Palavras-chave: práticas educacionais; presença religiosa; escolas municipais de Niterói.



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Transcrição:

A PRESENÇA DA RELIGIÃO EM ESCOLAS MUNICIPAIS DE NITERÓI 1 Mariana dos Reis Santos Kaé Stoll Colvero Lemos Mestrado em Educação UFRJ Eixo 1: Pesquisa em Pós-Graduação em Educação e Práticas Pedagógicas (Pôster) RESUMO Essa pesquisa teve como objetivo a investigação da presença religiosa em escolas da Rede Municipal de Niterói, atentando para os aspectos curriculares, extracurriculares e subjetivos das práticas escolares cotidianas de educadores. Para isso, visitamos oito instituições de ensino e entrevistamos 15 profissionais de educação, entre diretores, coordenadores e professores, na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. Para a análise das entrevistas foi utilizada a teoria da Análise Crítica do Discurso, que possibilitou o reconhecimento das nuances e ambiguidades presentes nas falas desses sujeitos, direcionadas por determinadas relações de poder e de valores hegemônicos presentes no contexto escolar. Segundo informações da Secretaria de Educação, a Rede Municipal de Niterói não apresenta nenhuma lei, norma, portaria ou decreto que faça menção ao ensino religioso ou presença da perspectiva religiosa dentro das escolas do município. No entanto, a análise dos dados coletados permitiu concluir que existe uma grande resistência à laicidade no ambiente escolar, uma vez que a religião estaria atrelada ao aprendizado de valores sociais e morais como instrumento de naturalização de práticas confessionais. A pesquisa evidenciou a presença religiosa proselitista em todas as escolas analisadas, concretizada por meio de vias transversas, como símbolos religiosos dispostos nas salas de aula, comemorações de festas cristãs e demais ações pedagógicas do corpo docente. Palavras-chave: práticas educacionais; presença religiosa; escolas municipais de Niterói. INTRODUÇÃO A defesa da presença religiosa dentro da escola sempre é acompanhada da pressuposição maior de se abordar conteúdos curriculares envolvendo os princípios morais de ética e cidadania que se aproximam da religião. A tentativa de se encaminhar a juventude para determinadas práticas religiosas remete à proposição de redenção para a escolha de um bom caminho na vida, uma vez que isso propiciaria a solução para amenizar relações conflituosas 1 Essa pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2009, na Prática de Pesquisa Campo educacional e campo religioso: avanços e recuos na autonomização, sob a orientação do professor Dr. Luiz Antônio Cunha.

que têm sido freqüentes no cotidiano das escolas. Conforme Fairclough (2001, p.155), pressuposições são tomadas pelo produtor do texto como já estabelecidas ou dadas. Para identificarmos a presença religiosa nas escolas municipais de Niterói, rede de ensino que, oficialmente, não prevê o ensino religioso nos currículos, realizamos entrevistas com 15 dirigentes escolares e docentes, em oito escolas. As entrevistas foram guiadas pelas seguintes perguntas: Existe alguma forma de presença religiosa através da sua prática ou das práticas cotidianas da escola? Como você analisa a presença da religião nos espaços escolares? Existe algum conflito entre alunos ou funcionários sobre essa questão? De que forma são celebradas as datas comemorativas como Páscoa, Festa Junina e Natal dentro da escola? Como se aborda os conteúdos curriculares do Dia de Zumbi e das religiões de matriz africana na escola? Nessa pesquisa, observamos interpretações da necessidade da defesa dos valores como elemento de equilíbrio para as relações harmônicas entre o aluno e o professor ou, na maioria das vezes, utilizada como justificativa de se buscar através de ensinamentos religiosos a saída para comportamentos de indisciplina. Buscando justificar a falência da instituição escolar diante de relações conflituosas existentes envolvendo violência entre professores e alunos na atualidade, muitos dos profissionais de educação entrevistados acreditam que seja necessária uma abordagem dos conteúdos disciplinares, enfatizando a questão dos valores morais que possibilitem uma libertação espiritual ou padronização comportamental dos educandos, doutrinando os jovens a não tomar atitudes agressivas ou que sejam nocivas ao convívio no cotidiano escolar. Segundo Focault (1981, p.57), a disciplina é a própria (micro) física de poder, instituída para controle e sujeição do corpo, com o objetivo de tornar o indivíduo dócil e útil: uma política de coerção para o domínio do corpo alheio, ensinando a fazer o que queremos e operar quando queremos. 1 Valores: justificativa desesperada para a religião? Com base nas entrevistas realizadas, cujo objetivo era desvendar como a religião se faz presente nos espaços escolares da rede municipal de Niterói, apresentaremos as justificativas deterministas pronunciadas pelos entrevistados, que explicitam a realização de atividades presentes no contexto escolar, manifestadas através de conteúdos curriculares, rituais, simbologias, celebrações e posicionamentos subjetivos que se materializam concretamente no cotidiano escolar.

