capitalização/classificação da carteira de ativos. 6
3. Quais as condições (política, legal, financeira, administrativa, de fiscalização, etc.) influenciaram a adoção (ou rejeição) de medidas específicas de minimizações de perigo moral? 3.1. FGC como entidade privada: As condições políticas foram as preponderantes ao se estruturar o FGC como entidade totalmente privada. O país tentava reconstruir a credibilidade nas instituições públicas, muito abalada por escândalos de corrupção e desmandos de governos anteriores. A consolidação do Banco Central como instituição independente também fazia parte da agenda política influenciando na decisão de se estruturar um sistema de seguro depósito sem a participação do governo. Além disso havia o aspecto legal: a Constituição Federal veda a utilização de recursos públicos para socorro a depositantes de bancos quebrados. Assim sendo, optou-se por um sistema 100% privado, com credibilidade inquestionável compondo o conselho da empresa garantidora com presidentes de conselhos dos maiores bancos nacionais e com fundeamento totalmente privado. 3.2. Prêmio de risco fixo: A regulação bancária no Brasil até início da década de 90 se mostrou extremamente ineficiente. Tanto no que se refere aos modelos de regulação prudencial adotados, como à eficácia da fiscalização bancária e a estrutural legal. Somente a partir de 1993 se teve início uma estruturação formal de regulação prudencial de solvência com a adoção dos requerimentos de capital nos padrões do Acordo da Basiléia, conforme determinada na Resolução 2.099/94 do Banco Central do Brasil. Além disso uma reestruturação dos moldes de fiscalização e de algum avanço nos mecanismos legais de regulação dos bancos, com o BC ampliando seus poderes (Lei 9.447/97) são introduzidos. Em parte em função dessa deficiência, e por outro lado pela necessidade de se capitalizar o Fundo não havia em 1995, ano da criação do FGC, condições operacionais de se adotar um esquema de prêmio de seguro ajustado ao risco. Adotou-se então um prêmio de risco fixo: 0,025% ao mês dos saldos dos depósitos cobertos pelo FGC. Atualmente, com base nos avanços apresentados pela regulação bancária no Brasil, aliada à situação de liquidez do FGC, caminha-se no sentido da adoção do prêmio ajustado. 7
4. Quais as lições que foram aprendidas? Várias são as lições que se aprendem no processo de estruturação de um sistema de seguro depósitos. Principalmente se essa estruturação se dá sob condições adversas, onde erros podem significar grandes prejuízos para toda uma nação. A mais importante delas, porém, é a convicção de que o afastamento de alguns aspectos das melhores práticas e por total impossibilidade conjuntural de segui-las não compromete o sucesso da estrutura. Vale ressaltar que no caso brasileiro, muito embora não se tenha tido condições de se estabelecer o FGC com todas as características que se consideravam ideais, a responsabilidade, a seriedade e o comprometimento com a credibilidade do sistema permitiram que fossem minimizados os problemas que as falhas na estrutura poderiam gerar. O FGC não só cumpriu seu importante papel em um momento de extrema tensão financeira, como está hoje dentro de um contexto mais tranqüilo pronto para avançar em todos os aspectos que possam representar melhorias e estabilidade para o sistema. 8