Como São Armazenados Os Medicamentos Nos Domicílios?



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Transcrição:

Acta Farm. Bonaerense 24 (2): 266-70 (2005) Recibido el 20 de noviembre de 2004 Aceptado el 21 de diciembre de 2004 Atención farmacéutica Como São Armazenados Os Medicamentos Nos Domicílios? Eloir Paulo SCHENKEL 1 *, Luciana Carvalho FERNÁNDES 1 & Sotero Serrate MENGUE 2 1 Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2 Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. RESUMO. Um estudo transversal foi realizado com o objetivo de avaliar como e onde os medicamentos são armazenados nas residências, quais os medicamentos e o seu uso corrente. Os dados foram obtidos através de um questionário estruturado, preenchido durante a entrevista domiciliar. Dos 101 domicílios visitados, 98 apresentaram pelo menos um medicamento, em média 20, com variação entre um até 89 unidades. Os locais de armazenamento mais freqüentes foram a cozinha (43%), dormitório (28%) e banheiro (14%). A maioria dos medicamentos apresentaram formas farmacêuticas para uso oral (67%) e tópico (22%). As classes terapêuticas de maior freqüência foram os analgésicos (18%), antiinflamatórios (6,5%) e antibacterianos (4,7%). A data de validade pode ser encontrada em 83% dos produtos, e em 16% desses casos estava ultrapassada. Em conclusão, o conjunto de resultados indica a necessidade de desenvolver estratégias para educar o paciente para a utilização e manutenção dos medicamentos que possui em seu estoque domiciliar. SUMMARY. How are Drugs stored in the Households?. A cross-sectional study was carried out to analyze how and where drug preparations are stored in households and to evaluate the kind of drugs stored, current usage and storage conditions. The data were collected by a questionnaire filled in during home visits. Of the 101 households visited, 98 had at least one drug stored, mean of 20, and the range 1-89 drugs. Storage places more frequently used were kitchen (43%), bed room (28%) and bathroom (14%). Most drugs were for oral (67%) and topical (22%) administration. The most commonly encountered drugs were analgesic (18%), anti-inflammatory (6,5%) and antibacterial drugs (4,7%). The expiry date could be found in 83% of the products, and in 16% of these cases the drugs were over the expiry dates. In conclusion, our results show the need of management strategies for patient education in the drug utilization and the proper storage of drug in households. INTRODUÇÃO Atualmente, os medicamentos encontram-se inseridos em praticamente todas as esferas de atenção à saúde. Devido a essa ampla inserção, sua utilização inadequada constitui um sério problema de saúde pública. Estudar o consumo de medicamentos permite avaliar se o seu uso é justificado e conhecer que fatores o estão influenciando 1. Vários estudos de utilização foram publicados nos últimos anos, de um modo geral, essas pesquisas focalizaram as condutas de prescrição médica e automedicação, no entanto, existe uma carência de dados sobre como os medicamentos são armazenados e utilizados após a sua aquisição. Uma das formas de se estudar o que acontece com os medicamentos após a sua aquisição é a observação da farmácia caseira 2. Quanto à constituição do estoque doméstico, alguns autores consideram que os medicamentos pertencentes ao estoque são aqueles que não fizerem parte de uma terapia vigente 3, outros consideram que o estoque é composto por todos os medicamentos que estiverem sendo mantidos em casa 4. Para esse estudo, o segundo conceito foi adotado. PALAVRAS CHAVE: Estoques domiciliares de medicamentos; Farmácias caseiras; Utilização de medicamentos. KEY WORDS: Drug utilization, Drugs stored in households; Home pharmacies. * Autor a quem dirigir a correspondência. Endereço atual: Departamento de Ciências Farmacêuticas - Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina - Campus Universitário / Trindade, CEP: 88.040-900 Florianópolis / SC; E-mail schenkel@ccs.ufsc.br 266 ISSN 0326-2383

