SAMUEL ALFREDO RANGEL



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Transcrição:

1 SAMUEL ALFREDO RANGEL A (IN)COMPATIBILIDADE DO 2º ARTIGO 3º DO DECRETO LEI 911/69 FRENTE AO ARTIGO 5º INCISO LV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Criciúma, julho de 2003.

2 SAMUEL ALFREDO RANGEL A (IN)COMPATIBILIDADE DO 2º ARTIGO 3º DO DECRETO LEI 911/69 FRENTE AO ARTIGO 5º INCISO LV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Monografia apresentada à Diretoria de Pós-Graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC, para a obtenção do título de Especialização em Preparação para a Magistratura Mercado de Trabalho e Ensino Superior. Criciúma, julho de 2003 RESUMO

3 1. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA No capítulo destinado à alienação fiduciária, será dado ao texto uma introdução em relação a esse instituto, à partir do qual se inicia toda a celeuma cuja análise se inicia. Nesse ponto são ressaltadas as características da alienação fiduciária em garantia, seus aspectos históricos e principalmente a sua importância não só no aspecto jurídico, vez que se trata de importante evolução no âmbito do direito civil, como também sob o aspecto econômico. Tal constatação é decorrente do momento histórico que se vivia quando da efetivação do instituto no direito brasileiro, criado que foi para uma maior disponibilização de crédito no intuito de facilitar a venda da grande produção que se iniciava no país. Mas mais do que analisar a alienação fiduciária em si, visa o capítulo a análise detalhada da busca e apreensão prevista no Decreto-lei 911/69 para a recuperação do crédito em caso de inadimplência do devedor, que prevê na verdade célere procedimento para que o ressarcimento se efetive. É nesse momento que se verifica a importância do instituto da busca e apreensão, posto que a efetividade do processo de restituição do crédito em caso de inadimplemento é que dá às instituições financeiras autorizadas a realizar esse tipo de negócio a necessária segurança para assumir seus riscos. O detalhamento do procedimento previsto no Decreto-lei 911/69 também ganha importante enfoque, posto que a análise de sua receptividade pelo texto constitucional depende do amplo conhecimento da forma como o processo de busca e apreensão se desenvolve.

4 2. AMPLA DEFESA Como a intenção do presente é analisar o texto infra-constitucional frente à Magna Carta, necessário é o amplo conhecimento tanto do procedimento analisado como dos preceitos constitucionais enfocados. Tendo sido elevado a preceito constitucional, a importância da ampla defesa e do contraditório nos processos judiciais e administrativos em geral não mais se discute, cabendo aos aplicadores do direito apenas e tão somente o zelo pelo seu integral cumprimento. Assim, vislumbra-se que o inciso LV da Constituição Federal, apesar de sua curta extensão gramatical tem diversos desdobramentos na sua aplicação prática, principalmente por serem os elementos ampla defesa e contraditório um verdadeiro detalhamento do princípio do devido processo legal. Portanto, o principal ponto a ser observado é que os preceitos de ordem processual contidos na Constituição Federal, especialmente por se encontrarem previstos no capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais, devem ser cumpridos. Verifica-se que a melhor interpretação extraída do texto do artigo 5º inc. LV da Constituição Federal, é a de que em nenhum momento remete-se a discussão sobre fato relevante no processo, seja judicial ou administrativo, para outra demanda, devendo ser assegurado no mesmo feito a produção da prova pertinente. Isso é muito importante para a análise da questão proposta, em face das respeitosas interpretações no sentido de ter sido recepcionado o Decreto-Lei 911/69 pela Constituição Federal de 1988, ao argumento de que é possível a produção de prova em outro processo judicial que teria de ser proposto com essa intenção. Assim, tanto o contraditório, que é a possibilidade de apresentação de outra versão aos fatos apontados, como a ampla defesa, que é a possibilidade de utilização de todos os meios de prova para a comprovação do fato devem ser respeitados em todo processo, quer judicial quer administrativo, especialmente nos fatos pertinentes à causa colocada à apreciação do judiciário.

5 3. O DECRETO-LEI 911/69 E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL Após a verificação específica dos institutos estudados, especialmente a Ampla Defesa prevista Constitucionalmente e a Ação de Busca e Apreensão trazida ao ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei 911/69, cabe realizar o confronto entre os dois, para que seja constatada ou não a compatibilidade desse instituto processual com a determinação contida na Constituição. Como a preocupação do texto constitucional é garantir a ampla defesa e o contraditório em todo e qualquer processo judicial ou administrativo, e como o texto do 2º do artigo 3º do Decreto-lei 911/69 limita sensivelmente o direito a defesa, permitindo-se somente a alegação de pagamento ou cumprimento das obrigações contratuais, outra não pode ser a conclusão que não a de que a Constituição Federal não recepcionou o Decreto-lei 911/69 no que tange ao analisado. E tal entendimento é extraído especialmente tendo em vista a natureza da ação de busca e apreensão, cuja inadimplência por parte do devedor deve se provada de antemão, ou seja, deve acompanhar a inicial. Posicionando-se nesse sentido, resta saber os efeitos de tal implicação, na medida em que a ação de busca e apreensão, como se viu, é de extrema importância até para a própria continuidade de determinadas atividades econômicas, que tem na referida ação, reconhecidamente muito célere em caso de inadimplemento, um atrativo interessante para que os fornecedores de crédito optem por realizarem contratos garantidos com cláusula de alienação fiduciária. É nesse momento que se verifica a continuidade da geração de efeitos no mundo jurídico do referido Decreto-lei 911/69, vez que apesar da incompatibilidade com a constituição, na prática a mesma pode ser sanada, amoldando-se aos preceitos constitucionais. É o que se verifica quando o julgador adapta o procedimento previsto no decreto-lei 911/69, possibilitando ao devedor a alegação de toda a defesa pertinente no momento da contestação, ainda que após o deferimento da liminar.

6 Assim, apesar da incompatibilidade entre os textos legais analisados, verifica-se ser plenamente possível a adequação do Decreto-lei 911/69 aos preceitos constitucionais, o que se alcança ao ser tomada a solução apresentada com o presente.