A escola tem que tratar de valores como ética, de diversidade e das diferenças. (Diretora da escola 1). Acho que a escola tem que colaborar com os princípios éticos e morais de forma interdisciplinar. (Supervisora da escola 3). Para os pequenos da tarde em que dou aula também aqui, eu já estou dando dicas de valores para eles seguirem um caminho bom. ( Professora da escola 2). Não é nenhuma evidência observar que a palavra valores foi utilizada em exaustão e de forma quase que ensaiada num consenso pedagógico de praticamente todos os depoimentos das profissionais da educação, o que nos permite analisar discursivamente que a palavra carrega diante de si mesma a responsabilidade maior da explicação desesperada em se difundir princípios religiosos dentro da escola pública, que se expressam não apenas na necessidade de defesa incessante de práticas confessionais, mas também como tentativa ingênua de se estabelecer relações harmônicas entre os educandos. Essa fratura exposta existente na estrutura escolar, aliada à ausência dessas referências de vida e da falta de acompanhamento familiar em grande parte das classes populares, associada ao abandono de políticas públicas da educação e de serviços humanos dentro dos próprios lares desses alunos, acaba por subsidiar a defesa desesperada de práticas confessionais dentro da escola. Nesse sentido, é relevante avaliar que a presença religiosa de uma maneira geral tenha encontrado formas camufladas de se inserir na escola pública sem levantar grandes polêmicas diante da própria aceitação das classes populares. O próprio nome do projeto Quem semeia, colhe, desenvolvido em uma das escolas analisadas, é algo crescente num discurso moralizante e declarando de que aquele que segue o bom caminho conquistará tudo que deseja. Essa idéia apresentada num projeto para crianças da modalidade de Educação Infantil apresenta uma carga bastante severa num contexto maniqueísta entre crianças de 3 a 6 anos, que ainda estão discernindo a atividade do brincar com o falar sério. Se levarmos em consideração que o verbo semear, também muito utilizado nos meios religiosos, nos remete a idéia de produção ou colheita, observaremos que o objetivo maior do projeto é formar desde cedo sujeitos religiosos, dóceis e obedientes aos padrões morais e adequados a uma escola 2 As contradições existentes nos depoimentos Segundo a última LDB o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão [...], assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa, vedadas qualquer forma de proselitismo. Entretanto, percebemos que as atividades cotidianas e as datas comemorativas envolvem um direcionamento religioso claro, justificado por rituais

letivos. As entrevistadas, desse modo, não inferiram nos seus discursos uma coerência lógica de acordo com as suas primeiras afirmações. Vejamos: Trabalho com datas comemorativas com as crianças. Na Páscoa, falo do coelhinho com as crianças por eles serem pequenos, mas não sigo a risca a questão da simbologia. Eu faço Pedagogia na UFF e o professor de Antropologia é muito contrário a essas questões de simbologia e eu acredito nisso também (Professora da escola 2). No depoimento, a professora explicita exemplos de atividades da sua prática e em seguida contraria qualquer prática curricular que enfatize a simbologia, fazendo um paralelo com a sua própria formação no curso de Pedagogia. Conclui-se, assim, que embora reconheça o equívoco da idéia das classificações folclóricas presentes no cotidiano escolar, verifica-se que aspectos teóricos da prática e a própria prática não caminham juntas na função docente da profissional. O depoimento se configura como preocupado em negar para o pesquisador que exista presença religiosa na escola, mas logo percebemos que as comemorações ditas ecumênicas acabam por reproduzir aspectos da religião católica e de outras religiões cristãs. As contradições e incoerências existentes nos demais discursos são aspectos que se apresentam claramente na própria descrição das atividades rotineiras, rituais e datas comemorativas do ano. Faz-se necessário uma reflexão sobre as formas de simbolismos e rituais que são propostos na escola de maneira naturalizada pela maioria de suas direções, sendo considerados como práticas sociais corriqueiras que não ferem a diversidade cultural de nenhum sujeito por serem consideradas universais como, a oração do Pai Nosso, falar de Deus e dos valores propostos por Jesus Cristo. O mais impressionante é que nenhum entrevistado falou sobre o respeito aos ateus nem aos agnósticos, que submersos nesse ambiente declarado de práticas religiosas não têm voz nem vez para exigir um espaço livre de dogmas e condutas religiosas. Parece costumeiro perceber que em grande parte do início do calendário letivo o corpo docente de determinadas escolas públicas seja convocado por suas direções a organizar datas comemorativas através de iniciativas que vão desde a confecção de símbolos para a decoração dos murais e paredes que representam a festa até a abordagem dos conteúdos disciplinares no interior da sala de aula. No entanto, ressalta-se também que essa abordagem recebe pouca reflexão crítica ou questionamento sobre a representação histórica daquela celebração ou das efemérides envolvidas na festa. Alguns desses preparativos se configuram dentro de uma ordem religiosa cristã, exercendo forte presença dentro do currículo oculto dessas datas de forma natural e espontânea. Em diversos momentos da entrevista, os profissionais de educação demonstram não reconhecer nessas ações alguma abordagem tendenciosa à denominação ou ritual religioso. Essas orientações contraditórias estão presentes nas relações discursivas