acta farmacéutica bonaerense - vol. 24 n 2 - año 2005 Justifica-se, portanto, uma investigação que enfoque os estoques domésticos de medicamentos com ênfase na seguinte questão: o que ocorre quando o medicamento passa às mãos do paciente? A investigação aqui descrita foi desenvolvida com a preocupação básica de buscar informações sobre a formação dos estoques domiciliares, as condições de armazenamento dos medicamentos, abrangendo as questões de acessibilidade por crianças, exposição à luz, umidade e temperatura elevadas, bem como a forma de sua utilização, diferenciando medicamentos de uso originado ou não de prescrição médica. MÉTODOS A pesquisa seguiu o modelo de estudo transversal e foi realizada na zona de cobertura de três unidades de saúde de um serviço de saúde comunitária na cidade de Porto Alegre, RS - Brasil, no período de julho a novembro de 1999. O instrumento de coleta dos dados foi um questionário preenchido durante a entrevista domiciliar. Para se estabelecer, dentro das unidades de saúde, quais os domicílios que seriam visitados, determinou-se, por intermédio de um sorteio, um setor censitário. Após, o setor sorteado foi marcado em um mapa, que continha as ruas e os becos do setor e, nesse mapa, foi traçado um caminho a percorrer de modo que houvesse uma total cobertura do local. Então, efetuou-se outro sorteio de 40 números, que correspondiam aos domicílios a serem visitados na ordem preestabelecida pelo caminho tracejado no mapa do setor. Em um primeiro momento, os domicílios foram identificados. Caso algum número sorteado pertencesse a um estabelecimento comercial ou estivesse desocupado, este número corresponderia ao domicílio imediatamente após aquele sorteado anteriormente. No caso do morador não estar em casa no momento da visita, era enviada uma carta de apresentação do estudo ao morador ausente. Essa carta pedia para que, caso aceitasse fazer parte da pesquisa, o morador telefonasse para um número que constava na carta informando qual horário seria mais cômodo para a realização da entrevista. No dia e horário combinado, a entrevista seria realizada. O critério inicial de perda do domicílio era este ter sido alvo de três tentativas infrutíferas de visita em três turnos, em três dias diferentes. Outro motivo de perda era a recusa do morador em participar da entrevista. Os entrevistadores foram treinados e possuíam o mapa do setor e um Roteiro da Entrevista, que poderia ser consultado em caso de dúvida. Nesse documento estava explicitada a seqüência de perguntas a serem realizadas no decorrer da entrevista e os demais procedimentos de campo. Foram entrevistados somente os moradores que efetivamente estivessem envolvidos com a provisão de medicamentos da residência. Caso esses não fossem encontrados na hora da visita, o entrevistador solicitava qual a melhor hora para retornar e realizar a entrevista com essa pessoa. Os medicamentos foram classificados através do uso do sistema de classificação Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) do Nordic Council on Medicine, versão ATC, 1997. Para a análise dos medicamentos estocados foi considerado o segundo nível da classificação ATC, que fornece a classe terapêutica dos medicamentos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para os 120 domicílios sorteados, 101 (84%) entrevistas foram realizadas. Das 19 perdas, 13 não se realizaram por recusa do morador e seis não se realizaram por ausência do morador durante o período de coleta dos dados. As residências pesquisadas eram em sua maioria apartamentos de um e dois dormitórios (no mínimo dois e, no máximo, 16 cômodos compondo a residência), sendo que o número de moradores por domicílio foi, em média, de três pessoas (no mínimo um e no máximo oito moradores). Do total de residentes 49,5% eram homens e 50,5% mulheres. Do total de 101 entrevistas realizadas, em apenas três residências os moradores não apresentaram nenhum medicamento em estoque, ou seja em 98 domicílios (97%) foi encontrado pelo menos um medicamento. O número de medicamentos estocados por residências variou de um até 89 unidades, com uma média de 20 e a mediana de 18,5 unidades. Dos 2023 medicamentos identificados, 95% eram especialidades farmacêuticas, 3% eram produtos farmacopéicos (= produtos oficiais), 2% eram produtos magistrais. Provavelmente, o número expressivo de medicamentos encontrados se deva à metodologia utilizada para a verificação dos locais de estoque. No primeiro momento, o entrevistador solicitava ao entrevistado que mostrasse onde na casa haviam medicamentos guardados. O entrevistador anotava local por local e só então pedia para ver os medicamentos presentes em cada um dos locais averiguados anteriormente. Tal sistemática evitava que se omitissem locais de guarda a fim de abreviar o tempo da entrevista. Os locais de guarda dos medicamentos, nas 267