7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA 1.2. Aspectos históricos 1.3. A Alienação Fiduciária no Direito Brasileiro e Suas Características. 1.4. A Ação de Busca e Apreensão e Seu Procedimento. 2. AMPLA DEFESA 2.1. A Ampla Defesa e o Contraditório 2.2. Efeitos da Ampla Defesa e Contraditório no Processo. 3. O DECRETO-LEI 911/69 e a CONSTITUIÇÃO FEDERAL 3.1. A Incompatibilidade do Artigo 3º 2º do Decreto-Lei 911/69 com o Texto Constitucional. 3.2. Os Efeitos da Não Recepção do Artigo 3º 2º do Decreto-Lei 911/69 pela Constituição Federal nas Ações de Busca e Apreensão. CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

8 INTRODUÇÃO A evolução da sociedade tem como conseqüência uma maior complexidade da relação entre as pessoas em todos os segmentos, visto que a sociedade se transforma a todo momento, fazendo nascer novas necessidades. Em uma sociedade eminentemente capitalista como a que se vive hoje, em que a aquisição de bens é tão necessária, muitas vezes até para a própria subsistência de determinada atividade, criar novos mecanismos para a obtenção de recursos tomou uma conotação ainda mais importante. E tais evoluções não poderiam ficar à margem do direito, que acaba atuando de forma decisiva na regulamentação de toda a sociedade, especialmente no tocante às atividades comerciais, quase sempre criando novos meios de se concretizarem os negócios, amoldando-os à realidade hodierna. Em se tratando de Brasil, da metade do século passado em diante houve um intenso crescimento da atividade industrial, que passou a produzir em grande escala, sendo necessário criar meios de escoamento do que se produzia, especialmente para aqueles produtos destinados ao mercado interno, assim como era necessário fomentar a economia interna para que outras atividades fossem desenvolvidas. Como o poder de compra de uma maneira geral era baixo no país, necessário foi trazer para o âmbito do direito nacional um mecanismo para facilitar a aquisição de bens por parte tanto de quem queria produzir, como para o consumidor final do que era colocado no mercado. Criou-se então a Alienação Fiduciária em Garantia, como sendo um mecanismo do direito destinado a suprir essa necessidade criada pela nova realidade. E tal objetivo foi alcançado, vez que a Alienação Fiduciária em Garantia dá ao comprador a possibilidade de ficar com o bem sem que a instituição que disponibiliza o crédito se abstenha de uma garantia real. Contudo, como referido mecanismo acabava disponibilizando a quem comprava o próprio bem, obviamente a legislação não poderia deixar de disciplinar de

9 forma bastante efetiva a recuperação do crédito em caso de o devedor não adimplir suas obrigações no pacto assumido. E nessa convergência de necessidades, quais sejam, disponibilização de crédito para facilitar a circulação de riquezas e recuperação do valor posto à disposição em caso de inadimplência do devedor, fez a legislação nascer a Ação de Busca e Apreensão do bem dado em garantia. Isso se deu com o surgimento do Decreto-Lei 911/69 no ordenamento jurídico brasileiro, que instituiu um processo bastante célere para a recuperação do crédito disponibilizado por parte da instituição de crédito, que nesse caso recupera o próprio bem objeto do negócio. E a recuperação do bem é forma bastante interessante para o mercado, posto que ainda que se disponibilizasse outros meios para se saldar o débito, mas de forma não célere, acabaria a instituição financiadora não podendo assumir o risco da atividade. Contudo, no afã de se criar um meio de rápida solução do contrato garantido com cláusula de alienação fiduciária, acabou o referido Decreto-Lei 911/69 por trazer para o ordenamento jurídico uma série de disposições que facilitam muito a recuperação do bem, mas que em dado momento acabam se chocando com outros ordenamentos vigentes, especialmente o atual texto constitucional. E isso aconteceu porque o texto da atual Constituição assegura aos cidadãos diversos direitos, que muitas vezes parecem ser afastados pelo Decreto-Lei 911/69. Veja-se a possibilidade de prisão do devedor em caso de o bem não ser encontrado, que ao lado da limitação do direito de defesa do réu são as duas previsões contidas no Decreto-Lei 911/69 que mais são debatidas pela jurisprudência. E o presente tem como objetivo analisar a limitação do direito de defesa na ação de busca e apreensão, conforme previsto no 2º do artigo 3º do Decreto-Lei 911/69, em confronto com o direito da ampla defesa e do contraditório, consoante garante o texto do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal de 1988.

10 Ocorre que as garantias do contraditório e da ampla defesa são mais do que necessárias no ordenamento jurídico nacional, tanto é que estão inseridas nos direitos e garantias individuais da Constituição Federal. Como não é dado às pessoas, físicas ou jurídicas, o direito de resolverem suas divergências conforme suas próprias razões, necessário se faz que o ordenamento jurídico assegure os mais elementares direitos e garantias para que no processo judicial, onde inevitavelmente são dirimidas as questões, sejam os conflitos resolvidos da forma mais equilibrada possível. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, em linhas gerais, são desdobramentos do princípio do devido processo legal, assegurado na própria constituição, que uma vez respeitados trazem ao processo judicial igualdade de condições aos litigantes. O contraditório seria a possibilidade de as partes argumentarem a sua versão ao fato discutido judicialmente, ao passo que a ampla defesa seria a possibilidade de utilizarem os litigantes os mais amplos meios de prova para demonstrarem os fatos constitutivos de seu direito, ou ainda, fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do seu oponente. De importância incontestável, os institutos constitucionais ora referenciados parecem sofrer limitações quando analisados frente ao procedimento previsto no Decreto-Lei 911/69, o que enfatiza o estudo ora apresentado não somente pelo enfoque legal, mas também sob o enfoque constitucional. A análise será realizada não com o objetivo de defender quaisquer dos ponto de vista possíveis, que é o da recepção pela Constituição do referido texto do Decreto- Lei 911/69, ou pela não recepção. A finalidade é estudar o tema proposto para ao final se chegar à conclusão almejada, analisando-se em seguida os efeitos de tal conclusão. Assim, para que se chegue à conclusão final de maneira mais proveitosa, primeiramente se fará uma breve explanação acerca do instituto da alienação fiduciária