orientadas por direcionamentos hegemônicos que Fairclough (2001) chama de polivalência tática de discurso. Assim, podemos dizer de um modo geral que a iniciativa de celebrar as datas comemorativas parte mais da idéia de um plano pedagógico anual e obrigatório a ser cumprido do que de uma iniciativa coletiva construída pela comunidade pedagógica. Ficou evidente que há uma forte tendência cristã nessas festividades, a observar a ênfase nas histórias bíblicas, nas representações dos símbolos religiosos cristãos e nas confecções de presépios em época natalina. No entanto, a resistência em abordar hábitos das religiões de matriz africana no Dia de Zumbi é algo marcante em alguns depoimentos. Denominações como candomblé e umbanda parecem ser assunto proibido nas atividades sistematizadas da escola, fato explicável diante um ensino proselitista e carregado de rituais religiosos particularistas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo se constitui como uma tentativa de compreender os discursos dos profissionais de educação da Rede Municipal de Niterói que se encontram nos cargos de direção, coordenação ou docência, quando indagados sobre presença religiosa na escola. Com base em Norman Fairclough, utilizamos algumas categorias de análise crítica do discurso para analisarmos as entrevistas que serviram de material empírico para essa pesquisa. O conteúdo dos discursos analisados confirmaram a enorme complexidade de se estabelecer a laicidade na educação a partir de sujeitos tão envolvidos com os códigos da religião no interior da escola. Poucos depoimentos trouxeram, de fato, a defesa da escola laica e reflexiva, e muitos demonstraram certa rejeição à abordagem de conteúdos que fazem referência às religiões de matriz africana. Ao analisarmos as diferenças geográficas existentes nas instituições, percebemos a forte presença de famílias evangélicas em escolas que estão localizadas no interior de favelas, onde se concentram pessoas oriundas das camadas populares. Essas diferenciações de perfil de estudantes e famílias no contexto da comunidade escolar alteram substancialmente a configuração das relações existentes no interior da escola com relação à abordagem de determinados assuntos religiosos ou comemoração de alguma festividade religiosa. Justificativas de que aspectos religiosos não são tendenciosos propiciam uma valorização da presença religiosa confessional no currículo institucional e oculto das escolas analisadas, contrariando a pretensão constitucional em delimitar espaços próprios e inconfundíveis para a fé, esfera de cunho íntimo e privado. Quando a escola pública assume a defesa religiosa, acaba por cercear a aceitação de todos, independente de sua convicção ou não convicção religiosa, contribuindo para a coação das demais convicções. Utilizar a presença

religiosa na escola como instrumento amenizador de conflitos e indisciplina não parece ser um posicionamento que compreende verdadeiramente as questões subjetivas das experiências e práticas pedagógicas que pulsam dentro do ambiente escolar, onde o professor deve refletir constantemente sobre as suas formas de mediação na construção do conhecimento, procurando entender as diferentes trajetórias, saberes e conflitos trazidos pelos alunos e não utilizando a religião como camisa de força para sufocá-las. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAVALIERE, Ana Maria. O mal estar do ensino religioso nas escolas públicas. Cadernos de Pesquisa, V 37, n 131, maio/ago, 2007. CUNHA, Luiz Antônio; CAVALIERE, Ana Maria. O ensino religioso nas escolas públicas brasileiras: formação de modelos hegemônicos. In: PAIXÃO, Léa e ZAGO, Nadir (Orgs.). Sociologia da Educação pesquisa e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 2007. CUNHA, Luiz Antônio. A luta pela ética no ensino fundamental: religiosa ou laica? Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 137, mai./ago., 2009. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1981.