SCHENKEL E.P., FERNÁNDES L.C. & MENGUE S.S. Local de guarda Cômodo Móvel Quarto Cozinha Banheiro Outros Total Roupeiro 213 0 0 7 220 Gaveta 131 131 76 17 355 Armário 46 497 202 208 953 Aberto 87 144 3 34 268 Outros 89 90 0 48 227 Total 566 862 281 314 2023 Tabela 1. Distribuição do número de medicamentos em estoque por residência, segundo a local de guarda. residências pesquisadas, variaram de um a sete, sendo que a maioria das residências (55%) possuía apenas um local para guarda, geralmente a cozinha. Essa característica também foi encontrada em outros estudos 5. A cozinha foi o local onde foi encontrado o maior número de medicamentos (Tabela 1) o que possivelmente se deve à acessibilidade do local, à presença de líquidos que podem ser ingeridos conjuntamente com o medicamento e de utensílios domésticos como colheres para medida de líquidos e suspensões. Dentro da cozinha, o armário da pia, a gaveta desse armário e sobre eletrodomésticos como geladeira e forno de microondas são os locais preferidos para a guarda dos produtos. Dos 184 locais de guarda averiguados, 103 (56%) estavam expostos ao calor e umidade, 54 (29%) à luz e 184 (100%) estavam ao alcance de crianças (locais não chaveados). Neste contexto, cabe destacar que, no Brasil, os medicamentos foram os principais agentes responsáveis pelas consultas aos Centros de Informação Toxicológica no ano de 1999, com 28,3 % dos casos registrados. Em relação a crianças menores de cinco anos, os medicamentos foram responsáveis por 39,4 % dos casos em 1999 6, tendência também observada em 2001, com 38,6 % dos casos 7. A maioria dos medicamentos estocados foi adquirida sem receita médica (55%). Dos 906 (45% do total) medicamentos adquiridos com receita médica, 118 (13%) foram adquiridos para outro evento semelhante, para o qual o medicamento havia sido prescrito anteriormente. Desses casos, aproximadamente 10% estavam relacionados com uma prescrição anterior para a mesma pessoa, enquanto 3% foram adquiridos para outra pessoa que não aquela para a qual o medicamento foi prescrito originalmente. Esses dados indicam que o fato do medicamento ter sido adquirido mediante prescrição não garante, por si só, que esse será usado pelo tempo correto ou ainda somente pela pessoa que efetivamente foi atendida por um médico. A dimensão do fenômeno aponta para a necessidade do médico alertar sobre a duração e a limitação do tratamento recomendado, bem como a necessidade do farmacêutico reiterar essas informações no momento da dispensação do medicamento. Apesar dos medicamentos adquiridos sem prescrição médica formarem o grupo com maior número de unidades de medicamentos, são os medicamentos adquiridos com receita que, proporcionalmente, mais contribuem para a formação do estoque fora de uso (Tabela 2). A forma de aquisição destes medicamentos foi essencialmente pela compra (86%). Na Tabela 3 pode ser observado que em famílias de maior renda é também maior o número de medicamentos estocados. Os medicamentos estocados eram, em sua maioria, para via oral (67%) e tópica (22%). Esses medicamentos possuíam as seguintes formas farmacêuticas: comprimidos (29%), solução oral (14%), pomadas (9,5%), drágeas (7%), cápsulas (5%), dentre outras. Em relação às categorias terapêuticas destacaram-se os analgésicos (18%), os antiinflamatórios (6,5%) e os antibacterianos (4,7%). Dos 2023 medicamentos encontrados, 1623 (83%) possuíam data de validade, destes 265 (16%) estavam vencidos. Dos 919 medicamentos em uso no dia da entrevista, 68 (25,7%) estavam Aquisição mediante Medicamento Medicamento receita fora de uso em uso Total N (%) N (%) N (%) Com receita 543 (59,9) 363 (40,1) 906 (44,8) Sem receita 561 (50,2) 556 (49,8) 1117 (55,2) Total 1104 (54,6) 919 (45,4) 2023 (100,0) Tabela 2. Distribuição dos medicamentos segundo a forma de aquisição e situação do estoque. 268

acta farmacéutica bonaerense - vol. 24 n 2 - año 2005 Renda Mediana de Familiar N (%) medicamentos (em Reais) estocados Menor que 500,00 12 (12,2) 6 Entre 500,00 e 1000,00 34 (34,7) 19 Entre 1000,00 e 1800,00 28 (28,6) 18 Superior a 1800,00 24 (24,5) 22 Total 98 (100,0) 18,5 (p = 0,011) Tabela 3. Distribuição do número de medicamentos em estoque, segundo a renda familiar. Medicamento vencido Receita médica Sim Não Total N (%) N (%) Sim 110 (41,5) 155 (58,5) 265 (13,1) Não 685 (48,5) 726 (51,5) 1411 (69,7) Sem dados 111 (32,0) 236 (68,0) 347 (17,2) Total 906 (44,8) 1117 (55,2) 2023 (100,0) Tabela 5. Distribuição dos medicamentos quanto à forma de aquisição e prazo de validade. Medicamento fora de uso Medicamento Sim Não Total vencido N (%) N (%) N (%) Sim 197 (74,3) 68 (25,7) 265 (13,1) Não 709 (50,2) 702 (49,8) 1411 (69,7) Sem dados 198 (57,1) 149 (42,9) 347 (17,2) Total 1104 (54,6) 919 (45,4) 2023 (100,0) Tabela 4. Distribuição dos medicamentos quanto