11 em garantia, relatando sobre seus aspectos tanto históricos quanto aqueles verificados sobre o tema no ordenamento jurídico brasileiro. Após, no mesmo capítulo, se fará uma abordagem de como se procede a ação de busca e apreensão prevista pelo Decreto-Lei 911/69, esmiuçando o procedimento previsto em tal texto legal, visando aborda-lo como um todo para uma melhor compreensão da própria limitação do direito de defesa do réu. Já no segundo capítulo será realizada a análise do princípio do contraditório e da ampla defesa contidos no inciso LV da Constituição Federal, analisando-se seus objetivos e efeitos no processo civil. Por derradeiro extrair-se-á a conclusão objetivada, vez que os fundamentos para tal estarão devidamente analisados, sendo realizado o confronto dos dois textos legais em discussão nos capítulos anteriores. Repita-se, não se tem o objetivo de defender qualquer ponto de vista prédeterminado, mas apenas e tão somente de se analisar os fundamentos da questão proposta, para ao final se constatar, ou não, a adequação do texto legal ao texto constitucional.

12 1. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA 1.1. Aspectos Históricos Autorizados pela Lei das XII Tábuas, detinham os credores romanos o direito de matar e até apoderar-se do cadáver do devedor se esse não cumprisse com a obrigação devida. Verifica-se que naquele tempo permitia-se que o devedor respondesse com a própria vida pelos débitos assumidos e não honrados, costume esse somente alterado com o desenvolvimento de pensamentos cristãos, que com doutrinas de propagação do Estado Moderno visava humanizar o tratamento dado ao débito. E a evolução pretendida consolidou-se com a transferência do ônus pelo não pagamento de dívida do corpo para o patrimônio material do devedor, facultando-se ao credor invadir a esfera patrimonial do inadimplente, desfalcando-lhe os bens em nome da dívida. A impossibilidade de uma coerção mais efetiva ao devedor, deixou o credor daquela época mais suscetível ao não pagamento das dívidas, posto que o meio mais eficaz de persuasão lhe fora tolhido por uma disposição legal mais humana das relações de crédito. A situação desenhada fez com que fossem criados outros meios para se garantir o pagamento dos débitos, surgindo a garantia pessoal ou fidejussória e a garantia real ou material. Na garantia pessoal ou fidejussória, um terceiro se comprometia a pagar o que era devido se o devedor principal não o fizesse. Já na garantia real ou material, o próprio devedor garantia a dívida com parte de seu patrimônio, entregando-o ao credor a fim de que fosse assegurado o adimplemento da obrigação assumida, reavendo a coisa após o integral cumprimento do estabelecido. Exemplo clássico de garantia real era a fiducia cum creditore, instituto criado no direito romano através do qual o credor recebia do devedor a propriedade e a posse de um bem fungível, a fim de que garantido fosse o cumprimento de uma obrigação

13 principal, lhe restando o dever de restitui-lo tão logo fosse adimplida a obrigação pelo devedor. De forma e procedimento semelhantes observa-se também no direito romano a presença do fiducia cum amico, constituindo-se num contrato de confiança entre o fiduciante, que alienava seus bens a quem confiasse, para que estes ficassem guardados, como em um depósito, até que cessadas fossem as circunstâncias que ensejaram o receio do proprietário pela perda ou extravio dos bens. O grande problema das formas de garantias era que o próprio devedor passou a ficar em situação bastante desvantajosa, uma vez que nesse momento passou a ficar sem meios de fazer valer seu direito de restituição da coisa, além de ter que pagar a dívida. Verifica-se duplo prejuízo, a saída do patrimônio da sua esfera de domínio, assim como o pagamento já realizado do débito, o que se agravava ante a impossibilidade de ação para reaver seu bem. Surgiu mais tarde então, no direito germânico, forma de garantia real que realmente elevou o instituto criado pelo direito romano, possibilitando que o alienante recuperasse o bem caso o fiduciário não agisse como contratado. Assim, poderia também o fiduciário obrigar o alienante a entregar a coisa alienada em garantia assim que quitada fosse a dívida assegurada. Visando também garantir o credor, previu o legislador alemão a possibilidade do alienante reivindicar a coisa alienada, mesmo que na posse de terceiros, de forma que, ainda que viesse o fiduciário a se desfazer da coisa, poderia o alienante exercer seu direito sobre ela. Com a revolução industrial, geradora da necessidade de maior dinamismo e menor morosidade das relações contratuais, tornaram-se os institutos existentes para a garantia obsoletos, tais como o penhor, a hipoteca e a anticrese, especialmente para os contratos de crédito, que visam facilitar a circulação de riquezas.

14 Surgiu então nos países adeptos do sistema common law o trust receipt, instituto que marcou por ser uma evolução do fidúcia cum creditore romano e da fidúcia alemã. Foi o trust receipt que passou a utilizar a figura do financiador, que trata-se na verdade de terceiro alheio à compra e venda propriamente dita. Com forma e objetivo semelhante, distingue-se dos seus precursores pelo fato de os bens alienados fiduciariamente não se transferirem da propriedade nem da posse do vendedor para o comprador, mas sim para o financiador. Ocorre na verdade é que nesse caso o terceiro, financiador, é quem entrega o bem ao comprador, verdadeiro beneficiário do negócio. No trust receipt, os bens dados em garantia somente sofrem restrições quanto à sua disposição, visto não poder ser alienado por estar garantindo o negócio realizado, no entanto, continua o mesmo na posse do devedor. Assim, atendendo à finalidade a que se destina, em caso de inadimplência do pactuado por parte do devedor, o bem se transfere para a propriedade do credor, que nesse caso é o financiador. 1. 2. A Alienação Fiduciária no Direito Brasileiro e Suas Características Seguindo os mesmos ditames do trust receipt, foi introduzido o negócio fiduciário Brasil com o advento da Lei nº 4.728 de 1965, artigo 66, sendo denominado Alienação Fiduciária em Garantia. Bem verdade que o instituto surgido demorou muito para ser disciplinado no Brasil, crescendo sua necessidade com o processo de industrialização do país, que gerou uma transferência muito grande de recursos, devendo ser criados novos mecanismos para se garantir a execução dos pactos realizados. Com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei 911/69, o artigo 66 da Lei 4.728/65 que introduziu a Alienação Fiduciária no Brasil está redigido da seguinte forma:

