Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2006 maio-ago; 18(2)189-94 ESTUDO DO COMPORTAMENTO DE ENXERTO ÓSSEO COM MATERIAL DOADOR OBTIDO DOS BANCOS DE TECIDOS MÚSCULO-ESQUELÉTICOS STUDY OF BONE GRAFT BEHAVIOUR WITH BANK DONATOR MATERIAL OF MUSCLE-ESKELETAL TISSUES Ricardo Antonio Del Valle * Marcelo Luiz de Carvalho ** Marta Riesco Gonzalez *** RESUMO O avanço da Implantodontia trouxe a necessidade da utilização de enxertos ósseos na mandíbula e maxila, adequando-as à colocação dos implantes dentários. O osso a ser enxertado pode ser autógeno, homógeno, heterógeno e aloplástico. O de melhor resultado é o enxerto autógeno, embora apresente as desvantagens do aumento do tempo cirúrgico, morbidade do local doador, lesões vásculo-nervosas e infecções. Como alternativa há o osso homógeno, captado, tratado e armazenado pelos Bancos de Tecidos Músculo-esqueléticos. O objetivo deste estudo é o de comparar este último tipo de osso com aquele, nas cirurgias reconstrutivas de maxila, com finalidade implantodôntica. DESCRITORES: Transplante ósseo - Banco de ossos ABSTRACT The implantology progress brought the necessity to make bone graft in mandibula and maxila fitting them to the placement of dental implants. The bone that will be grafted can be autogenous, homogenous, heterogenous and alloplastic. The one with better results is reached with the autogenous bone grafts, althoug offer disadvantage in the increase of the surgical duration area, nervous injuries, muscles injuries and infections. As alternative there is the homogenous bone with drawn, cared and stored for bone bank tissues. The purpose of this study is the establishment of comparation of autogenous bone with homogenous bone in reconstructives surgeries of maxila, with the purpose of implantology. Descriptors: Bone Transplantation - Bone Banks * Mestrando em Ciências da Saúde do Curso de Pós-Graduação do Hospital Heliópolis - HOSPHEL/São Paulo. ** Especialista em Implantodontia *** Doutora em Periodontia 189
INTRODUÇÃO A evolução da Implantodontia na última década trouxe consigo a necessidade da utilização de técnicas de aumento dos rebordos ósseos maxilares, receptores dos implantes dentários, através de enxertos ósseos e procedimentos para sua expansão (Segundo 7 2000) Dentre esses procedimentos visando o ganho de tecido ósseo, em altura e espessura, o enxerto ósseo é o mais utilizado (Aracil et al. 1, Kuabara 8,, 2001, Stuani 15 2000). Os enxertos, quanto à sua origem, podem ser autógenos quando obtidos do mesmo indivíduo, sendo este receptor e doador; isógenos quando obtidos de outro indivíduo com mesma carga genética; homógenos quando obtidos de indivíduos diferentes com carga genética diferente, porém da mesma espécie e os heterógenos que são obtidos de outras espécies (Rondinelli et al. 10, 1994) Dentre esses tipos de ossos utilizados nas enxertias, o autógeno é o mais compatível e o que mostra melhores resultados. As áreas doadoras mais abordadas pela Odontologia na obtenção de fragmentos ósseos para enxertia são a do mento, região retromolar, túber da maxila, crista do osso ilíaco e calota craniana (Kuabara 8, 2001). A cirurgia de remoção de fragmentos ósseos para os enxertos autógenos é seguida de alguma morbidade nos sítios doadores, como hematomas, edemas, infecções, lesões vásculo-nervosas, além do aumento do tempo cirúrgico (Garcia e Fiofillofi 5, 1996; Rondinelli et al. 10, 1994; Stefani et al. 14, 1989). Como alternativa, temos os homo-enxertos, obtidos de indívíduos da mesma espécie, que já são utilizados em Medicina, principalmente em áreas que requeiram grande quantidade de material para enxertia. Esses enxertos podem trazer riscos como os da transmissão de doenças, reações imunológicas e infecções (Garcia e Fiofillofi 5, 1996). Para diminuir esses riscos, os principais hospitais criaram os Bancos de Tecidos Músculo-esqueléticos, objetivando a obtenção, processamento, armazenagem e seleção dos tecidos doados. Os fragmentos ósseos captados pelos Bancos de Ossos vêm de dois tipos de doadores: os mortos que são doadores de múltiplos órgãos e os doadores vivos que perdem algum membro por amputação, colocação