à situação do estoque e prazo de validade. vencidos (Tabela 4). Proporcionalmente, foi observado um número maior de medicamentos vencidos entre aqueles adquiridos sem receita médica (Tabela 5). Observou-se um número significativo (17%) de produtos sem a data de validade ou com data não mais legível. Em outros estudos também tem sido apontado o elevado número de produto sem possibilidade de identificação da data de validade. Solari e colaboradores 8 encontraram 52% dos produtos estocados estavam dentro do prazo dos validade, 47% de medicamentos estavam sem data impressa. Arroyo 3 encontrou 22% dos medicamentos sem data de validade impressa. Entre os medicamentos que mais freqüentemente perderam a validade dentro do estoque domiciliar destacaram-se os medicamentos em formas farmacêuticas semi-sólidas, especialmente as pomadas, as quais apresentaram a maior freqüência de prazo de validade vencido (59% de todos os medicamentos nessa forma farmacêutica). Analisando por classe terapêutica, foram encontrados medicamentos de validade ultrapassada em todas as classes terapêuticas, destacando-se os emolientes, antifúngicos, antisépticos e os antibacterianos (34% do total de antibacterianos em estoque). CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS Os resultados indicam que a população vem adquirindo quantidades maiores de medicamentos do que de fato necessita. Isso acarreta um alto número de medicamentos fora de uso e vencidos, os quais contribuem para o uso inadequado, ao mesmo tempo em que determinam um desperdício de recursos, onerando a economia familiar, no sentido de que muito do dinheiro empregado na compra dos medicamentos acaba por constituir uma grande parte do estoque passivo. Não existe consenso sobre que itens devem compor o estoque. Existem algumas recomendações que apontam os seguintes itens: analgésicos, antiácidos, anti-sépticos, anti-histamínicos, pomadas, material de primeiros socorros 9, 10. O número de itens em estoque deve ser mínimo, para evitar o desperdício e facilitar o manejo. Um estoque médio superior a 20 medicamentos parece não ser necessário, visto que 55% dos medicamentos em estoque registrados neste trabalho estavam fora de uso. Cabe chamar a atenção para a necessidade de avaliar freqüentemente o estoque, a fim de se desfazer dos medicamentos vencidos ou que estiverem inadequados ao uso (mudanças na cor ou na consistência do produto, por exemplo). Dessa maneira, as sobras de medicamentos poderiam ser reduzidas ao mínimo aceitável. Essas e outras informações devem fazer parte da rotina de atendimento dos profissionais farmacêuticos. Em conclusão, o conjunto de resultados indica a necessidade de desenvolver estratégias para educar o paciente para a utilização e manutenção dos medicamentos que possui em seu estoque domiciliar. Agradecimentos. O presente trabalho contou com o apoio de bolsas de pesquisa do CNPq para E.P. S. e S.S.M., bolsa CAPES de pós-graduação para L.C.F. e o apoio financeiro do CNPq (processo 52.009606/99-3). Agradecemos aos estudantes Vera L. Tierling e Marco A. Paulino pelo auxílio na coleta dos dados. 269

SCHENKEL E.P., FERNÁNDES L.C. & MENGUE S.S. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Laporte, J.R., G.Tognoni & S. Rozenfeld (1989) Epidemiologia do Medicamento - Princípios gerais, Rio de Janeiro: Hucitec - Abrasco. 2. Vanzeler, M. L. A. & M. S. Rodrigues (1999) Revista Brasileira de Farmácia 80: 53-6. 3. Arroyo, A.M.P. (1990) Farmacia Clinica 7: 784-90. 4. Hayes, P.K. Hickey, S. Lovell & R. Dugdale (1976) Med. J. Australia 21: 235-36. 5. Ridout, S., W.E. Waters & C.F. George (1986) Brit. J. Clin. Pharmacol. 21: 701-12. 6. Brasil (2000) Ministério da Saúde, Fundação Instituto Oswaldo Cruz. SINITOX -Sistema Nacional de Informações Toxicológicas. Dados sobre evolução dos casos registrados de intoxicação humana por agente tóxico no Brasil em 1999. 7. Brasil (2004) Ministério da Saúde, Fundação Instituto Oswaldo Cruz. SINITOX -Sistema Nacional de Informações Toxicológicas. Dados sobre evolução dos casos registrados de intoxicação humana por agente tóxico no Brasil em 2001 (http://www.sinitox.fiocruz.br - acesso em 25.10.2004). 8. Solari, J., S. Malca, E. Mendoza, A. Bultron, T. Fernández & G. Garcia (1996) Medicamentos y Salud Popular 34: 15-28. 9. Schenkel, E.P., S.S. Mengue & P.R. Petrovick, org. (2004) Cuidados com os Medicamentos. 4.ed. Florianópolis / Porto Alegre: Editora da UFSC /Editora da Universidade / UFRGS. 10. Baos, V. (1996) Sin Receta, La Automedicacion Correcta y Responsable. Madrid: Ediciones de Hoy. 270