15 A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal. No Brasil o negócio fiduciário segue a necessidade verificada pelos primeiros países a preverem o instituto, tendo como principal objetivo garantir a concessão de crédito para aquisição de bens. Inicialmente criado para a obtenção de bens móveis, posteriormente previsto também para a obtenção de bens imóveis, a partir da vigência da Lei nº 9.514/97. Conforme se verá adiante pelas características desse tipo de contrato, assumiu a alienação fiduciária uma característica acessória, visando primordialmente garantir um contrato principal, substituindo com mais eficiência as garantias até então utilizadas, como o penhor, a hipoteca e a anticrese. E tal objetivo foi realmente alcançado nas relações comerciais havidas até então, posto que facilitou a concessão do crédito por parte dos financiadores, via de conseqüência aumentando o consumo com a ampla utilização do instituto. Para o financiador estabeleceu uma forma objetiva de ressarcimento em caso de inadimplência, já para o consumidor facilitou a obtenção do crédito sem a desgastante privação de uso e gozo do bem, que muitas vezes é utilizado para gerar a própria riqueza necessária para pagar o próprio débito. A alienação fiduciária não é um contrato bastante em si mesmo, ou seja, para que consiga gerar efeitos e até mesmo existir depende da prévia pactuação de um contrato principal, por isso, é denominado de contrato acessório. Nesse contexto, como visa garantir o cumprimento de uma convenção, como, por exemplo, o financiamento de bens móveis, é mais próprio se falar em cláusula de alienação fiduciária. A doutrina assim se direciona: Alienação fiduciária é contrato mediante o qual o devedor, com intuito de garantia, transmite a propriedade de um objeto ao credor, permanecendo com a sua posse direta; recuperará o domínio pleno tão-logo satisfaça o compromisso

16 pendente. Há dois negócios jurídicos diferentes, se bem que conexos. Em primeiro lugar há o mútuo; em segundo, a alienação fiduciária, de caráter acessório. (PEREIRA, 2001, p. 15) No mesmo sentido, Arnaldo Rizzardo afirma que A alienação fiduciária tem como função principal garantir operações realizadas pelas empresas de crédito, financiamento e investimento (RIZZARDO, 1997, p. 320) Em se estabelecendo em um contrato cláusula de alienação fiduciária, o credor fiduciário torna-se proprietário e possuidor indireto do bem, ao passo que o devedor fiduciante fica com a posse direta do mesmo, na qualidade de depositário, em princípio com todas os encargos civis e penais. Arnoldo Wald define alienação fiduciária como sendo "o negócio jurídico em que uma das partes (fiduciante) aliena a propriedade de uma coisa móvel ao financiador (fiduciário), até que se extinga o contrato pelo pagamento ou pela inexecução" (WALD, 1990, p 224) Luiz Augusto Beck da Silva conceitua alienação fiduciária como:...o negócio jurídico bilateral através do qual uma das partes, o credor, adquire o domínio resolúvel e a posse indireta de um bem móvel durável, infungível, inconsumível e alienável, dado em garantia de determinado financiamento e, a outra, o alienante ou devedor, torna-se o possuidor direto e depositário da coisa com todas as responsabilidades e encargos previstos em lei. (SILVA, 1990, P. 118) Em outras palavras, na alienação fiduciária o fiduciante aliena a propriedade de um bem ao fiduciário, até que todas as obrigações assumidas por aquele sejam integralmente adimplidas. A sempre lembrada doutrinadora Maria Helena Diniz define bem a alienação fiduciária em garantia dizendo que: A alienação fiduciária em garantia consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem infungível ou de um bem imóvel, como garantia do seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o adimplemento da obrigação, ou melhor, com o pagamento da dívida garantida. (DINIZ, 2000, P. 479)

17 A vinculação do bem ao contrato continua vigorando até haver a extinção da obrigação tanto pelo adimplemento, quando o bem volta a ser de propriedade do devedor, quanto pela inexecução, quando o bem passa a ser definitivamente do credor sem haver mais direito algum ao devedor. Durante a vigência do contrato transfere-se ao credor ou fiduciário o domínio resolúvel da coisa alienada e a posse indireta do bem dado em garantia, tornando-se o alienante ou devedor em mero possuidor direto e, por força da lei, depositário do bem alienado. A alienação fiduciária é então uma cláusula que garante a adimplência de um contrato, com a alienação por parte do devedor de um bem a fim de assegurar o pagamento do débito, retornando o bem ao seu patrimônio com o cumprimento do contrato pelo adimplemento. Apesar de fazer lei entre as partes imediatamente, a oposição do contrato de alienação fiduciária contra terceiros depende, em princípio, de registro do referido contrato no Cartório de Registro de Títulos e Documentos tanto do Credor Fiduciário como do Devedor Fiduciante (Lei 6.015/73 artigos 19 e 130), sendo essa característica bastante marcante do instituto, especialmente diante da constatação do pouco respeito a tal procedimento. Importante verificar que não é qualquer instituição capaz de realizar contrato garantido por cláusula de Alienação Fiduciária, tendo sido autorizado pela Lei 4.728/65 somente as sociedades de crédito, financiamento e investimento autorizados pelo Banco Central do Brasil, haja vista que esse próprio texto legislativo foi editado com o propósito de disciplinar o mercado de capitais no tocante às empresas de concessão de crédito direto ao consumidor. No entanto, com a entrada em vigor do Decreto nº 70.951/72, que disciplina a atuação das adiminstradoras de consórcios de bens móveis duráveis, foi estendida a possibilidade de se realizar contrato garantido pelo instituto da Alienação Fiduciária, possibilitando o uso desse instituto por tais administradoras.