de prótese femural e artroplastias, por exemplo. A obtenção desses fragmentos obedece a rigorosas técnicas de assepsia, rotulagem, culturas, tratamento e congelamento a - 70º Celsius (Defino et al. 4, 1991; Rondinelli et al. 10 ; Roos et al. 11, 2000) Os ossos mais utilizados para retirada de blocos para enxertia são os úmeros, rádios, ulnas, fêmures, tíbias, ilíacos e fíbulas 5. A exclusão de doadores se dá pela presença de doenças como a AIDS, hepatite, sífilis, tuberculose, micoses ósseas, doenças metastáticas, envenenamento, grandes queimaduras, respiração assistida por longo tempo, usuário de drogas entre outras (Defino et al. 4, 1991; Garcia e Fiofillofi 5 ; Rondinelli et al. 10,1996; Roos et al. 11, 2000). No Brasil os Bancos de Tecidos Músculo-Esqueléticos obedecem às normas contidas na Portaria nº 1686 de 20 de setembro de 2002, do Ministério da Saúde. De acordo com ela, os Bancos de Ossos devem manter uma rotina laboratorial com coleta de 20ml de sangue do provável doador, para com ele proceder aos exames de VDRL, amplificação e detecção de ácidos nucléicos para HIV e HCV; anti-hbc, HbsAg; doença de Chagas; anti-htlv I e II; toxoplasmose e CMV. Após a esqueletização, as peças devem ser acondicionadas em embalagens plásticas triplas, seladas uma a uma a vácuo para ultracongelamento e esterilização. Contém uma etiqueta irretocável com o número do doador, identificação do tecido, data e lote da retirada e validade (Figura 1). Figura 1 Embalagem do fragmento ósseo Até o final da elaboração deste artigo, somente dois Bancos de Tecidos Músculo-Esqueléticos estavam autorizados a funcionar, a saber, Banco de Tecidos Músculo-Esqueléticos do Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia do Rio de Janeiro e Banco de Tecidos Músculo-Esqueléticos do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. 190
Figura 4 Bloco adaptado ao leito receptor Figura 2 Bloco ósseo Figura 5 Bloco recoberto por P.R.P. Figura 3 Adaptação do bloco ósseo Relato do caso clínico Exame clínico Paciente do sexo masculino, com 51 anos de idade, apresentando ausência dos dentes 11 e 12, com migração mesial dos dentes 13 e 21. À palpação revelou falta de espessura do rebordo alveolar na região, resultado da perda da tábua óssea vestibular por ocasião da exodontia. Era portador de prótese parcial fixa acrílica adesiva temporária, em substituição aos dentes ausentes. Exame radiográfico Figura 6 Implante colocado 191
Os exames radiográficos constaram de radiografia panorâmica (ortopantomografia) e radiografia periapical regional. Elas evidenciaram pouca espessura pálato-vestibular do rebordo ósseo nas regiões dos dentes 11 e 12, o que contraindicava a colocação de implantes dentários, por risco de fenestração vestibular da tábua óssea vestibular. Tratamento O tratamento proposto foi o de enxertia óssea na região, com osso do tipo homógeno, obtido do Banco de Tecidos Músculo-Esqueléticos do Hospital de Clínicas da Universidade do Paraná. A característica morfo-histológica do bloco ósseo era bicortical com medular interna, retirado da crista do osso ilíaco, medindo 27x17x9 milímetros, tendo sido processado em 30.01.2004 e recebido os antibióticos Vancomicina e Polimixina B. Esse fragmento ósseo recebeu o número CO3 /11 HDBD#03 (Figuras 2 e 3). A incisão no local, feita palatinamente à crista gengival, recebeu duas incisões relaxantes na região distal do dente 13 e mesial do dente 22. Após o descolamento muco-periostal do retalho, esculpimos o bloco ósseo, adaptando-o ao leito receptor de forma mais íntima possível, de modo a propiciar o maior contato com o osso hospedeiro. Essa escultura foi feita com micro serra tipo reciprocante e broca especiais para osso, esféricas e piriformes. Após a escultura o bloco mediu 16x13x7 milímetros. Para uma melhor adaptação, fizemos um corte horizontal não completo no bloco, na região mediana, de modo a poder curvá-lo. Após procedermos a perfurações ósseas no leito receptor com brocas esféricas laminadas, imobilizamos o fragmento através de osteossíntese com 02 parafusos de 1,5 milímetros de diâmetro e 11 milímetros de comprimento, promovendo um enxerto do