18 Essa medida se justifica até mesmo pela própria atuação das administradoras de consórcios na economia, vez que se constituem em importante forma de aquisição de bens pelos consumidores em geral. Característica importante dos contratos garantidos pelo instituto da Alienação Fiduciária é o fato de que não é possível a fixação de cláusula de pacto comissório, que é aquela que dá ao credor o poder de avocar para si coisa dada em garantia face ao não pagamento do preço pelo comprador. Tal imposição, resultado que é do 7º do art. 66 da Lei 7.728/65, obriga o credor a vender o bem para que haja a restituição do valor do débito, tendo sido ratificado pela redação do Decreto-Lei 911/69 em seu artigo 1º, 6º. Tal vedação, inerente também a outros institutos de garantia real como penhor, anticrese e hipoteca, acaba no caso concreto trazendo duas situações bastante distintas, que é aquela referente ao contrato inadimplido no início das prestações sucessivas e aquela em que o inadimplemento é verificado ao final. Isso porque, no primeiro caso a venda do objeto não chega a cobrir, muitas vezes, sequer metade do valor devido, ao passo que no segundo, quando o inadimplemento se verifica no final, ao menos o contrato fica quitado, podendo até sobrar crédito ao devedor. Assim, a proibição de pacto comissório pode ser interpretada positivamente ou negativamente dependendo de que lado se analise a questão, bem como do momento em que se verifica a inadimplência, apesar de dificilmente a instituição financeira ficar com prejuízo, especialmente diante da taxa de juros aplicada, quase sempre exorbitante. Questão bastante controvertida é relacionada com os bens que poderiam ser objeto de pacto garantido por cláusula de alienação fiduciária. Em princípio somente poderia ser objeto aquele que se visa adquirir com o financiamento, haja vista a própria natureza do instituto, contudo, posteriormente foi emanado pelo STJ entendimento diverso, no sentido de ser possível cláusula de alienação fiduciária garantida por bem de propriedade do fiduciante (súmula 28).

19 Tal interpretação parece condizer mais com a intenção do instituto hoje, que visa não só facilitar a aquisição de bens, mas prioritariamente conceder crédito, tendo como objetivo secundário que referido crédito seja obtido para que seja adquirido o próprio bem objeto. São requisitos subjetivos da alienação fiduciária o fato de qualquer pessoa física ou jurídica de direito privado ou público poder alienar segundo se observa do art. 22 da Lei 9.514/97 e do art. 5º do Decreto-Lei 911/69, desde que detenham capacidade para os atos da vida civil e capacidade de disposição. Como requisito objetivo tem-se o objeto da alienação, que poderá ser bem móvel infungível, bem imóvel, direitos reais e direito sobre coisas materiais. Os requisitos formais são aqueles previstos na legislação, destacando-se a necessidade de instrumento escrito, segundo art. 66 1º e 4º da Lei 4.728/65 e se for bem imóvel a escritura pública transcrita no Registro de Imóveis, segundo o que dispõe a Lei 9.514/97 e Lei 6.015/73, arts. 167, I e 35. De acordo com as características da alienação fiduciária, verifica-se como principais direitos do fiduciante a permanência com a posse direta do bem objeto do pacto, a restituição de todos os direitos sobre o bem após a adimplência do débito, bem como poder reivindicar a coisa em caso de resistência por parte do fiduciário. Tem ainda o devedor fiduciante o direito de receber eventual saldo da venda do objeto se o perder por força de inadimplemento, além de poder purgar a mora em caso de já ter pago mais de 40% do valor financiado. Pode ainda intentar ação de consignação em pagamento em caso de recusa do credor em receber o valor devido. Em contra-partida tem o devedor fiduciante diversas obrigações, destacandose a de manter e conservar o bem alienado, deixar que o credor verifique o estado do objeto, devolvendo-o em caso de inadimplência a além de permanecer na condição de devedor da obrigação no caso de o resultado da venda não alcançar o valor do financiamento. Já o credor fiduciário tem diversos direitos, destacando-se o direito de propriedade sobre o objeto assim como a posse indireta sobre o mesmo, reivindicar o

20 bem em caso de inadimplência, mover ação de depósito, defender o bem por meio de embargos de terceiros, propor ação de busca e apreensão e possessória. Tem ainda o fiduciário o direito de considerar toda a dívida vencida em caso de inadimplência de uma das prestações, pedir reintegração de posse e de obter a restituição do bem em caso de insolvência do fiduciante. São, contudo, obrigações do credor fiduciário a de conceder o financiamento, empréstimo ou entrega do bem a que se obrigou, permitir o uso do objeto por parte do devedor fiduciante, restituir o domínio do bem assim que for quitada a dívida, entregar o saldo da venda do bem ao devedor, em havendo, e ressarcir perdas e danos quando se negar a receber os pagamentos. Por derradeiro, quanto aos caracteres da alienação fiduciária verifica-se que a sua extinção pode ocorrer com a cessação da obrigação originária, perecimento do objeto, renúncia do credor, adjudicação (somente judicial), remição, arrematação ou venda extrajudicial, desapropriação e implemento de condição resolutiva. Verifica-se pelas características acima que com a introdução do instituto da Alienação Fiduciária no ordenamento jurídico brasileiro não teve o legislador somente a intenção de criar mais um negócio jurídico, mas com certeza, pelos específicos regramentos cabíveis a esse instituto, buscou-se dar maior agilidade e segurança a esse importante meio de aquisição de bens e conseqüentemente de circulação de riquezas, que em muitos casos é a única forma para realização de negócio envolvendo fornecedor e consumidor. 1.3. A Ação de Busca e Apreensão e Seu Procedimento De pouca valia teria a instituição no direito pátrio do instituto da alienação fiduciária em garantia, se não houvesse efetiva disposição acerca da resolução do contrato, especialmente em caso de inadimplência do devedor. Ora, se justamente para disponibilizar crédito de forma mais eficiente e ao mesmo tempo permitir a recuperação de referido crédito em caso de inadimplência do devedor é que foi criado o instituto da alienação fiduciária, não faria sentido a sua

21 existência se a lei não estabelece em procedimento eficiente de recuperação de crédito em face de inadimplência do devedor. Há que ser lembrado que a possibilidade de recuperação do crédito se torna bastante atrativa para o credor, que estando garantido de forma mais efetiva acaba tendo mais um atrativo para a disponibilização de crédito através de cláusula de alienação fiduciária, sabidamente menos oneroso do que aquele garantido de forma pessoal. Para facilitar a empreitada de recuperação do crédito, em caso de inadimplência do devedor foi colocado à disposição do credor fiduciário ação para a execução do contrato, que inicialmente foi interpretada de diversas formas, posto que o parágrafo 2º do artigo 66 da Lei 728/65 não dispunha de uma redação clara. Havia quem interpretasse como sendo ação reintegratória, outros viam a ação cabível para a recuperação do crédito como sendo a reivindicatória, tendo interpretações favoráveis até para a ação de imissão de posse. Tais dúvidas restaram definitivamente dirimidas com a entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 911/69, que instituiu a ação de busca e apreensão no ordenamento jurídico pátrio, prevendo expressamente o procedimento a ser tomado em caso de inadimplemento dos contratos garantidos por cláusula de alienação fiduciária. Dispôs o referido Decreto-Lei, em seu artigo 3º, que poderá o proprietário fiduciário requerer contra o devedor a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, requerimento este que será deferido liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor. A mora decorrerá do vencimento do prazo para o pagamento, que se comprovará através de notificação, a ser entregue por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo simples protesto do título. Característica importante da Ação de Busca e Apreensão é o chamado direito de seqüela, que nesse caso é a possibilidade de o credor apreender o objeto do contrato mesmo que se encontre na posse de terceiros, conquanto que o referido

22 contrato esteja registrado em Cartório de Títulos e Documentos, conforme a redação expressa do 1º do art. 66 da Lei 4.728/65 que segue abaixo: 1º. A alienação fiduciária somente se prova por escrito e seu instrumento, público ou particular, qualquer que seja o seu valor, será obrigatoriamente arquivado, por cópia ou microfilme, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do credor, sob pena de não valer contra terceiros, e conterá, além de outros dados, os seguintes: a) o total da dívida ou sua estimativa; b) o local e a data do pagamento; c) a taxa de juros, as comissões cuja cobrança for permitida e, eventualmente, a cláusula penal e a estipulação de correção monetária, com indicação dos índices aplicáveis; d) a descrição do bem objeto da alienação fiduciária e os elementos indispensáveis à sua identificação. A ação de busca e apreensão prevista no Decreto-Lei 911/69 não tem caráter preparatório, ou seja, não depende de qualquer ação posterior, ao contrário do que ocorre com as chamadas ações de busca e apreensão normalmente, que se enquadram no procedimento cautelar. Tal disposição é expressa no texto do 6º do art. 3º do Decreto-Lei 911/69, que dispõe que A busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior. O procedimento cautelar comum tem pressupostos específicos como o periculum in mora e o fumus boni iuris, que se traduzem na possibilidade de risco ao direito pretendido em caso de demora no provimento judicial, além de efetiva verossimilhança do pleito, que presentes exigem a concessão inquestionável da tutela pretendida. Já a busca e apreensão prevista no referido decreto-lei é sem dúvidas menos burocrática, tendo como requisito apenas a comprovação inequívoca da mora, o que inegavelmente a torna mais fácil de ser concedida. Tal procedimento é resultado da preocupação do legislador em dar maiores garantias ao credor fiduciário, que poderá requerer a tutela jurisdicional de forma muito mais efetiva.

23 Assim, conclui-se que a busca e apreensão de bem objeto de contrato garantido por cláusula de alienação fiduciária trata-se na verdade de processo absolutamente desvinculado a qualquer outro, tendo disciplina jurídica própria. Veja-se que a sentença de mérito nessa ação de busca e apreensão já basta, em princípio, para consolidar a propriedade do bem objeto do contrato ao credor, sem necessidade de qualquer outro provimento judicial, o que torna muito mais efetiva a prestação jurisdicional sob o aspecto da necessidade de recuperação do crédito inadimplido. Há que se destacar que em não havendo nesse caso o pacto comissório, que é a possibilidade de avocação do bem pelo credor para saldar a dívida, e em prevendo a legislação a venda do bem para a satisfação do crédito, pode acontecer que o resultado da venda judicial não alcance o valor da dívida, especialmente para a inadimplência que acontece no início do contrato. devedor. Em referida situação é fato que poderá o credor cobrar a diferença do Pois bem, sob esse segundo débito efetivamente não há garantia real, posto que aquela que havia já foi vendida para assegurar o débito principal. E nesse ponto não há que se falar em renúncia a eventual garantia fidejussória, sendo certo que desde que se dê ciência ao fiador que se procederá a alienação do bem, poderá esse efetuar o pagamento, se sub-rogando na garantia real. Portanto, sendo ineficaz a garantia real, posto que insuficiente, é fato que o credor poderá utilizar-se das demais garantias, ainda que tiver preterido a fidejussória em face da real. Há que se notar nesse ponto haver corrente bastante forte no sentido de não ser possível a utilização da garantia fidejussória quando já utilizada a real, a qual limitase apenas a cita-la, posto que não é objeto do presente. A ação de busca e apreensão para a execução de contrato garantido com cláusula de alienação fiduciária, conforme já explanado, teve sua inserção definitiva no direito pátrio com a entrada em vigor do Decreto-Lei 911/69, momento a partir do qual