tipo on-lay (Figura 4). Todo enxerto foi recoberto com osso particulado, triturado do mesmo bloco usado na enxertia, amalgamado ao Plasma Rico em Plaquetas, processado minutos antes do início da cirurgia, sendo a ferida cirúrgica suturada com fio de seda 3.0 (Figura 5). Três meses após a enxertia, houve exposição do parafuso de osteossíntese de posição mais cervical, e na sua remoção constatamos a formação de tecido fibroso entre o fragmento enxertado e o leito receptor, somente nessa região, tendo sido removido. Após 5 meses da enxertia, colocamos um implante do tipo Standart, de hexágono externo, na medida de 3,75x10 milímetros, e o recobrimos com membrana óssea reabsorvível por ter havido fenestração óssea vestibular cervical na sua colocação. A ferida cirúrgica foi suturada com fio de seda 4.0 (Figura 6). DISCUSSÃO A maxila é dividida em zona I (anterior) e zona II (posterior) Zarb e Schimit 16, 1996. Na zona I é comum encontrar-se a altura do rebordo alveolar preservada e reabsorção do mesmo no sentido antero-posterior, impossibilitando a colocação de implantes dentários, por risco de fenestração de toda tábua óssea vestibular. Para restabelecer a arquitetura necessária à implantação, é comum recorrer-se a enxertos ósseos nessa região (Aracil et al. 1, 2003; Mazonetto et al. 9 2000; Schwartz et al. 12 1998; Seto e Novaes 13, 1998). Como alternativa aos enxertos autógenos, surgiu o uso dos homógenos (Chagas et al. 2, 1993; Garcia e Fiollofi 5, 1996; Seto e Novaes 13, 1998). Esse tipo de osso apresenta as vantagens de não apresentar morbidade na área doadora, quantidade ilimitada para uso, diminuição do tempo operatório, ausência de cicatriz e diminuição das complicações relativas à cirurgia da área doadora (Garcia e Fiollofi 5, 1996; Rondinelli et al. 10, 1994). As principais desvantagens do enxerto com osso homógeno são a maior imunogenicidade, menor capacidade de osteogênese e osteoindução, consolidação mais lenta, possibilidade de transmissão de doenças e maior taxa de infecção (Garcia e Fiollofi 5, 1996; Rondinelli et al. 10, 1994). Autores concluiram (Aracil et al. 1, 2003;, Chagas et al. 2, 1993; Chanavaz 3, 1996) que o uso do enxerto homógeno, processo de integração e resultados a longo prazo foram semelhantes aos obtidos com osso autógeno. Nossa experiência de 12 anos nas enxertias com osso autógeno nos levam a discordar dessa conclusão. Notamos a princípio, que o bloco de osso homógeno tem textura diferente, sendo mais macia ao toque e ao corte. A reabsorção desse tipo de osso, pela remodelação do bloco, mostrou-se maior, se comparada ao do osso autógeno, indicando que se dele nos utilizarmos, deveremos usar fragmentos maiores e mais espessos, para compensar essa maior reabsorção. Concordamos com os autores que dizem servir os enxertos como um arcabouço, com propriedades osteocon- 192
dutoras e osteoindutoras, onde ocorrerá formação óssea após reabsorção parcial e remodelação do material enxertado (Kalb e Villa 6, 1992; Rondinelli et al. 10, 1994).. Nos enxertos com material homógeno, se comparados aos autógenos, a capacidade de revascularização é mais lenta e a união entre o leito receptor e o enxerto é obtida de forma não uniforme (Kalb e Villa 6, 1992; Rondinelli et al. 10, 1994). Os enxertos homógenos usados em cirurgias são obtidos a partir de Bancos de Tecidos Músculo-Esqueléticos, onde aplicam técnicas adequadas para captação, triagem clínica, laboratorial, sorológica, coleta, identificação, processamento e estocagem. Até o ano de 2002, a maioria dos Bancos de Ossos seguia as orientações da American Association of Tissue Banks. A partir de 20.09.2002, o Ministério de Estado da Saúde aprovou a portaria nº 1.686 autorizando, regulamentando e orientando o funcionamento dessas instituições. A captação tem início com a seleção do doador, vivo ou cadáver, de quem se realiza uma anamnese, e se um ítem desta for positivo o doador é excluído. A maioria dos Bancos de Ossos faz a seleção excluindo doenças contagiosas, neoplasias, irradiados, doenças sistêmicas e usuários de drogas (Defino et al. 4, 1991; Garcia e Fiofillofi 5 ; Rondinelli et al. 10,1996; Roos et al. 11, 