24 houve a definitiva resolução da celeuma em torno qual processo estava à disposição do credor fiduciário para o caso de inadimplência do devedor. Com um procedimento muito célere em comparação com a maioria dos procedimentos judiciais conhecidos, verifica-se na ação de busca e apreensão sob comento uma efetiva proteção à recuperação do crédito, posto que dispõe o credor de um meio bastante efetivo de obter definitivamente a propriedade do bem. E os requisitos para se obter a busca e apreensão do bem são restritos, devendo primeiramente o credor comprovar a mora do devedor. Segundo a redação do art. 2º do Decreto-Lei 911/69 em seu 2º, A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento o poderá ser comprovada por carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor. Veja-se que o texto legislativo não faz maiores restrições à comprovação da mora, para a qual bastará simples carta registrada por Cartório ou simplesmente o protesto. No entanto, a comprovação da mora é imprescindível para a ação do busca e apreensão, havendo entendimento emanado do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido, expresso que está no texto da súmula 72, em que se constata que A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente. E tal imposição legal é plenamente justificável, uma vez que efetivamente a mora e/ou inadimplemento das obrigações assumidas dão ao credor o direito de considerar totalmente vencido o contrato. Assim, há que se considerar salutar a necessidade de comprovação da mora de forma eficiente. Ponto importantíssimo a ser destacado é o mandamento normativo no sentido de obrigatoriamente a busca e apreensão ora referida ser concedida liminarmente.

25 Primeiramente no tocante à liminar da Ação de Busca e Apreensão sob comento, verifica-se que a mesma não detém os mesmos requisitos daquela apresentada no processo civil comum. No processo civil depende a concessão de liminar da comprovação do fumus boni juris e do periculum in mora, que de maneira geral seria a verossimilhança do direito do requerente, bem como do perigo de que se reveste a demora na prestação jurisdicional solicitada. Já no caso da busca e apreensão prevista no artigo 3º do Decreto-Lei 911/69, verifica-se que sequer essas restrições são feitas, devendo o magistrado conceder o pleito após simples análise da mora ou inadimplemento. O destaque vai para o fato de que deve o juiz conceder, não se permitindo qualquer outra análise. Comprovada a mora defere-se a busca e apreensão. Há que se perceber, que em ambos os casos, seja o do Decreto-Lei 911/69, seja os previstos para as demais liminares faz o magistrado um juízo precário da causa, deferindo-a sem audiência da parte contrária. Contudo, o procedimento previsto para a inadimplência do contrato garantido com cláusula de alienação fiduciária é ainda muito mais célere. Significa que, efetivamente, não há por parte do julgador um juízo profundo sobre a causa, bastando verificar-se os critérios objetivos estabelecidos pela lei, que na prática se resumem à comprovação da mora, suficiente que é para deflagrar a concessão da liminar. Uma simples análise do texto contido no caput do art. 3º do Decreto-lei 911/69 pode indicar nesse ponto uma ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa, o que, no entanto, não é o caso. O fato de ser a medida concedida liminarmente, em juízo de cognição sumária e inaudita altera pars não atenta de forma alguma contra qualquer princípio de direito, quer na esfera constitucional, quer na esfera infraconstitucional.

26 Ora, é da própria essência do direito prever procedimentos judiciais mais eficazes para se elidir a demora processual, fato público e notório no poder judiciário brasileiro. Aliás, referida demora poderia tornar absolutamente inviável a adoção de contrato garantido por cláusula de alienação fiduciária, uma vez que o crédito é posto à disposição do devedor imediatamente, verificando-se razoável prejuízo ao credor a inadimplência. Assim, não é no caput do artigo 3º que se encontra qualquer possibilidade de ofensa ao princípio de contraditório e ampla defesa, mas sim no 2º, conforme se verá adiante no momento oportuno. Continuando o entendimento acerca do procedimento adotado pelo Decretolei 911/69 para a ação de busca e apreensão, segundo o 1º do art. 3º, após despachada a inicial e executada a liminar, será citado o réu para, em três dias apresentar contestação ou, se já tiver pago 40 % do valor financiado, requerer a purgação da mora. Novamente merece destaque a celeridade do procedimento adotado, especialmente quando se verifica dois aspectos. O primeiro é a possibilidade de defesa apenas após executada a medida liminar, ou seja, a busca e apreensão. Apesar de se verificar diversos atos, quais sejam, busca, apreensão, citação e defesa, devido a imediatabilidade com que os dois primeiros acontecem, praticamente ao mesmo tempo, verifica-se efetivamente a celeridade processual. É bastante notório o fato de que a forma como se procede de acordo com o texto do 1º do Decreto-Lei 911/69 é bastante favorável ao credor, que antes de qualquer manifestação do devedor já se vê na posse do bem em discussão. A partir da busca e apreensão já sente o devedor os efeitos do procedimento previsto na lei, vez não ser mais possível a utilização do bem antes mesmo de produzir qualquer defesa, para o qual reserva a lei o momento adequado.

27 Vale ressaltar ainda a possibilidade de o devedor purgar a mora em caso de já haver pago 40% do valor financiado, situação bastante debatida na jurisprudência. Ocorre que a purgação da mora, segundo o Decreto-Lei 911/69, poder ser realizada somente quando pago 40% do valor financiado, contudo, a doutrina e jurisprudência apontam para a possibilidade de a purgação ocorrer quando pago quantia menor, o que não vem ao caso no presente, sendo aludido apenas a título de ilustração. Chama a atenção a necessidade de ter que optar o devedor entre contestar, com as limitações que se verá adiante, ou então purgar a mora, não permitindo o texto legal a utilização de ambos os institutos. Mas é no 2º do artigo art. 3º que se encontra verdadeiramente o problema a que se propõe o presente. Isso porque o referido texto legal prevê que Na contestação só se poderá alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais. É nesse momento que se verifica uma séria limitação ao direito do suposto devedor, vez que suas possibilidades de defesa ficam adstritas a elementos cuja efetividade pode ser nenhuma, dependendo do caso concreto. Há uma série de possibilidades de defesa a justificar a eventual inadimplência do devedor, mas que estão impossibilitados de serem demonstrados pelo texto da lei. Contudo, por se tratar de tema central do presente, limita-se a fazer referência ao mesmo, que será abordado em momento oportuno. Continuando a análise do procedimento adotado para a busca e apreensão prevista para a recuperação do crédito em caso de inadimplência por parte do devedor, verifica-se o que ocorrerá acaso opte o mesmo por purgar a mora. A faculdade de purgação da mora é prevista no parágrafo 1º do art. 3º, mas encontra no 3º sua disciplina, onde expressamente se encontra a seguinte redação: 3º. Requerida a purgação da mora tempestivamente, o juiz marcará data para o pagamento, que deverá ser feito em prazo não superior a dez dias,

28 remetendo, outrossim, os autos ao contador para cálculo do débito existente, na forma do artigo 2º e seu 1º. Pela redação do texto legal fica evidente a necessidade de cumprimento do prazo para a purgação da mora, que no caso é de 3 (três) dias, mesmo prazo dado para a contestação. Deve, portanto, o Requerido optar por purgar a mora ou por contestar, sendo que na escolha por um dos procedimentos preclui o outro. Novamente salienta o texto legal a divisão de atos determinada pela lei, mas que contudo, não compromete a celeridade processual. Isso porque, o juiz marcará data para o pagamento, que deverá ser efetuado em dez dias, conforme cálculos realizados pela contadoria. É claro que conhecendo um pouco a realidade do Brasil, não é necessário tanto esforço para se perceber que o prazo apontado legalmente dificilmente vai ser cumprido, haja vista o excesso de processos que passam também pela contadoria judicial. Mas de qualquer forma, no papel, tudo deve ocorrer em 10 (dez) dias. Vale destacar também, que o débito a ser apontado pela contadoria deve ser acrescido de taxas, cláusula penal e correção monetária, quando expressamente convencionados pelas partes. Convém salientar nesse momento, é a ausência de previsão no texto legislativo, de intimação da parte. Verifica-se do texto que o Réu requererá a purgação, o juiz verificará os requisitos e deferirá ou não. Após, em caso positivo o despacho judicial, serão os autos remetidos para a contadoria para a realização dos cálculos, sobre os quais em tese não caberia qualquer intimação. Contudo, cuidado deve-se ter ao observar a redação do referido decreto-lei, posto que medida mais salutar parece se inclinar no sentido de dar-se vistas às partes sobre os cálculos apresentados, bem como até sobre o pedido de purgação da mora, que na prática muitas vezes já vem acompanhado até de cálculos pelo devedor, que antevê o que entende devido.

29 Aliás, entendimento jurisprudencial bastante forte se inclina no sentido de que para nos cálculos de purgação da mora devem estar incluídos os honorários, o que não está previsto no Decreto-lei 911/69, já indicando a necessidade de intimação da parte, em que pese o fato da demora desse ato tornar o próprio calculo inócuo, pois poderá estar completamente desatualizado quando da ciência da parte. Por derradeiro nesse ponto, é fato que os dois atos possíveis, quais sejam, contestar ou purgar a mora tratam-se de atos alternativos, em que a consumação de um implica na imediata preclusão do outro. No parágrafo 4º do art. 3º do referido decreto-lei já se verifica a previsão para o caso de ausência de purgação da mora e contestada ou não a ação, em que o juiz dará a sentença em 5 (cinco) dias após o prazo para a defesa. Novamente o destaque é a celeridade do procedimento, verificado pelo prazo que tem o juiz para a prolação da sentença, que é de 5 (cinco) dias. O parágrafo 5º do art. 3º, por tamanha curiosidade que desperta também será transcrito para posteriormente ser comentado, Esse é o seu texto: 5º. A sentença, de que cabe apelação, apenas, no efeito devolutivo, não impedirá a venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente e consolidará a propriedade e a posse plena e exclusiva nas mãos do proprietário fiduciário. Preferida pelo credor a venda judicial, aplicar-se-á o disposto nos artigos 1.113 a 1.119 do Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 27.12.1973) A intenção do legislador da época era tamanha em defender os interesses do credor, que sequer previu a possibilidade de a ação ser indeferida, fazendo referência somente à procedência da ação. Veja-se que há matérias a serem alegadas em defesa, as quais, em matéria de sentença passaram desapercebidas, conforme comentários a serem realizados no momento oportuno. Da sentença, como não poderia deixar de ser, caberá apelação, contudo, apenas no efeito devolutivo, ou seja, o bem não é devolvido ao devedor, tão pouco é

30 limitado o poder do credor sobre o objeto, cuja propriedade e posse plena são deferidos. Nesse contexto fica o credor autorizado a vender o bem, o que se torna muito temerário, tendo em vista as diversas dificuldades que encontrará o devedor para reavê-lo em caso de reversão da decisão posteriormente, uma vez que há possibilidade de recurso. Ponto bastante polêmico no que tange ao procedimento previsto no Decreto- Lei 911/69 diz respeito à possibilidade de se converter o procedimento inicialmente previsto para a ação de busca e apreensão. seguinte redação: Tal previsão é esculpida no 4º do artigo 3º do referido decreto, que tem a Art. 4º. Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 6.071, de 03.07.1974) O texto legal sob comento encontra diversas interpretações, havendo favoráveis à conversão, interpretando como recepcionada pela vigente constituição federal, bem como desfavoráveis, contudo, vale somente o registro das duas correntes, posto que não é objeto específico do presente. Destaque importante merece o art. 5º do Decreto-lei 911/69, em que se contra disposição expressa acerca da possibilidade de ação executiva, e até de ação com o mesmo procedimento daquelas de executivo fiscal. Nesse caso, ao invés da prisão do devedor, que nenhum efeito sob o ponto de vista financeiro teria se realmente tivesse sido extraviado o bem, optaria o credor pela via executiva, mais propensa à recuperação do crédito posto à disposição do devedor. Destaca-se também, que não se aplicam aos casos submetidos ao procedimento sob comento as disposições do Código de Processo Civil contidas no artigo 649 incisos VI e VIII. Na prática significa que até os instrumentos necessários e