2000). Nenhum deles, no entanto, apresenta critérios de exclusão tão complexos quanto preconiza a portaria nº 1.686. CONCLUSÃO O osso mais indicado para enxertia é o autógeno, e uma alternativa para sua substituição é o osso homógeno. Suas características a longo prazo têm resultados semelhantes, embora a enxertia com osso homógeno tenha um índice de reabsorção maior. Embora existam desvantagens no uso do osso homógeno, a portaria do Ministério da Saúde que regulamenta os Bancos de Ossos no Brasil propicia segurança ao seu uso pelos rígidos critérios que devem ser observados na captação desse tipo de osso. Há necessidade de maiores estudos sobre este assunto, principalmente quando voltados à Implantodontia, pois ainda não se tem um conhecimento sólido e confiável quanto às melhores áreas doadoras a serem utilizadas para enxertia da maxila e mandíbula. 1 Aracil L, Rodrigo D, Alonso A, Blanco J, Sanz J. Utilização de osso congelado proveniente de bancos para enxertos prévios à colocação de implantes ósseo-integrados estudo prospectivo de 3 anos (resultados clínicos e histológicos). (aula na internet) In: Congresso ibérico I.T.I. Lisboa. 2003 [acesso em 2004]. Disponivel em: http://www.bancodeosso. com.br/casos_uni.html. 2 Chagas AM, Camisa Jr A, Dozza PR, Roos MV. O enxerto ósseo homólogo de banco em cirurgia de revisão com prótese total de quadril não cimentada. Rev Bras Ortop l993 maio; 28 (5) 309-14. 3 Chanavaz M. Sinus graphiting related to implantologhy. Statistical analysis of 15 years of surgical experience. (1979 1994). J Oral Implantol 1996; 22 (2): 119-30. 4 Defino HL, Castro CHFD, Balliari E, Cabral NC, Paccolla CAJ, Xavier C. Banco de osso: organização e utilização clínica no Hospital das Clínicas da F.M.R.P. U.S.P. Rev Bras Ortop 1991 mar; 26 (3): 61-6. REFERÊNCIAS 5 Garcia RJ, Feofillof ET. Técnicas de obtenção, processamento, armazenamento e utilização de homoenxertos ósseos, protocolo do Banco de Ossos da Escola Paulista de Medicina. Rev Bras Ortop 1996; 31 (11): 895-903. 6 Kalb J, Vila A. Aloinjerto almacenado, su aplicación en 45 pacients. Un modelo de planeación, montaje y experimentación de banco de huejo. Rev Colomb Orthop Traumatol 1992; 6(2): 107-24 7 Segundo TK. Avaliação dos enxertos ósseos e homólogos utilizados em implantodontia. RGO 2000 out/dez; 48 (4): 217-22. 8 Kuabara MR. Avaliação clínica de enxertos ósseos autógenos de crista ilíaca em maxilas atróficas para instalação de implantes osseointegrados. [Dissertação]. Araçatuba: Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista, 2001. 193
9 Mazzoreto R, Passeri LA, Moreira RWF, Silva LS. Avaliação da eficácia de enxertos de sínfise mandibular na reconstrução de defeitos ósseos em região anterior de maxila: estudo por meio de tomografia convencional linear. Rev Bras Implant 2000 jan/mar; 6 (1): 19-22. 10 Rondinelli PC, Cabral FP, Freitas EH, Penedo JL, Leite JER, Silveira SLC. Rotina do banco de ossos do Hospital de Traumato Ortopedia do Rio de Janeiro. Rev Bras Ortop 1994 jun; 29 (6): 385-8. 11 Roos MV, Michelin AF, Camisa Jr A. Procedimentos de um banco de ossos e aplicabilidade dos enxertos por ele proporcionados. Acta Ortop Bras 2000 jul/ set; 8 (3):122-7. 12 Schwartz Z, Somers A, Mellonig JT, Carnes JrDL, Dean DD, Cochran DL et al. Ability of comercial desmineralized freeze-dried bone allograft to induce new bone formation is dependent on donator age but not gender. J Periodontol 1998 Apr; 69 (4): 470-8. 13 Soto C, Navas J. Banco de huesos y tejidos.fundación Cosme y Damián. Rev Colomb Ortop Traumatol 1998 Ago; 12 (2): 124-28. 14 Stefani AE, Oliveira LFM, Fernandez P. Banco de osso: um método simplificado. Rev Bras Ortop 1989 mar; 24 (3): 66-72. 15 Stuani MBS. Indução experimental de ossificação com enxerto de hidroxiapatita, osso liofilizado e autógeno. [Tese]. Rio de Janeiro. Faculdade de Odontologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2000. 16 Zarb GA, Schmitt A. The longitudinal clinical effectiveness of osseointegrated dental implants in anterior partially edentulous patients. Int J Prosthodont 1993 mar/apr; 6 (2): 180-8. Recebido em: 31/01/2005 Aceito em: 13/02/2006 194